Seminário do CNS, ENF e Fiocruz debate pesquisa, trabalho, tecnologia e futuro

O Projeto Integra promoveu na terça (28/9) o Seminário Integrador sobre Investimento em Pesquisa e Desenvolvimento: a Fiocruz do Futuro, o Trabalho e a Tecnologia. O seminário contou com a participação da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, e do coordenador do Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz), Carlos Gadelha.

A presidente fez um relato da convergência de agendas entre a Fundação e os princípios que levaram à criação do projeto Integra, do qual é uma das instituições coordenadoras. “O Integra une a atenção à saúde, a vigilância, a C&T e a inovação, resultando em um desafio para os pensadores da área da saúde coletiva. Particularmente para mim, é uma motivação a mais fazer parte deste projeto, que reflete, em parte, o programa de gestão do meu segundo mandato como presidente da Fiocruz, numa grande e proveitosa confluência de interesses”, afirmou. A íntegra do seminário pode ser acessada aqui. 

O evento teve mediação da coordenadora-geral da Escola Nacional de Farmacêuticos (ENF), Silvana Nair Leite, e do secretário-executivo substituto do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Marco Aurélio Pereira. O projeto Integra – Articular Políticas Públicas para Fortalecer o Direito à Saúde visa formar lideranças e mobilizadores sociais, com atividades online e seminários e é coordenado por CNS, ENF e Fiocruz, com apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Em sua intervenção, Nísia recuou algumas décadas para lembrar e homenagear os estudos e o pensamento do economista Celso Furtado. “Visionário e arguto pensador, ele antecipou debates que ocorrem hoje, relacionados ao modelo de desenvolvimento e às questões social e ambiental, que estão interligados e que são temas sempre tão urgentes no Brasil. Essa discussão se torna ainda mais atual no momento em que o país enfrenta uma grave crise sanitária, econômica e social que, por essas características, não se restringe ao enfrentamento à pandemia”.

A presidente da Fiocruz afirmou que os problemas que já existiam, agravados pela Covid-19, e em escala planetária, traz novos desafios para elaborar modelos de superação dos problemas. “Como muitos outros pensadores já comentaram, o Brasil não é um país pobre, é um país desigual. E essa questão é central neste debate. Por isso é tão importante insistir na ênfase do desenvolvimento aliado à inclusão e à promoção da equidade”. A C&T, sublinhou Nísia, é um fator que proporciona de desenvolvimento, em especial no campo da saúde.

Ela também ressaltou a necessidade de abordagem sistêmica na saúde, com uma visão interdisciplinar da saúde coletiva. E destacou que recentemente escreveu um artigo, para a revista Saúde em Debate, do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), em que ela e Carlos Gadelha abordam a interdisciplinaridade no campo da saúde coletiva e o enfrentamento à Covid-19.

Nísia afirmou que as políticas públicas devem estar integradas e levar em consideração a saúde humana na sua dimensão de qualidade de vida – evitando o foco apenas em algumas doenças. “Mais do que olhar para uma só doença, precisamos ver as condições de saúde e dos sistemas de saúde. O pior que pode ocorrer para a sustentabilidade e o desenvolvimento são ações fragmentadas. Deve haver uma preparação do sistema para responder às epidemias e às pandemias, assim como aumentar a capacidade de atender as doenças crônicas”. Ela ressaltou que a Fiocruz reúne todas as áreas do conhecimento e costuma incentivar esse debate desde 2017, quando assumiu seu primeiro mandato.

A presidente citou ainda o que chamou de sete desafios. “São eles: o ambiental: é impossível pensar em questões de saúde e desenvolvimento, como já anteviram Furtado e Josué de Castro, sem refletir a relação entre animais humanos e não-humanos, a exploração sustentável e não-predatória da natureza e dos seus recursos, que a pandemia mostrou de forma clara. Outro é o demográfico: o Brasil ainda tem o maior contingente de jovens de sua história, mas não podemos esquecer que esse fenômeno vai se esgotar e o país está envelhecendo aceleradamente, o que traz novos desafios para lidarmos com essa crescente parcela de idosos. E sobre os jovens, quais as prioridades deles? E de trabalho? O que estamos fazendo por eles?”.

Nísia disse que esse desafio leva a outro, que são as mudanças no mundo do trabalho. “É preciso promover a inclusão de uma grande leva de desempregados, que aumentou com a pandemia”. O quarto desafio, segundo a presidente, é a desigualdade e ainda as questões de raça e gênero, além da violência. “A autonomia e soberania nacionais formam o quinto desafio. Temos muitos gargalos, ainda mais evidenciados pela pandemia, embora o país tenha histórias de êxito para contar, vide os casos de Fiocruz e Butantan, exemplos de sucesso que tiveram a participação crucial do Estado”.

O sexto desafio é constituído pela informação e comunicação, cada vez mais estruturantes da CT e da vida em sociedade, em especial num momento de notícias falsas. Por fim, há o desafio da democracia. “É fundamental existir mais equidade na participação da sociedade nos benefícios para a sociedade e isso só se dará em um contexto democrático. Para além das eleições, é necessária a participação da sociedade em um projeto soberano e autônomo de país. Tudo isso faz parte da agenda de futuro da Fiocruz, uma instituição estratégica do Estado brasileiro que trabalha em favor da população”.

Em sua participação, Carlos Gadelha também louvou o pensamento de Celso Furtado, ao alegar que há 40 anos o economista já punha o processo ambiental na centralidade das questões de desenvolvimento. “Tecnologia tem que estar aliada à inclusão e à preocupação ambiental”. Ele afirmou que o SUS é responsável por uma das maiores transformações sociais do país nos últimos 35 anos, embora ainda haja muito a fazer. “É preciso para de destruir e voltar a construir, mas não de maneira predatória, que se torne uma ameaça as futuras gerações. Não existe contradição entre desenvolvimento e preservação ambiental ou equidade”, sublinhou.

Baseando sua intervenção nas obras do economista e cientista político Joseph Schumpeter, do também economista John Maynard Keynes e do filósofo e economista Karl Marx, Gadelha traçou a trajetória de desenvolvimento do sistema capitalista a e apontou os problemas do modelo. “Se não entendermos o mundo criado no século 18 não vamos entender nada do que ocorre hoje”, observou. “Basta pegarmos um medicamento ou uma vacina. Por trás desse produto há um modelo de sociedade. Quem desenvolveu? Quem tem acesso? Quem ganhou com isso?”.

Gadelha disse que o Brasil não pode se contentar em ser apenas um produtor de alimentos. “Algo que faz ainda menos sentido se lembrarmos que o país tem 120 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar, que não sabem se terão comida no dia seguinte. Ou mesmo hoje”. Ele acrescentou que os países que menos dispõem de tecnologia são os mais desiguais. “Aqueles que têm como seus principais produtos de exportação os minérios, os grãos, o petróleo e similares estão sempre a reproduzir a desigualdade. Não podemos ser somente uma fazenda”.

Gadelha também lembrou sua passagem pelo Ministério da Saúde e afirmou que o Estado precisa ser Estado. “A Saúde, no caso brasileiro, pode ser a porta de entrada na Quarta Revolução Industrial, um vetor que puxe a economia. Hoje, 88% das patentes estão concentradas em dez países. Isso só aumenta a desigualdade”.

Assista Seminário Integrador sobre Investimento em Pesquisa e Desenvolvimento: a Fiocruz do Futuro, o Trabalho e a Tecnologia.