O guia definitivo da farmácia veterinária

Quem tem gato sabe que é muito mais fácil instaurar a paz mundial do que fazê-lo engolir um comprimido. Mas, segundo a especialista em Farmácia Magistral, Danielle Caspirro Roque, “a farmácia veterinária tem várias formas: gotas, biscoito, tem pasta para passar na patinha do gato”.

A solução é simples, e igualmente criativa. “Não adianta você colocar o medicamento na ração dele. Mas se você passar na pata dele, o animal vai estar sendo induzindo a limpar aquele local, e quando ele lambe, ele ingere o medicamento”, responde.

Danielle é responsável pela Natrium Manipulação, em São Paulo, e resume sua paixão pela área em uma frase: “eu tenho animais, e para mim eles são como membros da família.

Segundo Dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), essa a “família” da Dani não está sozinha. Hoje, o Brasil tem mais de 100 milhões de pets, entre cães, gatos, peixes, aves e outros, e divide com o Japão a posição de segundo maior mercado do mundo em produtos e serviços na área.

A farmácia veterinária é um ramo novo. Em 2005, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, permitiu a manipulação de medicamento para os animais. A resolução 504 do Conselho Federal de Farmácia que regulamentou as atividades do farmacêutico na indústria de produtos veterinários, é de 2009. Em 2013, novamente o CFF atualizou a legislação, no que diz respeito as especialidades farmacêuticas por linhas de atuação.

Mesmo assim, a legislação do setor ainda é carente. “Como qualquer outra legislação, tem que ser atualizada constantemente, porém muitas vezes isso demora a acontecer, tornando-se obsoletas”, responde a professora Cláudia Pimpão.

Coordenadora do curso de Medicina Veterinária da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e possui amplo conhecimento no setor, com ênfase em Farmacologia e Toxicologia Veterinária. Ela está na Universidade de Valência, na Espanha, concluindo o pós-doutorado.

Aliás, segundo Cláudia, “um envolvimento profissional maior e fiscalização constante por meio dos órgãos de classe”, é essencial para a evolução do setor.

Danielle concorda: “Dentro do PET tem um farmacêutico? Não! Mas tem uma farmácia. Não tem porque ninguém determinou que um pet precisa ser obrigado a ter um profissional nessa área”.

Mas, afinal, como se monta uma farmácia veterinária?

Uma Farmácia veterinária para chamar de minha.

Segundo a doutora Cláudia, o processo para montar uma farmácia veterinária não tem segredo. “A farmácia veterinária é estruturada da mesma forma que a farmácia humana, a diferença é que a farmácia veterinária tem que ter um responsável técnico médico veterinário”, explica.

Coordenador e Docente do Curso de Dermatologia e Embelezamento Veterinário no Instituto Racine em São Paulo, Marcelo Hiene, conta que a ideia de ingressar no segmento surgiu em 2007. “Já possuíamos uma farmácia de manipulação “humana”, e buscamos nos diferenciar no mercado através da especialização do nicho.”

O principal cuidado que ele tomou foi adequar o estabelecimento aos padrões exigidos do Ministério da Agricultura Pecuária e Desenvolvimento. As diferenças entre uma farmácia magistral “humana” e animal, basicamente, diz respeito a rotina do local, já que a atenção, o estudo, e a paciência são os mesmos de qualquer área da saúde.

Segundo ele, a conexão entre farmácia magistral e farmácia veterinária são “naturais”. “Os processos, infraestrutura, legislações e todo o resto são muito próximos.

Também dono da Calêndula Vet, São Carlos, no interior de São Paulo, ele explica que o conceito de trabalho que busca “é justamente o da diferenciação, ou seja, oferecer ao mercado veterinário produtos, fórmulas e serviços até então inexistentes ou difíceis de se encontrar no mercado magistral humano.”

Marcelo não se arrepende. “O mercado farmacêutico-veterinário cresce muito já a alguns anos, seja o de manipulação ou o industrial.”

Ele também é Mestre em Controle de Qualidade pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), e Especialista em Auditoria na Cadeia Industrial Farmacêutica pelo Instituto Racine. “Os conhecimentos de controle de qualidade foram aproveitados no desenvolvimento das formulações, considerando sua estabilidade”, resume.

Medicina veterinária e farmácia veterinária: como estudar?

A medicina veterinária talvez seja irmã da farmácia veterinária. Realmente, são áreas que se completam, unidas por um ponto em comum: o estudo.

Daniele procurou o MBA em “Farmácia Magistral” no instituto Ipupo, em Campinas. Foram dois anos de dedicação.

A PUC do Paraná também possui cursos de pós-graduação tanto em “Ciência Animal”, quanto em “Farmácia Magistral Alopática Veterinária”.

O instituto Racine, em São Paulo, inclusive onde Marcelo é docente, oferece cursos de especialização em “Manipulação Veterinária – Medicamentos de Uso Oral e Tópico”, e “Manipulação Veterinária – Dermatologia e Embelezamento”.

Marcelo, aliás, cita que existem outros métodos menos ortodoxos. “Alguns, interessados em montar sua farmácia veterinária optam por ficar 1 mês em nossa farmácia acompanhando toda rotina, laboratorial, administrativa, de marketing, técnica e visitação-médica. Tem funcionado como uma assessoria e observamos melhores resultados à curto, médio e longo prazo”.

Além das especializações, o profissional deve ter embasamento jurídico. A assessoria de assuntos regulatórios, De Lucca Mano, fundada pela advogada especialista no setor, Cláudia Mano, oferece o curso “Boas práticas de manipulação de medicamentos veterinários”.

Em 2015, o Congresso Internacional da Consulfarma, o maior evento do setor magistral do mundo, também vai abordar o tema em duas oportunidades. A professora Vanessa Pinheiro, da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (MG), vai ministrar o curso “Farmácia Veterinária : Como Expandir seus Negócios Através da Manipulação Veterinária”.

Já a doutora Vanessa Gonçalves vai abordar as novas “Formulações Veterinárias Inovadoras”.

Se prepare. O Congresso acontece em São Paulo, no Anhembi, do dia 9 ao dia 15 de julho, e as inscrições podem ser feitas pelo site do evento.

Ah, o Portal Educação também oferece o curso online “Farmacologia veterinária”, e você pode fazer sua inscrição por lá.

E a graduação?

Apesar do crescimento dos cursos na área, a própria graduação de farmácia precisa se reinventar. “O veterinário tem farmácia na grade, mas o farmacêutico não tem veterinária na grade”, diz Danielle.

A doutora Cláudia tem opinião semelhante. “As matrizes curriculares de farmácia não contemplam a parte animal, portanto as peculiaridades de cada espécie não é estudada, por isso que há necessidade dos dois profissionais nesta área”, respondeu.

Já Marcelo acredita que as deficiências da graduação podem ser resolvidas em um contato mais próximo com os médicos-veterinários. “O melhor aprendizado foi sem dúvida a vontade de estudar e aprender diariamente que todo farmacêutico magistral tem que ter consigo, além da rotina de tocar de informações com os médicos-veterinários.”

Livros para estudar

Se você ainda está na graduação, a gente recomenda alguns livros para complementar os estudos:

1) Farmacologia Aplicada À Medicina Veterinária, Helenice de Souza Spinosa.

2) Formulário Veterinário Farmacêutico (Pharmaboks), de Vanessa Pinheiro

3) Farmacologia Veterinária, de Ciro Moraes Barros.

4) Farmacologia e Terapêutica em Veterinária, de Nicholas H. Booth

5) Farmacologia Clínica em Medicina Veterinária, de Cyinthia R. L. Webster.

Produção: Farmacologia animal

De acordo com a doutora Cláudia, a produção de fármacos animais seguem cinco fases:

1° fase – Planejamento e Pesquisa (duração média de 1 ano tanto para humano quanto para animal);

2° fase – testes pré-clínicos (substâncias são selecionadas e testadas em animais – testes de eficácia e segurança (fármacos humanos devem ser testados em uma espécie roedora e outra não roedora – em média 5 anos); Na farmacologia animal esta fase já é considerada como teste clínico (em média 3 anos);

3° fase – testes clínicos (fármacos humanos -5anos) (fármacos veterinários – fase anterior);

4° fase – Aprovação (pelos órgãos responsáveis); fármacos humanos – 6 meses) (fármacos veterinários – em média 2 anos);

5° fase – comercialização (6 meses ou mais).

A professora ainda explica que a farmacologia animal e humana, de modo geral, são parecidas.

“Porém, dividimos a farmacologia em geral e aplicada, portanto a farmacologia geral é similar a humana o que consiste em vários pontos em comum, porém existem também diferenças de absorção, metabolismo e excreção entre humanos e algumas espécies animais, como também diferenças entre as próprias espécies animais, o que consideramos como farmacologia aplicada a espécie que se destina, considerando as particularidades de cada espécie animal, ou seja, considerando diversos fatores, tais como: velocidade de absorção do fármaco pelas diferentes vias de administração, locais de eleição para aplicação do fármaco, fatores ligados a metabolização e excreção dos fármacos.”

Sobre a produção de fármacos, Marcelo diz que ela “começa muito antes de recebermos as receitas.”

“Tem seu início na elaboração de procedimentos, treinamentos, padronização de formas farmacêuticas, estudos, pesquisas e etc. A boa e padronizada rotina produtiva é apenas fruto de um árduo trabalho que nós farmacêuticos magistrais temos como responsabilidade. A minha experiência, como a de boa parte foi desde estagiário lá no primeiro ano de faculdade, momento o qual, demostrando interesse e pro-atividade, aprendemos e conhecemos mais com os profissionais mais experientes e vividos”.

A produção dos medicamentos, contudo, ganha uma importância empática para Danielle. “Tem cachorros muito branquinhos que precisam de protetor solar. Imagina você numa praia, sem boné, sem proteção. Agora, imagina eles!”

Trabalho dos farmacêuticos em Hospitais veterinários.

Se as farmácias veterinárias ainda engatinham diante da novidade da área, os hospitais veterinários possuem uma história mais firme, ainda que a rotina lembre muito a de um hospital comum.

Farmacêutico especializada em Farmácia Hospitalar, Vanessa Donegá Sartori, trabalha no Hospital Veterinário da Universidade Anhanguera, Campus ABC, em São Paulo.

“A rotina de uma farmácia veterinária hospitalar é igual á farmácia hospitalar humana. O farmacêutico realiza a seleção, programação, aquisição, armazenamento, distribuição e dispensação dos fármacos e produtos para saúde. Lembrando que a seleção de fármacos e produtos para saúde é realizado junto com os médicos veterinários.”

Vanessa diz que sempre sonhou “em atuar na farmácia hospitalar”, mas jamais imaginou que seria na área veterinária.

“Quando fui selecionada para realizar a entrevista neste ramo, fiquei pensativa, pois não tinha experiência da área veterinária, só na área humana.”

Mas a apreensão ficou para trás. Ela conta que a especialização ajudou muito na rotina do hospital veterinário. A troca de experiências com os médicos-veterinários também foi fundamental para o desenvolvimento profissional dela.

Dulce Alves, também farmacêutica, trabalha no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia. Ela também deve muito a interação com os médicos-veterinários na sua evolução.

“Existe uma disposição enorme dos profissionais da medicina veterinária em interagir conosco. Todos os veterinários sempre foram prestativos e se alegravam com as mudanças que propus ao longo do período que estive presente lá. Sempre tive experiências boas.”

Ela conta que criou a farmácia e o almoxarifado no início, e que seu trabalho era auxiliar na dispensação e manipulação de quimioterápicos. “Sim, os animais têm câncer”. Além disso, ainda era responsável pelo “controle dos medicamentos controlados, dispensação no centro cirúrgico de anestésicos e outros, controle de temperatura do almoxarifado, observar a lavanderia, lista de compras de medicamentos.”

Uma curiosidade é que as farmácias veterinárias também tem medicamentos para humanos incluídos em seus estoques.

“A farmácia do Hospital Veterinário da Universidade Anhanguera – Campus ABC é estruturado de fármacos de uso humano e veterinário, também de produtos para saúde que são os mesmos utilizados no humano”, conta Vanessa.

Em ponto, Vanessa e Dulce são unânimes: é preciso se atualizar sempre, e ter o conhecimento e experiência na área hospitalar.

“É fundamental que o farmacêutico para atuar na farmácia hospitalar veterinária sempre esteja atualizado, não só nesta área e sim em todas”, defende Vanessa.

Além do conhecimento, como também lembra Dulce, “a presença do farmacêutico é indispensável:.

Afinal, tanto para vencer o desafio de medicar um gato sem ter nenhum arranhão, ou administrar um hospital veterinário, os desafios não são diferentes dos enfrentados no “mundo humano”: saúde bem cuidada, independente se o paciente diz ai, au-au ou miau.

Por Leonardo Cândido Simões via FENAFAR