Fenafar e Abef pressionam por qualidade no debate sobre diretrizes curriculares

Quarto debate de um sábado (27) intenso, a discussão “Novas Diretrizes Curriculares para o Cursos de Farmácia” foi valorizada pelo público presente à Reunião do Conselho de Representantes da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar).

Para o diretor da Associação Brasileira de Educação Farmacêutica (Abef) Paulo Sérgio Dourado Arrais, o debate sobre as diretrizes curriculares se fez mais urgente a partir de 2016: “esse assunto acelerou algumas decisões quando no ano passado foi oficializada a educação como mercadoria, materializada na abertura indiscriminada de cursos de pós a distância na área da saúde”. Criticou, ainda, o Decreto nº 9.057/2017, que regulamenta o ensino a distância no país. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) emitiu manifestação pública “posicionando-se firmemente contra o processo de graduação a distância”, relatou Arrais.

Currículo por competências

A proposta de diretrizes curriculares apresentada pela Abef trabalha com o conceito de currículo por competências: “é o aluno no foco, o professor como facilitador, para estimular o estudante a ir atrás de solução de problemas do nosso dia a dia profissional, para desenvolver habilidades como profissional e dar resposta às necessidades da sociedade”, descreve Arrais.

De acordo com a proposta, o currículo deve ter carga horária de ao menos 4 mil horas, sendo 50% voltado à formação básica, incluindo desde conteúdos das ciências humanas e sociais, passando por exatas e biológicas, até disciplinas voltadas para gestão e empreendedorismo, bem como para pesquisa e desenvolvimento para inovação. A outra metade do currículo deve ser composta por conteúdos das chamadas ciências farmacêuticas, dividido em Cuidado em Saúde (50% da carga horária), Tecnologia e Inovação em Saúde (40%) e Gestão em Saúde (10%). A proposta prevê, ainda, a realização de estágio curricular e de atividades complementares e de extensão. O objetivo é garantir que o perfil do egresso seja de um profissional da saúde, com formação integrada. O diretor da Abef também abordou o conceito de trabalho decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Formação para o SUS

“Na Fenafar temos acúmulo, há muito tempo debatemos a questão da formação do farmacêutico, que deve ter por objeto o SUS, e cuja atuação deve estar voltada para atender demandas da população”, explicou a diretora de organização sindical da federação, Débora Melecchi, que é também diretora de saúde da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil do Rio Grande do Sul (CTB-RS). Débora considerou representativa a audiência pública realizada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no último 3 de abril para debater as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Farmácia e ressaltou o papel do conselho na regulação dos cursos da área. “A gente eleva o debate para a lógica social, e não mercadológica”, avaliou a diretora.

A Comissão de Recursos Humanos e Relações de Trabalho do CNS, que Débora Melecchi integra, debate as diretrizes curriculares, propondo a matriz padrão para todos os cursos na área da saúde, considerando as especificidades de cada um. Na mesma data em que ocorria a audiência pública, em 3 de abril, a comissão também tinha em sua pauta o tema, discussão que culminou na Resolução 546, do pleno CNS, que trata de recomendações do conselho à proposta de diretrizes curriculares. O documento afirma a saúde como direito do cidadão e dever do Estado; o SUS como ordenador da formação na área da saúde; o princípio de que a formação deve se pautar na saúde das pessoas; a Ciência e Tecnologia como instrumento do farmacêutico, bem como o papel social da farmácia no cuidado e saúde do paciente. Por fim, Débora defendeu a carga horária mínima de 5 mil horas.

Formação crítica

A representante da Articulação Nacional da Executiva Nacional dos Estudantes de Farmácia (Enefar), Gabriela Gonçalves, iniciou sua intervenção com uma pergunta crítica: “a quem serve a educação?”, para em seguida fazer referência a uma fala do presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, de que no momento ocorre não apenas a mercantilização da educação, mas da vida: “é medicalização, sucateamento da saúde, da educação, e nisso vamos perdendo o que mais bonito há em ser humano: o tempo da nossa vida. O salário e a perspectiva de carreira que não correspondem ao tempo que a gente gasta”, completou a estudante.

Sua defesa se concentrou em uma formação humanista, crítica e reflexiva para todas as áreas, inclusive Farmácia (mas não só) e apresentou duas preocupações: com uma carga horária muito grande, que não permita que o estudante tenha tempo para se desenvolver para além dos conteúdos oferecidos pela graduação; e com a necessidade de formação política em geral, chamando a atenção de que esse aspecto deveria ser forte nos cursos de saúde, dado que o SUS, nas suas palavras, “nasceu de muita luta”. Gabriela afirmou também a posição da Enefar contrária à educação a distância para o curso.

Pauta constante

Já a diretora de educação da Fenafar, Silvana Contezini, ressaltou o caráter geral das diretrizes: “há um processo de interpretação e de como se implementam essas diretrizes, que reflete muito em como se avaliam os cursos”. Ela relatou o processo de debate e articulação entre setores da sociedade para a concretização em cursos de graduação das diretrizes curriculares para os cursos de Farmácia de 2002, fazendo referência ao relatório do I Fórum da Associação Brasileira de Ensino Farmacêutico (Abenfar), e afirmou que tal pauta sempre esteve presente no debate da Federação.

Ao relatar o processo de debate, lidando com pensamentos e interesses diferentes, destacou que o texto ora proposto “avança muito em relação às diretrizes 2002” e valorizou o conceito de formação por competências, advertindo entretanto: “mas não para criar categorias de tarefeiros (…). Esse texto traz o que autores internacionais debatem como avanço positivo, que é discutir não apenas tarefas pontuais, mas competências por cenários de práticas”.

Silvana ainda discorreu sobre a diferença entre as necessidades da formação do farmacêutico no Brasil em comparação com outros países, exemplificando a importância de não se aderir acriticamente a diretrizes internacionais: “em outros países a questão tecnológica está resolvida. Lá não é uma preocupação interna e não há interesse em que os outros façam”. Tal discussão levou a um rico debate sobre a questão da análise clínica, em que o Brasil e referência, mas está em decadência em outros países. Ela defendeu a importância do pensamento clínico do farmacêutico, mas alertou que a clínica não pode ser considerada “salvação para a formação farmacêutica”.

Foco tecnológico

O último debatedor da mesa foi o diretor de juventude e direitos humanos da Fenafar e também diretor de saúde da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Dalmare Sá. Ele afirmou que se considera um farmacêutico clínico, mas defendeu que a formação não se restrinja a este aspecto: “não podemos perder foco tecnológico, muito importante para o país”. Ressaltou, ainda, a importância de que seja reforçado o direito de acesso aos medicamentos no escopo dos cursos de Farmácia. Dalmare disse se preocupar com a composição do Conselho Nacional de Educação, composto por nomes escolhidos pelo ministro da pasta, a partir de listas tríplices, e destacou algumas lutas em curso no campo da educação, como Reforma do Ensino Médio, o Decreto de regulamentação que amplia a Educação a Distância (já referido), criticou ainda a proposta Escola Sem Partido e relatou a atuação da ANPG na vitória que representou a não aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional que previa a cobrança de mensalidade em cursos de pós-graduação em universidades públicas.

Da redação
Publicado em 01/06/2017

Da redação