Dez anos da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha (Lei 11340/2006) foi criada para prevenir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Muitos avanços foram obtidos deste então e novos estudos e abordagens sobre o tema têm sido desenvlvidos no país. Mas a possibilidade de retrocessos é na adoção de políticas é real.

 

 

A biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, a quem a lei deve seu nome, sofreu duas tentativas de assassinato por parte do então marido. Na primeira com um tiro nas costas que lhe deixou paraplégica, ela esperou por quase 20 anos para vê-lo preso. A denúncia que apresentou à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro, por incúria em relação a seu caso, resultou na condenação que levou o país a criar uma lei contra a violência doméstica.

Para a farmacêutica, o aumento das penas para o agressor e das condições de segurança para que as vítimas passem a ter coragem de denunciar estão entre os principais avanços que a lei trouxe para a mulher. Mas ela reconhece, contudo, que ainda existem dificuldades que geram dúvidas sobre a efetividade da norma.

Um dos desafios seria garantir adequada amplitude à rede de serviços que ampara as mulheres em situação de violência, como delegacias e juizados especializados, núcleos de gênero no Ministério Público e nas Defensorias Públicas, centros de referência e casas-abrigo. Maria da Penha enfatizou a necessidade de investimentos em educação, desde a educação básica, para desconstruir a cultura de violência contra a mulher. “É a cultura que faz com que o homem aprenda na sua casa que agredir é normal, porque viu seu pai agredindo sua mãe, seu avô agredindo sua avó e isso ser justificado como uma conduta natural. Por isso, temos agressões em todos os níveis, juízes agressores, deputados agressores, médicos agressores. Enfim, todo e qualquer homem pode ter se tornado um agressor pela educação que recebeu”, alertou.

Alterações na lei

Tentativas de alterações na Lei Maria da Penha estão em curso e podem representar uma ameaça para os avanços conquistados. Para senadoras e deputadas, as mudanças contrariam a essência da norma. Há projeto em análise na Câmara que retiram do texto todas as referências a “gênero” — termo sociológico e político que enfatiza as desigualdades de poder e direitos entre mulheres e homens — pela palavra “sexo”, conceito do campo da biologia.

A representante do Escritório da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman também manifesta sua preocupação com a questão. Entre 104 projetos que tramitam nas duas Casas, ela destaca o PLC 07/2016, já em análise pelo Plenário do Senado. O texto dá poder aos delegados para estipular medidas protetivas com base na Lei Maria da Penha, a pretexto de acelerar as decisões. Constitucionalmente, esse tipo de medida cabe aos juízes. Entidades feministas também já se manifestaram contra o projeto, mas mesmo assim ele avançou. “Começar a mudar partes da lei, começar a mexer com a lei sem consultar as organizações que são cada vez mais conhecedoras da lei é realmente uma forma que não vai dar certo”, comentou.

Nobel da Paz

Em cerimônia realizada no Congresso para comemorar e avaliar os avanços obtidos com a legislação, Maria da Penha, recebeu a notícia sobre iniciativa para que seu nome seja indicado ao Nobel da Paz.

Livro mapeia pesquisas sobre violência de homens contra mulheres

Sob o marco da celebração da primeira década de existência da Lei Maria da Penha, foi lançado na última sexta-feira (4/8), o livro Homens e Violência contra as mulheres. Reunindo a experiência de grupos de homens autores de violência, a publicação é fruto do trabalho de um ano de mapeamento dos pesquisadores Marcos Nascimento, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) e Adriano Beiras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A partir do interesse dos dois em coletar diferentes abordagens sobre a realidade dos homens autores de violência contra a mulher, foi feito o convite para que pesquisadores ligados a programas de pós-graduação do país narrassem os resultados de suas teses e dissertações sobre a temática. O esforço coletivo envolveu profissionais de Psicologia, Saúde Coletiva, Medicina Preventiva, Sociologia, Criminologia, Antropologia e Linguística.

Envolvendo discussões feministas, os artigos compõem diferentes perspectivas teóricas e metodológicas, ressaltando a multidisciplinaridade de experiências presentes neste campo no contexto brasileiro. “Nossa intenção era não se limitar às discussões tradicionais sobre o assunto. Conseguimos

 abordar olhares bem interessantes. Temos um capítulo, por exemplo, em que o centro da atenção deixa de ser o autor da violência e passa a ser os

De forma crítica e atual, ao longo dos oito capítulos do livro, os autores propõem um debate sobre ações concretas, que servem como ponto de partida para a promoção de políticas públicas que possam dar conta de uma realidade tão complexa. “Com as diversas visões sobre as iniciativas voltadas para os homens autores de violência, buscamos desconstruir a prevalência de padrões violentos e desiguais nas relações interpessoais. As intervenções apresentadas visam promover a criação de novos serviços e programas em diversos locais, bem como fortalecer os já existentes, a partir da capacitação de profissionais e da consolidação de ações integradas com as redes de enfrentamento, evitando ações muito pontuais, lineares, ou ainda, pouco qualificadas diante da complexidade do problema”, conclui Marcos Nascimento. profissionais que acompanham os homens. Mergulhamos nossa abordagem sobre a equipe que trabalha com esses indivíduos”, destaca Marcos Nascimento.

Fonte: Fiocruz