Inflação de remédios dispara, afeta idosos e mais pobres

Os reajustes podem chegar a 13%, antecipa o mercado financeiro. Economista prevê quadro dramático para pessoas de mais idade e renda mais baixa. Com a inflação já nas nuvens – e subindo – o governo deve favorecer as empresas farmacêuticos.

 

 

Controle de produção pelas farmacêuticas globais e altos custos cambiais no Brasil devem prolongar, a partir de 1° de abril, o forte aumento dos preços dos medicamentos iniciado no ano passado. O valor da autorização para os reajustes ainda não está definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, mas o sistema financeiro está antecipando um limite próximo dos 10,06% do ano passado, podendo chegar aos 13%. É um descalabro, do ponto de vista econômico, para todos os setores sociais. Mas a economista Vivian Almeida, professora do Ibmec-RJ, não tem dúvida: os idosos, os mais pobres e os pacientes de doenças crônicas vão ser especialmente penalizados.

“O quadro mais dramático é a pessoa com mais idade ou com problema de saúde com uma renda mais baixa”, sentencia ela. A Câmara reguladora, que administra o preço de cerca de dez mil medicamentos, amenizou em parte o sofrimento ao cortar a zero, em janeiro, um dos fatores cobrados dos consumidores: os (presumidos) ganhos futuros de produtividade dos oligopólios globais. Com isso, também deve ser zero um fator que (presumivelmente) coíbe a concentração do mercado. No entanto, só a inflação pelo IPCA acumulada em 12 meses até fevereiro já está em 10,54%, e o varejo provavelmente será autorizado a repassá-la aos consumidores. Com uma crueldade adicional: este ano, o índice que afeta as populações mais pobres, o INPC, usualmente menor que o IPCA, também está nas nuvens: fechou 2021 com alta de 10,16%, contra 5,45% em 2020.

O mercado global ainda não resolveu seus gargalos de produção, como diz a imprensa, gerando surtos instáveis de preços desde 2020 – e não só no setor farmacêutico. Ontem o mercado financeiro voltou a ampliar sua expectativa de aumento do IPCA para 6,86% em 2022. Há uma semana havia projetado 6,59% e há quatro semanas, 5,6%. Como se vê, se o governo não governa, o contágio dos oligopólios é imediato. Em dezembro já se previa tanto a falta de medicamentos no mercado, como o consequente aumento nos preços do setor, reportou a BBC. Eles seguem principalmente a tendência de alta do dólar, disse Silvia Okabayashi, da Universidade Metodista de São Paulo.

Silvia replica o alerta feito por Vívian, acima: são sempre as famílias de baixa renda que mais sofrem. “Proporcionalmente elas são mais afetadas por esse processo inflacionário, porque os valores impactam mais no seu orçamento, e elas já têm um poder de compra reduzido”. Não há muita saída: os remédios que não são importados usam insumos importados. No fim das contas, 90% da produção de medicamentos no Brasil é dependente da indústria externa. Se o dólar cair, o preço dos remédios pode não subir tanto, explica Silvia. Mesmo com inflação. “Mas é difícil”, diz ela.

Existe ao menos alguma expectativa de estabilização global. O consultor de investimento Étore Sanchez, por exemplo, acredita que o reajuste dos remédios pode ser diluído, caindo nos meses seguintes: 60% do reajuste que for autorizado seria aplicado em abril, diz ele. Depois viriam 30% em maio e 10% em junho. Mas os reajustes premiarão as grandes empresas, seja como for. Esses limites de preços são muito altos, na avaliação do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). “A regulação não funciona como se propõe”, afirma Matheus Falcão, advogado do Instituto, porque o atual sistema permite que se façam vários reajustes no ano. Já os clientes não podem escolher quando e quanto podem pagar.

O efeito da inflação de produtos farmacêuticos é especialmente grave porque já está fazendo um ano. Disparou em abril do ano passado, subindo 2,69% no mês – para se ter uma idéia, seriam 32%, se a taxa persistisse por 12 meses. No caso dos antibióticos, o aumento foi de 5,2%. Os reajustes, então, degringolaram. No mês anterior, em março, o governo havia autorizado aumento de 10,08% nos preços, o maior reajuste desde 2016. Com a pandemia, em 2020, o teto de reajustes havia sido fixado em 5,21%. Em 2019, ficará em 4,33%, em 2018 em 2,43% e em 2017 em 4,76% (como se vê no gráfico abaixo). Confirmando o efeito perverso, logo após o reajuste de março de 2021, 59% dos idosos deixaram de comprar medicamentos por falta de dinheiro, conforme pesquisa da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias.

Por Flávio Dieguez, em Outras Palavras