Covid: o pequeno passo do Congresso contra as patentes

Tramitando desde o início do ano, foi finalmente aprovado nesta quarta-feira, 11/08, no Senado Federal, o PL 12/21, que prevê a concessão de licença compulsória para produção, no país, de vacinas e outros insumos que sejam protegidos por patentes, enquanto durar a pandemia. Falta, agora, a sanção de Bolsonaro. Por não promover transferência de tecnologia, medida não terá efeito prático imediato.

Chamada sem muita precisão de “quebra” de patentes, a medida na verdade não anula os direitos de propriedade. O licenciamento compulsório suspende temporariamente, em situações emergenciais, alguns efeitos da propriedade intelectual e, na prática, permite que o objeto protegido por uma patente – nesse caso, as vacinas e outros medicamentos e insumos usados no combate á covid-19 – possam ser produzidos por outros. 

Cai, assim, o direito de exclusividade dos laboratórios sobre a produção de vacinas. Ou seja: as farmacêuticas não podem mais impedir que entrem concorrentes na produção dos imunizantes. Os donos das patentes, no entanto, continuam podendo produzir e vender a tecnologia, além de receberem royalties de quem utilizar o licenciamento compulsório. 

A medida, que, como se pode imaginar, não agrada em nada às grandes farmacêuticas, é prevista no próprio Acordo Trips, tratado internacional instituído em 1994 e que deve ser obedecido por todos os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).  A proposta conta com apoio de militantes pelo direito à saúde e acesso a medicamentos, como a organização Médicos sem Fronteiras, que consideram a medida fundamental para combater a desigualdade na distribuição e acesso a vacinas na pandemia. 

No contexto internacional, a OMS tem sido firme defensora da suspensão de alguns dos efeitos do Acordo Trips para garantir a equidade de cobertura vacinal. O diretor-geral da entidade, Tedros Ghebreyesus, caracteriza o cenário como um “apartheid de vacinas”. Ele tem sistematicamente denunciado a desigualdade no acesso a imunizantes e chegou a dizer que a decisão sobre “compartilhar ou não” é um teste de caráter. 

Leia mais: Covid-19: o mundo em um “aparheid de vacinas”.

Desde o ano passado, algumas iniciativas importantes no sentido de democratizar a produção de vacinas estão em curso, como a protagonizada por Índia e África do Sul na OMC, que conta com a adesão de mais de 100 países. Os novos termos permitiriam que mais laboratórios, universidades e atores diversos se somassem à produção de vacinas e insumos. Mas, em função das férias de agosto do órgão, só deve voltar a ser discutida na segunda semana de setembro. 

Mesmo os maiores defensores do licenciamento compulsório de patentes farmacêuticas na pandemia, concordam que medidas como essa não resolverão de uma hora para a outra o problema de países que não estão conseguindo vacinar minimamente suas populações.

Neste sentido, a Fenafar ao longo de sua história, sempre colocou como tema prioritários de luta em defesa do direito à saúde a discussão sobre as patentes no Brasil. Inclusive com o ingresso da ADI 4234 no STF contra o instituto das Patentes Pipeline  (que ainda guarda julgamento) e nos somando à campanhas nacionais e internacionais em defesa da quebra de medicamentos, tema que a entidade chamou a atenção desde os primeiros momentos da pandemia.

Vacinas “estragando”, uma revolta!

Nesse cenário, é difícil sentir outra coisa que não revolta ao ler reportagens como a do Washington Post (republicada no Estadão) afirmando que milhões de doses de imunizantes em países de alta renda estão em vias de expirar, sem que os governos se disponham a enviar as caixas para o exterior. 

É preciso lembrar, claro, que perdas são comuns e esperadas em qualquer campanha de vacinação, e acontecem pelos mais variados motivos – desde frascos que se quebram no manuseio até panes em refrigeradores. Mas vacinas vencidas nessa longa e desigual pandemia são um problema bem grave. E não há dados exatos – a matéria traz apenas estimativas, com base no que já se sabe sobre algumas cidades ou países. “Não há ninguém que monitore as doses expiradas sistematicamente”, diz Prashant Yadav, especialista em cadeias de suprimentos de saúde do Center for Global Development.

Além das perdas em nações ricas – estima-se que só a Carolina do Norte, nos Estados Unidos, tenha 800 mil doses a vencer em breve –, há outra questão: segundo a OMS, quase meio milhão de doses já venceu no na África na semana passada. O motivo: a maior parte dos imunizantes chega ao continente com uma data de validade já muito curta, devido a atrasos nos embarques. A Libéria, por exemplo, teve apenas duas semanas para distribuir dezenas de milhares de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca. Não deu. “Simplesmente não tínhamos tempo suficiente”, disse a ministra da Saúde do país, Wilhemina Jallah. Isso reforça que, se as doações são feitas em cima do laço, há pouca chance de aproveitá-las.

Da redação com OutraSaúde