Entidades pedem ao Supremo suspensão do teto de gasto para país enfrentar pandemia

Entidades de direitos humanos ingressaram nesta terça-feira (17) no STF (Supremo Tribunal Federal) com petição para suspensão imediata da emenda constitucional que estipulou em 2016 um teto de gastos federais por 20 anos. O pedido afirma que a pandemia de coronavírus pode levar o sistema de saúde e outras políticas sociais ao colapso, com efeitos para depois de 2020.

 

 

A situação exigirá do país a complementação de recursos e, segundo a petição, a emenda do teto é um “entrave à reação à pandemia”.

A iniciativa partiu de organizações como Ação Educativa, Conectas Direitos Humanos e Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

As entidades são qualificadas como parte interessada (amici curiae, que significa amigos da corte, em latim) em três ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) que já tramitam no Supremo contra a emenda.

A peça é assinada pela advogada Eloísa Machado de Almeida, professora de direito da FGV-SP e membro do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, que representa as mais de 25 organizações da sociedade civil.

Especialistas afirmam que a regra que limita o crescimento das despesas federais não impede que o governo gaste mais em ações de combate ao coronavírus, pois o dinheiro para casos de calamidade pública fica fora da restrição.

No entanto, parte deles defende que o mecanismo seja temporariamente suspenso para que a equipe do presidente Jair Bolsonaro adote as medidas necessárias.

A petição levada ao STF nesta terça argumenta que o teto de gastos alterou a lógica constitucional: esforços pautados para manter a necessária melhoria e expansão das políticas de saúde e educação transformaram-se em um cenário de “reivindicações para sua mera existência”.

Agora, diz o texto, uma emergência de saúde pública se sobrepõe por causa do coronavírus.

As entidades ressaltam as preocupações com o financiamento adequado do sistema de saúde, mas apontam para a emergência de manter e ampliar políticas sociais diante da pandemia.

“O resultado do subfinanciamento das políticas de saúde, que já era grave, toma proporções catastróficas em um cenário de crise de saúde, com a pandemia de coronavírus”, diz o texto.

Entretanto, argumenta a petição, não basta olhar somente para as políticas de saúde.

“Toda a estrutura constitucional de proteção social tem de ser e estar fortalecida, já que a desigualdade é também um fator de agravamento do impacto da doença.”

O texto chama a atenção ainda para o “potencial de destruição” com relação à população em situação de rua e em assentamentos precários.

Cita a necessidade de ampliação da testagem e de leitos de terapia intensiva, mas também ações emergenciais na área de assistência social e de segurança alimentar, “com a expansão e fortalecimento urgente dos programas de rendas mínima”, como o Bolsa Família, BPC (benefício assistencial para idosos carentes e deficientes) e de outros como o Bolsa Alimentação Escolar.

Até esta terça, 23 redes estaduais de ensino já haviam suspendido as aulas, segundo balanço do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação).

“As merendas ocupam função importante no dia a dia de muitos alunos”, diz o texto. “Para essas crianças, períodos sem aulas é equivalente à fome.”

Aprovado pelo Congresso em 2016, na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), o limite de crescimento das despesas públicas foi incluído na Constituição e impede a expansão dos gastos acima da inflação. Qualquer alteração nessa regra depende de amplo apoio na Câmara e no Senado.

A restrição ao aumento dos gastos tem algumas exceções. Uma delas é o envio de dinheiro para despesas imprevisíveis e urgentes, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

O governo, portanto, pode usar esse dispositivo para ampliar os recursos em ações de contenção das transmissões do vírus e tratamento de pacientes infectados.

Fonte: Folha de S.Paulo
Publicado em 19/03/2020