Opinião: Saúde não é mercadoria: ministro, não acabe com a Farmácia Popular

Artigo de Ronald Ferreira dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos e do Conselho Nacional de Saúde demonstra o descompromisso do governo com a política de medicamentos e denuncia que, “mais uma vez a decisão se deu apenas entre gestores, sem a participação do CNS”

 

 

por Ronald dos Santos*

No dia 20 de novembro de 2017, Dia da Consciência Negra, além de um dia de luta contra a discriminação racial, também foi dia de preocupação com a notícia divulgada pela imprensa sobre o futuro do Programa Aqui Tem Farmácia Popular, do Ministério da Saúde (MS).

O governo divulgou que está buscando reduzir os valores pagos pelo MS aos estabelecimentos farmacêuticos credenciados no Programa.

Tal redução, que se dará num processo de negociação com o setor produtivo e varejista de medicamentos, está baseada nos valores praticados no mercado e naqueles praticados no Programa. A matéria no site do MS diz que o objetivo da negociação “é dar maior eficiência a utilização dos recursos públicos e garantir que não haja ônus para o SUS”.

Por outro lado, o setor varejista argumenta que a redução, da forma como está sendo calculada, coloca em risco o Programa, por não ser possível às farmácias e drogarias praticarem preços menores do que o custo do medicamento. Havendo o risco eminente do fim do Programa.

De um lado o governo e do outro o mercado farmacêutico. E no meio dessa disputa, os usuários dos medicamentos disponibilizados pelo Programa. Em nome destes que devemos nos posicionar e defender que a saúde não seja um mero produto, resultado de “negociações” ou de acordos comerciais.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) tem manifestado sua preocupação com o futuro do SUS.

Além da Emenda Constitucional nº 95/2016 – que congela os gastos em saúde pelos próximos 20 anos – as manifestações do ministro, de que o tamanho do SUS precisa ser revisto e de que o sistema não é subfinanciado, demonstram o quão alertas devemos estar para que medidas não sejam tomadas, apenas com base na discussão econômica.

Sobre o Programa Farmácia Popular, o CNS já havia se manifestado, quando recomendou ao MS que interrompesse qualquer processo de desestruturação dessa política pública. Em especial da modalidade rede própria, farmácia totalmente pública, que deixou de receber recursos em junho de 2017.

O conselho também recomendou que o governo ampliasse o debate com o controle social no sentido de assegurar a manutenção do Programa e a garantia de amplo acesso à integralidade da assistência (Recomendação nº 13 de 12/05/2017). Infelizmente, mais uma vez, a decisão se deu apenas entre gestores, sem a participação do CNS.

Devemos manter firme a posição de que a população seja consultada, de forma transparente, sobre os destinos de programas ou políticas no campo da saúde.

O controle social deve ser respeitado e o debate democrático deve prevalecer. Estudos recentes apontam que os benefícios do Programa, com diminuição dos gastos de internação e vidas salvas, são maiores que seus custos [1].

Sendo assim, o debate não deve se dar apenas na existência da Farmácia Popular ou não, mas nos resultados alcançados por ele.

Devemos defender o princípio da eficiência no serviço público e não ter a economicidade como fundamento principal. A saúde deve ser vista como resultado de políticas que assegurem sua promoção, proteção e recuperação, devendo estas serem avaliadas, monitoradas e aperfeiçoadas permanentemente

[1] FERREIRA, Pedro Américo de Almeida. Efeitos do copagamento de medicamentos sobre saúde no Brasil : evidências do programa Aqui Tem Farmácia Popular. 1. ed. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2017. 123 p.

*Ronald dos Santos é presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos e do Conselho Nacional de Saúde

Publicado em 22/11/2017