Em nota, GTPI alerta que é preciso rever a suspensão da produção de medicamentos

Decisão unilateral e drástica de suspender 19 contratos de produção de medicamentos precisa ser revista, Fenafar é integrante do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (GTPI/Rebrip) e considera que a medida traz graves riscos à soberania nacional, à economia e à saúde do povo brasileiro. Leia abaixo a nota na íntegra.

Nós organizações da sociedade civil, reunidas no Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela integração dos Povos (GTPI/REBRIP), consideramos preocupante o anúncio da suspensão de 19 projetos de desenvolvimento produtivo de medicamentos, especialmente devido ao caráter unilateral e drástico da decisão, tomada sem nenhum tipo de consulta com as partes interessadas, em particular com grupos de usuários do SUS e de populações afetadas pelas doenças em questão.

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O Brasil possui diversas instâncias institucionais de consulta e participação democrática, como a Comissão de Ciências, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde (CNS); bem como instituições da sociedade civil com sólida contribuição na formulação e execução de políticas relativas ao acesso a medicamentos, dentre as quais o GTPI. Por isso, prezamos a nota de esclarecimento enviada ontem (16/07) pelo ministério da saúde, mas lamentamos o fato de que os argumentos ali apresentados não foram discutidos antes da suspensão, de forma transparente e democrática.

Na nossa perspectiva, por ser ligada ao Ministério da Saúde, a política de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP), por força constitucional, deveria se submeter ao controle social, fomentar a participação de usuários, ONGs, representantes de movimentos sociais e profissionais de saúde. No entanto, após quase uma década acompanhando diversas PDPs, sob diversos ângulos, podemos afirmar que esse compromisso se perdeu ao longo dos anos.

É notório que vivemos um estado de extrema precarização do Sistema Único de Saúde no Brasil, ambiente no qual os usuários enfrentam diversas violações do seu direito constitucional à saúde. Este tipo de decisão e essa forma de tomar decisões, a nosso ver, contribui apenas para criar mais insegurança e angustia para pessoas e populações que já se encontram em sofrimento. Por isso, a despeito dos motivos apresentados, acreditamos que a decisão envia um recado de descaso com a saúde pública e com a sociedade, na contramão da necessidade de fortalecer o SUS e seus princípios fundamentais.

Em relação a lista de PDPs que foram suspensas, destacamos o caso medicamento Sofosbuvir, para hepatite C, e da insulina, para tratamento da diabetes. O GTPI tem atuado desde 2015 para melhorar o acesso ao sofosbuvir no Brasil, de modo a superar o fracionamento do tratamento que foi instaurado no Brasil por conta dos altos preços. A oferta universal só foi possível em 2018, com a chegada de competidores genéricos. Desde então a empresa Gilead, fornecedora do medicamento de marca, tem usado estratégias agressivas e desumanas para impedir a produção e venda de genéricos: 4 ações judiciais e 2 representações no TCU.

Essa guerra comercial prejudica, sobretudo, os pacientes, mas também os esforços de gerar sustentabilidade no SUS, que tem por meta tratar 50 mil pessoas por ano. Ao listar como motivo para as suspensões as decisões judiciais e intervenção do TCU, é importante que o Ministério da Saúde tenha em mente que empresas estrangeiras estão buscando a todo custo controlar o mercado brasileiro.

Sobre a insulina, o GTPI acompanha com bastante preocupação a situação em outros países onde os preços deste insumo essencial não param de subir. Por conta disso, já se fala em uma crise global de acesso à insulina, gerando mortes inclusive em países ricos, como Estados Unidos e países europeus. Essa crise existe porque apenas três empresas controlam 90% do mercado global, o que gera um cartel na definição de preços. Para essas empresas, certamente não interessa que o Brasil, que já chegou a ser no passado o quarto maior produtor de insulinas, avance com os projetos de produção e retome sua posição de destaque. Já para a população brasileira afetada pela diabetes é essencial que haja diversidade de produtores, para que não estejamos reféns dos carteis internacionais e para que não se repitam aqui as milhares de mortes que vêm ocorrendo, especialmente de jovens, por falta de acesso à insulina.

O GTPI acompanha a Política de Desenvolvimento Produtivo e as Parcerias para Desenvolvimento de Produtos (PDP) desde 2011, quando a então nova política foi anunciada pelo Ministério da Saúde. O ponto de vista apresentado pelo GTPI sempre foi único, pois buscamos analisar essa política industrial a partir do entendimento que toda e qualquer política de saúde pública deve ter como centralidade a garantia do direito constitucional à saúde. A partir de então, o envolvimento do GTPI – cartas, pedidos de acesso a informação, reuniões, publicações e questionamentos em debates – com representantes do Ministério da Saúde responsáveis pela formulação e implementação dessa política foi constante.

Em inúmeros momentos, questionamos determinados contratos e seus resultados, chegando inclusive a pedir o cancelamento da PDP do medicamento Atazanavir (para HIV/Aids), devido a cláusulas abusivas impostas pela empresa transnacional Bristol Meyers Squibb (BMS), responsável por transferir a tecnologia. Por meio deste e outros exemplos, notamos que para as grandes transnacionais farmacêuticas, havia interesse em gerar atrasos, omitir informação, transferir tecnologias obsoletas, justamente para enfraquecer seu potencial futuro competidor, o laboratório público. Por isso nos preocupa que “desacordo com o cronograma” e “falta de avanços esperados” sejam justificativas para a suspensão, sem que haja a devida apuração de responsabilidades. O risco é cancelarmos estes projetos para simplesmente voltar a comprar os medicamentos das próprias empresas estrangeiras que participaram da política, obtiveram vantagens, como a venda exclusiva para o ministério, e não entregaram o estabelecido nos contratos. Outro risco é o sucateamento dos laboratórios públicos, já subfinanciados.

Por fim questionamos também qual será a posição do ministério em relação aos recursos públicos investidos nessas 19 parcerias. Junto com estes recursos foram investidas também expectativas de desenvolvimento cientifico e tecnológico, que geraram, sobretudo, esperança em relação a melhorias no acesso à saúde. Todos esses investimentos feitos pelo conjunto da sociedade não podem ser desperdiçados. Exigimos um debate amplo e transparente sobre a situação desses contratos, a divulgação total de todos os dados e documentos relativos a eles e uma apuração de responsabilidades sobre os problemas que justificaram a suspensão, para que sejam pensadas inclusive reparações e ressarcimentos por parte dos responsáveis. Também demandamos medidas claras para assegurar que não haverá desabastecimento desses medicamentos. Por fim ressaltamos que alguns desses produtos já dispõem de versões genéricas e qualificadas no mercado internacional e que essa opção de compra deve ser considerada como prioritária em prol da sustentabilidade do SUS.

Quem Somos?

O GTPI/Rebrip é um coletivo que congrega diversas organizações da sociedade civil, movimentos sociais e especialistas ligados ao tema da propriedade intelectual e acesso à saúde no Brasil. O GTPI parte de uma perspectiva de interesse público, de pessoas vivendo com HIV/AIDS, usuários do SUS, trabalhando no sentido de mitigar o impacto das patentes na garantia de acesso da população a medicamentos e à saúde.

Nosso coletivo trabalha entra a interface de propriedade intelectual e acesso a medicamentos há mais de 15 anos, com atuação em nível administrativo e judicial, legislativo e executivo.

O GTPI é coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, ONG fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, fundada em 1987.

Fazem parte do GTPI: Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA – coordenação), Fórum Maranhense das Respostas Comunitárias de luta contra DST e AIDS (Fórum AIDS/MA), Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV e AIDS – São Paulo (RNP+/SP); Grupo Pela Vidda/Rio de Janeiro (GPV/RJ); Grupo Pela Vidda/São Paulo (GPV/SP), Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS do RS (GAPA/RS); Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB); GESTOS; Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec); Conectas Direitos Humanos; Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar); Médicos sem Fronteiras – Campanha de Acesso a Medicamentos (Brasil); Universidade Aliadas por Medicamentos Essenciais/Brasil (UAEM/BR); Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV e AIDS – São Luís do Maranhão (RNP+/MA); Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS da Bahia (GAPA/BA); Fórum das ONGs/AIDS do Estado de São Paulo (FOAESP); Fórum de ONGs/AIDS do Rio Grande do Sul (Fórum RS); Grupo de Incentivo à Vida (GIV) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).