Os 26 anos do SUS e as ameaças de sucateamento da saúde, por Ronald Ferreira dos Santos

RONALD FERREIRA DOS SANTOS
Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS)

Hoje, 19 de setembro, é uma data emblemática para todos que defendem o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele marca o aniversário da Lei 8.080, uma das mais democráticas e inclusivas do arcabouço normativo brasileiro e que há 26 anos definiu diretrizes para a organização e o funcionamento do SUS, de forma a adequá-lo aos preceitos da Constituição Federal. Segundo a Carta Magna, saúde é direito de todos e dever do Estado, cabendo a este a seguinte responsabilidade: desenvolver políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos, bem como ao acesso irrestrito dos cidadãos às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação de seu bem-estar.

A Lei 8.080 regula toda e qualquer atividade de saúde no Brasil, não apenas da esfera pública, mas também do setor privado, do qual o SUS pode contratar serviços complementares. Um de seus princípios mais importantes é o da universalidade, segundo o qual todas as pessoas têm direito a atendimento, sem distinções, restrições ou custo, não importando, por exemplo, se o paciente possui um plano privado de saúde. Já a integralidade, outra diretriz, garante ao usuário uma atenção abrangente, com ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, com acesso a todos os níveis da assistência.

A chamada Lei Orgânica do SUS traz também o princípio da equidade, que assegura ao paciente um atendimento conforme suas necessidades, levando-se em conta determinantes sociais em saúde, como moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego, entre outros. Essa diretriz leva em consideração que o direito à saúde deve reconhecer e contemplar a diversidade entre as pessoas.

A Lei 8.080 também estabeleceu o princípio da descentralização, que define atribuições comuns e competências específicas para a União, estados, o Distrito Federal e os municípios, cada um deles, de forma independente, responsável pelos rumos das políticas de saúde em seu território.

Mas há na lei outro importante princípio, sem o qual os demais teriam tudo para virar letra morta: é o controle social, que garante a participação da sociedade no acompanhamento e fiscalização da formulação e execução das políticas de saúde. Esse acompanhamento se dá, primordialmente, por meio dos conselhos e conferências de saúde e de outras instâncias.

No Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância máxima de deliberação do SUS, bem como nos conselhos estaduais e municipais de Saúde, estão representados diferentes segmentos da sociedade, como usuários do SUS, profissionais de saúde, movimentos sociais, prestadores de serviço, gestores, entre outros.

Esse controle social vem enfrentando, ao longo dos 26 anos de vigência da Lei 8.080, sucessivas propostas e medidas nocivas ao caráter universal do SUS, a maioria patrocinada por representantes do Estado, justamente por quem, segundo a Constituição, deveria zelar pelo fortalecimento e consolidação do nosso sistema de saúde.

Em 19 de agosto, por exemplo, o Plenário do CNS aprovou a Resolução n. 534, posicionando-se contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que defende a desvinculação de receitas para a saúde e o estabelecimento de tetos orçamentários. Ou seja, pela PEC os entes federados ficariam livres da obrigação constitucional de garantir percentuais mínimos de sua receita para a saúde, com o agravamento do subfinanciamento crônico enfrentado pelo SUS ao longo dos anos.

A Resolução do CNS também defende a revogação da Portaria 1.482/16 do Ministério da Saúde, que cria o Plano de Saúde Acessível, uma cesta de serviços mais baratos e com baixa cobertura. A justificativa do ministério é de que, com a medida, será possível alocar mais recursos no SUS. Na verdade, essa portaria fere os princípios da política nacional de saúde e favorece os planos privados, quando se sabe que não cabe ao Estado brasileiro promovê-los, mas sim regulá-los.

Como podemos ver, novas tentativas de enfraquecer o SUS e reduzir direitos estão em curso a despeito dos 26 anos de uma das leis mais democráticas e inclusivas do país. Mas as instâncias de controle social, amparadas pela Constituição e com muita energia, estão articuladas para defender o SUS e garantir o direito dos cidadãos a receber uma assistência universal, integral e equânime às suas necessidades de saúde e bem estar.

Artigo publicado do Correio Brasiliense em 19.09.2016