Artigo: Como garantir acesso à Justiça diante da reforma trabalhista

É o momento, pois, de o Judiciário trabalhista se recompor do baque e compreender que os ataques que sofreu constituem, em verdade, os fundamentos para retornar e prosseguir cumprindo o seu papel de impor o respeito aos valores sociais e humanos nas relações de trabalho, revendo, inclusive, os atos que contribuíram para a sensação de impunidade de empregadores que reiteradamente descumprim a legislação do trabalho.

por Jorge Luiz Souto Maior* e Valdete Souto Severo**

Esclarecemos desde logo que reiteramos a nossa avaliação de que a reforma trabalhista, levada a cabo para atendimento dos interesses do grande capital, é ilegítima, por ter sido mero instrumento de reforço dos negócios de um setor exclusivo da sociedade, o que, além disso, desconsidera a regra básica da formação de uma legislação trabalhista, que é a do diálogo tripartite, como preconiza a OIT, e também por conta da supressão do indispensável debate democrático que deve preceder a elaboração, discussão e aprovação de uma lei de tamanha magnitude, ainda mais com essa intenção velada de afrontar o projeto do Direito Social assegurado na Constituição Federal.

Por ser ilegítima, a Lei 13.467/17, que resultou da reforma, não deve ser aplicada, sob pena de se conferir um tom de normalidade ao grave procedimento em que se baseou, que melhor se identifica como um atentado à ordem democrática e como uma ofensa ao projeto constitucional baseado na proteção da dignidade, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da prevalência dos Direitos Humanos, da função social da propriedade, da melhoria da condição social dos trabalhadores, da política do pleno emprego e da economia regida sob os ditames da justiça social.

Os profissionais do Direito, portanto, por dever funcional e também ditados por sua responsabilidade enquanto cidadãos que respeitam a ordem constitucional, devem rejeitar a aplicação da Lei 13.467/17.

Ao mesmo tempo, o momento representa uma oportunidade para a classe trabalhadora avaliar quais foram as dificuldades que experimentou para a compreensão plena do momento vivido e que inviabilizou uma melhor organização e o incremento de uma resistência mais ampla e eficaz à reforma.

A presente situação permite, ainda, que se possa refletir sobre os limites das apostas feitas no Direito como impulsionador de mudanças reais e concretas na realidade para o desenvolvimento de uma sociedade efetivamente melhor e justa, pois o retrocesso imposto foi justificado pelo fato de que a compreensão social do Direito do Trabalho estava efetivamente avançando.

Não se pode, igualmente, negar o debate paralelo, de natureza político-partidária, que se instaurou a propósito do tema. Neste sentido, muitos visualizaram a contrariedade ao projeto de lei como uma forma de auferir dividendos eleitorais, o que desmotivou o advento de uma resistência mais contundente. Agora que a derrota no processo legislativo se consagrou e a reforma se transformou em lei, a par de continuarmos disseminando a compreensão em torno da ilegitimidade desta, para efeito de sua rejeição integral, o certo é que não podemos apenas realçar ou até reforçar os prejuízos da reforma, por meio da assimilação das interpretações que evidenciam seus malefícios. Isso serviria, meramente, para entrar no jogo político eleitoral ou, de forma mais idealista, pretender que algum tipo de impulso revolucionário possa advir daí. E, por outro lado, pode acabar facilitando a vida dos patrocinadores da reforma, no seu propósito de aumentar lucros por meio da redução de direitos trabalhistas.

Por isso, o exercício de buscar interpretações juridicamente possíveis da Lei 13.467/17, para coibir seus efeitos mais nefastos, o que é bastante complexo, envolto mesmo em contradições, talvez não agrade a muitos que interagem com esse assunto por meio de interesses não revelados.

Certamente, também não nos agrada. O problema é que enquanto se levar adiante, como única via, no campo jurídico, a aposta na declaração de ilegitimidade – que fica mais distante, quando percebemos o quanto o Direito se integra às estruturas de poder –, o sofrimento dos trabalhadores no dia a dia das relações de trabalho só aumentará (e nada mais).

Assim, sem abandonar essa perspectiva de rejeitar, por completo, a aplicação dessa lei, sem abandonar o ideal social de buscar racionalidade e formas de superação de um modelo de sociedade que já deu inúmeras mostras de suas limitações enquanto projeto para a humanidade, e sem desprezar o efeito eleitoral que deve advir dessa tentativa político-econômica de desmonte social, faz-se necessário aos magistrados e juristas, lidando, no plano limitado do imediato, até para cumprimento do dever funcional de fazer valer a ordem constitucional e os princípios dos Direitos Humanos, buscarem os fundamentos jurídicos que impeçam que a Lei 13.467/17 conduza os trabalhadores, concretamente, à indulgência e à submissão.

Isso não significa, de modo algum, salvar a lei ou os seus protagonistas, que devem, efetivamente, receber um julgamento histórico pelo atentado cometido, até porque é somente com muito esforço e extrema boa vontade, impulsionada pela necessidade determinada pela derrota da aprovação da lei, que se pode chegar a esse resultado de obstar os efeitos destruidores, de tudo e de todos, contidos potencialmente na Lei 13.467/17.

Essa iniciativa, ademais, tem o mérito de forçar os defensores da aprovação da lei da reforma, que fundamentaram sua postura no argumento de que esta não retiraria direitos e que não geraria prejuízos aos trabalhadores, a revelarem a sua verdadeira intenção, quando se virem na contingência de terem que, expressamente, rejeitar as interpretações que, valendo-se da ordem jurídica, preservam os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Ao terem que recusar essas interpretações, deixarão cair as máscaras, revelando os objetivos da reforma: favorecer os empregadores e fragilizar ainda mais os empregados.

Esse exercício interpretativo, portanto, permite recolocar as ideias e os personagens em seus devidos lugares e serve, ao mesmo tempo, para reforçar o argumento pela ilegitimidade plena da lei, pela declaração plena de sua inconstitucionalidade e, até mesmo, para reanimar a luta pela sua revogação. Além disso, contribui para o devido julgamento histórico dos atores da reforma.

E trará, ainda, o benefício de desvendar que essa iniciativa destrutiva não é uma obra que pertence exclusivamente a Temer e seus companheiros. Afinal, historicamente, muito já vinha sendo feito, em termos hermenêuticos, para negar vigência às garantias constitucionais asseguradas aos trabalhadores e às trabalhadoras. Lembre-se, por exemplo, que a jornada 12×36 já vinha sendo admitida, assim como o banco de horas (apesar da contrariedade ao disposto no art. 7º, XIII, da CF); que o direito de greve vinha sendo reiteradamente desrespeitado (fazendo-se letra morta do art. 9º da CF); e que não havia nenhum movimento jurisprudencial para conferir eficácia ao inciso I do artigo 7º da CF, com relação à garantia contra a dispensa arbitrária.

Aliás, esse embate técnico-jurídico toma ares de urgência, na medida em que os autores da reforma, prevendo as resistências jurídicas e sabendo, portanto, que a aprovação da lei foi apenas o primeiro passo, estão prontos para dar novas cartadas e uma delas é manter a Justiça do Trabalho sob a ameaça de extinção.

O risco que se corre, sério e iminente, é o de se tentar agradar ao poder econômico, que, atualmente, controla a vida nacional sem a intermediação da política, e, assim, não só acatar os termos da reforma, como admitir os sentidos restritivos de direitos e até ir além, propondo compreensões teóricas que superam as regressões contidas na lei, assumindo-se, inclusive, o valor que os próprios políticos e os defensores da “reforma” em nenhum momento tiveram que assumir publicamente: a redução dos direitos dos trabalhadores como consequência “bem-vinda” da incidência da Lei nº 13.467/17 no Direito do Trabalho.

Mas isso é um erro técnico, como demonstrado no presente texto, e não representa nenhum tipo de preservação da Justiça do Trabalho, até porque, na essência, eliminando-se a preocupação com o princípio que fundamenta o Direito do Trabalho, que determina a própria razão da existência de uma Justiça especializada, voltada a expressar valores sociais e humanos que impõem limites ao poder econômico, o que se estará dizendo é: “acabemos nós mesmos com a Justiça do Trabalho antes que outros o façam”.

Aliás, outro risco que se corre – e este a sociedade devia perceber, urgentemente – é que os políticos que encaminharam essa reforma, buscando obter imunidade nas acusações de corrupção, tentem emplacar, agora, o argumento de que as eleições podem travar a economia e, assim, aprofundarem o Estado de exceção e o estágio de falência democrática, levando consigo também os direitos civis e políticos.

Vide, a propósito, a chamada da reportagem publicada no jornal Valor Econômico, edição de 21/06/17: “Eleição de 2018 ameaça reformas, dizem analistas” [i].

Fato é que sem a construção de argumentos jurídicos que destruam os caminhos das perversidades da Lei nº 13.467/17, muitos passarão simplesmente a aplicá-la, motivados pela ausência de reflexão, pela premência de tempo ou mesmo pelo excesso de trabalho, e seguirão lesando o projeto constitucional de proteção dos trabalhadores.

1. Não aplicar, aplicando

Não temos dúvida de que o conjunto da reforma, em mais de 200 dispositivos, é todo ele voltado ao atendimento dos interesses dos empregadores e, mais especificamente, aos grandes empregadores, e o exercício proposto, de atividade interpretativa, não altera esse dado, que, ademais, já consta, muito claramente, de todos os registros históricos.

Então, ao se chegar a efeitos benéficos ou não prejudiciais aos trabalhadores pela via da interpretação e da integração da Lei 13.467/17 ao conjunto normativo, ao qual se integram os princípios jurídicos, não se está extraindo aspectos positivos da reforma e sim, concretamente, impedindo que aqueles efeitos pretendidos (mas não divulgados abertamente) pelos seus elaboradores sejam atingidos.

O método utilizado para tanto, dentro dessa via intermediária da preocupação com os resultados imediatos, não é, como dito, o de rejeitar a aplicação da lei, mas o de impedir que os efeitos que se pretendiam atingir com ela sejam atingidos, o que, no plano do real, pode ser um não aplicar.

Enfim, parafraseando o método de raciocínio desenvolvido pelo mestre Márcio Túlio Viana para enfrentar, na década de 90, a legislação e os argumentos neoliberais que almejavam, já naquela época, destruir o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, o que se promove é um “não aplicar, aplicando”.

Aliás, como já manifestado em outro texto, foram os próprios argumentos apresentados como fundamentos da reforma que inauguraram essa (ir)racionalidade, pois os dispositivos da lei atendem exclusivamente aos interesses dos empregadores e os fundamentos trazidos foram no sentido da preocupação com a melhoria da condição de vida do conjunto dos trabalhadores, incluindo os excluídos, sem retirada de direitos. Assim, ao se aplicar os dispositivos da lei, não se aplicam os seus fundamentos. Trata-se, portanto, igualmente, de um não aplicar, aplicando.

Claro que esses fundamentos são falsos e ao se aplicar a lei, rebaixando o patamar de direitos dos trabalhadores e aumentando as margens de lucro dos empregadores, o que se teria é uma perfeita harmonia entre os objetivos da lei e os efeitos por ela produzidos. Mas como os fundamentos retoricamente utilizados para a sua aprovação foram os da proteção dos trabalhadores, torna-se possível aplicar a lei em consonância com esses fundamentos, os quais, ademais, se enquadram nos fundamentos clássicos do Direito do Trabalho e aí o que se terá como resultado é um não aplicar dos objetivos reais pretendidos pela reforma, aplicando a lei com suporte em seus fundamentos retóricos.

Desse modo, por exemplo, se o atual texto do artigo 8º pretende impedir que “súmulas e outros enunciados de jurisprudência” restrinjam direitos, tem-se o argumento definitivo e necessário para não mais aplicar as tantas súmulas que contrariam normas constitucionais. E se o juiz deve examinar a norma coletiva atentando para as regras do Código Civil, a boa fé objetiva, a transparência, a lealdade, a ausência de abuso de direito serão parâmetros obrigatoriamente observados juntamente com a norma do art. 1.707, que impede cessão, compensação ou renúncia de crédito alimentar.

Da mesma forma, se o trabalho intermitente foi criado para tirar da informalidade trabalhadores que não atuam em tempo integral, devido a sazonalidade ou temporariedade da demanda do serviço, elimina-se o fundamento para negar o vínculo de emprego de trabalhadoras domésticas em conformidade com o número de dias que trabalham por semana.

Ou seja, o que pretendemos demonstrar é que a tentativa de desconfigurar o Direito do Trabalho por meio da integração à CLT de uma série de normas que a contrariam, encontra limite no próprio procedimento atabalhoadamente adotado. A aplicação dos artigos 9º, 765, e 794 da CLT, dentre outros, que foram preservados na “reforma”, assim como de todos os demais textos constitucionais e legais que estabelecem os limites da exploração do trabalho pelo capital, neutraliza o caráter destrutivo da Lei 13.467/17.

Antes de abordamos os aspectos processuais propriamente ditos, vejamos, para melhor compreensão, como, concretamente, esse método interpretativo incide sobre alguns artigos da Lei 13.467/17.

a) Redução do intervalo para 30 minutos

Um ponto muito discutido na reforma foi o da possibilidade de redução do intervalo de uma hora para trinta minutos, por meio de negociação coletiva, nos termos do atual inciso III, do art. 611 da CLT, segundo o qual a “convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (…) III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas”.

A primeira questão a ser desvelada é a contradição entre a lei e um de seus fundamentos, que é o de estabelecer a prevalência do negociado sobre o legislado. Ora, é a lei que está ditando o que pode ser negociado, então o que prevalece, mesmo aí, é a lei e não o negociado. Além disso, a lei, nos mesmos moldes do que fazia a “velha CLT”, fixou os limites da negociação. No caso, o intervalo deverá, por lei, ser de, no mínimo, 30 (trinta) minutos. E, como o fundamento apresentado para a aprovação da lei, foi o de que essa redução seria para beneficiar o empregado, é necessário que algumas condições sejam satisfeitas para que essa redução possa ser considerada juridicamente válida (embora, do ponto de vista do ideal jurídico, já não passaria pelo crivo constitucional, que prevê a redução dos riscos à saúde como um direito fundamental dos trabalhadores): 1) que haja condições efetivas para que o intervalo seja cumprido e se destine, integralmente, àquela que se disse tenha sido a sua finalidade. Assim, não se poderá considerar atingida a dita finalidade da norma se o trabalhador tiver de ficar 10 minutos esperando em fila para poder se alimentar, ou gastar boa parte do tempo do intervalo se deslocando do posto de trabalho até o local de alimentação, pois, nesse caso, o ato de se alimentar será mais um transtorno do que uma satisfação (embora seja, de todo modo, uma necessidade); 2) que haja redução do tempo total de permanência do empregado no ambiente de trabalho. É incompatível com o objetivo da norma o ato de submeter o trabalhador, com intervalo reduzido para 30 minutos, à execução de tarefas em sobrejornada.

Acrescente-se que a supressão do intervalo já reduzido não equivale à supressão do intervalo de uma hora, conforme regulado no art. 71 da CLT, cujo caput se mantém com a mesma redação. A supressão do intervalo reduzido equivale à invalidação do acordo de redução, vez que desatende à dita finalidade da redução. Assim, diante da invalidação, prevalece a regra geral do intervalo de uma hora e a necessidade de indenização pela sua supressão, que não elimina a indenização por dano moral, dado o notório sofrimento a que se submete uma pessoa por trabalhar durante uma jornada superior a 06 (seis) horas sem a possibilidade de uma alimentação adequada a qualquer ser humano e sem descanso.

Aliás, desse raciocínio, estabelecido no contexto da “reforma”, decorre a extração da cláusula geral da prevalência da lei sobre o negociado descumprido, ou seja, o desrespeito a uma norma fixada em convenção coletiva, que se pretenda seja prevalente sobre a lei, traz como efeito a aplicação não da norma desrespeitada, mas da lei que pretendeu substituir, pois a norma foi justificada pelo efeito de conferir ao trabalhador uma melhor condição de trabalho e de sociabilidade e não para diminuir o custo da ilegalidade.

Mas, muito provavelmente, os defensores da reforma rejeitarão essa interpretação e dirão que uma vez reduzido o intervalo para 30 minutos por negociação coletiva o eventual descumprimento será o da norma já modificada pela negociação. No entanto, com este resultado, a negociação estará funcionando apenas para beneficiar os empregadores que não concedem intervalo para os seus empregados, reduzindo, matematicamente, o valor da indenização (nada mais).

Aliás, é bom que se diga, todas as alterações das regras sobre a jornada de trabalho, que, certamente, buscam permitir uma maior exploração do trabalho pelo capital, tentando afastar os limites constitucionais, para além de evidentemente contrariarem a norma do art. 7º da Constituição, encontram restrição no texto da própria reforma. Basta que se confira efetividade concreta à promessa contida no art. 611-A, quando diz que as cláusulas de negociação em relação à jornada devem respeitar os limites constitucionais ou o art. 611-B, que textualmente determina a observância das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho (inciso XVII). Assim, mesmo com outra norma da própria Lei nº 13.467/17 dizendo o contrário, não haverá como, por aplicação da ordem jurídica vigente, legitimar jornada que ultrapasse oito horas por dia, que permita horas extraordinárias habituais ou que eliminem períodos de descanso.

b) Trabalho da gestante em atividade insalubre e direito à amamentação

Outro ponto bastante discutido foi o do não afastamento obrigatório da gestante em atividades insalubres em graus médio e mínimo, conforme previsão do art. 394-A, segundo o qual “Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.”

Como foi dito na defesa da aprovação da lei, o propósito não era prejudicar a empregada gestante.

Nos termos propostos, a empregada somente será afastada de atividades insalubres em grau médio e em grau mínimo com apresentação de atestado. Em tal caso, poderá, a critério do empregador, ser transferida para outro local na empresa considerado salubre, ainda que a dificuldade concreta seja a da aferição real da insalubridade.

Ora, se o propósito era proteger a saúde das trabalhadoras e do nascituro, o que se deveria fazer era criar norma objetivando a eliminação da submissão a atividades insalubres. No entanto, bem ao contrário, o que a reforma fez foi propor a possibilidade de exposição da gestante e do seu filho à situação de dano efetivo à saúde.

Na exposição de motivos do projeto de lei afirmou-se que sem essa possibilidade a empregada seria prejudicada porque perderia o adicional. Ora, a lei não diz que a gestante perde o adicional se não puder trabalhar no ambiente insalubre. O adicional, portanto, está garantido. O que diz a lei é que para se afastar do trabalho em atividade insalubre em graus médio e mínimo a empregada deverá apresentar atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, que “recomende o afastamento durante a gestação”, e procedendo da mesma forma, em atividades insalubres de qualquer grau, durante a lactação.

E todos disseram que o propósito não era prejudicar a empregada e o seu filho. Mas sabendo-se que a empregada que apresentar tal atestado poderá ser discriminada, a tendência é que as mulheres não os apresentem, o que não elide a ocorrência de danos concretos para o feto e para a gestante. Assim, considerada a dita finalidade da lei, esta somente poderá ser considerada atendida se a empregada apresentar atestado que comprove, cientificamente, que as condições reais do trabalho não resultarão prejuízo para si e para seu filho, valendo o mesmo raciocínio para a amamentação, na forma do § 2º do art. 396, da CLT.

Igualmente, os defensores da reforma rejeitarão essa interpretação e dirão que basta a ausência do atestado para que se presuma que a saúde da gestante, da lactante, do nascituro e do filho está assegurada, mas vale perceber que de uma afirmação de que a lei não causaria prejuízo às trabalhadoras já se estaria passando para o estágio da mera presunção, sem qualquer base empírica.

c) Extinção do vínculo e “quitação” de direitos

A Lei 13.467/17 tentou facilitar as dispensas coletivas de trabalhadores, fazendo uma equiparação – inconcebível do ponto de vista da realidade fática – entre dispensas individuais e coletivas, conforme constou do art. 477-A: “As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

A equiparação, no entanto, partiu de um pressuposto jurídico equivocado de que as dispensas individuais podem ocorrer sem necessidade de apresentação de justificativa ao empregado. No entanto, a Constituição é muito clara ao ter assegurado aos trabalhadores o direito à relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária (art. 7º, I).

Por isso mesmo, a norma do art. 477-A da CLT pode ser interpretada / aplicada para o efeito de finalmente reconhecermos a todas as espécies de despedida, individuais ou coletivas, o dever de motivação por parte do empregador, sob pena de nulidade, na forma do art. 7º, I, da Constituição e da Convenção 158 da OIT. Essa norma internacional, que pode ser utilizada como fonte formal do direito do trabalho seja por força do art. 8º, seja pela literalidade do art. 5º, § 2º, da Constituição (Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte), estabelece o dever de motivação para o ato da despedida.

Do mesmo modo, o conteúdo do art. 477-B, quando estabelece que “Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes” terá de se submeter ao crivo do Poder Judiciário trabalhista e mesmo ao conceito jurídico de quitação, tal como deverá ocorrer com a regra do art. 507-B, segundo o qual “É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria”.

Aqui o legislador, inclusive, demonstrou desconhecimento quanto aos institutos jurídicos referidos. Ora, quitação é instituto jurídico específico que só se obtém mediante pagamento. Não há quitação como decorrência de renúncia ou transação. Os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e somente se pode dar quitação de dívida efetivamente paga e nunca com relação a direitos sem que estejam relacionados a fatos concretos, que tenham sido devidamente discriminados e cuja representação monetária não esteja matematicamente demonstrada, como acontece, ademais, em qualquer dívida de natureza civil.

Então, não tem qualquer valor jurídico uma declaração do trabalhador, estabelecida em TRTC, em PDV ou “termo de quitação anual”, no sentido de que todos os seus direitos, genericamente considerados, foram respeitados pelo empregador.

É a própria Lei 13.467/17 que exorta os juízes do trabalho a considerarem o Código Civil como parâmetro para a interpretação e aplicação de normas trabalhistas. Pois bem, a quitação tem seu conceito estabelecido no artigo 320 do Código Civil, segundo o qual “a quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante”. E, conforme art. 324 do Código Civil, “ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta do pagamento”.

Lembre-se, ainda, que continua vigente o art. 9º da CLT, o qual estipula que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

2. O acesso à justiça como direito

Para introduzir a análise sobre os temas processuais o ponto de partida é o mesmo, ou seja, a lembrança de que o termo de garantia da aprovação da reforma foi o de que não haveria eliminação de direitos dos trabalhadores.

Pois bem, o acesso à justiça é um direito fundamental da cidadania, que tem sede constitucional e nas declarações internacionais de Direitos Humanos, assim, a Lei 13.467/17 não pode impedi-lo.

As alterações nas regras processuais, propostas pela Lei 13.467/17, precisam ser compreendidas e aplicadas à luz da atual noção do direito de acesso à justiça como um direito fundamental, que é condição de possibilidade do próprio exercício dos direitos sociais. Esse é o referencial teórico que permitirá, também no âmbito processual, o uso das regras dessa legislação “contra ela mesma”, construindo racionalidade que preserve as peculiaridades do processo do trabalho e a proteção que o justifica.

Para isso, ainda que brevemente, precisamos resgatar o caminho até aqui trilhado pela doutrina, que determina esse reconhecimento de um direito fundamental à tutela jurisdicional.

No Estado liberal o acesso à justiça era concebido como um direito natural e como tal não requeria uma ação estatal para sua proteção. O Estado mantinha-se passivo, considerando que as partes estavam aptas a defender seus interesses adequadamente[ii]. Com o advento do Estado Social surge a noção de direitos sociais e, paralelamente, o reconhecimento de que uma ação efetiva do Estado seria necessária para garantir o implemento desses novos direitos. Por isso, o assunto pertinente ao acesso à justiça está diretamente ligado ao advento de um Estado preocupado em fazer valer direitos sociais, aparecendo como importante complemento, para que “as novas disposições não restassem letras mortas” [iii].

O movimento de acesso à justiça apresenta-se sob dois prismas: no primeiro ressalta-se a necessidade de repensar o próprio direito; no segundo preocupa-se com as reformas que precisam ser introduzidas no ordenamento jurídico, para a satisfação do novo direito, uma vez que pouco ou quase nada vale uma bela declaração de direitos sem remédios e mecanismos específicos que lhe deem efetividade.

Sob o primeiro prisma (denominado método de pensamento), o movimento é uma reação à noção do direito como conjunto de normas, estruturadas e hierarquizadas, cujo sentido e legitimidade somente se extraem da própria coerência do sistema. Na nova visão o direito se apresenta como resultado de um processo de socialização do Estado, e passa a refletir preocupações sociais, como as pertinentes à educação, ao trabalho, ao repouso, à saúde, à previdência, à assistência social, etc.

Sob o segundo prisma, o movimento se desenvolve em três direções, chamadas “as três ondas do movimento do acesso à justiça”.

A primeira onda, que diz respeito aos obstáculos econômicos de acesso à justiça, consiste, por isso mesmo, na preocupação com os problemas que os pobres possuem para defesa de seus direitos. Esses problemas são de duas ordens: judicial e extrajudicial. Extrajudicialmente, preocupa-se com a informação aos pobres dos direitos que lhe são pertinentes (pobreza jurídica) e com a prestação de assistência jurídica nas hipóteses de solução de conflitos por órgãos não judiciais. Judicialmente, examinam-se os meios a que os pobres têm acesso para defenderem, adequadamente, esses direitos (pobreza econômica). Para eliminação do primeiro problema, o movimento sugere a criação de órgãos de informação a respeito dos direitos sociais. Para supressão do segundo, a eliminação ou minimização dos custos do processo, inclusive quanto aos honorários de advogado[iv].

A segunda onda, de cunho organizacional, tende a examinar a adequação das instituições processuais, especialmente no que se refere à legitimidade para a ação, às novas realidades criadas pela massificação das relações humanas, gerando uma grande gama de interesses difusos e coletivos, cuja satisfação nem sempre se mostra fácil diante das perspectivas do direito processual tradicional, essencialmente individualista.

A terceira onda caracteriza-se pela ambiciosa preocupação em construir um sistema jurídico e procedimental mais humano, com implementação de fórmulas para simplificação dos procedimentos, pois as mudanças na lei material, com vistas a proporcionar novos direitos sociais, podem ter pouco ou nenhum efeito prático, sem uma consequente mudança no método de prestação jurisdicional.

O acesso à justiça pressupõe, portanto, a efetividade do processo. Mas, como explicam Cappelletti e Garth a efetividade é algo vago. Para dar substância à ideia, traduz-se a efetividade em “igualdade de armas”, como garantia de que o resultado final de uma demanda dependa somente do mérito dos direitos discutidos e não de forças externas. Advertem, no entanto, os autores citados que essa igualdade é uma utopia e que pode ser que as diferenças entre as partes nunca sejam completamente erradicadas[v].

Desse modo, o primeiro passo na direção da efetividade consiste, exatamente, na identificação das barreiras que impedem o acesso à justiça e a própria efetividade do processo; o segundo, como atacá-las; e o terceiro, a que custo isso se faria. As barreiras são: a desinformação quanto aos direitos; o descompasso entre os instrumentos judiciais e os novos conflitos sociais; os custos do processo e a demora para solução dos litígios, que constitui fator de desestímulo.

Por tudo isso, vale a observação de Mauro Cappelletti, no sentido de que o acesso à justiça pressupõe um novo método de analisar o direito, em outras palavras, uma nova maneira de pensar o próprio direito. Nesse novo método o direito é analisado sob a perspectiva do “consumidor”, ou seja, daqueles que são o alvo da norma, e não sob o ponto de vista dos “produtores” do Direito. O acesso à justiça, nesse contexto, aparece como a garantia de que o sujeito poderá, efetivamente, consumir o direito que lhe fora direcionado, servindo-se, se necessário, do Estado para tanto [vi].

Esse é o pressuposto que deve orientar os intérpretes aplicadores do processo do trabalho, mesmo depois de alterado pela Lei nº 13.467/17, sob pena de se negar a própria razão de ser da Justiça do Trabalho.

3. O Processo como Direito Fundamental

Conforme preconizava o artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”,

Essa afirmação dos direitos do homem, no primeiro momento, tem a finalidade de superar o absolutismo do Estado religioso. Ainda que tenha representado considerável avanço, os fundamentos da Revolução Francesa, de 1789, não correspondem aos ideais assumidos pela humanidade a partir do século 20.

De forma contemporânea à formação da sociedade burguesa desenvolveu-se um modelo de produção de índole capitalista, o qual, por sua vez, gerou complicações sociais que aos poucos demonstraram não encontrar uma solução dentro dos padrões jurídicos da ordem liberal.

As relações capitalistas impulsionadas no ambiente jurídico legado pela Revolução Francesa (Lei Le Chapelier, 1791, e Código de Napoleão, 1804, que se baseavam na liberdade dos iguais e na igualdade do ponto de vista formal) geraram riquezas para alguns e extrema pobreza para muitos. Os desajustes de ordem social, econômica e política provocados puseram em risco concreto a sobrevivência do homem na terra. Desde a grande revolta de 1848, passando pelas Revoluções do México, da Alemanha e da Rússia, no início do século XX, a convivência humana passou a ser marcada por grandes conflitos de classes.

Desses conflitos, advieram duas guerras de âmbito mundial. No final da 1ª guerra foi criada a OIT, Organização Internacional do Trabalho, para regulação da relação capital-trabalho em uma perspectiva supranacional. Após a 2ª guerra mundial, a OIT é elevada a órgão permanente da ONU. A duras penas, os seres humanos aprenderam a lição de que mesmo no capitalismo a solidariedade e a justiça social devem ser vistas como valores fundamentais.

Assim, a concepção inicial de Direitos do Homem é alterada para ser concebida na ótica dos Direitos dos Seres Humanos, abrangendo a todos, sem qualquer distinção. “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”, passa a preconizar o artigo 1º., da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Na Constituição da OIT, por exemplo, é possível verificar as certezas de que “uma paz mundial e durável somente pode ser fundada sobre a base da justiça social” e de que havendo condições de trabalho que impliquem privações das quais advenham descontentamentos põe-se em risco a harmonia universal.

Como se vê, os Direitos Sociais (Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social) buscam fazer com que ao desenvolvimento econômico corresponda, na mesma proporção, justiça social. Assim, na perspectiva do Direito Social, não basta respeitar o outro, deve-se, concretamente, agir para que os seus direitos sejam efetivados.

Essa lição, no entanto, não é facilmente apreendida. Somente passa a ser seriamente considerada a importância da concretização dos direitos sociais após uma nova segunda guerra mundial. Desde então enuncia-se, expressamente, em diversos documentos internacionais, a certeza de que para se atingir a necessária justiça social não basta a enunciação de direitos. A flagrante negligência quanto à efetivação desses direitos é posta como razão de grande importância para o advento da segunda guerra.

A efetivação dos Direitos Fundamentais, e, em especial, dos direitos sociais, passa a ser, ela própria, então, uma questão fundamental.

Bem sabemos que essa necessidade histórica acaba por se revelar, em grande medida, por uma retórica protetiva que poucas vezes consegue refletir na prática das relações sociais. Ainda assim, para a compreensão da função que o processo desempenha na sociedade capitalista e, especialmente, do que significa a preservação de um processo trabalhista, inspirado na proteção, é preciso revisitar os parâmetros que o próprio Estado entendeu por bem adotar, no que tange ao chamado “direito ao processo”, ou, como preferem os europeus, “direito ao juiz”.

Na Declaração Universal, de 1948:

“Artigo X – Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.”

Na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950:

“Artigo 6º – 1- Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso a sala de audiências pode ser proibido a imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.”

No Pacto dos Direitos Civis e Políticos, de 1966:

“Art. 14 – 1. Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tomar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores.”

Na Declaração Universal Dos Direitos do Homem, de 1948:

“Artigo 10: Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.”

Na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948:

“Artigo XVIII – Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, quaisquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.”

No Pacto de São José da Costa Rica, de 1969:

“Artigo 1º – Obrigação de respeitar os direitos.

1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.”

(…)

Artigo 8º – Garantias judiciais.

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

Todas essas normas devem servir de parâmetros para o olhar que devemos ter para o processo do trabalho, mesmo com a desfiguração pretendida pela Lei 13.467/17 e que, como veremos, não nos impede (antes, nos convida) de construir uma racionalidade que a neutralize, preservando a essência da proteção que o justifica.

4. A função do Processo do Trabalho

Em uma realidade na qual os trabalhadores não têm garantia alguma contra a despedida, lutar pela efetividade dos direitos materiais é no mais das vezes uma ilusão. No ambiente de trabalho, lá onde a relação efetivamente ocorre, o trabalhador tem, via de regra, apenas duas opções: ou se submete às condições impostas pelo empregador ou sofre com a despedida “imotivada”.

É por isso que duras realidades como a da terceirização sem limites ou a da realização de jornadas de 12h, sem intervalo e muitas vezes estendidas para “cobrir” a falta do colega que deveria trabalhar no turno sucessivo, já ocorriam bem antes da entrada em vigor do texto que infelizmente veio para tentar chancelar essas formas de exploração desmedidas.

Nenhum trabalhador ou trabalhadora, isoladamente (e mesmo com atuação do sindicato, premido pela mesma insegurança jurídica que assola os trabalhadores), tem condições reais de exigir do empregador que respeite o intervalo para descanso; que conceda o direito à amamentação; que mantenha um ambiente de trabalho saudável. Tal constatação faz perceber, com nitidez, que o único momento em que o trabalhador realmente consegue tentar fazer valer os seus direitos, colocando-se em condições, ao menos formais, de ser ouvido, é quando ajuíza sua demanda trabalhista.

É necessário, pois, que as formas jurídicas do processo não sirvam para reproduzir e, assim, reforçar a opressão do local de trabalho. Reconhecendo a realidade concreta, a função do processo é eliminar os obstáculos ao acesso à ordem jurídica justa.

Não é de hoje que o grande capital vem se esforçando para colonizar o Poder Judiciário, tentando fazer com que o processo se transforme em mais um “bom negócio”, de tal sorte que pagar dívidas ou honrar créditos trabalhistas se tornou mera opção do empregador. Nas últimas décadas, a própria Justiça do Trabalho sofreu alguns efeitos dessa colonização, com súmulas endereçadas a situações específicas e campanhas de conciliação que se revelam como uma tentativa desesperada de reduzir o número de processos, em vez de resolver os conflitos sociais por meio da explicitação de uma postura firme perante o descumpridor da lei trabalhista, sobretudo com relação àqueles que a descumprem reiteradamente para a obtenção de vantagem econômica sobre a concorrência.

O efeito deletério que o descumprimento reiterado de direitos gera em um Estado que se pretende democrático (crescimento exponencial de demandas judiciais) pode ser enfrentado de dois modos. De um lado, levando a sério o descumprimento e reconhecendo à demanda judicial a gravidade que deve ter, a fim de que aqueles que descumprem a legislação sejam punidos e, portanto, incentivados a não repetir esse ato de boicote ao projeto de sociedade que se anunciou desde 1988. De outro, tornando o Poder Judiciário um espaço de concessões e renúncias e, com isso, fazendo do descumprimento de direitos fundamentais um ótimo negócio, mas, claro, jogando por terra toda possibilidade de um projeto de sociedade, dentro do modelo capitalista de produção, minimante organizada.

Desgraçadamente, e com o apoio da grande mídia, a segunda opção foi a adotada pelos idealizadores da Lei nº 13.467/17.

Para bem utilizar os parâmetros jurídicos de que dispomos, para conservar o procedimento trabalhista e sua finalidade, precisamos inicialmente reconhecer a premissa do raciocínio a ser desenvolvido pelo intérprete do Direito material e processual do Trabalho: a preservação da proteção como princípio norteador desse ramo do Direito, até porque em nenhum momento dos debates sobre a reforma esse princípio foi posto em xeque, como já referimos.

Claro que para isso é importante traçar uma definição mais precisa do que é e de como aplicar o princípio da proteção no Direito e no Processo do Trabalho. Essa será uma arma fundamental na manutenção da existência mesma de normas trabalhistas.

O desenvolvimento da noção de direitos fundamentais tem relação mais íntima do que pode parecer com o Direito do Trabalho e com o princípio/dever de proteção. A sociedade se industrializa e o capitalismo se instala como forma de organização social, sob o manto do ideal liberal e é em nome de uma proposta de participação de parte mais expressiva da sociedade na economia (lato sensu), que o conceito de liberdade se modifica. À noção de propriedade agrega-se a noção de acúmulo de riqueza. E essa capacidade de acumular passa a constituir o principal elemento de divisão (ou reconhecimento) das classes sociais. Em pouco tempo, a sociedade passa a ser identificada como uma composição formada por homens que vivem-do-trabalho (expressão utilizada por Ricardo Antunes e para a qual Marx utilizava a denominação proletariado) e homens que vivem da exploração do trabalho alheio (capitalistas). O trabalho humano subordinado à vontade e aos fatores de produção de outrem é a mola propulsora dessa nova forma de organização social.

Mas sem um balizamento jurídico específico dessa relação economicamente desigual, na qual a condição econômica mais favorável se transforma em poder, e a condição inversa, representa submissão, produzem-se várias formas aviltantes da condição humana para a venda da força de trabalho, desestabilizando toda a ordem social e abalando a própria crença nas benesses do capitalismo. Nesse contexto é que o Direito do Trabalho inevitavelmente encontra solo fértil para nascer.

Barbagelata refere que a questão social, ou seja, a necessidade de lidar com a realidade excludente e díspar potencializada pelo sistema capitalista está na origem não apenas do Direito do Trabalho, mas dos direitos sociais em geral. A sistematização do conceito de princípio emerge dentro dessa realidade em que percebemos, como sociedade, a necessidade de garantir direitos sociais.

5. A proteção como princípio do Processo do Trabalho

Se retornarmos aos clássicos, como Evaristo de Moraes ou Martins Catharino, veremos que a existência do Direito do Trabalho é explicada a partir de um princípio norteador: a necessidade histórica (econômica, social, fisiológica e inclusive filosófica) de proteger o ser humano que, para sobreviver na sociedade do capital, precisa “vender” a sua força de trabalho. Portanto, a proteção a quem trabalha é o que está no início, no princípio da existência de normas que protejam o trabalhador, em sua relação com o capital.

É interessante observar que a leitura de Lenio Streck acerca do conceito de princípios, desenvolvida com o claro intuito de evitar o que chama de panprincipiologismo, ou seja, o fato de que autores de doutrina e jurisprudência estão criando seus próprios princípios e julgando a partir deles, vem ao encontro dessa leitura do enfrentamento da “questão social” a partir de normas próprias, de ordem material e processual, ditadas pela necessidade de proteção. Referido autor defende que “todo princípio encontra sua realização em uma regra”. Compreende a Constituição como um evento que introduz um novo modelo de sociedade, edificado sob certos pressupostos derivados de nossa história institucional, que condicionam “toda tarefa concretizadora da norma”.

É a partir da Constituição que “o direito que se produz concretamente” legitima-se, por estar de “acordo com uma tradição histórica que decidiu constituir uma sociedade democrática, livre, justa e solidária”.

Logo, o princípio é que está no início e que justifica, à luz da Constituição, a aplicação ou o afastamento de uma regra. Regra e princípio, consequentemente, não são espécies de normas jurídicas, mas partes de um mesmo conceito. A regra só se torna norma, quando sua aplicação puder ser fundamentada no princípio que a instituiu.

O princípio, assim, qualifica-se como o que está “no princípio mesmo” da criação de um determinado conjunto de regras. É possível afirmar que a proteção ao trabalho humano é o princípio, o verdadeiro princípio em razão do qual o Direito material e processual do Trabalho existe. Princípio que não se confunde com a busca da igualdade material, porque reconhece e sustenta posições desiguais. A proteção é a razão de existência de regras próprias e a função do Direito do Trabalho no contexto capitalista.

Então, é possível afirmar que a proteção que faz surgir o Direito do Trabalho é a proteção contra a superexploração econômica, mas é também, desde o início, o reconhecimento social de que essa relação implica uma troca desigual: tempo de vida/força física em troca de remuneração/valor monetário.

Em outras palavras, no princípio está a proteção e se a afastarmos desconfiguraremos esse Direito, não porque lhe retiramos uma norma, mas porque retiramos a razão pela qual ele foi criado e existe até hoje, sua função.

Fato é que todas as normas trabalhistas devem ser orientadas, contaminadas, pelo princípio que as institui, a “proteção ao trabalhador”.

É a partir de todos esses pressupostos que as normas do processo do trabalho devem ser interpretadas e aplicadas, porque, afinal, o processo é instrumento do direito material, ou seja, só tem sentido para conferir eficácia concreta aos direitos. Em nada adiantaria possuir um conjunto normativo protetivo do ser humano trabalhador, fincado nas bases da racionalidade do direito social, se o processo, isto é, o instrumento de concretização do direito material, fosse visualizado com uma racionalidade liberal.

E, portanto, é também assim que se devem examinar as normas processuais que foram enxertadas na CLT pela Lei nº 13.467/17.

6. O procedimento

a) A vigência da lei processual

A lei processual atinge os processos em curso, mas não pode, inclusive como decorrência do que até aqui expomos, gerar danos materiais concretos às partes. Considerando o pressuposto, acima fixado, de que a Lei nº 13.467/17 não deve trazer danos aos direitos fundamentais do trabalhador, nem prejudicar o acesso à justiça, a discussão em torno da vigência temporal fica em segundo plano. Ainda assim, é sempre bom explicitar a necessária observância ao princípio da proibição de que normas processuais atinjam fatos pretéritos para o efeito de causar dano ao trabalhador e aos direitos fundamentais de que é municiado.

b) A subsidiariedade do CPC

Uma questão intrigante se impõe aqui. É que já nos manifestamos no sentido de que o novo CPC não deveria ser aplicado ao Processo do Trabalho porque já se tinha na CLT um processo com as disposições necessárias para atender os objetivos de sua função instrumental e que a aplicação do novo CPC, inspirado no propósito de controlar a atuação do juiz, o que dificultaria mais a concretização de direitos sociais do que o contrário, e agora, diante de uma reforma processual trabalhista, que buscou atender, de forma direta e explícita, aos interesses do capital, especialmente no sentido de ameaçar e punir com altos custos processuais os trabalhadores, inviabilizando o seu acesso à justiça, nos vemos na contingência de buscar no CPC normas que possam evitar esse descalabro cometido pela “reforma”.

Se antes colocávamos o foco no princípio de que o especial pretere o geral porque mais benéfico e apropriado aos propósitos da atuação jurisdicional trabalhista, o que, por certo, continua valendo, deve-se, agora, também conferir visibilidade à mesma proposição mas em sentido inverso, qual seja, a de que o geral pretere o específico quando este último rebaixar o nível de proteção social já alcançado pelo padrão regulatório generalizante, o que serve, ao mesmo tempo, para demonstrar o quão contrária aos interesses populares foi essa “reforma”.

c) A responsabilidade pelos créditos trabalhistas

A alteração proposta para o art. 2º § 3º, da CLT, no sentido de que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes” não nos deve impressionar. A realidade das lides trabalhistas revela que duas empresas, com mesmos sócios, explorando uma mesma atividade geralmente possuem essa comunhão de interesses, algo aliás, que pode ser inclusive presumido pelo Juiz, na medida em que não houve alteração do conteúdo do art. 765 da CLT, que a ele dá ampla liberdade para a condução do processo.

O art. 10, igualmente, resta intacto. Dispõe que “qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”.

Pois bem, a norma do art. 10-A terá necessariamente de ser aplicada considerando o artigo que a precede. Para que o “sócio retirante” efetivamente se exima de responsabilidade, terá que produzir prova de que: não permanece como sócio oculto; não atua como gestor do negócio; não se beneficiou diretamente da exploração da força do trabalho (auferindo com ela aumento do seu patrimônio). E mais: será preciso que a empresa e os sócios remanescentes tenham patrimônio suficiente para suportar o débito, pois do contrário “liberá-lo” de responsabilidade afrontaria diretamente o que estabelece os artigos 10 e 448 da CLT, também este último preservado da destruição operada pela Lei nº 13.467.

Há a introdução de um artigo 448-A para estabelecer a responsabilidade do sucessor em caso de caracterização da sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448. O parágrafo único desse novo artigo refere que “a empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência”. Certamente responderá. E nada na nova legislação impedirá o juiz do trabalho de reconhecer a mesma responsabilidade em outras hipóteses, desde que devidamente fundamentadas, nas quais evidencie que o patrimônio auferido com a força de trabalho passou às mãos da sucedida. Ao referir uma hipótese de responsabilidade solidária, o texto de lei, que não deve ser interpretado/aplicado isoladamente, certamente não descarta outras que também determinarão a persecução do patrimônio da sucedida, para a satisfação dos créditos alimentares do trabalhador.

Quem adquire um empreendimento torna-se solidariamente responsável, com o sucedido, pelas dívidas trabalhistas, exatamente porque está adquirindo o capital, que se beneficiou diretamente do trabalho humano. O sucedido, que contraiu a dívida trabalhista, segue sendo responsável. A relação de trabalho se estabelece entre trabalho e capital, e é exatamente isso que a CLT reconhece ao fixar tanto o conceito quanto a extensão da responsabilidade de quem toma trabalho.

A mudança na estrutura jurídica da empresa, que identifica o fenômeno da sucessão, ocorre toda vez que houver modificação na titularidade da empresa, no poder que comanda, dirige e assalaria o trabalhador. A sucessão de empregadores promove uma espécie de quebra da garantia e da confiança que se presume existentes no momento da contratação. Daí porque ambos, sucedido e sucessor, são responsáveis pelos créditos alimentares trabalhistas, como aliás seguem afirmando os artigos 10 e 448 da CLT, não alterados. A noção de continuidade da empresa, que decorre diretamente da proteção, e que está prevista nesses dois dispositivos, consagra a ideia de solidariedade, de resto reafirmada no art. 2º, § 2º, ou no art. 455, da CLT, cujas redações também são mantidas.

d) A pronúncia da prescrição

No art. 11 criou-se um § 4º, para dispor que “tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração ou descumprimento do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei”. Com isso, incorporou-se à CLT disposição contida em súmula do TST, que – diga-se de passagem – constitui uma ode ao desconhecimento do instituto da prescrição. Eis, por consequência, uma boa oportunidade para que se supere esse entendimento, que vinha sendo revisto pelo TST em decisões mais recentes que tratam da matéria.

A prescrição é apresentada como instituto jurídico criado em nome de uma suposta necessidade de segurança, como sanção que se aplica ao titular do direito que permanece inerte diante de sua violação por outrem. Para que esses conflitos não sejam eternos, o Estado estabelece um prazo dentro do qual aquele que se sente lesado deve interpor a demanda, para discutir em juízo as suas pretensões. A razão social dessa imposição de tempo para agir, nos dizem, é o interesse em pacificar as relações, em lugar de perpetuar os conflitos.

O fato de que a prescrição atinge apenas direitos de crédito demonstra, desde logo, que há uma preocupação social, adequada à perspectiva do capital, de conservação do patrimônio. A pacificação dos conflitos sociais é pensada desde a perspectiva das relações de crédito e débito.

A questão é que se essa é a realidade jurídico-formal, o instituto da prescrição nas relações de trabalho precisa ser pensado e aplicado restritivamente, pois não deve boicotar o projeto de sociedade que se edificou na Constituição de 1988 e cujo escopo é a realização (e não a negação) dos direitos sociais fundamentais.

Lembre-se que a definição da prescrição é a de que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (Código Civil, artigo 189).

Ora, se é a exigibilidade que perece, quando o juiz pronuncia a prescrição, não há que se falar em “prescrição total”. Esse posicionamento equivocado do TST, como dito, já vinha sendo revertido, conforme fixado expressamente na súmula 409: “Não procede ação rescisória calcada em violação do art. 7º, XXIX, da CF/1988 quando a questão envolve discussão sobre a espécie de prazo prescricional aplicável aos créditos trabalhistas, se total ou parcial, porque a matéria tem índole infraconstitucional, construída, na Justiça do Trabalho, no plano jurisprudencial”.

A prescrição poderá incidir apenas sobre as parcelas que se tornaram exigíveis há mais de cinco anos da data da propositura da demanda. Compreender de forma diversa seria corromper o próprio conceito de prescrição.

Há, também, no art. 11-A, introdução da prescrição intercorrente no processo do trabalho, contrariando a jurisprudência absolutamente majoritária, a súmula 114 do TST e o recente pronunciamento traduzido na Instrução normativa 39/TST.

Em primeiro lugar, a previsão desse dispositivo precisa ser compatibilizada com a Constituição de 1988. Se, através de uma clara traição ao texto da emenda popular que deu origem à redação do inciso XXIX do artigo 7º, aceitou-se inserir prazo de prescrição como restrição a direito fundamental, o tempo mínimo ali referido (5 anos) deve ser respeitado.

O interessante é que uma alteração legislativa, com conteúdo regressivo, acaba conferindo a chance de se rever uma jurisprudência destrutiva, que vinha insistindo no artificialismo da existência de dois prazos de prescrição no Direito do Trabalho.

Ora, o inciso XXIX do art. 7º não prevê dois prazos de prescrição. Sua redação é clara: a prescrição é de 05 anos e o que ocorre é a fixação de um tempo de dois anos após o término do contrato de trabalho para que o ex-emprego proponha uma ação judicial para pleitear os seus direitos considerando-se, pois, o período prescricional de 05 anos, contados do término do vínculo de emprego para trás. Ainda que não se tenha coincidência quanto a esse modo de contar o prazo quinquenal, o que deve ser inquestionável é que o prazo de 02 não retroage ao período de vigência do contrato de trabalho.

De um jeito ou de outro, a eficácia do inciso XXIX, que regula a prescrição, está condicionada, por suposto lógico, à eficácia do inciso I, que confere aos trabalhadores o direito à relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária.

Além disso, a fluência desse prazo prescricional inicia-se, de acordo com o novo dispositivo, “quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução”. Nada mais simples: basta que o exequente impulsione o processo, requerendo ao juízo a adoção das medidas de que dispõe (SENIB, BACENJUD, RENAJUD, etc.), para que esteja afastada a aplicação dessa regra e se não o fizer, basta que o juiz o indague se fará ou não. Lembre-se, a propósito, do previsto no art. 487 do CPC, no sentido de que “ressalvadas as hipóteses do § 1º do art. 332, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se”.

A realidade é que não se pode permitir que a prescrição intercorrente seja ressuscitada na Justiça do Trabalho. A prescrição no campo das relações de trabalho constitui uma restrição à eficácia de direitos fundamentais. Como restrição, precisa ser compreendida e aplicada de modo restritivo. Isso porque retira do trabalhador a possibilidade (que se revela única em um sistema de monopólio da jurisdição) de fazer valer a ordem constitucional vigente. Daí decorre que sua aplicação deve se submeter, de uma parte, à aplicação (integral) de todos os direitos ali garantidos e, de outra, à uma análise que busque sempre reduzir ao máximo seu âmbito de incidência.

Do mesmo modo, a pronúncia de prescrição de ofício pelo juiz constitui uma total inversão da razão mesma de existência desse instituto, revelando que a anunciada motivação da pacificação dos conflitos sociais não é o que a impulsiona no processo do trabalho.

Em se tratando de créditos civis, de pessoas pressupostamente iguais, a prescrição pune o inerte, em homenagem à estabilização das relações. Mas, em termos de direitos fundamentais e, notadamente, nos casos dos direitos trabalhistas, a prescrição constitui um prêmio ao mau pagador e, com isso, um incentivo ao não cumprimento da legislação, ainda mais quando priorizada na atuação do juiz.

A prescrição pronunciada de ofício (a da pretensão contida na inicial e a intercorrente) é uma “indevida interferência do Estado”, que visa punir o trabalhador, devendo ser rechaçada pela aplicação da doutrina dos direitos fundamentais sociais. Não importa pensar o quanto os juízes estejam soterrados de trabalho ou premidos por metas e números; processos não são pilhas (mesmo que virtuais) a serem derrubadas; são dramas de pessoas reais.

A prescrição, concretamente, acomoda situações pretéritas e com isso evita a efetividade do direito e, quando o direito é reproduzido em créditos, impede que o patrimônio troque de mãos. No âmbito das relações de trabalho isso significa uma opção muito clara pelo capital, em detrimento do trabalho.

Nas lides trabalhistas, são os trabalhadores que na maioria absoluta dos casos buscam o Poder Judiciário para tentar remediar um dano já sofrido, dano este que, tantas vezes, é insuscetível de uma reparação integral. Ora, o pagamento de verbas salariais no âmbito de uma reclamatória trabalhista, ou seja, meses ou até anos depois do fato ocorrido, caracterizado pela perda abrupta do emprego sem o recebimento de qualquer valor, tido como essencial à sobrevivência do trabalhador e de sua família, não repõe todo o sofrimento que certamente se experimenta em situações como esta.

Toda vez que o Estado, embora reconhecendo que o trabalhador possui crédito a receber, se nega a buscar os meios necessários para satisfazer o crédito, atua como um superego que recalca nos indivíduos (em todos eles, não apenas naquele que porventura figura como reclamante na ação trabalhista em que a prescrição for pronunciada) a marca da naturalização da exploração impune. Cada prescrição pronunciada é um salvo conduto, por mais que se afirme o contrário, a beneficiar o mau pagador. Os argumentos utilizados durante a Constituinte de 1987, para transformar um direito fundamental em elemento de flexibilização de outros direitos, demonstra bem isso.

e) Ônus de prova e os poderes do juiz

A alteração do art. 775, § 2º da CLT, de fato, reitera os poderes que o art. 765 já conferia ao juiz, explicitando algumas possíveis formas de utilização do direcionamento do processo, entendido como instrumento e não como um fim em si mesmo.

O artigo em questão permite a dilação dos prazos processuais e a alteração da ordem de produção dos meios de prova, “adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”.

Assim, mesmo a alteração que a Lei nº 13.467/17 procurou fazer no artigo 818, dentro do propósito de destruição dos direitos trabalhistas, encontra-se vaticinada pela aplicação desses dispositivos.

A CLT traz em sua gênese, ainda que de forma intuitiva, a superação da separação absoluta entre direito material e direito processual. Com efeito, ao tratar do contrato de trabalho, na parte do direito material, estabelece deveres prévios de produção de prova documental, e o faz em pontos cruciais da relação capital-trabalho. Determina, por exemplo, que o contrato seja registrado na CTPS do trabalhador (art. 29), que a jornada seja devidamente anotada (art. 74), que o salário seja pago mediante recibo (art. 464). Determina, ainda, que seja escrito o “pedido” de demissão e o termo de quitação das verbas resilitórias, ambos com assistência do sindicato, sempre que se tratar de contrato com mais de um ano de vigência (art. 477).

Qual a razão dessas regras, que habitam o campo do direito material do trabalho? Por que exigir do empregador que pague salário sempre mediante recibo ou que proporcione o registro idôneo da jornada de seus empregados? Qual o propósito de uma regra dessa natureza, se não a prévia produção de prova acerca de fatos que, de outro modo, dificilmente poderiam ser demonstrados em um eventual futuro processo trabalhista?

Note-se que a CLT, nesse aspecto, promoveu um avanço que, apesar de revolucionário em termos de ciência processual, passou despercebido ao longo de várias décadas e está sendo desrespeitado pelo retrocesso injustificável promovido pela Súmula 338 do TST.

O modelo regulatório fixado desde sempre na CLT (e que não foi rompido expressamente na atual “reforma”) consiste justamente em efetivar um encargo probante que onera a parte reconhecida como a mais apta à produção de documentos durante o desenrolar da relação material.

No modelo da CLT não se trata, meramente, de perquirir ônus (seja pelo critério da melhor aptidão, seja pelo critério da distribuição especificada, seja ainda pelo equivocado critério da inversão, previsto no CDC), mas sim constatar que há obrigações de comportamento atribuídas ao empregador que repercutem, necessariamente, no processo. Apenas quando superadas as questões relativas aos deveres do empregador, passa-se ao exame do ônus da prova, e que a nova redação proposta para o artigo 818 tenta aniquilar.

Reitere-se que o processo, por sua função de instrumento de concretização dos direitos fundamentais (seja de forma retroativa ou proativa, mediante seu caráter reparatório, pedagógico e dissuasório) tem crucial importância no manejo dos deveres fundamentais. Não basta reconhecê-los, é preciso que se lhes atribua (ou reconheça) função no âmbito processual. A CLT estabelece estreita ligação dos espectros material e processual dos deveres, e sua consequência. Enquanto ônus é algo que incumbe à parte, cuja inobservância gera mera presunção favorável à parte contrária, dever é imposição legal cuja desobediência acarreta uma sanção. No caso dos deveres ligados à prova, essa sanção é o indeferimento da prova testemunhal e, por consequência, o acolhimento da tese contrária.

Nesse espectro, as alterações realizadas no art. 818 não são suficientes para superar a lógica acolhida na CLT. Ao contrário, e até considerando a predileção que muitos intérpretes da área trabalhista possuem pelo uso do CPC, o advento da nova redação do art. 818 talvez auxilie na sua observância, enfim, do sistema de deveres fixados na CLT.

O § 1º do novo art. 818 refere que “diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.

Há evidente confusão neste dispositivo entre dever e ônus, mas para a prática, aqui proposta, de resistência ao desmanche, importa reconhecer que as coisas continuarão exatamente como são, no que tange à distribuição da prova no processo do trabalho. O empregador, cujo dever de documentação segue incólume, terá de demonstrar o cumprimento dos direitos trabalhistas por prova documental que, caso não apresentada, seguirá atraindo a aplicação subsidiária (estimulada, aliás, pela CLT “do Temer”) das normas do CPC, notadamente daquelas inscritas nos artigos 400 e 443. Então, caso não se desincumba de seus deveres, haverá a admissão dos fatos alegados pela parte contrária como corretos. E o juiz segue proibido de autorizar a produção de prova testemunhal sobre fatos que apenas por documento ou perícia possam ser demonstrados (art. 443 do CPC).

Do mesmo modo, o § 2º desse dispositivo deve ser aplicado em consonância com o poder geral de condução do processo pelo juiz, que, portanto, definirá a necessidade de adiamento da audiência e, ao possibilitar a prova dos fatos terá que atentar para o que for admitido pelo direito. Se o direito impede a prova por meio de testemunhas (art. 443 do CPC), não poderá o juiz admiti-la. Tem-se, portanto, uma chance importante para o cancelamento da imprópria súmula 338 do TST e, enfim, o reconhecimento da importância dos deveres de prova que gravam a figura jurídica do empregador.

Vale recobrar aqui o preceito básico que se pode extrair do contexto da aprovação da Lei nº 13.467/17, que é o da intolerância quanto às práticas de ilícitos trabalhistas, do qual decorre o reforço da noção de que o processo não pode ser instrumento para que o ilícito trabalhista seja legitimado pela impossibilidade concreta de ser apurado, o que se dá quando se negam os deveres jurídicos fixados em lei ao empregador e quando se atribui ao empregado uma carga probatória que não possui condições de suportar.

É preciso fazer referência, ainda, à alteração promovida no art. 611-A, quando diz que o negociado irá prevalecer sobre o legislado, inclusive no que tange a “modalidade de registro de jornada de trabalho” (inciso X) e “enquadramento do grau de insalubridade” (inciso XII).

Note-se que não houve alteração dos artigos 74 e 193, quanto à exigência de manutenção de registros escritos do horário e quanto à realização de perícia. Logo, o resultado de uma negociação entre as partes acerca dessas matérias deve necessariamente observar os parâmetros legais da própria legislação trabalhista, sob pena de nulidade, na forma do art. 9º da CLT, cujo conteúdo também não foi alterado pelo desmanche promovido pela Lei nº 13.467/17.

A própria “reforma” autoriza interpretação nesse sentido, pois o art. 611-B diz expressamente que “constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho”, entre outras, disposições que atentem contra “normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho” (inciso XVII).

f) Custas e sucumbência recíproca

A gratuidade da justiça é um dos conteúdos que, no projeto constitucional, se pretendeu integrar ao conceito de cidadania, e esta, como se sabe, não comporta subdivisões. A assistência judiciária tem por função permitir que o direito fundamental do acesso à justiça seja exercido também por quem não tem condições financeiras de arcar com os custos do processo. Tornar a gratuidade da justiça menos garantista na Justiça do Trabalho, comparativamente ao que se verifica em outros ramos do Judiciário, equivale a tornar o trabalhador um cidadão de segunda classe.

Nesse sentido, a inserção, no art. 790, de um § 3º dizendo que o benefício da justiça gratuita poderá ser alcançado apenas àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social evidentemente não impede que o juiz defira tal benefício, como prevê inclusive o § 4º do mesmo dispositivo, a todo aquele que “comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”. E na realidade das relações de trabalho judicializadas, essa prova pode ser o próprio TRCT ou qualquer outro documento que demonstre a perda da fonte de subsistência.

O conceito legal de assistência judiciaria gratuita é aquele da Lei nº 1.060/50, que continua em vigor e abrange todas as despesas do processo, inclusive “os honorários do advogado e do perito”, nos termos do art. 98, § 1º, do CPC.

Desse modo, uma norma que pretenda estabelecer gravame ao trabalhador beneficiário da assistência judiciária gratuita, contrariando frontalmente a norma geral e a também a norma contida no CPC, qualificando-se, desse modo, como avessa à noção de proteção que informa e justifica o Direito do Trabalho, não poderá ser aplicada porque a normatização mais ampla a afasta.

Em termos de direitos fundamentais, a norma específica só pretere a norma geral quando for mais benéfica. Ora, uma norma geral, aplicável a todos, tratando de direito fundamental, cria um patamar mínimo que, portanto, não pode ser diminuído por regra especial, sob pena de inserir o atingido na condição de sub-cidadão.

A norma do art. 790-B, ao referir que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, “ainda que beneficiária da justiça gratuita”, não poderá ter interpretação diversa daquela já praticada na Justiça do Trabalho, que reconhece ao trabalhador a responsabilidade, mas dispensa o pagamento, exatamente em face do benefício que lhe foi reconhecido, porque é assim que se dá em todos os demais ramos do Judiciário.

Nada há de ser alterado, portanto, na compreensão quanto à aplicação dos recursos da União, como já ocorre, para permitir a efetiva remuneração do auxiliar do juízo, quando a parte autora está ao abrigo da assistência judiciária gratuita.

A regra inserta no § 1º desse dispositivo, no sentido de que o juízo deverá respeitar o limite máximo estabelecido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ao fixar o valor dos honorários periciais, depende inicialmente de que tais valores sejam mesmo fixados e, em seguida, da análise da atividade pericial, que pode representar esforço que justifique remuneração superior a tal limite. Não se pode esquecer que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho edita recomendações, mas não detém competência para fixar valores de remuneração para os auxiliares do juízo.

O § 2º desse dispositivo, ao referir mera possibilidade de atuação jurisdicional, nada diz.

O § 3º, por sua vez, ao dispor que “o juízo não poderá exigir adiantamento de valores para realização de perícias”, estabelece proibição que também contraria frontalmente norma contida no CPC (art. 95).

Ora, o art. 95, que sequer está fundado na noção de proteção a quem trabalha, estabelece que a remuneração do perito poderá ser adiantada.

À primeira vista pode parecer benéfica a proposição da “reforma”, mas o que se pretendeu, concretamente, foi que as empresas não arquem com os custos adiantados da perícia, contrariando a prática processual contida no próprio CPC, custos esses que não se aplicam, em geral, aos reclamantes, dada a sua condição de miserabilidade.

O § 3º do artigo 95 do CPC ainda estipula, expressamente, que quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado, tal como já ocorre na Justiça do Trabalho.

Portanto, a disposição enxertada na CLT, no § 4º do mesmo art. 790, no sentido de que “somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo”, é de ser afastada, porque incompatível com a própria noção de gratuidade que, aliás, é decorrência lógica da proteção.

Aliás, aqui há uma questão ainda mais grave. É que o crédito alimentar é insuscetível de renúncia, cessão, compensação ou penhora (art. 1.707 do Código Civil), cuja aplicação subsidiária a Lei nº 13.467 exorta o juiz a fazer (nova redação do art. 8º). O fato de que os créditos trabalhistas são alimentares está consolidado na redação do art. 100 da Constituição, em seu § 1º, segundo o qual tem natureza alimentícia os créditos “decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez”. Logo, não podem ser compensados.

O art. 791-A estabelece que “ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”. O limite de 15% revela-se completamente dissociado da prática atual, inferior inclusive aos percentuais fixados em tabela pela OAB e, certamente, se mantidos em decisão judicial, implicarão a cobrança de outros valores, a serem suportados diretamente pelo trabalhador.

A regra do parágrafo único do art. 404 do Código Civil resolve o problema. Há ali autorização para que o juiz defira indenização complementar, sempre que entender insuficiente aquela pleiteada ou deferida em razão de disposição legal. Aliás, essa regra serve também para, em aplicação subsidiaria, majorar o valor da indenização por dano moral, escapando da prisão em que a redação do art. 223 G, § 1o, tenta enredar o juiz do trabalho.

O § 3º do artigo 791 prevê que na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.

Aqui talvez se esteja diante de uma das mais nefastas previsões da Lei nº 13.467/17, pois a sucumbência recíproca é a antítese da razão de existência mesma de um processo do trabalho, ao menos nos moldes propostos, isto é, sem o reconhecimento da gratuidade como princípio do acesso à justiça e sem a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, ou seja, impondo custos a quem não tem como pagar.

A Justiça do Trabalho tem por pressuposto a facilitação do acesso à justiça, o que inclui a noção de jus postulandi e de assistência gratuita. Essa última, como se viu, abrange todas as despesas do processo.

E se assim não for, para que a norma seja aplicada em consonância com a proteção que inspira a existência do processo do trabalho e com a própria linha argumentativa dos defensores da “reforma”, que insistem em dizer que não houve retirada de direitos, outras duas questões devem ser necessariamente observadas.

Primeiro, que os honorários deferidos ao patrono do reclamante precisarão ser compensados com aqueles fixados em contrato, caso não se compreenda pela própria impossibilidade de cumulação. E, ainda, que os honorários fixados para o advogado da empresa deverão ser de 5%, enquanto aquele a ser reconhecido ao patrono do trabalhador deverá observar o patamar máximo de 15%, em razão da objetiva diferença na capacidade econômica das partes.

Além disso, há de se reconhecer que sucumbência recíproca não existe no aspecto específico da quantificação do pedido. Isto é, se, por exemplo, o pedido de dano moral, com valor pretendido de R$ 50.000,00, for julgado procedente mas no patamar fixado pelo juiz de R$ 5.000,00, não se terá a hipótese de “procedência parcial”, da qual advém a hipótese de sucumbência recíproca, porque, afinal o pedido foi julgado procedente e a própria lei autoriza fixar as indenizações em outro patamar, que não é de um valor exato. E, se assim não se entendesse, os honorários advocatícios conferidos ao empregador poderiam até ser superiores à indenização deferida ao reclamante.

Destaque-se que mesmo na dinâmica do processo civil, a compreensão doutrinária, já refletida em jurisprudência e em lei, é a de que os honorários advocatícios não servem para conferir um proveito econômico à parte que não tem razão; ou, dito de outro modo, não constituem instrumento para penalizar a parte economicamente desprovida e que vai à Justiça pleitear os seus direitos. Vide, neste sentido, a Súmula n. 326 do STJ: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.” E, também, o teor do parágrafo único do artigo 86: “Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários.”

O atual § 4º do art. 791, quando menciona que o beneficiário da justiça gratuita terá as obrigações decorrentes de sua sucumbência “sob condição suspensiva de exigibilidade”, durante dois anos, nos quais o credor poderá provar que “deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade”, tenta obstar o acesso à justiça e cria uma contradição que não poderá ser resolvida, senão pela declaração da inaplicabilidade dessa disposição legal.

É que a gratuidade se dá em razão da situação do trabalhador no momento em que demanda. E se ela abrange, inclusive sobre a exegese do CPC que, vale repetir, sequer tem por princípio a proteção a quem trabalha, todas as despesas do processo, não há como sustentar tal condição suspensiva sem negar, por via oblíqua, a gratuidade.

O mesmo ocorre em relação à suposta autorização, contida nesse mesmo dispositivo, para compensação com créditos obtidos em juízo, “ainda que em outro processo”. Novamente, a disposição legal esbarra nas disposições dos art. 1.707 do Código Civil e no art. 100 da Constituição.

g) O dano processual

Nesse aspecto, a CLT virará uma cópia do CPC. A introdução dos dispositivos é inútil, vez que já eram utilizados de forma subsidiária. De qualquer modo, os artigos art. 793-A e Art. 793-B não inovam nem atrapalham. O art. 793-C revela a mesma timidez já evidenciada no texto do CPC, resistindo a romper com a lógica do processo como um bom negócio. O art. 793-D, na linha da ânsia punitiva já revelada por alguns setores da própria Justiça do Trabalho, promove ruptura visceral com a origem histórica e os pressupostos do direito e do processo do trabalho por constituir evidente tentativa de intimidação das testemunhas em uma lógica na qual, bem sabemos, não existe isenção.

É evidente que as testemunhas, em uma ação trabalhista, não são isentas. As testemunhas que comparecem a pedido do reclamante, via de regra, já trabalharam na empresa demandada, com ela mantendo, portanto, relação que não se resume a questões econômicas, como bem sabemos. A relação de trabalho é também uma relação de troca de afetos, pelo próprio lugar que o trabalho ocupa na vida humana. Por sua vez, as testemunhas convidadas a depor pela demandada, em regra, são empregados que não detém garantia alguma de manutenção no emprego, e seu depoimento, consequentemente, é carregado dessa dependência. Logo, intimidá-la com a possibilidade de multa ou, pior, aplicar tal penalidade, implicaria punir a testemunha por ato que extrapola as suas possibilidades.

Não se está aqui, obviamente, defendendo a impunidade por falso testemunho, mas para isso já há previsão normativa que preserva o necessário devido processo legal, para que não se constitua um fator de autoritarismo aos juízes, que é, aliás, o que a Lei nº 13.437/17 pretendeu realizar.

Importante reconhecer que em uma relação de trato continuado, como é a relação de emprego, muitas vezes a perfeita reprodução oral dos fatos é uma tarefa bastante imprecisa e até por isso mesmo o dever da produção de prova documental recai sobre o empregador.

Essa norma em comento, além disso, contraria frontalmente o artigo 5º, LIV, da Constituição Federal, que impede que alguém seja privado de seus bens sem o devido processo legal e o inciso LV do mesmo artigo, que garante o contraditório e a ampla defesa aos “acusados em geral”. Logo, se a testemunha for acusada de mentir em juízo, terá que ter respeitado seu direito de defesa, antes de ser punida, dentro dos padrões legais estabelecidos.

h) A petição inicial e a defesa

O art. 840 foi alterado para dispor que todos os pedidos devem ter a indicação do seu valor (§ 1º), o que a princípio pode parecer positivo, na medida em que estimula a propositura de demandas líquidas. Essa exigência, entretanto, só poderá ser observada quando não impeça o acesso à justiça, na medida em que subsiste o jus postulandi e em que existem muitos direitos que somente podem ser completamente quantificados com a apresentação de documentos que estão em poder da reclamada.

Em tais casos não há como exigir da parte que determine o valor. Aliás, de forma geral, os valores fixados na petição inicial entendem-se por meramente indicativos, pois uma liquidação se apresenta materialmente impossível.

Quanto à contestação, a regra enxertada no § 3º do art. 841 (“Oferecida a contestação, ainda que eletronicamente, o reclamante não poderá, sem o consentimento do reclamado, desistir da ação”) é uma tentativa de evitar que o reclamante desista da ação após saber dos termos da defesa, considerando que a reclamada teria o interesse no julgamento de mérito que lhe seria favorável. Ocorre que se tomados os fatos e provas documentais constantes do processo o provimento favorável só terá algum valor se repetidas, em outra ação, os mesmos fatos e provas documentais, sendo que a ausência do julgamento não representaria qualquer prejuízo, pois o mesmo efeito se daria em novo processo, ainda mais considerando a prevenção do juízo.

Assim, o único efeito benéfico para a reclamada seria a condenação do reclamante em honorários advocatícios, o que inverte a própria finalidade do processo.

Desse modo, se o reclamante considera que os termos da defesa impedem o sucesso da sua pretensão, a desistência é a atitude que melhor atende aos objetivos do processo, pensando, inclusive no princípio da economia, assim como nas estratégias de gestão do Judiciário.

A regra, portanto, precisa ser compatibilizada com a possibilidade de ampla liberdade na direção do processo, pelo juiz (art. 765), bem como pelo exame dos pressupostos para o prosseguimento do feito, considerando-se, ainda, que a estabilização da demanda ocorre apenas após o vencimento do prazo para a apresentação da defesa, o que se dá, no processo do trabalho, em audiência, após a leitura da petição inicial.

Verificando-se que não há interesse no prosseguimento do feito, por parte do demandante, admitir que o processo siga em razão da insistência da demandada seria subverter a própria razão de existência do processo. Não havendo litígio, não há porque manter a demanda judicial. Note-se que essa disposição vai na contramão, inclusive, de toda a lógica de redução de processos que inspira o documento 319 do Banco Mundial, fonte inspiradora das recentes alterações processuais, no CPC e na própria CLT.

Já a disposição contida no § 3º do art. 843 não traz uma autêntica novidade. A CLT nunca exigiu a condição de empregado, para o preposto. O que ali se exige, e que se mantém, é que ele tenha conhecimento dos fatos. A disposição evidentemente é uma tentativa de superar jurisprudência dominante no TST que, curiosamente, acaba por permitir que os intérpretes do Direito do Trabalho voltem a aplicar a disposição legal. Duas são as funções do preposto, que tornam sua presença em audiência indispensável. A primeira é a capacidade para conciliar em nome da empresa. A segunda, é a de trazer ao juiz elementos que possam esclarecer os fatos controvertidos. Há, claro, o efeito processual, em favor da parte contrária, que é o de confessar.

Quando a empresa traz em juízo um “preposto profissional” cria-se uma disparidade no processo, na perspectiva da produção das provas, estabelecendo um benefício exatamente em favor da parte que possui maior aptidão para a prova. Ora, o reclamante, em seu interrogatório, carregando a fragilidade pessoal de estar envolvido emocionalmente no conflito, pode se confundir e, assim, confessar fatos que, concretamente, não se deram da forma “confessada”. Já o preposto profissional, muitas vezes com formação jurídica, transforma o depoimento pessoal em mero ato protocolar. Uma repetição técnica dos termos da defesa.

Essa disparidade contraria o princípio do contraditório, inscrito na cláusula do devido processo legal.

Além disso, o preposto que não teve contato algum com o empregado em seu ambiente de trabalho, o que desatende, inclusive, a previsão do art. 843, § 1º, da CLT. Ora, quando se diz que o preposto deve ter conhecimento dos fatos, o que se estabelece é que este precisa ter vivenciado os fatos controvertidos e que, ao menos, conheça o reclamante e sua dinâmica do trabalho, não por ter ouvido falar ou por ter lido em algum memorando, e sim por tê-la vivenciado.

Chega a ser pueril argumentar que esse conhecimento dos fatos pode ser obtido por meio da leitura dos documentos do processo. Ora, a leitura dos documentos do processo é obrigação do juiz e isso pode ser feito sem o “auxílio” do preposto. Ao se admitir que o conhecimento dos fatos se transforme na leitura e prévia preparação para a audiência, se estaria, em realidade, esvaziando o conteúdo e o sentido do art. 843 da CLT, transformando a audiência em um faz-de-conta que não beneficia as partes litigantes e, muito menos, o Poder Judiciário, enquanto instituição. O preposto faz-de-conta que conhece os fatos, quando em realidade apenas “estudou” o processo (e, portanto, desconhece objetivamente os fatos controvertidos do litígio) e o juiz faz-de-conta que acredita.

Assim, empregado, ou não, cumpre ao preposto ter conhecimento dos fatos, na forma concreta acima indicada, sob pena de confissão, nos termos do art. 844 da CLT.

No que diz respeito ao art. 844, a alteração proposta é no sentido de que a ausência do reclamante implicará condenação “ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita” (§ 2º), com exigência de pagamento de custas como condição para a propositura de nova demanda (§ 3º).

O que a lei não mencionou foi a possibilidade de o reclamante justificar a ausência, para efeito de evitar o pagamento das custas, ou, até mesmo, para desarquivar o processo, sendo que a motivação pode ter até mesmo uma base econômica ou social.

O § 5º do art. 844 expressa uma preocupação de proteger a demandada, em caso de revelia, estabelecendo que: “ainda que ausente o reclamado, presente o advogado na audiência, serão aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados”. A preocupação, no entanto, não foi ao ponto de obstar a consequência jurídica da ausência da parte à audiência, qual seja, a decretação da revelia e a aplicação da consequente pena de confissão, mesmo que presente o seu advogado. O que se disse foi, unicamente, que ausente o reclamante, mas presente o seu advogado, serão aceitos defesa e documentos.

O dispositivo, portanto, não se incompatibiliza com a regra do processo do trabalho, segundo a qual a revelia se dá pela ausência do reclamado à audiência, vez a notificação-citatória não tem como comando a apresentação de contestação e sim o comparecimento ao juízo. O não comparecimento implica, por si, revelia.

i) O incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Inserido no CPC, em um movimento conservador de ruptura com toda a doutrina acerca da responsabilidade patrimonial, e apesar da previsão da IN 39 do TST, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não ingressou na prática das relações processuais de trabalho por uma simples razão: contraria a simplicidade que o inspira e justifica.

Se aplicado for o incidente de desconsideração da personalidade jurídica o efeito, certamente, será o de inviabilizar o processo do trabalho, idealizado para ser célere e efetivo. Previsto como condição de possibilidade da persecução do patrimônio do responsável pelos créditos reconhecidos em juízo, altera a compreensão assente desde o Código de 1939, pela qual a responsabilidade constitui matéria a ser aferida na fase de execução apenas quando verificada a incapacidade financeira do devedor, que consta no título executivo.

Pois bem, a Lei nº 13.467/17 insiste no erro ao dispor, no art. 855-A, que tal incidente deverá ser aplicado no processo do trabalho. Copiando a previsão do CPC, a lei da “reforma” veio para dizer que a parte pode promover tal incidente inclusive na fase de conhecimento.

A inaplicabilidade é medida que se impõe.

As demandas que atualmente já contam com a pluralidade no polo passivo, porque versam situação de terceirização ou mesmo quarteirização das atividades, passariam a ser ajuizadas contra as empresas prestadoras e tomadoras do serviço e contra todos os seus sócios. Teríamos, então, demandas com 20, 30, 50 pessoas compondo o polo passivo. Todos teriam que ser devidamente intimados para que o processo tivesse prosseguimento e, obviamente, teriam direito à defesa e à produção da prova. Levar a cabo um processo como esse, de um trabalhador contra um exército de responsáveis, todos muito bem assessorados por advogados diferentes, implicaria, como é fácil imaginar, o colapso da jurisdição trabalhista.

Há, portanto, mesmo na fase de execução, nítida incompatibilidade do instituto com o rito processual trabalhista. Note-se que não houve alteração da regra do art. 4º da LEF, que, embora não sendo mais a primeira fonte subsidiária ao processo do trabalho na fase de execução, sem dúvida segue aplicável, tal como outras legislações alienígenas sempre o foram. Pois bem, esse dispositivo autoriza a realização de atos de execução contra os responsáveis a qualquer título. Nessa categoria incluem-se os tomadores do trabalho.

Tem-se, então, a chance de aproveitar a alteração legislativa para resgatar a aplicação da ordem jurídica aos casos de responsabilidade, ultrapassando a disposição da súmula 331 do TST. A responsabilidade subsidiária de que trata esse dispositivo (e a nova redação do art. 2º) nada mais é do que solidariedade com benefício de ordem. O parâmetro legal, no processo do trabalho, para tanto, é o artigo 4º da LEF, que autoriza promoção de atos de execução contra o responsável. O § 3º desse artigo dispõe que “Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida”.

Desse modo, não há necessidade de interposição do incidente e, se não há necessidade, a forma processual em questão não tem porque ser utilizada, pois o princípio processual é o da instrumentalidade das formas. Isso significa que as formas processuais só se justificam pelos fins que possam gerar no sentido da finalidade própria do processo, que é a de conferir a cada um o que é seu por direito (efetividade). As formas não constituem um direito para a parte, que delas tentam se utilizar pelo bel prazer ou para evitar que o processo atinja sua finalidade.

Sob a perspectiva do procedimentalmente, portanto, basta que na fase de execução, ao não se encontrarem bens do executado, suficientes para a satisfação da dívida, sejam indicados bens do responsável, para o prosseguimento da execução.

j) A efetividade da execução

Do mesmo modo, caberá aos intérpretes do Direito a minimização do dano que se pretendeu causar à efetividade do processo trabalhista, por meio das alterações introduzidas no art. 878 da CLT.

A nova redação dada a esse artigo refere que a execução será promovida pelas partes.

Ora, o processo do trabalho já nasceu concebendo a atuação jurisdicional como uma só, que se inicia com a propositura da demanda e só termina com a entrega do bem da vida ao exequente, em caso de procedência das pretensões. O art. 765 da CLT, que confere ao juiz amplos poderes na condução do processo, aliado à compreensão de que ao pleitear em juízo horas extras, por exemplo, evidentemente a parte pretende a percepção dessas horas e não a declaração formal de que delas é credor, autorizam o juiz a prosseguir emprestando celeridade e efetividade ao processo, mesmo na fase de execução.

A previsão de que a execução deverá ser promovida pelas partes, portanto, não retira o dever do juízo de também promover atos de execução, sobretudo utilizando os mecanismos de consulta e localização de patrimônio de que dispõe, a fim de solucionar definitivamente o litígio.

Como já admite a doutrina processual civil, a prestação jurisdicional só se completa com a entrega do bem da vida e, portanto, deixar de fazê-lo representa negativa de prestação jurisdicional.

Esse artificialismo da Lei 13.467/17 poderia facilmente ser corrigido, ademais, com outro artificialismo: o reclamante pleitear na inicial a declaração de seus direitos, a condenação da reclamada ao cumprimento das obrigações e execução caso não satisfeitas dentro dos prazos assinados pelo juiz, nos termos do art. 832, da CLT.

A referência, no art. 879, de que “elaborada a conta e tornada líquida, o juízo deverá abrir às partes prazo comum de oito dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão” (§ 2º) suprime a necessidade de dar às partes a oportunidade de apresentar o cálculo. O juízo poderá, portanto, nomear desde logo um contador de sua confiança, para a liquidação da sentença. Por sua vez, a impugnação, por ausência de referência no texto legal, poderá ser feita de forma concomitante à intimação para o pagamento, a fim de evitar desnecessária demora na tramitação do processo.

Não se esqueça de que a regra geral de livre condução do processo, contida no art. 765, da CLT, permanece em vigor. Assim, continua valendo o procedimento adotado por inúmeras Varas do Trabalho de intimar a reclamada para a apresentação dos cálculos em 15 (quinze) dias e, no mesmo prazo, efetuar o depósito do valor indicado, sob pena de multa de 10% e envio do processo a perito-contador, para elaboração dos cálculos às custas da reclamada com posterior início imediato da execução com penhora de bens, etc.

O art. 879 também foi alterado para estabelecer que a “atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial Diária (TRD)” (§ 7º). Sabemos da discussão atual acerca do critério para a atualização dos créditos trabalhistas. A TRD equivale à não atualização dos créditos. Logo, deverá ser afastada no caso concreto, exatamente por não implicar atualização, de modo a negar o escopo que a própria norma possui. Se esse dispositivo trata de atualização monetária, precisará sem dúvida ser integrado por uma compreensão que a ele empreste efetividade. Nesse sentido, é preciso seguir a discussão já existente, no campo jurisprudencial, acerca da necessidade de superação de um dispositivo que não se presta à correção das perdas monetárias e que na realidade prática implica atualização nenhuma para os créditos trabalhistas. Aliás, o TST, até agosto de 2015, considerava integralmente válida e constitucional a redação do art. 39 da Lei nº 8.177/91, conforme OJ nº 300 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais daquela Corte. Entretanto, após sucessivos julgados do STF sobre a matéria do índice de atualização monetária aplicável a débitos judiciais (ADIs nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, em que foi Relator originário o Exmo. Ministro Carlos Ayres Britto e Redator para o acórdão o Exmo. Ministro Luiz Fux), reverteu seu posicionamento, reconhecendo que a TR (TRD ou índice oficial da poupança) efetivamente não representa mais um índice capaz de projetar a depreciação da moeda ao longo do tempo. Em decisão de 04 de agosto de 2015 (Processo TST – ArgInc – 479-60.2011.5.04.021) em sua composição plenária, o TST decidiu acolher o incidente de inconstitucionalidade suscitado pela Egrégia 7ª Turma do TST, decidindo pela inconstitucionalidade por arrastamento da expressão “equivalente a TRD” contida no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, em controle difuso da constitucionalidade nos autos do processo nº TST – ArgInc – 479-60.2011.5.04.0231. Na linha da orientação vertida pelo TST, a Seção Especializada em Execução do TRT da 4ª Região, nos autos da Execução Trabalhista 0029900-40.2001.5.04.0201 (AP), na sessão de 27 de outubro de 2015, por unanimidade, decidiu acolher a alegação de inconstitucionalidade da expressão “equivalente a TRD” contida no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, em controle difuso de constitucionalidade, determinando a suspensão do processo até o julgamento pelo Tribunal Pleno do incidente de inconstitucionalidade, bem como determinando, por força do princípio de reserva de plenário, o encaminhamento do processo ao Tribunal Pleno para apreciação da questão.

Na sessão de 30 de novembro de 2015, o Tribunal Pleno do TRT da 4ª Região, unanimemente, admitiu a União como amicus curiae, nos termos do artigo 482 CPC, e, no mérito, por maioria, em controle difuso de constitucionalidade, declarou a inconstitucionalidade da expressão “equivalente a TRD” contida no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991, com a alteração dada pela Lei nº 8.660/1993. Sob o aspecto da literalidade do art. 39 da Lei nº 8.177 /91, convém ainda observar que não há a indicação da TR como fator de correção monetária, mas sim como de juros de mora. Logo, não pode ser utilizado como índice de atualização, até porque não há razão outra para a correção monetária, que não a reposição efetiva das perdas sofridas pelo credor, em razão do decurso do tempo para a satisfação de créditos que lhe foram reconhecidos como devidos.

Com efeito, a atualização monetária não constitui vantagem financeira, mas sim mera reposição de perdas já experimentadas pelo credor, cujo objetivo é tão somente viabilizar a reparação efetiva do dano já causado, preservando assim o direito de propriedade, reconhecido como fundamental em nossa Constituição. Na hipótese de crédito alimentar, como é o caso do trabalhista (art. 100 da Constituição), a situação é ainda mais grave do que em relação a outros créditos, seja porque a reparação jamais será integral, pois tempo de vida não se restitui com pecúnia, seja porque os alimentos se destinam – como regra – à manutenção da subsistência física do trabalhador e de seus familiares. Basta observarmos que praticamente 50% das demandas trabalhistas ajuizadas versam sobre o pagamento de verbas resilitórias.

Pois bem, a regra contida no artigo 39 da Lei 8.177/91, naquilo em que determina a utilização da variação acumulada da TRD, vai de encontro ao que foi decidido pelo STF, e inviabiliza essa reparação efetiva do dano, tornando um “bom negócio” o descumprimento de direitos fundamentais trabalhistas. Esse “bom negócio”, porém, tem elevado custo social, porque implica concretamente a redução do poder de consumo e o incentivo ao descumprimento contumaz da ordem jurídica. Constitui, ainda, um grave incentivo ao endividamento. O trabalhador que teve sonegados seus salários precisará, necessariamente, continuar a alimentar a família, vesti-la, pagar moradia, etc. Para satisfazer os débitos daí decorrentes, tantas vezes obriga-se a contrair empréstimo bancário. Para ele, porém, as taxas aplicáveis serão diversas. Não é difícil imaginar o resultado de uma situação como essa que, ao contrário do que se pode a princípio pensar, é o cotidiano do que ocorre nas relações de trabalho no Brasil. Por essas razões, que dizem com a necessária observância de entendimento já reiteradamente adotado pelo STF; com a literalidade do art. 39 da Lei 8.177/91, que segue em vigor; e, especialmente, com a função econômica e social que o instituto da correção monetária exerce, a Justiça do Trabalho deverá continuar reconhecendo como aplicável o IPCA-E.

Quanto à alteração do art. 882, segue havendo preferência na ordem de penhora, inclusive para a garantia do juízo. A possibilidade de “apresentação de seguro-garantia judicial” evidentemente está condicionada ao crivo judicial. Tratando-se a executada, de empresa com evidente solidez econômica nada justifica a apresentação de bem que desobedeça a ordem de preferência que, repito, segue sendo a mesma do CPC: dinheiro.

O art. 883-A estabelece que a “decisão judicial transitada em julgado somente poderá ser levada a protesto, gerar inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, nos termos da Lei, depois de transcorrido o prazo de quarenta e cindo dias a contar da citação do executado, se não houver garantia do juízo”, buscando burlar a efetividade que é própria do processo do trabalho. Não há justificativa para tal proposição, que não a deliberada proteção a quem descumpre a legislação vigente, em uma total inversão da lógica que justifica a própria existência de um ordenamento jurídico sujeito ao chamado monopólio da jurisdição. Nesse aspecto, nada impede que o juiz adote outras medidas capazes de impedir que a executada siga atuando no mercado, mesmo quando inadimplente em relação a crédito alimentar.

l) O depósito recursal

A tentativa de retirada da exigibilidade do depósito recursal do processo do trabalho não é nova, exatamente porque essa garantia é um dos principais diferenciais do processo trabalhista, que efetivamente estimula a conciliação e torna a demanda em alguma medida desvantajosa para o empregador.

A Lei 13.467 altera o art. 899 para permitir que o valor do depósito recursal seja reduzido pela metade para entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte (§ 9º), isentar sua exigência para os beneficiários da justiça gratuita, as entidades filantrópicas e as empresas em recuperação judicial (§ 10) e autorizar sua substituição por fiança bancária ou seguro garantia judicial (§ 11).

Com isso, pretende esvaziar o próprio sentido de existência do depósito recursal, que é a garantia da futura execução.

Ora, se houvesse uma preocupação em não onerar indevidamente pequenos empregadores, que se propusesse a prolação de sentenças líquidas, dando maior realidade ao valor exigido como garantia. Não podemos esquecer que a empresa só tem que recolher depósito recursal quando sofre condenação em uma sentença trabalhista devidamente fundamentada, que já examinou de modo aprofundado as alegações das partes e as provas que foram produzidas.

Não há, portanto, correspondência desse dispositivo com a função do processo, porque se trata de uma indisfarçada autorização para o descumprimento de decisões judiciais, indo, pois, na contramão da suposta intenção de “modernizar a legislação sem comprometer a segurança de empregados e empregadores”.

Aqui, a segurança – parcial, diga-se de passagem – que o empregado tem de que o crédito já reconhecido em decisão de mérito será satisfeito – é mitigada, sem razão alguma.

Note-se que ao justificar a alteração proposta para o art. 896-A, afirma-se que “a taxa de congestionamento de processos no Brasil atinge níveis superiores a 85%, segundo dados do Anuário “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, de 2016. Enquanto a taxa de recorribilidade na Justiça Estadual Comum é de 9,5%, na Justiça do Trabalho este número é de 52%. Essas estatísticas se traduzem na vida dos brasileiros em maior demora processual, especialmente no processo do trabalho, sendo que, na Justiça do Trabalho, essa questão é mais crítica por se tratar de verbas alimentares”. Ora, assumindo como verdadeiro o pressuposto para a “reforma”, devemos afastar qualquer tipo de fragilização ou supressão da exigência de depósito recursal. Se há muito recurso em relação às decisões de primeiro grau, a razão é uma só: o contumaz descumprimento de direitos fundamentais trabalhistas. E se a demanda trabalhista versa créditos alimentares, como o próprio relator admite, não há como sustentar, com seriedade, a necessidade de “diminuir o ônus da interposição do recurso, mantendo na economia os valores que seriam objeto de depósito recursal”.

Aqui, a resistência necessária passa pelo uso do poder geral de cautela, autorizado tanto pelo art. 765 da CLT quanto pelo CPC, bem como pelo correto manejo das tutelas de urgência e evidência, cuja aplicação subsidiária ao processo do trabalho parece consenso na doutrina e na jurisprudência. A decisão de mérito no processo do trabalho não tem efeito suspensivo. Ao contrário, a determinação expressa da CLT é que a execução seja sempre promovida, pelo menos até a penhora. Pois bem, com a fragilização imposta ao depósito recursal, nada obsta a determinação imediata de penhora, que é facilitada com a prolação de sentença líquida, mas pode ser realizada mesmo antes do cálculo, com base no valor arbitrado pelo juiz, à condenação.

Além disso, o CPC fixa a possibilidade de liberação de dinheiro em execução provisória. Trata-se de autorização legal expressa que já estava contida na redação final do CPC de 1973, em razão de alteração promovida em 2005, que introduziu o artigo 475-0 àquele diploma legal. Em sua atual redação, o dispositivo assim determina o cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo da mesma forma que o cumprimento definitivo (Art. 520), autorizando “o levantamento de depósito em dinheiro” (inciso IV), inclusive sem qualquer garantia (Art. 521). A previsão contida no CPC não encontra correspondência na CLT, complementando, portanto, o quanto preceitua o art. 899 desse diploma legal.

Não podemos esquecer que para a racionalidade que inspira a existência de um processo do trabalho, a realização do direito é parte integrante da demanda. E parece certo que há urgência em satisfazer crédito do qual depende a sobrevivência física e psíquica do trabalhador e de seus familiares. Essa é a razão pela qual hoje justifica-se a utilização subsidiária do CPC, no que tange à regra que autoriza a liberação de dinheiro em execução provisória. A razão de ser dos artigos 769 e 889 da CLT encontra-se justamente aí: permitir a integração da norma estranha ao processo do trabalho sempre e somente quando contribuir para a efetividade dos direitos sociais fundamentais trabalhistas.

O recurso ordinário não pode constituir óbice à satisfação de crédito alimentar de que dependa o trabalhador. Sobretudo considerando-se que não há no ordenamento jurídico a previsão de tal benesse. A fragilização imposta à garantia da futura execução precisará, portanto, ser enfrentada desde uma perspectiva que resgate essa efetividade. O artigo 899 da CLT, conjugado com os artigos 520 e 521 do CPC, autoriza a constrição e a entrega de valores, como medida capaz de evitar dano irreparável ao direito.

Nada obsta, portanto, que em sede de execução provisória, o juiz de imediato determine a penhora do valor integral da condenação (superando, inclusive, a garantia representada pelo depósito recursal). E, em uma perspectiva mais arrojada, nada impede o juiz de inclusive liberar o valor penhorado ao exequente, por se tratar de crédito alimentar ou de estado de necessidade da parte (art. 521).

Conclusão

A tentativa de destruição do espaço de cidadania representado pela Justiça do Trabalho é a prova cabal de que o objetivo da “reforma” não foi modernizar, criar empregos ou valorizar a ação dos sindicatos.

Ao contrário, ao final de todo esse movimento de destruição de direitos sociais está o propósito de evitar que os trabalhadores e trabalhadoras possam fazer valer seus direitos e que haja algum controle, por parte do Estado, no sentido de coibir o reiterado desrespeito a direitos fundamentais.

O dado, sucessivamente repetido durante os debates sobre a “reforma”, de que há milhões de reclamações na Justiça do Trabalho, representa, antes de tudo, que os propósitos do movimento de acesso à justiça foram razoável e positivamente atendidos na realidade brasileira, pois, fundamentalmente, os institutos processuais criados visavam possibilitar que os titulares dos novos direitos sociais pudessem ter acesso a uma Justiça célere, simples e informal.

A grande quantidade de ações, portanto, não é um demérito, muito pelo contrário, que mostra, também, o alto grau de confiabilidade que o Judiciário trabalhista adquiriu sobre a parcela da sociedade que historicamente tem sido evitada nos demais ramos do Judiciário. E demostra, igualmente, o quanto ainda os direitos trabalhistas são reiterada e abertamente desrespeitados no Brasil. Nesse ponto, é preciso reconhecer o quanto a própria Justiça do Trabalho, por atuação inadvertida, acabou contribuindo para a ineficácia da legislação trabalhista, ao legitimar conciliações com renúncia a direitos e cláusula de “quitação do extinto contrato de trabalho”, englobando, inclusive, direitos e verbas não discutidos nos autos, e deixando de punir os devedores contumazes.

É o momento, pois, de o Judiciário trabalhista se recompor do baque e compreender que os ataques que sofreu constituem, em verdade, os fundamentos para retornar e prosseguir cumprindo o seu papel de impor o respeito aos valores sociais e humanos nas relações de trabalho, revendo, inclusive, os atos que contribuíram para a sensação de impunidade de empregadores que reiteradamente descumprim a legislação do trabalho.

Mais uma vez, os profissionais que atuam na Justiça do Trabalho e que, de fato, dão vida e sentido a esta instituição, estão sendo postos à prova e tal qual os autores da Lei 13.467/17, que constituiu um ato de terrorismo contra a classe trabalhadora, serão historicamente julgados por seus atos e omissões, vez que o conjunto normativo, como procuramos aqui demonstrar, lhes confere opções.

São Paulo/Porto Alegre, 26 de julho de 2017.

(*) Jurista e professor livre docente de direito do trabalho brasileiro na USP, Brasil desde 2001. É juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí desde 1998, palestrante e conferencista.

(**) Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP e Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região (RS).

NOTAS

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[i]. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/5011788/eleicao-de-2018-ameaca-reformas-dizem-analistas, acesso em 25/07/17.

[ii]. Access to Justice – Mauro Cappelletti and Bryant Garth, Sijthoff and Noordhoff – Alpehna Andenrijin, Dott. A. Giuffrè Editore – Milan, 1978.

[iii]. “Accès a la Justice et État-Providence”, Economica, Paris, 1984, p. 33.

[iv]. Santos, Boaventura de Souza, “Introdução à sociologia da administração da Justiça”, inDireito e Justiça, organizador, José Eduardo de Oliveira Faria, São Paulo, Ática, 1989, p. 45-6.

[v]. Access to Justice – Mauro Cappelletti and Bryant Garth, Sijthoff and Noordhoff – Alpehna Andenrijin, Dott. A. Giuffrè Editore – Milan, 1978, p. 10.

[vi]. “Accesso alla Giustizia come Programa di Riforma e como Metodo de Pensiero”, Revista da Universidade Federal de Uberlândia, n. 12, p. 320, 1983.

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Publicado em 14/08/2017
Fonte: DIAP