Fenafar participa de Conferência Internacional sobre Saúde e denuncia ataques ao SUS

Entre os dias 26 e 28 de outubro aconteceu em Paris, a Conferência Internacional da Indústria da Saúde. A diretora de relações Internacionais da Fenafar, Gilda Almeida, participou do evento e denunciou o golpe no Brasil e os cortes que o governo de Michel Temer impôs à Saúde, comprometendo programas que estavam ampliando o acesso e dando mais qualidade de vida para o povo brasileiro.

Organizado pela Federação dos Trabalhadores das Indústrias Químicas e Farmacêuticas da França – FNIC-CGT e pela Federação Sindical Mundial, a Conferência contou com a participação de 23 delegações estrangeiras. Entre os vários debates realizados, houve discussão sobre investimento em pesquisa de medicamentos e atenção à saúde e a estrutura da indústria farmacêutica na França e no mundo.

No segundo dia do evento, (27), a farmacêutica e dirigente da Fenafar e da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil, Gilda Almeida, fez sua intervenção, analisando a crise econômica mundial e seus impactos no Brasil, a crise política no país, que se aprofunda após o golpe, as políticas de desresponsabilização do Estado com os serviços públicos de Saúde, consignados na Constituição Federal como direito do povo brasileiro e dever do Estado. Gilda abordou também o quadro da Assistência Farmacêutica no país e o mercado de trabalho do farmacêutico. O cenário de ataque aos direitos trabalhistas e sociais e a luta do movimento sindical. (Leia abaixo na íntegra).

“Esta Conferência foi de fundamental importância para a Fenafar e para a CTB, pois além de estreitarmos relações políticas com representações e trabalhadores de vários países ligados à saúde, conseguimos identificar os mesmos problemas, como a falta de investimentos dos governos em produção de medicamentos, a dependência externa, a mesma política da indústria farmacêutica em aumentar a cada ano seus lucros sem pensar nas pessoas. Divulgamos também o evento a ser realizado pela Fenafar em 2018, o Encontro Sindical Farmacêutico das Américas”, disse Gilda.

Ao final do evento, ouve a aprovação da Carta da Conferência e um pronunciamento do presidente da FNIC-CGT.

Leia abaixo a íntegra de sua intervenção:

Federação Nacional dos Farmacêuticos na Conferência Internacional das Indústrias de Saúde.

Para a Federação Nacional dos Farmacêuticos é muito importante estar presente nesta Conferência Internacional das Indústrias de Saúde. Quero agradecer à Federação Nacional das Industrias Químicas – FNIC/CGT e a Federação Sindical Mundial (FSM) por convidar a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB e a Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar para estar neste evento, e nos dar a oportunidade de apresentar, em linhas gerais, o cenário atual do Sistema de Saúde e do mercado farmacêutico no Brasil.

Compartilhar essas experiências num espaço internacional, contribui para identificarmos lutas comuns entre os trabalhadores de saúde e dos povos num cenário de profunda crise econômica do capitalismo internacional, que leva à retirada de direitos sociais e maior concentração econômica.

A crise econômica mundial gera mais miséria e vulnerabilidades sociais. O desemprego continua num ritmo crescente. Segundo dados divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em janeiro deste ano, estima-se que até o final de 2017 haverá um aumento de 3,4 milhões de pessoas desempregadas. A previsão é que o número de desempregados no mundo chegue a aproximadamente 201 milhões. No Brasil, essa situação não é diferente. Entre janeiro e março deste ano, o desemprego subiu 13,7%. No 1º trimestre, o Brasil tinha 14,2 milhões de desempregados.

O acesso aos serviços de Saúde são fortemente impactados pela crise. Os preços dos serviços e medicamentos crescem, os investimentos públicos no setor se reduzem e a população fica mais suscetível às epidemias e ao adoecimento, e isso reduz a qualidade de vida.

É universal o desafio de promover o direito à saúde e acesso a medicamentos com qualidade garantida. Os parâmetros internacionais de direitos humanos são claros quando determinam ao Estado a obrigação de assegurar que medicamentos de boa qualidade estejam disponíveis em todo o seu território. A provisão de acesso regular a medicamentos adequados e de alta qualidade é uma prioridade global, destacada em vários compromissos internacionais, como na Declaração do Milênio da Organização das Nações Unidas e em conferências mundiais, como a World Health Assembles (UNGA 2000; WHA, 2002).

No Brasil, a crise tem trazido desdobramentos preocupantes para o acesso da população à Saúde. Cortes no orçamento da Saúde e da Ciência e Tecnologia, por exemplo, estão comprometendo o presente e o futuro da população mais carente no Brasil.

O Sistema Único de Saúde, referência internacional de serviço público universal para a população, sofre um grave ataque. A diretriz Constitucional que determina que a saúde é um direito do cidadão e dever do Estado tem sido sistematicamente atacada pelo governo ilegítimo, que assumiu o país após o golpe de 2016.

Os recursos para o setor foram drasticamente reduzidos. Uma emenda constitucional aprovada no final do ano passado congelou por 20 anos os valores que o Estado deverá investir em Saúde e Educação.

Até a aprovação desta emenda à Constituição, a lei dizia que o governo federal deveria destinar à saúde 13,2% da receita corrente líquida da União em 2016; 13,7% em 2017; 14,2% em 2018; 14,7% em 2019 e 15,0% em 2020. Essa vinculação acabou, e os recursos para a saúde ficarão congelados nos valores de 2016. Considerando a redução da arrecadação do Estado, o aumento da população e outros fatores, haverá uma drástica redução nos investimentos em Saúde.

Numa simulação, se houver um crescimento real do PIB de 2,0% ao ano, nos 20 anos de vigência do congelamento a perda acumulada na área da saúde será de R$ 654 bilhões.

Se compararmos os investimentos per capita em saúde, pelos dados de 2013, o Brasil gastou R$ 946, equivalentes a US$ 591. No mesmo ano, o gasto público per capita foi de US$ 3.696 para a Alemanha, US$ 2.766 para o Reino Unido, US$ 3.360 para a França, US$ 1.167 para a Argentina, US$ 795 para o Chile e US$ 4.307 para os Estados Unidos. Em 2016, esse valor já caiu quase 40% e foi de R$ 519 per capita.

Programas estão sendo extintos, como o Mais Médicos, que criou incentivos para interiorizar o atendimento médico no Brasil, inclusive com a presença massiva de profissionais de outros países, como os médicos cubanos. Criado em 2013, em dois anos o programa chegou a atender 63 milhões de pessoas, principalmente nas regiões mais carentes do país, com a presença de mais de 18 mil médicos em 4.058 municípios, inclusive nos distritos indígenas. Um ano após o golpe, dados do Ministério da Saúde já mostram uma redução direta de quase 8 milhões de pessoas atendidas.

A Política Nacional de Assistência Farmacêutica, que completou 10 anos em 2014, vem perdendo a sua efetividade com o fim de uma série de programas e ações. Entre elas o Programa Aqui tem Farmácia Popular, que tornava o medicamento mais acessível para a população.

Agora, o governo brasileiro faz uma ofensiva aos direitos fundamentais, privilegia o setor privado e até ameaça acabar com o SUS, ao propor a criação de planos privados populares de Saúde.

A concentração econômica na Saúde ocorre principalmente no setor farmacêutico, dominado por uma dezena de indústrias multinacionais norte-americanas, alemãs, suiças ou inglesas, que impõem padrões para a inovação, determinando os rumos da pesquisa e definindo uma política que está centrada no tratamento das doenças e não na busca da cura.

O mercado global de produtos farmacêuticos sob prescrição foi estimado em USD 1,114 bilhões em 2015. No Brasil, em 2016, houve um crescimento de 13,1% no faturamento das indústrias farmacêuticas, que alcançaram a marca dos 85,35 bilhões de reais. Os dez principais grupos farmacêuticos faturaram juntos R$ 48,59 bilhões no ano passado, correspondendo a 56,9% do mercado varejista.

Os medicamentos são escolhidos para irem ao mercado de acordo não com as necessidades da população, mas pelo critério de rentabilidade. Um exemplo atual deste problema é o desabastecimento da penicilina, que em função do seu baixo retorno econômico, está deixando de ser produzido por muitos laboratórios.

Outra situação decorrente do monopólio farmacêutico é a falta de medicamentos para as doenças negligenciadas, que atingem principalmente as populações mais carentes e gera um quadro de evolução endêmica que está criando vários problemas graves de saúde pública.

Entre os anos 2003 e 2015, o Brasil viveu uma fase de investimentos importantes em políticas públicas de saúde, em particular na área de medicamentos e assistência farmacêutica, que colocou no centro das políticas o cuidado, a terapêutica e valorizou o farmacêutico como profissional de saúde responsável pela correta orientação e acompanhamento do uso de medicamentos no Brasil.

Essa valorização profissional se deu tanto no setor público quanto no privado. Entre 2010 e 2015, houve um aumento de 35% no número de farmacêuticos com emprego formal no Brasil. Em 2015, havia 122.007 profissionais atuando no mercado. A maioria (58%) no comércio varejista de medicamentos (farmácias privadas), seguido da administração pública, defesa e seguridade social (15%) e atividades de atenção à saúde humana (15%). O fenômeno observado no Brasil é semelhante ao restante do mundo: o farmacêutico trabalha predominantemente nas farmácias.

Entre 2007 e 2015, o número de postos de trabalho ocupados por farmacêuticos em estabelecimentos do SUS aumentou de 12.122 para 28.271, significando um incremento de 106%. Queria enfatizar, aqui, que o crescimento da presença do farmacêutico no setor público, foi fruto das políticas de valorização da atenção básica e de uma visão que se estabeleceu no Estado Brasileiro da saúde como direito da sociedade e dever do Estado.

O aumento da participação do farmacêutico no setor público mostra como é essencial um Estado forte, que assuma sua responsabilidade social na garantia da saúde como direito, e não delegando este papel exclusivamente para o setor privado, que enxerga a saúde como mercadoria.

Também vale destaque, nestes últimos anos, a luta incansável dos farmacêuticos brasileiros, conduzida pela Federação Nacional dos Farmacêuticos, para fazer valer a visão de que, mesmo as farmácias privadas devem ser vistas como estabelecimentos de saúde e, portanto, devem cumprir regras definidas pelo Estado, entre as quais, garantir a presença em tempo integral de profissionais farmacêuticos prestando assistência farmacêutica para a população. Essa luta obteve uma vitória importante no ano de 2014, com a aprovação de uma lei que ficou 20 anos em debate no Congresso Nacional brasileiro.

No que diz respeito às outras profissões da saúde, a precarização do trabalho, a jornada excessiva e os baixos salários têm levado à situações de adoecimento do trabalhador e de redução da qualidade dos serviços prestados à sociedade.

Infelizmente, o golpe levado à cabo pelas forças conservadoras e pela elite econômica está desestruturando as políticas construídas nos últimos anos, realizando um processo acelerado de privatização de empresas e serviços, desnacionalizando a economia e aumentando a dependência do país.

Somado a este cenário particular de descontinuação das políticas públicas conquistadas no último período no campo da Saúde, os direitos trabalhistas e o movimento sindical sofrem um forte ataque.

Isso impõe aos trabalhadores em geral, e ao movimento sindical de farmacêuticos em particular, uma luta para impedir retrocessos no campo dos direitos, denunciar o desmonte de políticas públicas, a desnacionalização da economia e a submissão do Brasil aos interesses de corporações internacionais.


Viva a unidade dos trabalhadores e trabalhadoras do mundo!
Nossa luta pela valorização do profissional farmacêutico, por melhores condições de trabalho, pela observância dos quesitos internacionais de trabalho descente, por uma jornada de trabalho e por salários dignos, transcende a defesa da categoria, é uma luta pelo direito à saúde de todos e todas.

Viva a Fenafar, Viva a CTB, Viva a FNIC – CGT, Viva a FSM!

Saudações sindicais,

Ronald Ferreira dos Santos
Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar

Gilda Almeida de Souza
Diretora de Relações Internacionais da Federação Nacional dos Farmacêuticos e dirigente da CTB  

Da redação