Artigo: Recusa do Sindicato Patronal à Negociação Coletiva é Abusiva

Artigo dos advogados Leandro de Arantes Basso* e Leocir Costa Rosa**, da assessoria jurídica da Fenafar, aborda a conduta antissindical dos sindicatos patronais que se recusam à realizar a negociação coletiva. Leia abaixo na íntegra.

RECUSA DO SINDICATO PATRONAL À NEGOCIAÇÃO COLETIVA É ABUSIVA E CONFIGURA CONDUTA ANTISSINDICAL 

O objetivo geral do presente artigo é abordar se os sindicatos patronais poderiam simplesmente se recusar a negociar com os sindicatos obreiros Convenção Coletiva de Trabalho (CCT). Antes de adentrarmos na finalidade proposta, necessário ser frisado que a pretensão do texto é a de tentar contribuir para uma reflexão em torno da liberdade sindical coletiva e a consequência de atitudes contra ela perpetradas por entidades sindicais patronais.

Neste momento de incertezas advindas de uma reforma trabalhista aprovada em tempo recorde em meio a um período de grande turbulência econômica e política1, que na opinião de muitos, contrariando a propagada ampliação da geração de empregos, diminuição da litigiosidade na Justiça do Trabalho e a facilitação do empreendedorismo, precarizou as condições de trabalho e dificultou o acesso dos trabalhadores à Justiça, ventila-se acerca da possibilidade dos sindicatos patronais obstaculizarem as negociações coletivas simplesmente deixando de negociar.

Sem embargos, garante o Art. 8o, VI, da Constituição Federal a obrigatoriedade de participação dos Sindicatos nas negociações coletivas de trabalho, sendo que nem a Lei no 13.467/17 tampouco a Medida Provisória no 808/17, puderam afetar de alguma forma a participação dos Sindicatos obreiros nas negociações coletivas. Guardadas assim as devidas proporções, arriscamo-nos a dizer que toda essa alteração legislativa acabou por privilegiar a negociação coletiva, não obstante autorizada doutrina e eminentes operadores do direito defenderem com propriedade a inconstitucionalidade total ou parcial da denominada reforma trabalhista. Com efeito, o atual Art. 611-A da CLT aponta para a prevalência do negociado sobre o legislado, sendo que o Art. 8o, § 3o, do texto consolidado dá a entender que o legislador buscou prestigiar as negociações coletivas, vez que o “Estado não deve interferir na liberdade sindical, salvo em casos de fraude ou qualquer tipo de ocorrência de vício social ou de vontade”2.

Assim sendo, poderia o Sindicato patronal simplesmente se recusar a negociar com o Sindicato obreiro?

Alice Monteiro de Barros, citando Hugo Gueiros Bernardes arrola como consequência do princípio da boa-fé ou da lealdade que devem prevalecer nas negociações coletivas o “dever formal de negociar, consubstanciado na obrigatoriedade do exame de propostas recíprocas e na formulação de contrapropostas”3, ou, como esclarece Jose Claudio Monteiro de Brito Filho ao cuidar do assunto, que a negociação deve ser considerada “como um dever que precisa ser cumprido toda vez que se fizer necessário”4. Paulo Henrique da Mota, trazendo à colação Amauri Mascaro Nascimento destaca as principais funções que a negociação coletiva exerce: “(i) função compositiva, (ii) função de criação de normas, (iii) função política, (iv) função econômica e (v) função social”5. Destarte, a Constituição Federal de 1988, por meio dos Arts. 7o, XXVI, 8o, VI, e 114, parece estabelecer a negociação coletiva como um dever-poder. Isto posto, diante desse contexto, jamais poderia o Sindicato patronal se recusar a negociar, isto porque, não podemos nos olvidar que um dos princípios fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito é o da pacificação dos conflitos, conforme estabelece o Art. 3o, I, da CF. Nesse diapasão, de acordo com ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento, a negociação coletiva é uma técnica pacífica de autocomposição, que visa harmonizar os interesses contrapostos dos trabalhadores e os dos empregadores6, induzindo, na preleção de José Carlos Arouca ao prestigiar lição de João de Lima Teixeira Filho, à “harmonia social, preconizada na Carta Magna, com a solução pacífica das controvérsias”7. Nessa toada, Roberto Carneiro Filho relembra que “tanto os sindicatos quanto as próprias categorias tem o dever anexo (ou instrumental) de buscar a negociação e a solução dos conflitos”8, e não, o de gerar ainda mais conflitos. Portanto, a simples recusa à negociação coletiva implica necessariamente no afastamento da possibilidade de se obter a pacificação de um conflito, na perda desta chance de autocomposição, fato que há muito, mutatis mutandis, foi objeto de apreciação pelo C. TST quando em debate alegada recusa de sindicato obreiro em assumir negociação coletiva9:

“Num primeiro momento, poderia se interpretar que os §§ 1° e 2°, do artigo 617 da CLT não foram recepcionados pela CF/88, em face da obrigatoriedade contida em seu artigo 8°, VI. Ocorre que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já proferiu decisão no sentido de privilegiar o ato da negociação coletiva como interesse maior das partes envolvidas e, com efeito, interpretando que haverá uma compatibilidade entre tais dispositivos quando a recusa do sindicato se fizer de forma desfundamentada, abusiva, revelando uma posição meramente caprichosa do corpo diretivo da entidade sindical em dissonância com os anseios da classe trabalhadora. Evidencia-se, portanto, a importância que a negociação assume como instrumento de pacificação das relações de trabalho”.

Partindo-se assim do entendimento que o sindicato patronal não pode por mero capricho se recusar a negociar, inegável ser abusiva e violadora da liberdade sindical conduta desse jaez, isto porque, consoante nos ensina Raquel Betty de Castro Pimenta “esta posição de destaque dada pela Constituição de 1988 à negociação coletiva também indica o status constitucional da liberdade sindical, já que sem ela não é possível ao sindicato exercer fielmente o seu papel na criação e preservação do Direito do Trabalho: é principalmente a negociação coletiva que dá legitimação ao sindicato”10. Desse modo, qualquer atitude que tenha como objetivo violar a liberdade sindical ganha contorno de conduta antissindical, cuja definição nos apresenta com maestria Luciano Martinez: “(…) as condutas antissindicais, na condição de ilícitos civil-trabalhistas, podem ser entendidas, a partir de seu caráter onicompreensivo, como qualquer ato jurídico estruturalmente atípico, positivo ou negativo, comissivo ou omissivo, simples ou complexo, continuado ou isolado, concertado ou não concertado, estatal ou privado, normativo ou negocial, que, extrapolando os limites do jogo normal das relações coletivas de trabalho, lesione o conteúdo essencial de direitos de liberdade sindical”11. No caso, mera recusa à negociação, que não pode ser confundido com infrutífera negociação, configuraria nítida conduta antissindical, passível de indenização. Socorre-nos novamente Luciano Martinez: “Por isso, normas estatais dos países em que a liberdade sindical é direito consagrado não admitem a recusa à tentativa de negociação coletiva. Esse comportamento, além de proibido, é, em muitos sistemas, identificado como uma conduta de natureza antissindical, que pode produzir efeitos indenizantes (criativos do dever de indenizar os prejuízos resultantes da recusa à negociação coletiva) e caducificantes (geradores da perda de direitos para os sujeitos infringentes)”12. Parece-nos, portanto, não haver dúvida de que a recusa da entidade sindical patronal à negociação coletiva é abusiva e configura conduta antissindical, fazendo nascer para o sindicato ofendido o direito de ser indenizado pela entidade que a praticou, ainda que, sob nosso ponto de vista, oportunamente venha o ofensor tentar estabelecer a negociação coletiva que outrora se recusou a tomar parte.

REFERÊNCIAS

1 BRAGHINI, Marcelo. Reforma Trabalhista, LTr, 2017, p.7.

2 Thereza NAHAS, Leone PEREIRA, Raphael MIZIARA. CLT Comparada Urgente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p.62.

3 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 2a ed., LTr, p.1204. 4 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direito Sindical, 5a ed., LTr, p.157.

5 MOTA, Paulo Henrique da. Negociação Coletiva de Trabalho. Função Social da Empresa e Valorização do Trabalho Humano, LTr, 2016, p.83.

6 NASCIMENTO, Amauri Mascaro (In Memoriam); NASCIMENTO, Sônia Mascaro; NASCIMENTO, Marcelo Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015, p.432-33.

7 AROUCA, José Carlos. Curso Básico de Direito Sindicial, 4a ed., LTr, p.344.

8 CARNEIRO FILHO, Roberto. Despedida em Massa no Brasil. Del Rey Editora, 2016, p. 86.

9 MOTA, Paulo Henrique da. (Apud Delgado, Mauricio Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. Ob. Cit.p. 158 e também, Martins, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 15.ob. cit p.679, ainda julgamento proferido pela SDC do TST: RODC – 670.593/2000). Op. cit., p. 89.

10 PIMENTA, Raquel Betty de Castro. Condutas Antissindicais Praticadas pelo Empregador, LTr, 2014, p.104. 11 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva, 2013, p.239. 12 MARTINEZ, Luciano. Op.cit., p.390.

* advogado, sócio do escritório Arantes Basso e Costa Rosa Advogdos, graduado em Direito pela PUC/SP, especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional, especialista em Direito Processual do Trabalho e Direito do Trabalho pela FMU-SP e mestrando em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.

** advogado, sócio do escritório Arantes Basso e Costa Rosa Advogdos, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba/PR, especialista em Ciências Políticas e Antropologia pela UNESP e especialista em Direito Processual do Trabalho e Direito do Trabalho pela FMU-SP.