Atividade lança campanha para incluir medicamentos no rol de direitos previstos na Constituição

Durante o Fórum Mundial das Resistências, a Federação Nacional dos Farmacêuticos realizou atividade para apresentar a campanha pela aprovação da uma Proposta de Emenda Constitucional que inscreva o acesso aos medicamentos como um direito humano fundamental. 

O evento, promovido em conjunto com a Escola Nacional dos Farmacêuticos, o Sindicato dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul e a Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica reuniu especialistas, trabalhadores da área da saúde, usuários, gestores e parlamentares. 

O debate foi coordenado pela presidente do Sindicato dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul e diretora da Fenafar, Débora Melecchi, que fez uma breve apresentação da campanha que a Fenafar lança e coloca como um dos centros da sua ação política para o próximo período.

O presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, destacou que num momento de resistência estratégica, no qual a Constituição é vilipendiada pelo governo e pelas instituições que deveriam defendê-la, o movimento social brasileiro tem focado sua ação na denúncia de medidas que atentam contra direitos fundamentais. “Na área da saúde, somos contra essas medidas ultraliberais de transformar essas atividades [acesso aos serviços de saúde, o medicamento] em atividades meramente mercantis”. 

Ronald enfatizou que além de ser contra, é urgente apresentar propostas e dialogar com a sociedade sobre o que defendemos para o país. “Mais do que dizer o que somos contra, é necessário dizer como nós entendemos que deve ser o contrato social brasileiro. Precisamos fazer um debate mais amplo com a sociedade sobre o tema do acesso à ciência e tecnologia que não é a propriedade de uma indústria. Queremos debater esse tema a partir da perspectiva do direito, de que a evolução do pensamento e da ciência não pertence a um grupo de cientistas e empresários que monopolizam esse setor. Nesse sentido, temos que reafirmar o papel da farmácia, do farmacêutico e do medicamento no processo de atenção à saúde e, fazer o enfrentamento com a lógica mercantil”, alertou.

E, a proposta de discutir no âmbito do Congresso Nacional uma PEC para incluir os medicamentos na rol dos direitos fundamentais tem esse objetivo. “O medicamento precisa ser caracterizado como um insumo garantidor do direito à saúde. Nós temos uma proposta que tem no seu centro a liberdade de viver”, é isso que queremos discutir com a população. 

Jorge Bermudez, que é Chefe do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (NAF/ENSP) da Fiocruz, Colaborador da OPAS/OMS em Políticas Farmacêuticas e Pesquisador Titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca destacou a importância da iniciativa falou da importância deste debate. “A discussão, apresentação e estruturação de uma Proposta de Emenda Constitucional, uma PEC, colocando o acesso a medicamentos como um direito humano fundamental, é uma iniciativa sem precedentes na Saúde Coletiva e na história recente do Brasil”.

Bermudez ressaltou que o tema do acesso ao medicamento tem ganhado centralidade nos debates internacionais sobre direito à Saúde. “No último dia 13 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde anunciou quais seriam os dez principais desafios para esta década e expandir o acesso a medicamentos é um desses desafios, com base na constatação de que cerca de um terço da população Mundial carece do acesso a medicamentos e que estes representam o segundo maior gasto para os sistemas de saúde”.

Para a deputada federal Alice Portugal (PCdoB/BA), que coordena a Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica, “a banalização do 

medicamento como mercadoria agride o SUS”. Alice também alertou para os riscos de retrocesso da Lei 13.021/2014, que elevou as farmácias à estabelecimentos de saúde, em razão de inúmeros projetos de lei em tramitação com o intuito de alterar pontos fundamentais como a obrigatoriedade da presença do farmacêutico nos estabelecimentos, a liberação da venda de medicamentos em supermercado e etc.

Moisés Toniolo, coordenador de direitos humanos da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids e membro da Articulação Nacional de Luta 


A deputada estadual pelo Republicanos do Rio Grande do Sul, Fran Somensi, desenvolveu um projeto para dar acesso às pessoas aos medicamentos. É uma farmácia que recebe medicamentos, sobras de medicamentos, amostra grátis, um medicamento que alguém comprou errado, enfim, aquele medicamento que está dentro da validade mas está sem uso. Essa farmácia recebe esses medicamentos e os organiza de forma a distribuir para a população que precisa. “Essa é uma forma de garantir o direito, de humanizar o acesso e otimizar custos. A angústia da falta do medicamento é muito grande. Como dorme uma mãe sabendo que o filho precisa de um tratamento que ela não tem como pagar”, afirmou ressaltando que é urgente rediscutir o papel do medicamento na sociedade. Contra a Aids, trouxe exemplos reais de como o acesso ao medicamento é um direito que, se negado, pode levar à morte. “Como colocar para a sociedade que ter acesso medicamentos não é algo apenas que vai resolver a sua patologia. Temos que falar de medicamento enquanto direito fundamental à vida”, disse. Ele resgatou exemplos em torno da luta para o acesso ao medicamento na história do movimento dos portadores de HIV-Aids. “A gente via as pessoas morrerem por não terem acesso aos medicamentos. Eu chego no movimento em outro patamar. Porque, em 96, a lei garante o acesso aos retrovirais como acesso universal. Alguns amigos que estão vivos fizeram contrabando de medicamentos, porque não tinha o AZT aqui”, lembra.

A Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Gulnar Azevedo e Silva, destacou que a questão central dos debates no Brasil e no mundo hoje envolvem a luta em defesa da democracia. “Todos os indicadores de saúde melhoraram se comparados há 40 anos atrás. O SUS permitiu isso. E estamos vendo isso tudo despencar nos dois últimos anos, em todas as áreas. Na saúde, podemos ver no caso do debate de acesso a medicamentos, como avançamos. Não apenas pelo acesso, mas quebramos patentes, o trabalho com a África, e outras iniciativas que foram construções coletivas. Isso está sendo desmontado”. Ela cita o exemplo da Política de Atenção Primária à Saúde que está sendo construída, está desmontando todo um projeto brasileiro de Saúde da Família, o que nós construímos foi uma Atenção à Saúde da Família, no contexto brasileiro e com o SUS, que tem integralidade, universalidade, que trabalha com as pessoas independentes de serem cadastradas ou de terem identidade”.

Diego Gnata, representando a Escola Nacional dos Farmacêuticos na atividade, falou sobre o problema envolvendo “a escassez de tratamento novos para doenças negligenciadas e o desenvolvimento cada vez menor de novos antibióticos”. Esses temas, ressaltou, “são um problema crônico de saúde mundial envolvendo a resistência bacteriana. Esses [novos] medicamentos não são produzidos por problemas econômicos”. Ele explica que o desenvolvimento de novas moléculas leva tempo e têm alto custo. As empresas não investem nisso, porque em torno de cinco anos elas se tornam obsoletas e reduzem as margens de lucros. “Para este grupo de medicamentos, principalmente para o tratamento das doenças infecto-contagiosas, não é vantajoso curar, não gera lucro. Então, nós vamos precisar mundialmente de investimento público, para não ficarmos apenas nas mãos das indústrias farmacêuticas que está dentro do mercado capitalista mundial, nas bolsas de valores”, alertou, destacando a importância da campanha que coloca o acesso aos medicamentos como direito fundamental. 

Da Redação, por Renata Mielli