Falta de coordenação dificulta estratégia de vacinação contra covid-19

Chefe do Departamento de Saúde Coletiva da UEL, Marselle Nobre de Carvalho, diz que eficiência de planos de imunização vai depender de fatores que variam conforme países, mas ausência de política centralizada é maior problema no Brasil.

 

 

Com os números da covid-19 novamente em alta no Brasil e a expectativa do início da vacinação ainda em janeiro, o país se depara com definições importantes diante da expectativa de volta à vida “normal” – que, passados dez meses desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia, deve ainda demorar mesmo com as imunizações. Vacinas de quais laboratórios serão usadas? Deve-se priorizar grupos de risco e profissionais de saúde para imunização em duas doses ou ampliar a população vacinada com a primeira dose? Haverá estratégia nacional ou é cada estado por si?

Para Marselle Nobre de Carvalho, chefe do Departamento de Saúde Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina (UEL), não há como dizer nesse momento qual estratégia é mais eficiente, porque a realidade de cada país vai variar conforme três fatores: disponibilidade dos imunizantes no mercado internacional, capacidade produtiva própria e logística (nesse quesito, o tamanho da população, é óbvio, tem grande influência). O certo é que, na opinião da especialista, o horizonte estaria mais claro se todo o processo tivesse coordenação integrada e nacional, o que não aconteceu em nenhuma etapa da pandemia.

É possível dizer qual das estratégias de vacinação contra a covid-19 é a mais eficiente?
No mundo todo, foram desenhadas cinco estratégias e as vacinações começaram em dezembro. Temos pouco mais de 50 países com processos em curso e já temos casos de países que começaram com uma estratégia de vacinação e mudaram, caso do Reino Unido. Não se trata de uma decisão simples de uma ou duas doses, há duas variáveis a serem consideradas: a capacidade de comprar essas doses, que é diferente entre os países, e a capacidade de produção dessas vacinas. Havia uma expectativa de produção global até o final desse ano de 2 bilhões de doses, sendo que o mundo tem 7 bilhões de habitantes.

Como está o Brasil nesses quesitos?
Já se fala que o Brasil pode se tornar um exportador de vacinas, pois o país tem uma grande capacidade instalada com o Butantan, a Fiocruz e outros laboratórios. A prioridade é o público interno, mas se houver excedente, o que deve ser difícil no primeiro momento, pode haver exportação. E além dessas duas variáveis que eu citei, há a questão importante da logística para garantir a distribuição dessas vacinas. Uma coisa é em Israel, que tem 9 milhões de habitantes; o Brasil tem 220 milhões. Países menores que o Brasil, como Argentina, Espanha e Costa Rica, têm priorizado grupos, por terem menos condições de comprar em volume maior, seja por não serem produtores, faltar disponibilidade no mercado global ou falta de poder de compra, ao invés de garantir a chamada vacinação universal.

Por essa capacidade produtiva que a senhora citou, o Brasil conseguiria fazer a imunização de forma mais rápida que outros países?
Conseguiria, se não tivéssemos um governo tão inábil. Teria de ser de forma escalonada, porque obviamente não haveria como fazer na velocidade que Israel está fazendo. A vantagem do Brasil é o sistema de saúde, parecido com o do Reino Unido. Lá, eles fariam a imunização da primeira dose em grupos prioritários e esperar 21 dias para a segunda dose. Isso mudou por várias questões, uma delas a necessidade de imunizar o maior número de pessoas o mais rapidamente possível diante da agressividade da nova variante. Vão ampliar a imunização em primeira dose, e a segunda ficou para um intervalo de 12 semanas. Ou seja, o país ganha tempo para comprar mais doses, de reforçar a estratégia usando o sistema púbico. O Brasil tem o SUS e o maior programa de imunização do mundo. Se nós usássemos a capilaridade do sistema, toda a estrutura de unidades de saúde, profissionais altamente qualificados e logística, teríamos condições de imunizar grande parte da população. O problema é que não temos coordenação central desde o começo da pandemia. Não podemos ter um planejamento com estratégias e datas de início diferentes por estado. Imagine São Paulo decidir aplicar a primeira dose para a população inteira, aí Paraná e Pará decidindo primeiro pelas duas doses (para grupos específicos), um começando com idosos e pessoas com comorbidades e o outro com profissionais de saúde. As pessoas circulam, não fechamos aeroportos, divisas entre estados, nada.

Então, voltando à pergunta inicial, realmente não há como saber qual seria a estratégia mais eficiente para o país…
Não dá para saber. Idealmente, se as vacinas fossem extremamente eficazes com a primeira dose, o que não é o caso, a estratégia de vacinar todo mundo em massa e aguardar o tempo da imunidade coletiva seria muito melhor. Nós só vamos saber na hora que os países adotarem estratégias diferentes e haver imunidade coletiva ou não, com redução de casos novos e internações ou não. Só saberemos com os novos capítulos dessa geopolítica das vacinas.

Fonte: Lume