Senador propõe venda de antibióticos sem receita – A que será que se destina?

O Projeto de Lei do Senado nº 545, de 2018, de autoria do  Senador Guaracy Silveira (PSL/TO) , em seu artigo primeiro propõe que, em localidades onde não haja acesso a serviço de saúde pública regular, a dispensação de antibióticos seja feita sem a necessidade de apresentação de receita.

 

 

Em sua justificativa, o Senador alega a dificuldade que leva mais de 80% da população brasileira na hora de “comprar um remédio para tratar de doenças simples, do cotidiano” (sic).

O Senador argumenta ainda que “no momento em que está mais fragilizado, que é na hora da doença, o cidadão brasileiro tem que, sozinho, enfrentar dois poderosos corporativismos classistas: O dos farmacêuticos, que garantem sua reserva de mercado pela lei que obriga todas as farmácias do Brasil a empregarem ao menos um profissional. Inclusive, acrescento que os farmacêuticos de balcão estão démodés, são daquele tempo em que todas as prescrições médicas eram manipuladas, tarefa que eles tinham expertise para desempenhar. Mas como sabemos, essa não é mais nossa realidade.” (sic)

O segundo corporativismo segundo o Senador é dos médicos sobre o suposto monopólio da prescrição de antibióticos por “mais banal que seja a doença” (sic).

Alega ainda o Senador Tocantinense que o “corporativismo destes dois profissionais encarece o medicamento. Ao final do texto, menciona que, enquanto o sonho do acesso gratuito e universal aos serviços de saúde para que todos tenham diagnóstico e prescrição médica não acontece, é preciso garantir o acesso da população em localidades que não possuam atendimento médico e serviço de saúde pública regular. E arremata enfim, com a seguinte pergunta: “ Como ter acesso a medicamentos sem um serviço de saúde realmente efetivo?”

A propositura deste Projeto nos remete aos seguintes questionamentos:

1)     Estaria o Senador, ainda que não o saiba, sendo instrumento a serviço de uma parcela da Indústria Farmacêutica que só  vislumbra aumento dos lucros e está de “olho” em um momento político oportuno e favorável à recuperação das perdas no faturamento com a venda desenfreada de antibióticos no Brasil, após a Aprovação  da Resolução Colegiada da ANVISA nº 20/2011, que exige a prescrição para dispensação de antibiótocos?;

2)     Ao alegar que os farmacêuticos estão “démodés” (escrito assim mesmo), o Senador argumenta que estes profissionais estão na época da manipulação de formulas medicamentosas e que isso não existe mais. Cabe informar ao ilustre Senador (já que ele não teve o mínimo cuidado de averiguar) que no Brasil existem apenas 8.195 farmácias de manipulação e homeopatia, segundo os últimos dados publicados pelo Conselho Federal de Farmácia e o número de farmácias e drogarias que dispensam os medicamentos industrializados é de 82.617 (dados de 2016), portanto, os farmacêuticos e farmacêuticas, em sua grande maioria, atuam exatamente nos balcões das farmácias e drogarias orientando a população quanto ao uso racional dos medicamentos;

3)     Pelo visto, não é do conhecimento do Senador Guaracy Silveira que a Resistência Microbiana aos Antibióticos é, segundo a OMS, uma das maiores ameaças globais à saúde e que o mau uso dos antibióticos está acelerando este processo. A Resistência aos Antibióticos leva a um maior tempo de internação, aumento dos custos médicos e aumento da mortalidade. A venda indiscriminada e sem prescrição de antibióticos contribuem sobremaneira ao agravamento desta situação, já caótica. O Brasil como membro signatário da OMS, tem como meta o cumprimento do Plano Nacional de Combate á Resistência aos Antibióticos e a dispensação mediante a prescrição é uma das ferramentas preconizadas mundialmente;

4)      Importante lembrar ao Senador que esteve tramitando no Congresso Nacional, por exatos 21 (vinte e um) anos, projeto de lei que discutiu o modelo de farmácia que a sociedade brasileira defendia para si. Depois de muitas idas e vindas, foi aprovado em 2014, a Lei n. 13.021/14 que definiu a Farmácia como Estabelecimento Prestador de Serviços de Saúde e não meramente um local de comércio de medicamentos. Esta é justamente a defesa que a categoria farmacêutica faz.

5)     Após 30 anos de existência do SUS, apesar de todas as dificuldades é fundamental que não haja mais  retrocessos na defesa do legítimo direito da população brasileira em ter acesso aos serviços de saúde. É preciso lutar em defesa de equipamentos públicos e profissionais de saúde em todos os municípios e distritos do nosso País. É inaceitável, sob alegação de utopia, que não busquemos condições justas e de qualidade à população e que diante da falta, aceitemos soluções precárias.

6)     Portanto, entendemos que a proposta do Senador Guaracy Silveira discrimina e rebaixa os direitos dos cidadãos e cidadãs das localidades sem acesso aos serviços públicos de saúde no Brasil, ao propor-lhes tratamento e atenção à saúde precária, comprometendo e agravando ainda mais a sua condição de saúde em relação aos moradores das localidades onde o acesso deve ou deveria acontecer.

Estamos certos de que este Projeto não pode ir adiante e que o mérito desta propositura, ou seja, o acesso dos moradores e moradoras das pequenas localidades sem oferta de serviços públicos de saúde seja objeto de resposta dos gestores de saúde nas três esferas de governo. Parafraseando os poetas Beto Guedes e Ronaldo Bastos, na canção Sol de primavera, “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”… aprender a implementá-la com efetividade.        

Rilke Novato Públio
Diretor da Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar
Diretor do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais – Sinfarmig

Publicado em 25/01/2019