Ensino a distância em saúde cresce apesar de resistência do setor

A oferta de educação superior a distância na área da saúde está crescendo. Hoje, são pelo menos 60 cursos de graduação credenciados no Ministério da Educação –grande parte criada nos últimos dois anos. Leia a reportagem publicada neste domingo, 30, no jornal Folha de S.Paulo.

 

 

E, com a desburocratização da abertura de cursos na modalidade, autorizada pelo MEC, a previsão é de expansão no setor. Em maio, entrou em vigor uma portaria da pasta, publicada em maio, permitindo que o ensino superior a distância seja ofertado sem atividades presenciais. Poderão existir universidades brasileiras 100% virtuais.

De um lado, as entidades que representam os profissionais lutam contra. Do outro, instituições de ensino e o MEC defendem a educação a distância como uma ferramenta importante no setor.

Ronald Ferreira dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde e da Federação Nacional dos Farmacêuticos, é contra a modalidade. “As tecnologias vendem a ilusão de que é possível transpor barreiras presenciais”, afirma.

Leia, aqui, a íntegra da entrevista que o presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos concedeu à Folha de S.Paulo

Para Rita Tarcia, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância, trata-se de uma transformação de modelo de ensino. “Discutir novos formatos causa inquietação e, no caso da educação a distância, é preciso vivenciar estratégias e recursos didáticos diferentes”, diz. Ela acredita que o país avança para um modelo híbrido de educação a distância, e a barreira com os órgãos de classe reside na falta de conhecimento de metodologias.

O imbróglio é maior no ensino de enfermagem, que já teve intervenção do Ministério Público e acumula projetos de lei para proibi-lo na modalidade a distância. “Como se exercitar na aquisição de habilidades técnicas, contato humano e outras propostas que somente podem ser adquiridos por meio do ensino presencial cotidiano?”, questiona Fabíola de Campos Braga Mattozinho, presidente do Conselho Regional de São Paulo.

Henrique do Amaral Luz, 24, é técnico em enfermagem e está no quarto semestre do curso a distância. “Busquei essa opção porque trabalho o dia todo, e o curso presencial mais próximo da minha cidade (Bacaria, RS) fica a 120 km. Não conseguiria conciliar”, diz. Ele conta que estuda durante os intervalos de uma rotina de trabalho corrida e frequenta as aulas práticas e presenciais três vezes na semana.

“Estou aprendendo e gosto muito do curso. Faço por amor à enfermagem”, ressalta. Luz estuda na Unopar, uma das faculdades da Kroton, líder em educação a distância, com 910 polos pelo país. Atualmente, são 4.049 alunos matriculados no curso, criado em 2016.

“O aluno que busca a modalidade trabalha e não teria outra condição de formação superior”, diz o coordenador do curso de educação física da Unip, Bergson de Almeida Peres. A formação prática, segundo ele, ocorre em laboratórios, nas videoaulas e na interação com os professores. A grade do curso, aberto em 2017, tem 70% da carga horária teórica e 30% presencial. “É um erro achar que os cursos são totalmente virtuais. São semipresenciais.”

Para o Conselho Federal de Educação Física, é insuficiente. “As disciplinas demandam o uso de ginásios, piscinas, pistas, laboratórios, equipamentos e materiais específicos, recursos humanos especializados e qualificados, além de campos de estágios reais.”

As entidades federais de profissionais da saúde consideram que as graduações para formar enfermeiros, educadores físicos, farmacêuticos, nutricionistas e dentistas não devem ter mais de 20% carga horária na modalidade. “Existia esse limite. O que irá determinar o percentual agora é a planilha financeira das instituições de ensino”, diz o presidente do Conselho Nacional de Saúde e da Federação Nacional dos Farmacêuticos.

As entidades não podem negar habilitação ao graduado em educação a distância e cabe ao MEC autorizar os cursos. De acordo com Henrique Sartori, secretário da pasta responsável pela regulação do ensino superior no MEC, os cursos devem seguir diretrizes curriculares. “Isso significa que a instituição deve se atentar aos quantitativos de horas-aula e às ocasiões presenciais”, diz.

Segundo Sartori, a meta do Plano Nacional de Educação de incluir 50% da população no ensino superior é ambiciosa. “A saúde é importante para educação a distância, tal como as outras áreas. Todas devem acompanhar e modernizar a sua forma e apresentação curricular.”

Experimentação

Para o pesquisador de novas tecnologias José Moran, professor aposentado da USP, os modelos híbridos aplicados na saúde aproveitam o melhor do on-line –fácil acesso a informações, pesquisas e comunicação em plataformas digitais móveis– e do presencial, com atividades práticas supervisionadas.

“O problema ocorre quando esse equilíbrio é rompido pela ganância econômica ou falta de qualidade dos cursos, o que acontece com frequência não só na saúde como em outras áreas, como na formação de professores”, afirma Moran.

Segundo o especialista, as entidades de classe da saúde sempre se posicionaram contra a educação a distância. “A atitude só defensiva é contraproducente. Instituições sérias precisam ser estimuladas a propor cursos de qualidade no modelo híbrido, que utilize laboratórios virtuais, onde podem ser feitas simulações, dissecações com segurança e confiabilidade, integrados com práticas reais em laboratórios físicos e hospitais”, afirma.

Cada curso precisa experimentar qual é o modelo mais adequado para formar os alunos, diz Moran. “Temos problemas em algumas ofertas na área da saúde a distância que comprometem a formação desses profissionais, assim como os cursos presenciais deficientes, mas isso não valida a atitude puramente defensiva e condenatória das entidades diante de um mundo em que o on-line e a mobilidade avançou vertiginosamente.”

Fonte: Folha de S.Paulo
Publicado em 31/07/2017