Senado realiza debate que questiona eficácia da PEC 241

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) debateu na terça-feira (11) os efeitos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que tem o objetivo de estabelecer um teto nos gastos e investimentos públicos pelos próximos 20 anos. Pela proposta, os valores orçamentários despendidos pelo governo federal ficam sujeitos a um limite referente ao ano anterior, corrigido pela inflação. A PEC foi aprovada na segunda-feira (10), em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, e deve chegar para análise do Senado ainda no mês de outubro.

Pela tese defendida pela economista Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), a atual crise fiscal por que passa o país estaria mais diretamente relacionada a uma forte queda na arrecadação, aprofundada desde o ano passado, do que por uma suposta “gastança desenfreada” por parte do governo federal.

De acordo com Laura Carvalho, a PEC 241 pode, a curto prazo, até mesmo deteriorar ainda mais as contas públicas, uma vez que os índices de inflação anual têm apresentado trajetória de diminuição, buscando atingir as metas estabelecidas pelo Banco Central. Para a economista, a proposta promoveria, na realidade, um ajuste a médio e longo prazo, baseado numa redução drástica do papel do Estado.

O problema, argumenta a economista, é que mesmo esse ajuste (de longo prazo) não garante a diminuição das dívidas do setor público num futuro, uma vez que não traz qualquer sinalização relacionada ao aumento de arrecadação, políticas de juros ou retomada do crescimento econômico.

Ela ainda acrescenta que a PEC, caso aprovada, fará com que o Brasil “ande na contramão do mundo”, sendo o único país a incluir um dispositivo como este na Constituição. “Não estamos em colapso iminente, nem as agências de classificação de risco apontam isso. A crise cambial que vivemos na década de 90 foi muito mais grave. E hoje o mundo todo vem apostando mais em seus mercados internos na busca de superação da crise”, reforçou.

Para Laura Carvalho, a superação da crise fiscal passa pela retomada do crescimento, o que, no seu entender, não está garantida pela PEC 241. Ela também discorda da tese do “colapso iminente”, caso a proposta não seja aprovada, pois a dívida é interna, em moeda nacional e as reservas internacionais superam a dívida em dólar.

” Se seguirmos o que vem sendo feito ao redor do mundo, é possível melhorarmos a condição fiscal. Mas é necessário revermos muitas desonerações concedidas nos últimos anos e dinamizarmos o mercado interno —acrescentou, defendendo que esta dinamização é possível por meio de investimentos públicos e outros gastos com ‘efeito multiplicador'”, avalia.

Reforma da Previdência

A economista reconhece que as despesas sociais, como as relacionadas à Previdência, de fato, têm crescido acima do produto interno bruto (PIB), o que no seu entender, também não seria “um fenômeno recente”. No entanto, ela refuta a tese de que essa seria uma das principais razões do atual rombo, reforçando que ele estaria mais relacionado à queda brusca nas receitas.

“Em qualquer país do mundo, se você projeta o sistema previdenciário em longo prazo, ele se torna insustentável. Isso se dá, entre outras razões, pelo próprio aumento da expectativa de vida”, esclareceu. Laura considera que o pior momento para esse tipo de “raciocínio e conta” se dá no momento atual brasileiro, de recessão profunda.

Para ela, “não tem sentido” realizar esse tipo de cálculo num momento de queda nas contribuições, tornando “inviável” a medição do deficit. A economista reconhece que as discussões sobre a reforma na Previdência são “válidas”, devido a suas “distorções”, mas não acredita que a reforma contribuiria para melhorar o desajuste fiscal, num cenário de médio prazo. ” Existem direitos adquiridos, e sempre que se fala no assunto um monte de gente corre para se aposentar. A curto prazo, pode até piorar a situação”, afirmou.

Carvalho ainda apresentou gráficos e números oficiais mais recentes demonstrando que os gastos com pessoal foram, na prática, “congelados” durante a gestão de Dilma Rousseff (de 2011 a 2015), e o investimento público até caiu durante o período. O que reforçaria seu diagnóstico de que o atual rombo foi provocado justamente pela brusca desaceleração econômica, e não pelo aumento de gastos. Presidindo a sessão, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) lembrou que Dilma aumentou o superavit primário até 2013.

A economista também criticou o governo de Michel Temer por, no seu entender, “jogar todas as fichas” na retomada dos investimentos privados, lembrando que as empresas nacionais estão “superendividadas”, e o atual cenário recessivo também não contribui para que haja um boom em investimentos externos. Também aponta que, a longo prazo, a PEC 241 será “desastrosa” para os setores de saúde e educação.

Parcialidade do mercado financeiro

Em sua fala, o cientista político Jessé de Souza, da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirmou que houve um “sequestro” da esfera pública por parte de setores da sociedade brasileira, em grande parte fruto do controle da mídia por esses setores, fazendo com que o debate econômico em sua quase totalidade seja conduzido pelo mercado financeiro. Ele também percebe “amplos setores” da política e do Parlamento como também “subservientes” a estes interesses.

“Hoje 90% do debate econômico na mídia e na imprensa nacional se dá pela análise de funcionários do mercado financeiro. Esta rearticulação está ligada também ao desprestígio do Parlamento, que passa a ser apenas uma instância ratificadora dessas medidas”, reiterou.

Para ele essa situação é levada ao “paroxismo” pela PEC 241, que caso seja aprovada em 2º turno pela Câmara e depois pelo Senado, fará com que na prática o sistema representativo fruto de processos eleitorais abra mão durante 20 anos de uma de suas principais prerrogativas, que é a discussão mais aprofundada e detalhada sobre o orçamento.

“A ausência de pluralidade de interpretações e análises na esfera pública é característica típica de regimes autoritários. Acredito que vivemos isso hoje. A aprovação de uma proposta como essa só é possível em quadros assim”, afirmou o cientista político, para quem o processo relativo à PEC 241 vem se dando por parte do governo e da mídia com base na “distorção sistemática da realidade, fraudes, mentiras e lavagem cerebral”.

Ele também vê na PEC, ao sacrificar áreas no seu entender ainda muito precárias como educação e saúde, o objetivo de perpetuar um modelo de sociedade construído historicamente na desigualdade social e no abandono dos mais pobres à sua própria sorte.

Também presente à audiência, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) espera que o Senado modifique a proposta.

“Não há uma medida sequer do governo que busque o ajuste fiscal no andar de cima da sociedade. Ainda sofremos a conseqüência de uma reforma tributária extremamente regressiva feita em 1995. Só aqui e na Estônia existe isenção sobre distribuição de lucros e dividendos, e os 70 mil mais ricos pagam apenas 6% de imposto de renda”, exemplificou Lindbergh.

Ele ainda se disse perplexo com o fato do Brasil aumentar as taxas de juros num quadro de queda do PIB beirando os 8% nos últimos 2 anos, e também considera “assustadora” a queda nos gastos per capta em saúde que a PEC 241 provocará nos próximos 20 anos. A senadora Lídice da Mata (PSB-BA) também lamentou os efeitos da PEC para a área.

Fonte: Agência Senado