Arminio Fraga: Aliado do SUS ou ‘Mui Amigo’?

Banqueiro e criador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde publicou artigo polêmico, em que defende a universalidade do sistema, mas afirma que setor privado “ajuda”.

 

 

Folha publicou no dia 01/12, na sua seção Tendências e Debates, artigo que foi recebido com muita polêmica. Assinado por Armínio Fraga, o texto questiona se o SUS tem futuro – mas, pelo menos na nossa interpretação, defende o Sistema. Ele começa com uma contextualização, explicando que assegurar uma rede de proteção social é um aspecto “fundamental de qualquer Estado democrática digno do nome”. E que, na saúde, essa rede se organizou historicamente em dois modelos: o do SUS e do NHS britânico e o do seguro de saúde obrigatório. Ao que tudo indica, Fraga defende o nosso modelo… Embora faça uma crítica bem neoliberal a ele (há “ineficiências” intrínsecas à gestão pública). Mas na comparação com o sistema universal, o modelo de seguros leva a pior: “A gestão é terceirizada, o que por um lado gera eficiência, mas por outro eleva a demanda por exames e cirurgias. Na prática, as seguradoras buscam minimizar seus pagamentos, frequentemente em confronto com seus segurados”, descreve.

Superada a contextualização, Fraga apresenta o problema: em função do envelhecimento da população, do crescimento da renda e do encarecimento dos custos do setor, a tendência no mundo todo é que a população demande mais serviços de saúde. Isso vai significar mais gastos em saúde. Só que há um problema: “O SUS foi desenhado à imagem e semelhança do modelo britânico, que hoje custa cerca de 10% do PIB deles, sendo 8% administrados diretamente pelo Estado. No Brasil o gasto total com saúde chega a 9% do nosso PIB. No entanto, a despeito de suas origens, a proporção pública aqui corresponde a apenas 4% do PIB. Muito pouco para um sistema universal. Não surpreende, portanto, que, por falta de recursos e também por ineficiências, os usuários do SUS se vejam hoje às voltas com filas de espera, peregrinações à busca de atendimento e leitos improvisados. Os outros 5% do PIB são gastos diretamente pelas pessoas ou através de planos de saúde (o sistema suplementar)”, identifica.

Se no presente, o nível de investimento público já é baixo, Arminio Fraga aponta que a proporção pode piorar. “Dado o estado precário das finanças públicas no país, dificilmente a fatia pública [de 4% do PIB] será mantida. Na verdade, ela deve cair, sujeita que está ao teto dos gastos públicos, congelados em termos reais”, conclui. Com isso, a sobrevivência do SUS “está ameaçada”, continua ele, que defende – e aqui está o pomo da discórdia – as seguintes medidas: “para investir mais em saúde e em outras áreas de interesse público será necessário buscar recursos em novas fontes: nos gastos e subsídios tributários regressivos, que devem ser eliminados, e na Previdência e no funcionalismo, que respondem por 80% do gasto público”. Seria importante que Fraga desse detalhes ou exemplos mais concretos.

O fato é que o ex-presidente do Banco Central no governo FHC termina o artigo de maneira ainda mais ambígua. Fraga se posiciona contra a ideia tão comum no meio empresarial de que o setor privado “ajuda” o SUS – “ao contrário de países avançados, aqui os subsídios [à saúde suplementar] são concedidos para os que mais podem, na forma de deduções do Imposto de Renda” –, mas não fecha totalmente a porta para uma maior participação das empresas. Diz ele: “o sistema de saúde suplementar em seu formato atual não representa uma alternativa viável para os três quartos da população que dependem do SUS”. E se o formato atual mudar? Fica a dúvida.

Fonte: OutraSaúde, por Maíra Mathias
Publicado em 02/12/2019