MP 927 de Bolsonaro suspende contrato e salário por 4 meses

A medida, editada neste domingo (22) em edição extra do Diário Oficial da União autoriza suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses. No período, o empregado deixa de trabalhar, assim como o empregador não pagará salário. Atitude mostra como o presidente Jair Bolsonaro está de olhos fechados para a miséria e o perigo que representa a pandemia de Coronavírus.

A MP 927/2020 terá validade enquanto durar o estado de calamidade pública. Uma MP tem força de lei pelo período de 60 dias, prorrogáveis pelo mesmo prazo, até que seja apreciada pelo Congresso. Se não for votada, perde a validade.

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Para o presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, a medida é desumana, mostra o total descaso do presidente com a população e pode trazer consequências ainda mais trágicas para o país. “Estamos em meio à uma situação gravíssima. A pandemia do Coronavírus é, talvez, a mais grave situação de saúde pública que o mundo enfrenta nos últimos 100 anos, desde a gripe espanhola. O governo deveria estar não só tomando medidas mais efetivas para conter a propagação do vírus, como também empenhando todos os seus esforços e recursos para garantir ao povo, em particular os mais pobres, recursos para que eles possam atravessar essa tempestade com o mínimo de dignidade e suporte do Estado. Mas o Bolsonaro optou por pensar nos ricos. Essa medida condenará milhões de brasileiros à fome e à morte. Quem vai pagar são os informais, os prestadores de serviços, que já tiveram direitos negados com a Reforma Trabalhista. Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance para que esta MP não tenha validade”.

A Reforma Trabalhista, que retalhou a CLT e jogou milhões de trabalhadores na informalidade, aumento enormemente a massa das pessoas cujos vínculos são contratos precários de trabalho. O número de trabalhadores com registro em carteira caiu muito desde a vigência desta Reforma. Ao lado disso, houve o desmantelamento da Justiça do Trabalho e um ataque frontal à organização sindical, que atravessa um dos momentos de maior dificuldade desde a ditadura.

Com a Justiça do Trabalho desestruturada e os sindicatos fragilizados, a MP 927/2020 tem um impacto ainda mais grave, uma vez que, ela prevê que o empregador e o empregado poderão celebrar acordo individual com prevalência sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais. Inclusive para os trabalhadores com vínculo através da CLT.

Segundo o texto, o empregador poderá conceder uma ajuda compensatória mensal, “sem natureza salarial”, “com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual”. 

Ronald chama a atenção para a assimetria de poder nessa relação prevista na MP. “Em condições normais, a negociação individual já coloca o trabalhador numa condição de inferioridade de condições perante o empregador para fechar qualquer acordo. Imagine no contexto de uma pandemia como esta. Essa medida é desumana!”, denuncia.

Pelo artigo 503 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), a jornada e o salário poderão ser reduzidos em até 25% em razão de “força maior”.

A CLT diz que “é lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”.

“No que se refere à redução salarial, o artigo 2º da MP é inconstitucional, porque a Constituição veda redução sem acordo coletivo e uma MP não se sobrepõe à Constituição”, diz a advogada Cassia Pizzotti, em entrevista à Folha de S.Paulo. “Além disso, como a MP não trouxe a aventada redução de até 50% do salário, entendo que continua prevalecendo o limite do artigo 503 da CLT (até 25%).” avalia.

Curso online para quem?

A MP 927/2020 é, também, mais uma das medidas que ignora como é a realidade dos trabalhadores e trabalhadoras do país. De acordo com ela, a empresa é obrigada a oferecer curso de qualificação online ao trabalhador, sem pagar salário, e não haverá bolsa-qualificação com recursos do FAT.

“A maioria dos trabalhadores nem possuí computador em casa, dos que têm, a minoria acessa a internet através da banda larga fixa. O acesso à internet via celular – realidade da maioria das pessoas – é caro e não tem qualidade. Quem vai ficar em casa fazendo curso on-line, sem estrutura e passando fome?”, questiona o presidente da Fenafar.

Outras medidas previstas na MP:

▪ Desobrigação, ao trabalhador, de efetuar o pagamento do salário no período de suspensão contratual, transformando os vencimentos mensais do trabalhador em “ajuda compensatória mensal” com valor negociado entre as partes;

▪ Acordos individuais entre patrões e empregados estarão acima das leis trabalhistas ao longo do período de validade da MP para “garantir a permanência do vínculo empregatício”, desde que não seja descumprida a Constituição;

▪ A manutenção de benefícios com o Plano de Saúde.

O texto prevê a obrigatoriedade de pagamento de salário e encargos sociais quando o programa de qualificação não for oferecido. Nestes casos, o empregador ficará sujeito a penalidades previstas na legislação.

Outras alternativas à suspensão do contrato de trabalho estão previstas no texto editado pelo Executivo, como formas de combater os efeitos do novo coronavírus, são elas:

▪ A adoção, a critério do empregador, do teletrabalho (home office);

▪ Antecipação de férias individuais, facultando ao empregador efetuar o pagamento do adicional de um terço de férias após sua concessão;

▪ Concessão de férias coletivas;

▪ Aproveitamento e antecipação de feriados não-religiosos;

▪ Adoção de banco de horas em favor do empregador ou do empregado, cuja compensação para recuperação do período interrompido podendo ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, desde que não exceda dez horas diárias;

▪ A suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho durante o  estado de calamidade pública, como a realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto os demissionais.

A MP prevê, ainda, que o abono anual ao segurado e ao dependente da Previdência Social que, durante o ano, recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria, pensão por morte ou auxílio-reclusão será efetuado em duas parcelas, excepcionalmente:

▪ 50% do valor do benefício devido no mês de abril, sendo paga juntamente com os benefícios dessa competência; e

▪ Valor referente à diferença entre o valor total do abono anual e o valor da parcela antecipada, sendo paga juntamente com o benefício da competência maio.

Tramitação e Prazo para apresentação de emendas

Até o dia 30/03 (segunda-feira), qualquer membro do Congresso Nacional poderá oferecer emendas à MP 927.

Após esse prazo, a Medida será remetida à Comissão Mista, para analisar a referida matéria. Por ordem de alternância, a presidência da Comissão ficará com um deputado federal e a relatoria com um senador.

Da redação com Folha de S.Paulo