Fenafar: Farmacêutico na farmácia é direito da população. Nota ao STF e à sociedade

No próximo dia 14/08, o plenário do STF julgará a possibilidade de técnico em farmácia assumir a responsabilidade por farmácias e drogaria após vigência da Lei 13.021/14. O relator da matéria é ministro Marco Aurélio de Mello. Leia a Nota da Fenafar se posicionando sobre o tema.

Contexto

O processo teve início quando um profissional sem curso superior pediu ao CRF/MG a sua inscrição como Técnico em Farmácia para assumir a responsabilidade técnica da sua drogaria, em Contagem, emitindo-se, para isso, o CRT – Certificado de Regularidade Técnica. O pedido foi negado. 

Judicializada a questão, em 1º grau foi assegurado o direito de inscrição nos quadros do CRF/MG, impedindo, porém, a assunção da responsabilidade técnica pela drogaria, em sentença que foi mantida pelo TRF da 1ª região e, posteriormente, pelo STJ. O técnico recorreu ao Supremo, em ação que passará a ser julgada nesta sexta-feira.

FENAFAR: FARMACÊUTICO NA FARMÁCIA É DIREITO DA POPULAÇÃO. NOTA AO STF E À SOCIEDADE

 

A profissão farmacêutica é uma das mais antigas do país. Há 181, a Escola de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto transformava os antigos práticos e boticários em profissionais habilitados para desempenhar, com base em parâmetros científicos e técnicos, uma atividade que envolve múltiplas competências e habilidades para atuar em diversas áreas relacionadas à proteção e promoção da saúde para a população.

Ao longo desses quase dois séculos, a ciência e a sociedade se desenvolveram, tornando os desafios no campo da saúde e das relações sociais muito mais complexos. A história da profissão farmacêutica acompanha esse desenvolvimento e as tensões que surgem desse processo científico, político, econômico e social.

Entre as tensões, destaca-se a que se dá entre o capital e o trabalho. Se de um lado as empresas se constituem com o objetivo privado de maximizar seus lucros, de outro as necessidades sociais demandam acesso à direitos, bens e insumos que precisam ser garantidos por políticas públicas para estabelecer um equilíbrio entre os interesses antagônicos de empresas e sociedade.

Por isso, a Federação Nacional dos Farmacêuticos desenvolveu, desde 1994, uma campanha para dar às farmácias o estatuto de estabelecimento de saúde, por compreender que o medicamento não é uma mercadoria. A campanha Farmácia Estabelecimento de Saúde trouxe estudos e propostas que foram discutidas intensamente no Congresso Nacional para incidir sobre o debate de uma legislação que transformasse as farmácias em unidade de prestação de serviços de interesse público, no sentido de ampliar o conceito para que se avance no entendimento de que a farmácia precisa estar inserida no Sistema Único de Saúde (SUS) e destinada a prestar a Assistência Farmacêutica integral, deixando de ser mero estabelecimento comercial.

Esse trabalho resultou na aprovação da Lei 13.021/2014 e que entre os vários dispositivos destaca que a responsabilidade técnica para o funcionamento de estabelecimentos que realizem dispensação de medicamentos é privativa de profissional farmacêutico habilitado.

Isso, porque, a lei estabelece uma série de outras atividades que incluem a prestação de Assistência Farmacêutica e reconhece a centralidade do medicamento nas ações de saúde e os perigos que o seu uso sem a correta orientação pode trazer para a saúde das pessoas. Estima-se que cerca de 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos inadequadamente e que, aproximadamente, 50% dos usuários não os utilizam corretamente. Segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológico (SINITOX), os medicamentos ocupam a primeira posição entre os três principais agentes causadores de intoxicações em seres humanos desde 1996.

O conjunto da legislação entende o medicamento como insumo essencial à saúde, descaracterizando-o como mera mercadoria cujo objetivo é produzir lucro. A Lei 13021/2014 reitera que, como parte integrante e indissociável das políticas públicas de saúde, a assistência farmacêutica é um direito do cidadão, como previsto na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90), e as farmácias devem ter por funções e serviços definidos e serão responsáveis pelo atendimento aos usuários, com compromisso orientado pelo uso racional de medicamentos e à integralidade e resolutividade das ações de saúde.

Realizam, portanto, atividades consubstanciadas em atos sanitários e não apenas atos comerciais, de ética questionável. No contexto do Sistema Único de Saúde, a farmácia, que inclui estabelecimentos públicos e privados, ocupa lugar privilegiado como posto avançado de saúde. Exerce papel importante na educação em saúde e na dispensação de medicamentos.

Ao abordarmos os desafios contratados em nossa Constituição Federal – particularmente no que diz respeito à Ordem Econômica, que se fundamenta na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados diversos princípios, entre os quais a função social da propriedade – verificamos algumas contradições na atual conformação do setor farmacêutico nacional, principalmente no que diz respeito ao medicamento e ao profissional farmacêutico.

Isso é visível desde a aprovação da Lei 13.021/2014, ao vermos os interesses mercadológicos que atuam contra os avanços na saúde, atuando para alterar as conquistas obtidas com sua aprovação, no Congresso Nacional, através de propostas de mudança na lei, e agora através dessa Ação que corre no Supremo Tribunal Federal.

Consideramos que o papel do medicamento e dos farmacêuticos na sociedade merece das autoridades uma atenção maior e mais responsável. Principalmente no contexto atual, de negacionismo científico que impacta de forma perigosa no campo da saúde, como os movimentos anti-vacina ou, como temos visto agora, na indicação do uso da hidroxicloroquina para tratamento do Covid-19 sem qualquer comprovação científica.

A crise econômica e política que impacta o mundo contemporâneo tem fortes raízes no questionamento da racionalidade e, portanto, do papel da ciência. Isso gera uma crise civilizatória que coloca em xeque conquistas fundamentais para a sociedade e para o próprio direito à vida, o mais fundamental de todos.

Neste sentido, a Federação Nacional dos Farmacêuticos reitera que a responsabilidade técnica para todo e qualquer estabelecimento que realize prestação de Assistência Farmacêutica, compreendendo a dispensação de medicamentos, deve ser privativa de profissional farmacêutico. Ampliar essa possibilidade para técnicos de farmácia impõe uma severa precarização para a população do acesso a estes serviços e insumos essenciais à saúde.

Neste sentido, destacamos a importância do posicionamentos do Conselho Regional de Farmácia de MG e ressaltamos a relevância dos posicionamentos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU).

Seguimos unidos e na busca pela dignidade da profissão farmacêutica e, principalmente, pela melhoria da saúde da população brasileira. Por isso, a Federação Nacional dos Farmacêuticos (FENAFAR), juntamente com os seus sindicatos filiados, manifestamos nossa posição de defesa da Lei 13.021/2014.