Política de Assistência Farmacêutica

Construindo um modelo de atenção à saúde

  1. Nos últimos anos, a “Assistência Farmacêutica” tem sido objeto de importantes reflexões no processo de discussão e aprofundamento das diferentes questões relativas à saúde. Alavancadas principalmente por algumas entidades da categoria farmacêutica, muitas vezes em parceria com outras entidades e instituições, estas reflexões têm propiciado o afloramento dos diferentes entendimentos sobre o tema, envolvendo tanto as concepções teóricas como os aspectos políticos e técnicos relacionados à sua formulação e implementação.
  2. As experiências acumuladas e a necessidade de inserção da assistência farmacêutica no âmbito das ações necessárias à assistência à saúde levaram à participação da Fenafar na organização e realização do “Seminário Nacional Sobre Política de Medicamentos”, cujo tema central foi “Assistência Farmacêutica: Acesso aos Medicamentos e Qualidade de Vida – Rumos e Perspectivas no Brasil” (Brasília, 1996). Este evento, promovido em parceria com a ENSP/Fiocruz1, o Unicef2, a Opas/OMS3, a Sobravime4, o Conass5 e o Conasems6, representou iniciativa importante no processo de preparação para a 10ª Conferência Nacional de Saúde (Brasília, 1996). Nesta Conferência, a partir dos marcos conceituais gestados ao longo do tempo, a intervenção da Fenafar na Mesa Complementar sobre “Política Nacional de Medicamentos” possibilitou a explicitação de concepções fundamentais para a formulação de uma política de assistência farmacêutica para o Brasil
  3. É fundamental que as entidades sindicais da categoria e o conjunto dos farmacêuticos do país promovam o debate exaustivo das várias condicionantes relativas à Assistência Farmacêutica. Todavia, é necessário que este aprofundamento resulte em proposições concretas para a formulação e efetiva implantação de uma Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Este desafio traz consigo a elevada responsabilidade da categoria farmacêutica em contribuir decisivamente para o avanço em relação aos diagnósticos e conceituações já realizados, buscando a definição de ações que visem a inserção da Assistência Farmacêutica como parte integrante do processo de construção do modelo de atenção à saúde que assegure eqüidade e universalidade
  4. Considerando a Assistência Farmacêutica enquanto parte integrante da política de saúde, quaisquer proposições que busquem sua implantação efetiva não podem estar desvinculadas da análise realista da conjuntura nacional, da apurada avaliação das políticas públicas adotadas no país e de suas inter-relações com o campo da saúdeAssistência Farmacêutica
  5. Como uma das faces aparentes da lógica baseada na dependência, o medicamento surge como instrumento de estratégias de dominação técnica e econômica, a partir das quais são definidas e implementadas políticas claramente antagônicas aos interesses populares e nacionais, cujo exemplo é a vergonhosa Lei de Patentes aprovada em 1996 pelo Congresso Nacional. Portanto, torna-se fácil entender as razões pelas quais os medicamentos sofreram, nas últimas décadas, um processo de descaracterização enquanto insumos essenciais para o conjunto de ações e medidas destinadas à promoção e recuperação da saúde. Assim, as concepções referentes aos medicamentos não podem ser analisadas de forma isolada, mas estão relacionadas com a necessidade do estabelecimento de uma Política Nacional de Assistência Farmacêutica, inserida no Sistema Único de Saúde.
  6. Sob esta ótica, é fundamental explicitar o entendimento da Assistência Farmacêutica enquanto política norteadora para a formulação de políticas setoriais, entre as quais destaca-se a política de medicamentos, garantindo, dessa maneira, a intersetorialidade inerente ao próprio Sistema Único de Saúde.
  7. Segundo essa concepção, a Assistência Farmacêutica trata-se de um conjunto de ações, centradas no medicamento e executadas no âmbito do Sistema Único de Saúde, visando a prevenção da doença, e a promoção, proteção e recuperação da saúde da população, compreendendo os seus aspectos individuais e coletivos.
  8. Estas ações, necessariamente baseadas no método epidemiológico, deverão envolver: padronização, prescrição, programação, aquisição, armazenamento, distribuição, dispensação, produção, controle de qualidade, educação em saúde, vigilância farmacológica e sanitária, pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, imunoterápicos e hemoderivados, o acesso e a informações sobre o uso correto, consumo e cuidados com os medicamentos. A sua implementação visa garantir o acesso e o uso racional, bem como nortear as políticas de medicamentos, de recursos humanos e de desenvolvimento científico e tecnológico.
  9. Como já foi mencionado, e tendo como base as concepções referentes à Assistência Farmacêutica, incluindo-se aquelas referentes à política de medicamentos, é fundamental que o conjunto da categoria reflita sobre algumas questões pontuais, na perspectiva de resoluções efetivas e que contribuam decisivamente para sua implementação no Sistema Único de Saúde. Entre estas questões destacam-se:Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
  10. Quanto à política de medicamentos, compreendida segundo a concepção explicitada anteriormente, é importante que sua implementação esteja baseada em indicadores gerados pela dinâmica da Assistência Farmacêutica, utilizando-se de uma Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), atualizada periodicamente de acordo com o quadro de morbi-mortalidade existente no país, bem como considerando também os efeitos farmacoiatrogênicos destas substâncias, aquelas já abolidas em outros países, custos, recebendo aval do CNS e, ainda, a obrigatoriedade de implementação nos estados por deliberações dos CES. Esta Rename, cuja institucionalização objetiva atender à maioria das necessidades

 

      Sindicalismo classista e a organização da categoria

 

1. O 1º Congresso da Fenafar (julho/94), visando garantir um sindicalismo que represente os interesses da categoria e dos demais trabalhadores no Brasil, apontou para a necessidade de um movimento sindical com o seguinte perfil:

  1. Federação e sindicatos de luta: que preparem os trabalhadores para as lutas políticas, sindicais e econômicas, tendo como princípio básico a defesa do interesse mais elementar dos trabalhadores: qualidade de vida;
  2.  Federação e sindicatos organizados: que desenvolvam a luta de forma planejada, preparando sua estrutura (delegacias sindicais, diretorias regionais, comissões, etc.) e sua base de representação para responder aos ataques sofridos por parte dos patrões e do governo;
  3. Federação e sindicatos unitários: que representem o conjunto da categoria independente de suas posições políticas, sociais ou religiosas. A Federação e os sindicatos são patrimônio de toda a categoria;
  4. Federação e sindicatos democráticos: que respeitem os fóruns de decisões, sendo pluralistas no debate das idéias, abrindo espaço para todos os que queiram contribuir;
  5. Federação e sindicatos politizados: que vinculem a luta econômica com a luta política. Priorizar somente a ação política acarreta o afastamento de sua base sindical, ou, ao contrário, priorizar somente a ação econômica impossibilitar responder ao conjunto de problemas que atingem os trabalhadores;
  6. Federação e sindicatos independentes: que mantenham-se independentes em relação aos patrões, aos partidos políticos e aos governos, resguardando suas identidades próprias, não impedindo de desenvolver ações que venham beneficiar os trabalhadores que representam.

2. Avaliar criticamente a atuação da Federação Nacional dos Farmacêuticos no último período, confrontando-a com o perfil de entidade sindical aprovado no 1º Congresso, é determinante para planejar sua atuação futura. Neste sentido procuramos destacar as principais atividades desenvolvidas desde julho de 1994 até janeiro de 1997:

  1. Ação de inconstitucionalidade da MP do Real, que instituiu a venda de medicamentos em supermercados;
  2. Ações de contraposição ao Projeto de Lei da Senadora Marluce Pinto, que acabou configurando-se como a principal batalha do último período;
  3. Acompanhamento dos projetos de lei, em trâmite no Congresso Nacional, de interesse dos farmacêuticos e trabalhadores;
  4. Participação ativa nas atividades contrárias à revisão constitucional;
  5. Participação destacada na luta contra a Lei de Patentes, ao lado de outros segmentos da sociedade;
  6. Participou de diversas atividades junto ao poder executivo, audiências com vários Ministros de Estado, etc;
  7. Organização da Campanha pelo Uso Correto dos Medicamentos;
  8. Participação no Congresso Nacional da CSC, em Salvador e engajamento na Campanha pela redução da jornada de trabalho (40 h/semanais);
  9. Organização, em conjunto com o CFF e a Enefar, do 7º Seminário Nacional de Currículo de Farmácia e o 4º Encontro Nacional de Reforma Curricular, que culminou com a aprovação do documento “Proposta de Reformulação do Ensino de Farmácia no Brasil” entregue ao MEC;
  10. Realização de três atividades de formação sindical, com destaque para a experiência do Curso Regional de Formação e Planejamento Sindical;
  11. Realização da Campanha para aquisição da sede em Brasília;
  12. Participação na “III Conferencia Panamericana de Educación em Farmacia” e “I Congresso Panamericano de Educación y Perspectiva Farmaceutica”, em Buenos Aires – Argentina;
  13. Organização conjunta com outras entidades do Seminário Nacional sobre Assistência Farmacêutica;n) Participação efetiva na X Conferência Nacional de Saúde;
  14. Esteve presente nos estados, através do acompanhamento das atividades dos sindicatos, contribuindo para o aperfeiçoamento de sua estrutura político/administrativa.

3. As atividades desenvolvidas no último período inegavelmente demonstram uma maior maturidade da entidade. No entanto, superar as limitações objetivas de ordem organizativa e financeira, além de conferir maior disponibilidade ao conjunto dos diretores é tarefa que se impõe.

4. A necessidade de contraposição ao projeto neoliberal impõem a existência de amplos segmentos voltados para o estabelecimento de um programa econômico e político alternativo que resista à barbárie neoliberal e à acomodação social-democrata. Neste sentido a atuação intersindical e extrasindical que busca a unidade na ação, assume caráter estratégico para a efetivação das ações de resistência e contraposição ao neoliberalismo. A Federação e os sindicatos devem partir para a luta política de massas. A Fenafar deve ter presença destacada em todas as ações e movimentos que visem a construção desse programa, contribuindo nas questões relacionadas principalmente ao setor saúde.

5. O receituário neoliberal, no tocante ao movimento sindical, é muito claro: repressão a toda e qualquer forma de organização crítica dos trabalhadores (limitação ao direito de greves) e asfixia das estruturas sindicais (desmonte das contribuições aos sindicatos, etc.). Somente com uma atuação conseqüente de oposição aos ataques neoliberais pode-se fazer frente a esse receituário. É preciso através de um sindicalismo classista, que caracteriza-se principalmente pelo entendimento de que a luta sindical está inserida no contexto das lutas mais gerais do País, romper com o corporativismo expresso muitas vezes nas atividades sindicais e debater amplamente a necessidade de ligação das questões gerais às específicas. Cada farmacêutico deve ser capaz de fazer essa ligação no seu dia-a-dia profissional.

6. A partir da necessidade de participação no movimento mais geral e com a aprovação da filiação à CUT em 1994 esperava-se um incremento da atuação intersindical, no entanto a participação no interior da central, através dos seus fóruns, foi limitada uma vez que a Fenafar não incorporou o modelo orgânico imposto às confederações e federações cutistas. Apesar disso a atuação da Fenafar através de uma fisionomia classista tem sido de fundamental importância para o estreitamento da federação com as lutas mais gerais.

7. O sindicalismo no Brasil passa por uma crise, ocasionada por fatores objetivos, como o desemprego estrutural e conjuntural e subjetivos, como o imediatismo e ativismo das entidades sindicais, que apontam bases fundamentalmente políticas para a sua superação. Neste sentido as recentes deliberações da CUT sobre a criação do sindicato orgânico (os sindicatos filiados deixariam de existir enquanto entidades únicas, independentes e passariam a se organizar enquanto uma seção da CUT, com estruturas compartilhadas) como estratégia para responder a essa crise, mostram-se equivocadas e são alvo de um posicionamento contrário dos farmacêuticos e da Fenafar. A criação do sindicato orgânico, traz como conseqüência o fim da unicidade sindical, existência de um sindicato único por atividade ou ramos de atividades, e a possibilidade de criação de vários sindicatos para uma mesma base, diluindo o poder de mobilização e representatividade frente aos trabalhadores e enfraquecendo a resistência dessas entidades. É preciso reafirmar junto aos trabalhadores o papel da CUT como única central capaz de se contrapor ao projeto neoliberal.

8. A descentralização das ações, através do fortalecimento dos sindicatos existentes e criação nos locais onde os mesmos não existam há muito vem demonstrando ser o caminho para a aproximação da entidade com os profissionais. Cabe ressaltar que no período do 1º ao 2° Congresso, contávamos com 13 sindicatos que já estavam organizados, 5 sindicatos reestruturados e duas comissões provisórias. Devemos aperfeiçoar a relação com os sindicatos nos estados, auxiliando-os política e administrativamente, elevando a um novo patamar a formação dos dirigentes regionais, contribuindo para o estabelecimento de planos viáveis em cada região, criando instrumentos ágeis de comunicação e informação entre a Fenafar e cada sindicato, entre outras medidas.

9. É necessário a ampliação dos fóruns de debates da Fenafar, através do incentivo à ampla participação das entidades no País e farmacêuticos nos estadosem debates, cursos, reuniões de Diretoria e do Conselho de Representantes, seminários, congressos.

10. Atuar conjuntamente com os sindicatos no estabelecimento de parcerias com profissionais, associações, universidades, através de convênios que aproximem os profissionais dos sindicatos e, conseqüentemente da Fenafar, é de fundamental importância para a garantia da representatividade das entidades. Visando unificar e incentivar essas ações a Fenafar poderá confeccionar uma carteira sindical nacional única para os farmacêuticos em todo o País, que seria emitida pelas entidades locais. Por exemplo, a discussão do incentivo às cooperativas de profissionais para a abertura e estruturação de estabelecimentos farmacêuticos e a capacitação dos mesmos para a prestação de Assistência Farmacêutica.

11. A continuidade da prática de planejamento das ações sindicais, a exemplo das atividades já realizadas, permite, além de uma melhor distribuição dos   esforços, um efetivo controle do cumprimento das etapas aprovadas e sua avaliação. Não será possível construirmos um movimento sindical representativo sem dirigentes que compreendam as questões que se impõem ao movimento.

12. Apoiar o movimento estudantil de farmácia, através da Enefar, discutindo os problemas, lutas e desafios da profissão. Incentivar a participação dos estudantes nas atividades relacionadas à formação profissional.

13. Realizar, em parceria com os sindicatos nos estados, um estudo/pesquisa sobre os profissionais e locais de trabalho da categoria, visando obter subsídios para a atuação das entidades em consonâncias com os anseios da profissão.

14. Finalizar a campanha para aquisição da sede da Fenafar em Brasília e discutir as demandas gerais e específicas que virão em conseqüência da nova estrutura de atuação. Desenvolver meios para disponibilizar diretores para a atuação sindical.

15. A Federação e os sindicatos tem a responsabilidade de intervir nas políticas de formação e reciclagem profissional, neste sentido a continuidade do movimento de reforma curricular, que em 1996 teve seu maior momento com a entrega da “Proposta de Reformulação do Ensino de Farmácia no Brasil”, ao MEC, deve ser prioridade para a Fenafar. Estreitar as relações com as universidades e com o movimento estudantil, promover debates sobre o tema nas regiões, procurar os órgãos governamentais envolvidos com a questão e entidades da área da saúde é de fundamental importância para que o trabalho     desenvolvido nos últimos dez anos não seja perdido.

16. Retomar a Campanha pelo Uso Correto dos Medicamentos, em novo patamar, garantindo a associação com outras entidades (OPAS, OMS, etc.) e a confecção de materiais que possam apresentar os objetivos da campanha para toda a sociedade. A produção de materiais de comunicação (vídeo, panfletos, namual de utilização de medicamentos, etc.) deve ser buscada como suporte às atividades da campanha.

17. Defender a unidade do movimento farmacêutico, através do fortalecimento das suas entidades de representação deve ser o objetivo maior de cada profissional. Toda e qualquer tentativa de divisão do movimento deve ser repudiada e divulgada de forma a esclarecer a categoria o porque dos osicionamentos contrários. Neste momento o divisionismo não prepara os profissionais para as lutas em defesa da profissão, e da saúde pública, ao contrário, enfraquece essa luta e só interessa ao comércio de medicamentos, aos patrões e ao governo que tudo fazem para aviltar a nossa profissão.

    Em defesa do Sistema Único de Saúde

 

  1. Partindo da premissa de que os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), concebidos na Constituição de 1988, consagram o direito à saúde como um dos direitos fundamentais da pessoa humana, a Federação Nacional dos Farmacêuticos reafirma o entendimento de que a saúde não pode ser vista apenas como um “setor”, mas sim como o resultado de um conjunto de condições sociais e econômicas cuja promoção exige a implementação de ações pautadas nas relações intersetoriais e transdisciplinares, garantidas por políticas públicas voltadas aos interesses da maioria da população.
  2. Esse entendimento significa a percepção da existência de uma relação intrínseca entre “Saúde” e “Qualidade de Vida”. Todavia, a compreensão dessa relação não pode restringir-se à conceituação de qualidade de vida enquanto qualidade dos serviços de saúde e dos aspectos tecnológicos envolvidos na sua prestação.
  3. Ao reduzir-se a concepção de saúde à prestação de serviços, a questão da qualidade passa a ser analisada apenas sob os aspectos do gerenciamento, dos aparatos tecnológicos envolvidos, entre outros, e onde se destaca o binômio “missão” versus “objetivo” do serviço em questão. Através deste reducionismo são claramente escamoteadas as condicionantes sociais e políticas envolvidas no processo de garantia à saúde, tais como o direito dos cidadãos a trabalho e salário dignos, de acesso à educação e à informação de qualidade, o direito a condições adequadas de moradia e saneamento e o direito a condições ambientais adequadas à vida, entre outros.
  4. As concepções apresentadas acima nos remetem à reflexão de que a garantia do exercício da cidadania passa pela defesa do direito à saúde e à qualidade de vida, transcendendo a defesa apenas do Sistema Único de Saúde e exigindo um modelo de Estado que garanta a diminuição das desigualdades sociais e a eliminação da exclusão, princípios negados por modelos econômicos que atendem apenas aos interesses da internacionalização do capital.
  5. Portanto, a defesa do Sistema Único de Saúde exige ações concretas de enfrentamento do projeto neoliberal em implantação no país, caracterizado pelas políticas de privatização das atividades estatais, de redução da ação reguladora e disciplinadora do Estado nos campos da economia e das relações de trabalho e da política clara de abertura da economia ao capital internacional.
  6. Como resultado dessas políticas, o país assiste à acentuada intervenção estatal em favor da acumulação e movimentação do capital, com o privilegiamento dos interesses dominantes da oligarquia financeira; ao desmonte da Seguridade Social, com o objetivo explícito de privatizar a Previdência e a Saúde; à reforma administrativa e à “publicização” de setores estratégicos para a garantia do comando estatal sobre as políticas sociais; ao abandono das universidade públicas e hospitais universitários; arrocho salarial e quebra dos direitos trabalhistas; restrição crescente da democracia, com cerceamento do livre funcionamento partidário e sindical.
  7. Estas características delineiam uma concepção de Estado elitista e excludente, em cujo núcleo estratégico não estão integradas as bases para a garantia do pleno direito à cidadania e da soberania de forma geral e, em particular, dos direitos sociais da grande maioria do povo brasileiro. Por força dessa concepção, o Brasil vive um momento histórico marcado pela crescente dependência em relação às nações hegemônicas e organismos financeiros internacionais, encoberto pelo discurso falacioso da modernidade e da globalização.
  8. Sob essa ótica, quaisquer proposições que busquem a garantia e a implementação efetiva do Sistema Único de Saúde não podem estar desvinculadas da análise realista da conjuntura nacional, da apurada avaliação das políticas públicas adotadas no país e de suas inter-relações com o campo da saúde.
  9. Assim, é fundamental que se aprofunde a reflexão sobre algumas questões pontuais, consideradas enquanto determinantes para a garantia de uma Política Nacional de Saúde que reflita os interesses e atenda às necessidades da maioria da população. Entre essas questões destacam-se:

a) Lutar pela efetiva implantação do SUS significa concretizar um importante instrumento de materialização da política de saúde, alicerçada em princípios democráticos de exercício da cidadania. Portanto, a defesa dos princípios e diretrizes do SUS, tais como equidade, universalidade, integralidade e controle social, está inserida no plano mais geral de luta pela democracia. Esta luta envolve a garantia do direito de todos terem acesso, sem qualquer discriminação, às ações de saúde em todos os níveis, bem como da responsabilidade do Estado em garantir o pleno gozo desse direito.

b) Entretanto, o caráter democrático do SUS não está restrito apenas à viabilização de acesso e à resolutividade das ações de saúde, mas envolve, necessariamente, a participação ativa da sociedade no processo de formulação, avaliação e controle das políticas implementadas no âmbito do Sistema. Nesse sentido, é fundamental que as entidades da categoria farmacêutica busquem articulações que contribuam para o fortalecimento do controle social, concretizado nos Conselhos de Saúde dos diferentes níveis de organização do SUS.

c) Vale ressaltar que o controle social é fator decisivo para a implementação da qualidade e eficácia que a população defende e necessita. Todavia, os Conselhos de Saúde só terão capacidade de cumprir o seu papel e defender os interesses da maioria da população se estiverem munidos de um conjunto de informações, gerais e específicas, que criem condições de debate e ampliação de conhecimento às pessoas. Nesse sentido, também deve ser considerado como elemento do processo participativo o dever de as instituições oferecerem as informações e conhecimentos necessários para que a população se posicione.

d) Aliado às questões já abordadas, o estabelecimento de financiamento adequado e permanente é fator essencial para a preservação da Seguridade Social e a implantação efetiva do SUS. Neste aspecto, é importante destacar que com a definição constitucional do conceito de Seguridade Social criou-se uma base de financiamento corrente, diversificada e com participação da a sociedade.

e) Entretanto, as ações definidas pela política neoliberal de desmonte do Estado, implementadas a partir do governo Collor, entre as quais o descumprimento das disposições constitucionais que destinavam 30% do orçamento da Seguridade Social para a Saúde, buscam inviabilizar fontes adequadas e permanentes de financiamento, obrigando a adoção de soluções emergenciais.

f) Esse processo leva à fragilização do Sistema, além de possibilitar a ingerência direta do setor privado nas ações inerentes ao SUS. A característica perniciosa dessa ingerência decorre da distorção, politicamente determinada, do conceito de complementaridade, segundo o qual o interesse público deve prevalecer sobre o particular, devendo estar garantidos os princípios de universalidade, equidade, integralidade e controle social, como se o serviço privado fosse público.

g) Ao se reafirmar os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS, entende-se que os Conselhos de Saúde (nacional, estaduais e municipais) devem assumir, de fato, o seu caráter deliberativo sobre as questões referentes às políticas, às estratégias e às ações próprias do Sistema, interferindo concretamente no modelo de gestão a ser adotado nas diferentes esferas.

h) Considerando o caráter de intersetorialidade inerente à Política de Saúde, é essencial destacar a relação implícita entre esta e as políticas industrial e de desenvolvimento científico e tecnológico do país. Nesse aspecto, vale ressaltar que o desenvolvimento de tecnologias internas, a incorporação de conhecimentos e a produção de insumos essenciais desempenham papel importante na implementação das ações do SUS. Nesse sentido, a aprovação da Lei de Patentes tem resultados desastrosos frente à perspectiva de desenvolvimento e independência do país, gerando interferências negativas no que se refere à qualidade e eficácia do Sistema.

i) Também como característica da intersetorialidade e tendo em vista o caráter multiprofissional das ações próprias da atenção à saúde, é fundamental a reflexão sobre a necessária adequação da política de formação e capacitação de recursos humanos voltados ao atendimento das diretrizes traçadas no âmbito da Política de Saúde.

10. Assim, é de fundamental importância que as entidades da categoria farmacêutica estejam inseridas no processo de discussão com a sociedade, participando ativamente de sua mobilização e articulação política, visando a interferência nas diversas esferas de governo (executivo, legislativo e judiciário) com o estabelecimento e implementação de políticas públicas voltadas à garantia da cidadania e, na defesa intransigente da Qualidade de Vida de todos a população brasileira.

 

Reflexões sobre a situação internacional e nacional

 

1. Os anos 90 foram marcados por uma ofensiva do pensamento conservador em todo o mundo, reforçado pela queda da União Soviética (URSS) e dos regimes ditos socialistas do Leste Europeu e por um grande movimento do capital financeiro em escala mundial, a chamada globalização. A desintegração da URSS significou a vitória da guerra fria por parte dos Estados Unidos (EUA) e o estabelecimento de uma nova ordem mundial completamente hegemonizada pela superpotência norte-americana.

2. Desde os anos 70, com a vitória de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos EUA, que o pensamento conservador foi impulsionado. Com a crescente crise capitalista já naquela época, com recessão econômica e inflação ascendente, Thatcher investiu contra o estado de bem estar social, culpando os gastos públicos nas áreas sociais e as reivindicações dos sindicatos como as causas básicas da crise. Enquanto isso, Reagan intensificou a ofensiva político-militar contra a União Soviética, aumentando enormemente os gastos militares e promovendo, assim, um crescimento espetacular da dívida pública norte-americana e o aumento dos ganhos do setor financeiro, fatos esses que estão na origem da atual globalização neoliberal.

3. Mas foi na época de George Bush que o noliberalismo tomou impulso como saída para a crise mundial do capitalismo. Foi uma autêntica contra-revolução teórica, política e ideológica, o que existe de mais reacionário da produção intelectual burguesa capitalista. Surgiu como uma proposta de mudança para tudo continuar como está: manter a exploração sobre os trabalhadores e os povos do mundo em benefício da oligarquia financeira internacional, com um novo discurso.

4. O receituário neoliberal disseminou-se amplamente, atingindo os EUA, a Europa Ocidental, o Leste Europeu, a antiga URSS e a América Latina. Em todo o mundo capitalista o neoliberalismo fez com que a renda se concentrasse, os gastos financeiros do Estado crescessem e os gastos sociais diminuíssem. Um novo surto capitalista se iniciou, caracterizado pela ordem mundial dominada pelos EUA, por uma nova onda de globalização dos mercados, por gigantescas fusões patrocinadas pelo capital financeiro e por uma grande crise social e de desemprego em âmbito mundial, acompanhada por um ataque às organizações dos trabalhadores e aos direitos sociais duramente conquistados.

5. Hoje a nova ordem é a globalização neoliberal como única forma de reverter o progressivo declínio das taxas de crescimento econômico, bem como a crise social. Os países da Organização Continental para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), tiveram taxas de crescimento de 5% em 1950; taxas que durante os anos 60 caíram para 3,5%. Os países do G-7, entre 1971 e 78, mantiveram suas taxas em torno de 3,5%, mas desde 1989 diminuíram para 2,1%. No caso do Japão, a queda foi maior ainda: de 1971 a 1978, o crescimento era de 4,5% ao ano, mas desabou para 2,4% até 19961. O projeto também visa a “solucionar” a incapacidade do sistema de resolver suas contradições e dar respostas aos problemas estruturais, como a fome e o desemprego. Ver tabela 1.

Tabela 1 – Declínio das taxas de crescimento econômico

Ano PAÍSES TAXA DE CRESCIMENTO
1950 OCDE 5%
1960 OCDE 3,50%
1971 e 1978 G-7 3,50%
1989 G-7 2,10%
1971 a 1978 Japão 4,50%
1996 Japão 2,40%

6. O neoliberalismo é a alternativa capitalista para a crise. Concebido visando a “modernização” do Estado e a internacionalização da economia, através da globalização das relações comerciais, a implantação do projeto neoliberal é incompatível com a democracia e a manutenção dos direitos sociais. O neoliberalismo é a manifestação triunfalista atual do capital financeiro, ideologia anti-social, que procura justificar o desemprego e a exclusão social como mal necessário à modernização econômica. Esta é a regra em todos os países que adotaram esse modelo.

7. Conforme avança o processo da globalização neoliberal, as medidas políticas, as mudanças econômicas e os efeitos sociais aumentam extraordinariamente as contradições do capitalismo em decadência histórica. A ultraconcentração do capital e a feroz disputa tecnológica por comércio e mercados provocaram desigualdades imensas entre países, regiões e classes sociais.

8. A busca desesperada de um novo estágio de acumulação capitalista, como saída para a queda das taxas de lucro, implica necessariamente numa pilhagem e devastação dos Estados Nacionais e suas economias nunca vistas.

9. Mas é o desemprego em massa, crescente, conjuntural e estrutural, o principal produto da globalização neoliberal. Segundo relatório de 1995 do Banco Mundial, nos países da OCDE havia 8 milhões de desempregados em 1970; em 1994 o número era de 35 milhões de desempregados, 8% da mão-de-obra, na maioria trabalhadores não especializados. Nos EUA, atualmente com cerca de 7 milhões de desempregados, entre 1978 e 1990 eliminou-se 1,4 milhão de empregos exclusivamente no setor industrial. Enquanto isso, de 1973 a 1993 o salário real do trabalhador norte-americano, sem curso secundário completo, caiu de 11,85 dólares/hora para 8,64 dólares/hora2. Ver tabela 2.

Tabela 2 – Número de desempregados

ANO PAÍSES TAXA DE CRESCIMENTO
1950
OCDE 5%
1960
OCDE 3,50%
1971 e 1978
G-7 3,50%
1989
G-7 2,10%
1971 a 1978
Japão 4,50%
1996
Japão 2,40%

10. Na França, o desemprego médio entre 1969 e 1973 era de 2,6%; hoje alcança 11%. Na Alemanha3, entre 1969 e 1973 era menos de 1%, atualmente alcança 10%, com 4 milhões de desempregados, a maior taxa de desemprego desde os anos 30. Na Bélgica, o desemprego quadruplicou, atingindo hoje 10,6% da população economicamente ativa. Cerca de 24% dos trabalhadores espanhóis estão desempregados.

11. O desmantelamento de parques industriais consolidados vem no rastro do furacão neoliberal em todos os cantos do planeta. No Leste Europeu, a Hungria, a Polônia e a Bulgária sofreram níveis de desemprego dramáticos: de 1988 a 1993 a Hungria passou de 0,3% (dados oficiais) para 12,6%; a Polônia elevou o desemprego de 0,1% para 15,7%, sendo que mais de 33% dos trabalhadores empregavam-se em tempo integral ou parcial no setor informal; o salário real dos trabalhadores poloneses caiu 32% em 1994; na Bulgária a taxa de desemprego ultrapassou 15%. Ver tabela 3.

Tabela 3 – Taxa de desemprego

PAÍSES TAXA DE DESEMPREGO EM % ANO
França 2,60% 1969 e 1973
França 11% 1997
Alemanha 1% 1969 e 1973
Alemanha 10% 1997
Bélgica 10,60% 1997
Espanha 24% 1997
Hungria 0,30% 1988
Hungria 12,60% 1993

12. Em outras áreas do planeta (África e América Latina), constata-se a mesma situação. Na Zâmbia o “emprego” no mercado informal cresceu de 3% em 1988 para 21% em 1992. No Equador, passou de 19% em 1978 para 52% em 1992. Neste país, no Estado de Guayaquil, o número de mulheres casadas forçadas a trabalhar no mercado informal subiu de 45% para 90%.

13. Atualmente, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego e o subemprego atingem 1 bilhão de pessoas no mundo, aproximadamente 30% da população economicamente ativa (1996). Nos países da União Européia aproximam-se de 20 milhões os trabalhadores desempregados.

14. 14.Deve-se também levar em consideração a reestruturação produtiva, que eliminou muitos postos de trabalho. Foram introduzidas, no interior das indústrias e do sistema financeiro, novas formas organizacionais e de gerenciamento o que provocou e ainda provocará muito desemprego. O capitalismo se utiliza de várias formas para maximizar os lucros e minimizar os custos. Com isto a utilização da tecnologia, na visão neoliberal, é fundamental, pois o trabalhador é substituído por máquinas, computadores e robôs.

15. Para os países desenvolvidos os efeitos desta reestruturação neoliberal são cada vez mais agravantes. Já para os países em desenvolvimento, no caso do Brasil, ainda os efeitos são menores, por causa do atraso e da dependência tecnológica em vários setores da economia nacional. O Brasil precisa urgentemente de um projeto de desenvolvimento tecnológico independente que supere o atraso, mas que leve em conta a realidade do país e utilize essa própria tecnologia para aumentar a produção e a competitividade e trazer benefício para o trabalhador, através da diminuição da jornada de trabalho sem redução de salário.

16. Em síntese, a globalização neoliberal, comandada por EUA, Alemanha e Japão, exige o controle quase absoluto dos processos políticos em evolução nos países vinculados aos seus megamercados, os chamados blocos econômicos. Não lhes interessa muito os tipos de partidos que governam esses países. Mas é condição sine-qua-non que os governos subalternos assegurem aos investidores da oligarquia financeira a continuidade do saque, a “governabilidade” econômica global. Ainda mais, este novo “poder soberano”, concentrador da “geopolítica monetária” e dos centros de decisão sobre investimentos, transformou-se num algoz das políticas econômicas dos Estados capitalistas dependentes na globalização.

17. Na América Latina, por exemplo, é o que estabelece o “Consenso de Washington” e é por isso que a pressão foi descarada pela reeleição de Menen na Argentina, de Fujimori no Peru e agora de FHC no Brasil. O objetivo é impedir o prosseguimento da oposição de esquerda e dos setores democráticos ao neoliberalismo. 18. Diante dessa situação, os trabalhadores dão resposta aos planos econômicos e à partilha do mundo. É o caso das greves e movimentos que aconteceram na Argentina, na França, na Bélgica, na Coréia do Sul, em Israel, na Espanha, no México e recentemente na Alemanha, onde os trabalhadores cruzaram os braços contra o desemprego que se alastra pelo país. Ou seja, há manifestações em todos os continentes e que podem ser consideradas resposta a este modelo econômico que exclui e aumenta as diferenças sociais.

Projeto neoliberal e o Brasil

 

19. Para o Brasil entrar na era da globalização neoliberal, deveria necessariamente estabilizar sua economia, promover reformas sociais e enxugar o Estado, com eliminação de despesas e privatização em massa, diminuindo ao limite a intervenção estatal no mercado.

20. Durante o governo Collor, tentou-se implementar o projeto neoliberal com a privatização das estatais, a aprovação da nova legislação patentária, a reforma administrativa, a reforma partidária e eleitoral e o esfacelamento dos movimentos populares, particularmente o sindical.

21. Mas o governo de Collor se desmorona quando a população descobre o ninho de corrupção, benefícios e vantagens pessoais que habitava o Palácio do Planalto e impõe o impeachment. Assume o governo o vice Itamar Franco.

22. O governo de Itamar Franco mantem na essência as diretrizes que vinham sendo adotadas por Collor, ou seja, a implantação do projeto neoliberal. A seis meses do fim de seu mandato, Itamar apresenta ao país o Plano Real, instituído quando FHC era ministro da Fazenda. Plano essencialmente noliberal.

23. Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno e com o plano obtendo popularidade de aproximadamente 85%, o projeto neoliberal ganha força4. A estabilidade econômica, provocada pelos resultados do plano no combate à inflação, é a responsável por isso.

24. Mas tal estabilidade tem preço caro para a população, típico dos planos dessa natureza. O aumento do arrocho salarial, do desemprego e do número de miseráveis é o exemplo mais concreto do teor nocivo do plano. No Brasil são mais de 4 milhões de desempregados, pelos dados do IBGE. Só na Grande São Paulo são mais de 1,3 milhão de desempregados e taxa de desemprego em torno de 16% da população economicamente ativa, conforme pesquisa da Fundação Seade5 e do Dieese6.

25. Através da reforma constitucional, FHC e seus aliados procuram reduzir o tamanho do Estado na economia, privatizando setores estratégicos e rentáveis. Desde Collor, o projeto neoliberal privatizou a Companhia Siderúrgica Nacional, a Light, a Usiminas, entre outras. Todas as principais empresas foram entregues ao capital privado em troca de moedas podres (títulos da dívida pública), a preços subfaturados e em condições de pagamento inexistentes ao cidadão comum. Agora privatizaram a Vale do Rio Doce, quarta maior empresa de minério do mundo, venda que encontrou resistência de setores nacionalistas que não concordaram com o que consideraram vender “uma agência de desenvolvimento”, com produção em oito estados, a setores privados nacionais e multinacionais, comprometendo este ramo vital ao desenvolvimento do país (minerais não renováveis).

26. Após a grande investida nas privatizações, FHC se empenhou para aprovar a Lei de Patentes. Exigência do governo norte-americano, o Brasil se vê pressionado e aprova na Câmara e no Senado uma Lei que cede mais do que é exigido pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), hoje Organização Mundial do Comércio (OMC). A aprovação da Lei de Patentes é a prova da exigência do neoliberalismo chefiado pelos EUA. O governo colaborou intensamente no patenteamento da vida, uma das concessões brasileiras.

27. Ao contrário dos EUA, o Brasil sempre respeitou a legislação internacional sobre patentes. É um dos onze signatários originais da Convenção de Paris, de 1883, que regulamentou pela primeira vez o tema em âmbito internacional; desde então, subscreveu e cumpriu as oito modificações que o tratado sofreu. Já o EUA descumpriram mais de um século a legislação internacional. Hoje, na vanguarda da indústria farmacêutica mundial, forçam a alteração dessas leis para que os países não exijam, em troca do patenteamento, a produção local do invento e sua descrição completa, que propiciaria o desenvolvimento tecnológico nacional7.

28. A abertura indiscriminada da economia e outras medidas de cunho neoliberal destroem o país. O plano se mantém a custa dos juros estratosféricos. A ajuda aos bancos em mais de 12 bilhões de reais contribuiu no crescimento da dívida pública federal em mais de 120% em 15 meses (de dezembro de 1994 a março de 1996)8. Esta política econômica beneficia o grande capital financeiro e comprime gastos com a área social. De 1995 para 1996, a participação dos gastos com saúde e saneamento caiu de 6,17% para 5,16% e das despesas com educação e cultura, de 3,82% para 3,30%9.

29. A proposta do governo de revisão da Constituição de 1988 revela outra face da implantação do neoliberalismo, a investida contra os direitos sociais garantidos aos trabalhadores. FHC e seus seguidores propõem descaradamente o desmonte do sistema de seguridade social pregando o fim da universalidade no atendimento à saúde, a privatização do SUS e do Sistema de Vigilância Sanitária e a alteração na legislação de previdência social.

30. A reforma constitucional, parte integrante do plano, também avilta a soberania nacional, ataca os direitos dos trabalhadores e torna ainda mais formal a democracia existente no Brasil. Propõem a desestruturação dos sindicatos, através da aprovação do fim da unicidade sindical (um único sindicato por categoria, por ramo de atividade e etc), a restrição ao direito de greve e o esvaziamento das entidades, inclusive com o fim das contribuições sindicais. Greves e movimentos de trabalhadores são brutalmente reprimidos e sindicatos são condenados a inexplicáveis indenizações, caso do movimento dos petroleiros. Trabalhadores rurais em luta pelo direito à terra são recebidos a bala pelos latifundiários e o governo é conivente com tal situação. Tragédias como a de Eldorado dos Carajás, chacinas intermináveis de menores de rua em São Paulo e no Rio de Janeiro, mortes nas clínicas de Caruaru e Santa Genoveva dão prova de que FHC não governa para o povo.

31. A educação também é alvo do projeto neoliberal através do sucateamento das universidades públicas, da elitização do ensino via desregulamentação dos reajustes das mensalidades e do não-incentivo à pesquisa e extensão.

32. Recentemente o governo mostrou do que é capaz para continuar no poder, sem ao menos consultar a população sobre uma questão histórica para o Brasil: aprovou a reeleição, da forma mais antidemocrática possível. Nunca houve reeleição no país, nem mesmo na ditadura militar, mas FHC esqueceu disso. O governo e seus aliados não esconderam a troca de favores, ameaças de demissão de apadrinhados, “caça” de parlamentares no aeroporto de Brasília, cobrança de empresários nos gabinetes, pressão de governadores e prefeitos nos corredores do Congresso Nacional, negação do acesso da população às galerias do plenário, notícias triunfalistas plantadas nos meios de comunicações para pressionar os indecisos. Tudo foi feito pelos governistas para reunir a maioria de deputados e senadores que aprovaram a emenda. O Congresso Nacional e o Palácio do Planalto foram um verdadeiro balcão de negócios com a finalidade de romper uma tradição secular de nosso direito e alterar uma norma básica de ordem política e democrática.

33. Com a aprovação da emenda da reeleição, a formação de um esquema político em torno de FHC se consolida criando um novo quadro político no país. O presidente lança-se em campanha eleitoral. Momentaneamente fortalecido, governa com a perspectiva de exercer um novo mandato, faz plano de longo prazo e desvenda os verdadeiros propósitos do seu governo. Com uma base maior no Congresso Nacional, há perspectivas de aprovar todas as reformas prevista pelo projeto neoliberal.

34. As estripulias governamentais em torno da reeleição não constituem um episódio isolado. Com a edição e a reedição de centenas de medidas provisórias, o Poder Executivo esvaziou o Poder Legislativo. Com apoio dos parlamentares governistas, o Executivo dita a pauta do Legislativo e interfere na escolha das mesas da Câmara e do Senado. O Poder Judiciário também já foi pressionado por ministros do governo na competência que lhe cabe de salvaguardar os direitos coletivos e individuais garantidos pela Constituição.

35. Todas essas atitudes do governo causam perplexidade e levam a um recuo na democracia revigorada por ampla participação popular e impõem um modelo político de presidencialismo imperial, autoritarismo civil e liberdades restringidas. Tudo submetido a uma orientação econômica que preconiza a integração submissa do Brasil na nova ordem internacional, a pressão avassaladora sobre as empresas nacionais e a revogação de direitos históricos conquistados pelos trabalhadores. Em resumo, com a perspectiva da reeleição aprofunda-se a posição antidemocrática, antipopular e antinacional do governo FHC, que assume definitivamente seu reacionarismo e a missão em que foi investido pelo imperialismo internacional e pelos setores mais expressivos das classes dominantes nacionais: executor da estratégia neoliberal no país.

36. Vale destacar que mesmo com a ofensiva neoliberal de FHC, os trabalhadores deram uma demonstração de força na greve geral de junho de 1996, com a adesão de 12 milhões de assalariados; foi a primeira resposta unificada ao governo. Já o Movimento dos Sem-Terra (MST), através de permanentes e corajosas ações pela reforma agrária, constituiu-se no principal foco de resistência de massas ao governo.

37. O 2° Congresso da Fenafar procura apresentar à categoria um plano de lutas coerente com as necessidade de contraposição ao projeto neoliberal. Lutando pela unificação de todos os trabalhadores, estudantes e suas entidades com objetivo de construir um projeto econômico e político alternativo ao projeto neoliberal. As associações de farmacêuticos, os sindicatos e conselho regionais não podem limitar suas ações à esfera corporativo-econômica. A superação da atual política das classes dominantes será fruto da atividade organizada de todos os brasileiros e suas entidades.

Referências Bibliográfica:

 

PUPO, Fernando, Neoliberalismo: promessas e realidade, Revista Princípios, São Paulo, n° 20, abril de 1991;

FOSTER, John Bellamy, Trabalho e Capital Monopolista vinte anos depois, Revista Princípios, São Paulo, n° 43, janeiro de 1997;

ALMEIDA, Milton B. de & VASCONCELOS, Nilton, Trabalho e qualidade total, Revista Princípios, São Paulo, n° 43, janeiro de 1997;

FERNANDES, Luis, Os mitos da globalização e os desafios do desenvolvimento, Revista Princípios, São Paulo, n° 43, janeiro de 1997;

GOMES, Luiz Marcos, Construindo o Estado do mal-estar social, Revista Princípios, São Paulo, n° 43, janeiro de 1997;

Neoliberalismo e os Trabalhadores, documento da Corrente Sindical Classista;

Conjuntura Nacional e Mercado de Trabalho, Teses do 2° Congresso do Sinfar-SP;

Nuevas Tecnologias, Difusion Sectorial, Empleo y Trabajo en Brasil: Un Balance, documento da Organização Internacional do Trabalho, Prealc, agosto de 1990;

CANO, Wilson, Reflexões Sobre o Brasil e a Nova (des)ordem Internacional, Revista Atenção, São Paulo, ano II, nº 4, outubro de 1991;

 

Notas:

 

1 – “O Neoliberalismo e os Trabalhadores”, documento aprovado pela Corrente Sindical Classista, São Paulo/1996.

2 – Relatório Sobre Desenvolvimento Mundial, Banco Mundial, 1995.

3 – “O Neoliberalismo e os Trabalhadores”, São Paulo, 1996.

4 – Tese do 2° Congresso do Sinfar, 1996.

5 – Fundação Serviço Estadual de Análise de Dados.

6 – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos

7 – Revista Atenção, ano 2, n° 4, 1996

8 – “O Neoliberalismo e os Trabalhadores”, São Paulo, 1996.

9 – Folha de S. Paulo, de 13 de fevereiro de 1997.