Os planos de Biden para a Saúde

O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou postura oposta à de Trump para o enfrentamento à covid: ampla testagem da população e uma rede de 100 mil pessoas para rastreamento da doença. Há dificuldades à frente, mas mudança de agenda é notável — e deixará Bolsonaro a descoberto.

 

 

Durante seu discurso de vitória, Biden anunciou que pretende lidar desde já com a pandemia. A dúvida é qual será o estrago até a posse, que acontece no dia 20 de janeiro. Nos últimos quatro dias, os Estados Unidos vêm registrando números inauditos nessa crise sanitária, com mais de cem mil diagnósticos diários. Por lá, já são quase dez milhões de casos e 240 mil mortes. E a situação deve recrudescer ao longo das próximas dez semanas.

De qualquer forma, o democrata deve nomear hoje cientistas e especialistas que farão parte de uma força-tarefa sobre covid-19 que trabalhará durante a transição. De acordo com o STAT, o painel será composto por gente que já estava participando da campanha, como David Kessler, diretor do FDA entre 1990 e 1997, e pessoas ligadas à administração Obama. O objetivo do grupo será traçar um plano de ação para ser implementado depois da posse.

Algumas coisas desse plano já estão definidas – e são audaciosas, seja pelo alcance, seja pelo desafio político num país tão federalista quanto os EUA. Biden exigirá o uso de máscaras em todas as instalações federais e em todos os transportes interestaduais, o que é mole e só depende de uma canetada. Mas ele também quer influenciar os governadores a tornarem obrigatório o uso da proteção, algo bem mais difícil.

No campo das grandes promessas, está a criação de uma rede nacional de rastreamento de contatos que contará com “pelo menos” cem mil colaboradores. Biden também prometeu oferecer diagnóstico grátis à população, estabelecendo, no mínimo, dez centros de testagem em cada estado.

Dar um jeito no abastecimento de insumos necessários ao enfrentamento do coronavírus parece ser mesmo uma intenção do democrata, que deve lançar mão da Lei de Produção de Defesa. Sancionada na época da Guerra da Coréia, a lei permite que o presidente ordene a fabricação de determinados produtos. A norma foi invocada por Trump em março, mas a avaliação geral é de que o presidente não fez uso dela para valer. 

No médio prazo, Biden promete expandir o acesso a esquemas de seguro de saúde subsidiados pelo Estado. O Affordable Care Act, mais conhecido como Obamacare, foi criado para ampliar o rol de cobertura aos mais pobres – e tem como desafio justamente a adoção de critérios menos restritos, já que muitas pessoas vulneráveis não têm direito a requisitar sua entrada no programa hoje. A iniciativa foi atacada durante todo o governo Trump, e a posição do presidente certamente impulsionou a resistência entre os estados. Em 2018, 20 deles – liderados pelo Texas – moveram uma ação na Suprema Corte visando anular trechos essenciais da lei federal. A ação ficou conhecida como “Califórnia versus Texas” porque o governo Trump simplesmente não defendeu a constitucionalidade da lei, que teve de ser socorrida pela Califórnia. A ação volta a ser julgada agora em novembro, e a maioria conservadora na Corte pode criar complicações nessa seara. 

A ação também é simbólica do que um presidente não pode fazer nos EUA, e já há declarações de procuradores estaduais no sentido de barrar novas investidas federais na ampliação da cobertura de saúde.

Biden também sinalizou que vai atuar no setor privado propriamente, para evitar que “milhões de americanos que sofrem os efeitos colaterais de longo prazo da covid não enfrentem prêmios mais altos ou negação de seguro saúde devido a esta nova condição pré-existente”. 

No cenário internacional, os democratas querem fortalecer estratégias de vigilância em saúde propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para monitorar riscos de novas pandemias. O diretor-geral da Organização, Tedros Adhanom, tuitou um parabéns a Biden e sua vice, Kamala Harris, com direito a ponto de exclamação. Não é para menos, já que a administração Trump anunciou uma saída teatral da OMS.

Fonte: OutrasPalavras