Congresso Extraordinário: Valorizar o SUS é garantir direito à saúde, emprego e renda

O Congresso Extraordinário da Fenafar que aconteceu nesta quarta-feira, 09 de junho, teve como tema central: Democracia, Saúde e Trabalho Digno. O cientista social e técnico do Dieese, Douglas Ferreira foi o palestrante convidado. Ele discorreu sobre o Farmacêuticos e o Complexo Econômico Industrial da Saúde, que abordou entre outros aspectos, o impacto da pandemia e dos processos de automatização e digitalização nas relações de trabalho do setor. 

Raio X do Complexo Econômico Industrial da Saúde

Na primeira parte de sua exposição, Douglas Ferreira trouxe um panorama atualizado do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS) no Brasil. Primeiro, delimitou o conceito de CEIS, segundo o qual os serviços de saúde estão vinculados à ideia de desenvolvimento nacional, uma vez que é um setor que gera valor, renda, emprego e amplia o acesso e a qualidade dos serviços da saúde, além de aprofundar a soberania nacional e é composto por três pilares: comércio, indústria e serviços. 

Segundo dados levantados por sua pesquisa, em 2019 o trabalho do CEIS representava 7,5% do total da mão de obra no Brasil. Em 2020 essa proporção subiu, segundo projeção para 9%, “porque em situações de crises sanitárias há uma demanda por mão de obra vinculada ao setor”, disse.

Douglas trouxe dados mostrando a curva de envelhecimento da população brasileira e chamou a atenção que sobre como a mudança demográfica vai demandar mais cuidados de saúde e, portanto, mais profissionais voltados para os serviços de saúde.

Os impactos da desindustrialização

A produção de riqueza, no caso do CEIS está vinculada à produção industrial (fármacos, equipamentos médicos, odonto-hospitalares). E é esse o setor do segmento que vem perdendo mais empregos e se retraindo devido ao processo de desindustrialização, destacou Douglas. Veja abaixo a tabela.

A Balança Comercial deficitária neste setor, conforme mostrou o pesquisador do Dieese, revela a dependência externa que o país possui da produção de fármacos, de materiais e equipamentos e como o país não é capaz de ter uma indústria sustentável para prover pelo menos o que consome. “Dos medicamentos e produtos químicos importados 80% estão com patentes vencidas, ou seja, poderiam estar sendo produzidos no país, estimulando o fortalecimento da cadeia produtiva nacional, gerando mais independência e alterando essa balança comercial negativa”, avalia.

Douglas chama a atenção sobre o papel essencial da indústria para estabilizar a prestação dos serviços para atendimento à população. “O país não ter capacidade de produção para suprir a demanda nacional gera graves problemas, como vimos agora na pandemia, quando ficamos sem respiradores por exemplo e precisamos ir ao mercado internacional para adquirir equipamentos, ficando reféns de preços e dificuldades geradas pela alta demanda e seus impactos no mercado internacional”, exemplificou.

“A indústria também é o berço das inovações tecnológicas, negligenciar a indústria da saúde é negligenciar a saúde”, afirmou o pesquisador, alertando que “os farmacêuticos têm um papel essencial na indústria da saúde, seja no desenvolvimento de novas tecnologias, novos medicamentos, geração de novas patentes”.

Perfil do trabalho no CEIS

Douglas também trouxe dados sobre o perfil do trabalho nos diferentes setores do Complexo Econômico e Industrial da Saúde, com recorte para os profissionais farmacêuticos.

Ele mostrou as disparidades na remuneração dos profissionais farmacêuticos de acordo com a área de atuação. “A média salarial da categoria no ano de 2019 foi de 3.700,00. As remunerações que estão acima da média são as atividades vinculadas diretamente à indústria. Esses são números do mercado formal”, alertou. Veja tabela abaixo sobre a distribuição da categoria por área de atuação e as diferenças salariais.

Além disso, também há a disparidade salarial de gênero. O setor é comporto por 72% dos profissionais mulheres, no entanto, o salário médio das farmacêuticas é levemente menor (R$ 3.689,00) do que o recebido pelos homens farmacêuticos (R$ 3.734,00).

Mais da metade dos trabalhadores estão vinculados ao comércio varejistas, com 56% da categoria trabalhando nas farmácias.

Outro dado interessante trazido por Douglas é a distribuição da categoria por tamanho de estabelecimento do comércio varejista. A maioria da categoria está empregada em estabelecimentos pequenos, que possuem entre 0 a 4 funcionários (61%). E nos grandes estabelecimentos o número de farmacêuticos se reduz consideravelmente. Veja tabela.

“Esse número é importante para começarmos a pensar o impacto da digitalização no setor. Como pode se dar a substituição de mão de obra. Os pequenos estabelecimentos podem ser muito impactados pelos fluxos do e-commerce, porque quem está atuando nesses espaços são as grandes redes. Assim, os pequenos estabelecimentos podem dispensar farmacêuticos e até fechar em função da mudança dos hábitos de consumo da população, que vai se voltando para o digital”.

E, no cenário de flexibilização de direitos e diversidade das formas de contratação, o processo da uberização das realações de trabalho vão impactar muito nessa dinâmica de transformar os trabalhadores em plataformas.

“Na compra por plataforma, por exemplo, 1 farmacêutico pode atender a um fluxo enorme de dispensação de medicamentos e podemos ver como a tecnologia está impactando as relações de trabalho”, explica Douglas.

Outro exemplo do impacto da digitalização e automação trazido por Douglas, foi a dinâmica das poli-farmácias. “Numa das entrevistas que realizamos discutimos como a poli-farmácia na pandemia foi substituída por um software que conseguia fazer a interação dos medicamentos num mesmo paciente”. Ou seja, num processo de adaptar a infraestrutura do serviço de saúde para a demanda que se tinha. Em alguns lugares, ao invés de contratar mais farmacêuticos, o hospital ou serviço de saúde adotou ferramentas digitais que faziam cálculos de interação medicamentosa, o que diminuiu a quantidade de contratação de farmacêuticos.

Veja tabela com as probabilidades da digitalização e automação por perfil profissional no Complexo Econômico Industrial da Saúde.

Ao abordar os impactos da pandemia sobre o trabalho no setor, Douglas traz um dado desolador. O número dos desligamentos por morte dos empregados celetistas que atuam no segmento da saúde cresceu assustadoramente entre o 1º trimestre de 2020 e o 1º trimestre de 2021. Veja Tabela:

Desafios

Douglas alerta que todo esse processo ocorre no contexto de precarização das relações trabalhistas, impostas por leis que retiraram direitos como a Reforma Trabalhista, a Lei da Terceirição, a Reforma da Previdência, a Medida Provisória (MP 1046/2021) que instituiu o Teletrabalho, entre outras. Tudo isso impacta na remuneração, nas condições de trabalho e garantia de direitos (13º, Férias, Licença Maternidade, etc).

Para ele, o governo precisa mudar a sua visão econômica, assim como está ocorrendo em praticamente todo o mundo. “Vemos no mundo a retomada de políticas de intervenção estatal inclusive nos países que pregavam o liberalismo econômico. Plano Biden está promovendo uma injeção de recursos públicos na economia de 4,25 trilhões de dólares. Aumentado a proporção dívida interna PIB na economia”.

Por exemplo, “a vacina da Oxford/AstraZeneca teve 97% do seu financiamento proveniente do Estado. Por isso não temos uma vacina no Brasil. Não é por falta de capacidade dos cientistas, mas por falta do engajamento do poder público deixando o país refém. Ou seja, o Brasil e o Paulo Guedes estão fazendo exatamente o inverso. Austeridade e estado mínimo é algo que acontece praticamente só no Brasil”. Veja o gráfico da produção mundial de vacinas.

Ou seja, para Douglas o Estado precisa rever sua política e fortalecer o SUS. Não apenas pelo aspecto da promoção social de uma política pública de saúde. Mas também como como ferramenta econômica de desenvolvimento social que vai impactar na melhoria de vida da população, gerando além de melhor atendimento de saúde, emprego e renda e trazendo mais dignidade ao povo brasileiro. 

Da redação