Por falta de investimentos, SUS pode ‘morrer de asfixia’, segundo especialista

Maior sistema de saúde pública do mundo sofre com jogo político, e média orçamentária do país destinada ao setor é menor do que na África, diz OMS.

“Há seis meses, meu marido aguarda por uma consulta com um urologista pelo SUS. A gente já imagina que deve ser pedra no rim por causa das dores. Todos os dias, ele reclama de dor. Mas a gente depende do governo, não tem como fazer nada além de esperar”. Esse é o relato da dona de casa Guilhermina da Rocha, de 57 anos, que mora na região do Capão Redondo, em São Paulo. Mas, poderia ser de o qualquer morador do Rio de Janeiro, Ceará, Amazonas, Mato Grosso ou Paraná, afinal, histórias sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), como a de dona Guilhermina, se repetem e não são de exclusividade de um só estado.

Reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o maior sistema gratuito e universal do mundo de Saúde Pública. E o serviço faz jus ao mérito: sete a cada dez brasileiros recorrem ao SUS quando surge algum problema de saúde, o que gera mais de 1 bilhão de consultas médicas e mais de 4 bilhões de procedimentos ambulatoriais, executados anualmente. Tudo isso, com um investimento de menos de R$ 120 bilhões, o que, de acordo com a OMS, é considerado bem abaixo da média mundial.

“Dentro de uma sociedade onde tudo é comprado, o SUS vem com a lógica de fazer saúde e não vender. A saúde não é uma mercadoria. E, apesar de receber um volume de recurso absolutamente menor do que o necessário, ainda atingimos resultados bastante significativos em relação a índices de mortalidade infantil, expectativa de vida e enfrentamento de grandes epidemias”, ressaltou o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Ferreira dos Santos.

Embora em menor quantidade, há alguns pacientes que parecem satisfeitos com o atendimento, como é o caso da aposentada Maria Leonilda Barbieri, de 64 anos. “Tenho pressão alta, colesterol e diabete. Me considero bem atendida, na medida do possível. Mas sei que, na realidade, em geral não é bem assim.”

Os aposentados Daisy lentos, 73 anos, Theophilo Helio Lentos, 77 anos, também dizem que, apesar da lentidão para marcar exames e conseguir algumas consultas, há médicos bem preparados e atenciosos. “Faço tratamento no Instituto do Câncer de São Paulo e amo. O pessoal aqui é nota 10 ”, afirmou Theophilo Lentos.

No entanto, infelizmente, na data conhecida como o Dia Nacional da Saúde, celebrada neste sábado (5), a maioria da população não tem tantos motivos assim para comemorar. Isso porque, de acordo com Santos, o sistema público de saúde nacional corre sérios riscos de ser extinto.

“Um sistema tão robusto como esse pode morrer de ‘asfixia’. E um dos maiores problemas se dá pela disputa intensa por parte do Estado entre atender às politicas públicas que defendam a democracia e acatar aos interesses da atividade econômica”, declarou o presidente do CNS.

Falta de recursos

De acordo com dados mais atuais da OMS, em 2014, apenas 6,8% do orçamento público do governo federal foi destinado à Saúde. A taxa, que vem caindo desde 2010, já que não há nenhuma lei que determine um percentual mínimo reservado para o SUS, está muito abaixo da média mundial, que é de 11,7%.

Para ilustrar, os investimentos do Brasil são menores do que o que é gasto, em média, na África, que dispõe 9,9% dos orçamentos nacionais para a área. Nas Américas, a média é de 13,6%, enquanto a Europa disponibiliza, em média, 13,2%. Em países como Suíça, Estados Unidos e Uruguai, os custos representam taxas de 22%, 21,3% e 20%, respectivamente.

Recentemente, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, informou que os recursos anuais destinados ao serviço público, somados os esforços da União, dos estados e dos municípios, giram em torno de R$ 246 bilhões. Enquanto que, na área privada, o montante atinge R$ 270 bilhões.

No entanto, o presidente do CNS ressalta que a União já não colabora como antes para fechar essa conta. “As dificuldades são tantas, que os municípios é que estão financiando boa parte do nosso sistema de saúde. Enquanto o Governo Federal anuncia diversas obras e entregas de hospitais e equipamentos, são os municípios que trabalham para a manutenção dos recursos”.

Segundo o conselho, em 1991, o financiamento do SUS era feito com 12% vindos dos municípios, 15% dos estados, e 73% da União. Depois de 15 anos, as responsabilidades mudaram. Em 2014, os municípios arcaram com 31%, os estados com 26% e a União com 43%.

Pilares do sistema

O resultado dos problemas causados pela falta de verba está escancarado aos nossos olhos, e não precisa ser nenhum especialista para que seja notado. “Já presenciei pessoas internadas, deitadas em macas esperando em corredores, nas salas de espera junto de pessoas que passam por pronto-socorro. Inclusive, as refeições são realizadas ali mesmo. Fora a falta de medicamento. Tudo é muito precário”, contou a professora Marcia Souza, 52 anos.

A história também se repete com a aposentada Iracema Matilde Antunes Munhoz, de 60 anos. “O que eu posso falar é sobre a demora das consultas, o intervalo entre uma e outra. Os corredores são abafados e cheios de gente, nunca tem remédio e as informações não são claras”, reflete.

Quando o assunto é o relacionamento entre paciente e médico as reclamações continuam. “Já cheguei a ir ao pronto-socorro com o osso fraturado, e o especialista nem olhou para o meu braço. Me deu uma injeção e me mandou para casa. Por causa da demora para diagnosticar, tive complicações, precisei voltar e buscar outro profissional para me ajudar. Agora, estou há três meses afastado do trabalho e sem renda”, lamentou o ambulante, Rodrigo Almeida Sampaio, 47 anos.

“É caótica a situação do sistema público de saúde brasileiro. Falta tudo: infraestrutura para trabalhar, materiais básicos, hospitais e postos que não sejam sucateados. Há lugares em que o médico não tem nem onde lavar as mãos. E o cenário é, basicamente, o mesmo em todo o território nacional”, declarou o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso.

Ele defende que, além da questão assistencial, ainda há três outros problemas que colaboram para a atual situação do SUS. “Estamos falando só da assistência, que é o que a população percebe. Mas saúde não é só isso. Há outros três pilares que precisam de mudanças: gestão, pesquisa e ensino”, afirmou Cardoso.

Na avaliação do presidente da associação, há uma má administração do sistema, onde, na maioria das vezes, questões políticas são levadas mais em conta do que a necessidade da população, o que contribui para uma gestão desqualificada e ineficiente.

Para Cardoso, em relação ao ensino, fica clara a falta de preparo dos profissionais da área. “As escolas estão formando médicos sem qualificação, com inexperiência, para atuar com a vida das pessoas”, apontou ele.

A falta de investimento em pesquisas também é um dos motivos que faz com que a medicina brasileira não tenha melhores resultados. “Muitos pacientes perdem oportunidade de serem tratados com o que é novo, por falta de políticas públicas que financiem nossos estudiosos”, completou.

Futuro do SUS

Uma estrutura de tamanha grandeza não é tão simples de ser reerguida. Segundo os especialistas, não há uma fórmula mágica capaz de fazer com que a situação melhore de maneira gradativa em poucos meses. Porém, com há a esperança de que ainda é possível reverter o quadro de um sistema tão forte e com potencial para ter ainda mais motivos de ser lembrado pelas autoridades internacionais.

No ano que vem, o SUS completa 30 anos de existência e, o que deveria ser um motivo de orgulho, hoje é visto com preocupação. Desde 1988, quando o sistema foi criado pela Constituição Federal Brasileira, mudou-se muito: a política, as necessidades, a estrutura, os valores e, até mesmo, a maneira como a saúde pública é vista pelos brasileiros. Mas, conforme lembrou o presidente da CNS, os conceitos de democracia ainda são os mesmos.

“É preciso unir forças sociais e políticas para defender o direito à saúde. Só assim encontraremos um rumo que respeite o estado de direito, ou então estaremos fadados a voltar no tempo e conviver com indigência, o ressurgimento de epidemias, fechamento de serviços e a saúde virando commoditie para grupos econômicos acumularem riqueza”, finalizou Santos.

Fonte: Saúde – iG
Publicado em 07/08/2017