Mulheres lutam contra a violência na política na América Latina

Na América Latina, as mulheres ocupam 27,3% dos cargos locais como membros do conselho ou vereadores, um aumento de 6,5% nos últimos 10 anos.

 

 

Como ativista dos direitos das mulheres indígenas no sul do México, Elisa Zepeda Lagunas experimentou o tipo de violência que calaria as pessoas. Ela foi arrastada para a praça da cidade e quase cortada até a morte com uma machete, sua casa foi incendiada e seu irmão foi morto.

“Fomos emboscados… para impedir o movimento que eu liderava”, explica Zepeda Lagunas, de 34 anos. “Eles me disseram: ‘isso é o que acontece quando você se envolve em assuntos que não lhe competem.’ …Me torturaram e fizeram coisas que ainda tenho dificuldade em falar.”

Em números

Um estudo de 2016 sobre sexismo, assédio e violência contra mulheres no parlamento de 39 países em cinco regiões e 42 parlamentos concluiu:

. 81,8% das mulheres sofreram violência psicológica;

. 46,7% temeram por sua segurança e a de sua família;

. 44,4% receberam ameaças de morte, estupro, espancamento ou sequestro;

. 25,5% sofreram violência física.

Zepeda Lagunas, no entanto, não parou com o seu ativismo. Ela perseverou e buscou um cargo público, sendo eleita como a primeira prefeita do município de Eloxochitlán de Flores Magón, no Distrito de Teotitlán do Estado mexicano de Oaxaca, em 2016. Em julho de 2018, foi eleita para o Congresso do Estado de Oaxaca.

“Apesar de todos os riscos, me candidatei porque é uma ótima oportunidade para elevar minha voz a um nível maior, como legisladora, e temos muito trabalho a fazer”, diz ela. “É essencial que eu ocupe esses espaços e conseguir abri-los para outras pessoas. ”

Atualmente, na América Latina, as mulheres ocupam 27,3% dos cargos locais como membros do conselho ou vereadores, um aumento de 6,5% nos últimos 10 anos.

Mas a jornada não tem sido fácil para as mulheres na América Latina, onde o assédio, as ameaças e até a morte fazem desta uma escolha de carreira arriscada.

Inclusive na inovadora Bolívia, onde as mulheres representam 53,1% do parlamento – a terceira maior porcentagem a nivel mundial – e 44,1% dos vereadores locais (em 2014).

Bolívia

“A nossa foi uma batalha conduzida nas ruas, nas prisões, com golpes… Custou muito sangue e muitas mortes”, explica Leonida Zurita, que iniciou sua carreira política como ativista sindicalista antes de se tornar a primeira mulher em liderar a Assembléia Regional em Cochabamba em 2015. Em 2017, ela foi nomeada Presidente da Associação de Mulheres Representantes de Departamentos do Estado Plurinacional da Bolívia (AMADBOL), criada com apoio técnico e financeiro da ONU Mulheres.

Zurita diz que a representação melhorou muito para as mulheres, graças à legislação e a uma nova Constituição, mas o assédio e a violência política permanecem desenfreados.

O assassinato em 2012 da vereadora boliviana local Juana Quispe – que apresentou queixas de assédio e estava defendendo uma lei para proteger as mulheres políticas da violência – e o assassinato do vereador local Daguimar Rivera Ortiz, alguns meses depois, alimentou as demandas por uma lei para combater a violência contra as mulheres em política.

A lei marco da Bolívia contra o assédio e a violência política contra as mulheres (Lei 243) foi aprovada em 2012, tornando-se a primeira – e ainda a única – lei autônoma do seu tipo no mundo. A ONU Mulheres forneceu assistência técnica e financeira para esta legislação, que prevê sentenças de prisão de dois a cinco anos para quem pressiona, persegue, assedia ou ameaça uma mulher que exerce funções públicas, e até oito anos de prisão por cometer agressão física, psicológica ou sexual.

Mas as reformas legais da Bolívia “não mudaram os sistemas patriarcais ou a cultura do machismo da noite para o dia e a reação contra as mulheres na política foi rápida e generalizada”, explica Katia Uriona, ex-presidente do Tribunal Eleitoral do Estado Plurinacional da Bolívia. Uma parceira de longa data da ONU Mulheres, ela participou de uma Reunião do Grupo de Especialistas sobre Terminar com a Violência contra as Mulheres na Política coorganizada pela ONU Mulheres em março de 2018.

Um estudo recente da Rede de Coordenação das Mulheres da Bolívia (Coordinadora de la Mujer), beneficiária do Fundo das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero, revelou que entre 65% e 70% das mulheres parlamentares tem sido vítimas de assédio e violência política.

“O triste é que essas formas de assédio político e violência são absolutamente naturalizadas na política e fazem parte da cultura política, tanto dos partidos políticos como do próprio sistema democrático”, afirma a Diretora Executiva da Coordenadora da Mulher, Mónica Novillo.

Em 2017, a ONU Mulheres prestou assistência ao Supremo Tribunal Eleitoral da Bolívia, para criar um Observatório para a Paridade Democrática contra o Assédio e a Violência Política. Ele monitora a paridade de gênero e sua dimensão intercultural e os direitos políticos das mulheres. Também rastreia e conscientiza sobre a participação política das mulheres, incluindo o problema da violência, e gera dados.

Como parte dos esforços contínuos, uma lei sobre a paridade nos partidos políticos bolivianos – com uma seção sobre violência contra as mulheres na política – foi apresentada à Assembléia Legislativa em junho de 2018 e aprovada em 1º de setembro último.

Brasil

No Brasil, as mulheres políticas enfrentam riscos semelhantes, e mulheres afro-descendentes e indígenas têm sido duplamente alvejadas. Em março de 2018, o assassinato de Marielle Franco, vereadora da cidade do Rio de Janeiro de 38 anos e uma conhecida defensora afrodescendente dos direitos humanos, conquistou manchetes globais e despertou muita comoção e indignação.

A ONU Mulheres tem trabalhado em conjunto com parceiros apoiando os esforços de sensibilização para aumentar a conscientização sobre essa violência, inclusive durante o processo de impeachment contra a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, destacando várias situações de violência política dirigida contra ela durante 2015 e 2016.

Em parceria com a sociedade civil e prefeituras locais, a ONU Mulheres tem atuado para tornar a violência contra as mulheres na política mais visível antes e durante os processos eleitorais, e para promover a participação política das mulheres. Como parte da iniciativa Brasil 50-50 para alcançar a paridade de gênero na política, a iniciativa de jornalismo de dados denominada “Gênero e Número” está aumentando a visibilidade das mulheres negras, indígenas e LBTI gravemente sub-representado nas arenas políticas e discutido a violência política contra as mulheres.

“É necessário trazer os direitos das mulheres para o centro do debate público nas eleições”, diz Nadine Gasman, Representante da ONU Mulheres no Brasil. “A ONU Mulheres desenvolveu plataformas para que os/as candidatos/as brasileiros/as se posicionem e se comprometam com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com um foco na igualdade de gênero. Sabemos que não podemos alcançar o desenvolvimento sustentável sem a participação igualitária de homens e mulheres na política ”.

Honduras

Em Honduras, a vereadora de San Pedro Sula, Fátima Mena Baide, enfrentou repetidas ameaças e agressões. Aos 28 anos, com um filho de um ano, fundou um partido político, concorreu e foi eleita para o Parlamento em 2014.

Quando ela concorreu à prefeitura em 2017, recebeu uma série de mensagens de texto e através das mídias sociais de perfis falsos, dizendo a ela para cuidar de seu filho no lugar de se candidatar, ou ameaçando a sua segurança pessoal e de seu filho. Ela foi atacada fisicamente: um congressista concorrendo à reeleição a puxou pelos cabelos e ela foi impedida de fazer campanha em certos distritos porque havia uma ordem para matá-la.

“O que mantém as mulheres firmes é saber que o que elas estão vivendo é violência política contra elas, porque elas são mulheres”, diz Mena Baide, quem também discursou na Reunião do Grupo de Especialistas organizada pela ONU, em março. “A polícia nem sempre está consciente de que isso representa violência política. [Eles] nem conhecem o termo.

Mena Baide denunciou às autoridades, mas a polícia nunca apresentou um relatório/inquérito. Relatar os incidentes dentro de seu próprio partido também se mostrou inútil. Ela diz que apenas grupos de mulheres e a comunidade internacional mostraram seu apoio tangível.

México

“Se ‘proteção’ significa tirar a mulher do emprego, então quem ganha?”, pergunta María del Carmen Alanis Figueroa, uma professora visitante na Harvard Law School, e que foi a primeira mulher presidente do Tribunal Eleitoral do México.

Na Reunião do Grupo de Especialistas, em março, ela detalhou os esforços do México para proteger as mulheres políticas na ausência de uma lei específica.

“Devemos aplicar sansão sobre o perpetrador, o partido. A proteção das mulheres na política não significa afastá-las da política. Precisamos fazer algo diferente – isso é reparação”, ela disse.

Em 2014, um passo adiante foi dado quando o México aprovou um Protocolo judicial federal para tratar a violência política baseada em gênero contra a mulher (e o atualizou em 2017), tendo como principal autoridade o Tribunal Eleitoral. A ONU Mulheres México também contribuiu para o desenvolvimento de um Protocolo modelo para abordar a violência política contra as mulheres com base no gênero alinhada com o protocolo federal, para o estado de Oaxaca, que estimulou outros protocolos estaduais no país.

“O protocolo é como uma declaração política reconhecendo que há um problema e há instituições dispostas a agir…” diz a especialista em política e gênero Mónica Maccise Duayhe, Chefe da Unidade de Igualdade de Gênero e Não Discriminação do Instituto Nacional Eleitoral do México. “Pelo menos nos permite coordenar e temos um instrumento homogêneo. Mas o protocolo não é suficiente. Precisamos de mecanismos adicionais para suprir as lacunas ”.

Apesar de ter mais de 4.000 candidatas para os vários níveis de governo nas recentes eleições de julho de 2018, Maccise Duayhe aponta que apenas 38 casos de violência política com base no género foram reportados a nível nacional, dos quais apenas três resultaram em medidas de proteção. Ela acredita que mais mulheres denunciariam tal violência se houvesse uma lei, ou sanções mais vigorosas em funcionamento.

“Mas você não pode confiar apenas na mudança legislativa, ou em um mecanismo ou protocolo”, diz ela. “Precisamos de melhor coordenação institucional. Nós precisamos treinar juízes. É um processo.”

Maccise Duayhe, que também liderou o Programa de Igualdade de Gênero para a Suprema Corte do México, ajudou a conseguir o compromisso de nove partidos políticos mexicanos para se juntarem à campanha HeForShe da ONU Mulheres antes das últimas eleições. Eles se comprometeram a promover os direitos das mulheres em suas plataformas, garantir a paridade em suas diretivas e combater a violência política baseada no gênero.

A ONU Mulheres México trabalhou para fortalecer as capacidades de governos, organizações da sociedade civil e mulheres políticas, por meio de fóruns de treinamento regional e sua participação em espaços como o Observatório para a Participação Política das Mulheres e o Grupo de Trabalho sobre Violência Política contra Mulheres.

De volta a Oaxaca, Zepeda Lagunas está entre as 23 mulheres (vis-à-vis 19 homens) que agora compõem a maioria do Congresso do Estado de Oaxaca.

As eleições de julho do último ano tiveram um número recorde de mulheres eleitas em todo o México, incluindo 48,2% da câmara baixa do Congresso federal e 49,2% do Senado – a terceira e quarta maior taxa global.

“Queremos iniciar uma escola de treinamento para o empoderamento político das mulheres nos 41 municípios do meu distrito”, diz Zepeda Lagunas. “Nós também queremos tipificar a violência contra as mulheres na política, porque as sentenças não estão sendo executadas nos poucos julgamentos que foram iniciados…

Aos poucos, estamos seguindo em frente, e sinto que tem valido a pena.”

Fonte: Brasil de Fato