Movimento antivacina reflete crise civilizatória

Caiu em todo o mundo, nos últimos quatro anos, a confiança na imunização. O obscurantismo cavalga na percepção sobre práticas escusas da indústria farmacêutica e no negacionismo que promove o direito do indivíduo acima do da sociedade.

Um trabalho publicado pelo periódico The Lancet avaliou a confiança nas vacinas em geral em 149 países com base em entrevistas com 284 mil pessoas – em alguns casos, os dados permitem ver como isso evoluiu de 2015 até 2019. 

No geral, os autores observaram que extremismo religioso, movimentos antivacina, instabilidade política e multiplicação de notícias falsas impactam a confiança. Eles dizem, por exemplo, que a queda acentuada na Indonésia foi provocada em parte por alguns líderes muçulmanos que começaram a questionar a segurança das vacinas de sarampo, caxumba e rubéola e instituíram um decreto religioso proibindo a vacinação.

O Brasil está no grupo dos países onde mais da metade da população acredita fortemente na segurança, na eficácia e na importância dos imunizantes. Mas isso piorou no período estudado: houve queda de 73% para 63% na parcela que acredita que as vacinas são seguras; de 75% para 56% nos que acreditam em sua eficácia; e de 92,8% para 88% nos que acreditam que elas são importantes para crianças. 

“A América Latina, e o Brasil inclusive, foi vista por muito tempo como tendo uma blindagem à desconfiança em vacinas. Mas sabemos que a confiança em vacinas é algo muito volátil, e esse perfil vem mudando. Se os responsáveis não prestarem atenção, isso pode se reverter em queda na cobertura vacinal”, diz uma das autoras, Clarissa Simas, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Outros países aparecem com quedas muito mais acentuadas – e de certa forma, mais justificadas também. As Filipinas estavam entre os dez países onde havia maior confiança em 2015, e em 2019 aparece em 70º lugar. Acontece que, lá, a farmacêutica Sanofi distribuiu largamente sua vacina contra dengue para, depois, reconhecer que o produto poderia na verdade piorar a doença em crianças que nunca haviam sido infectadas. Dez crianças morreram.

O presidente Jair Bolsonaro decidiu explorou o sentimento antivacina usando uma criança em suas transmissão ao vivo. Contracenando mais uma vez com uma youtuber mirim, tentou claramente induzir declarações receosas por parte da menina: “Você gosta de tomar vacina?”, e “Você tomaria qualquer vacina, sem comprovação científica?”, perguntou ele. Como a criança só respondia de maneira afirmativa, ele reforçou que as vacinas contra covid-19 em desenvolvimento “ainda não têm uma comprovação científica“. Como se alguém estivesse dizendo o contrário… E como se ele se importasse com esse tipo de comprovação.

Uma campanha publicitária promovida pelo governo Bolsonaro, com recursos públicos, estimulou a ideia de que é um direito individual a decisão de vacinar ou não as crianças, ignorando diretrizes nacionais e internacionais na área de Saúde pública. Pesquisadores do Brasil e do mundo já consideram o movimento antivacina uma das principais ameaças à saúde pública na atualidade.

 Da redação com informações de OutraSaúde