Ameaças à Atenção Primária em Saúde e a nova carteira de serviços

O presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, analisa em artigo a proposta da carteira de serviços apresentada pelo Ministério da Saúde. Ele alerta para os riscos de rompimento das diretrizes fundamentais que norteiam o SUS se o modelo proposto for aplicado. “A carteira de serviços proposta incorpora pouco dos atributos primordiais de orientação familiar, orientação comunitária, trabalho multiprofissional, gestão participativa e competência cultural. Estes são atributos importantes para uma abordagem territorial e populacional para que, além da atenção, a promoção e proteção da saúde se efetivem”. Leia na íntegra.

 

 

por Ronald Ferreira dos Santos

O modelo da Estratégia da Saúde da Família, com equipe multiprofissional e abordagem territorial e comunitária, tem tido impactos positivos na saúde da população brasileira evidenciados em diversas pesquisas e em manifestações oficiais de todos os continentes, como aconteceu em Astana, no Cazaquistão, em outubro de 2018. 

Esse modelo vem sendo aperfeiçoado constantemente ao longo do desenvolvimento do próprio SUS. As Ações e Serviços da Atenção Primária em Saúde evoluíram na medida que buscaram atender os Princípios e Diretrizes do SUS. Essa evolução foi garantida porque a atividade econômica saúde, ao longo dos últimos anos, colocou na mesa de negociações atores que até então apenas faziam parte do cardápio. A incorporação da participação dos Municípios (descentralização), da comunidade (participação social), dos profissionais da saúde (integralidade), dos agentes reguladores (proteção) entre outros, construiu um singular sistema de saúde, que sistematicamente é colocado como referência para o mundo, principalmente pela eficiência com que o setor público de saúde faz seus negócios e desenvolve as ações e serviços com pouco mais de R$ 3,60 habitante/dia. 

Políticas e órgãos que compõem esse sistema, como Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Núcleo de Assistência Saúde da Família (NASF), a Política de Assistência Farmacêutica, a Politica de Vigilância em Saúde, os conselhos locais de saúde, o Conselho Nacional de Saúde, entre muitos outros, são frutos saborosos e nutritivos que os novos atores que sentaram na mesa do negócio saúde trouxeram.

Saúde como centro e não a doença, o Território, a Equipe, a Participação, o Planejamento e o Financiamento Público foram as cartas mais utilizadas por estes atores, cartas decisivas para redesenhar o sistema de saúde brasileiro, principalmente na estruturação da Atenção Primaria em Saúde. Por isso, não podemos permitir que simplesmente joguem no incinerador nossas cartas, e tão pouco nos expulsem da mesa, como nos parece que são os propósitos da nova PNAB e da proposta da carteira de serviços.

A carteira de serviços proposta incorpora pouco dos atributos primordiais de orientação familiar, orientação comunitária, trabalho multiprofissional, gestão participativa e competência cultural. Estes são atributos importantes para uma abordagem territorial e populacional para que, além da atenção, a promoção e proteção da saúde se efetivem. A carteira proposta baseia-se em alguns atributos importantes, todavia uma Atenção Primária à Saúde (APS) efetiva deve buscar o equilíbrio entre o cuidado individual e o cuidado coletivo. Desta abordagem integral dependem os efeitos positivos da APS na saúde da população, bem como o respeito aos preceitos constitucionais que regem o negocio, a atividade econômica saúde no Brasil. 

Respeitar a Democracia, o Estado Democrático de Direito é o primeiro passo para fazer com que o SUS e em particular a Atenção Primária à Saúde  avancem na direção de atender as necessidades do povo brasileiro.