Políticas de Saúde com equidade para promover direitos e cidadania

O Conselho de Representantes da Fenafar, realizado em São Paulo, convidou a ex-coordenadora do Departamento de Apoio a Gestão Participativa do Ministério da Saúde, Katia Souto, para falar sobre as políticas de equidade desenvolvidas no âmbito do governo federal para enfrentar o preconceito e construir políticas públicas de saúde para mulheres, negros, população LGBT’s e o povo das florestas, águas e campo.

O debate “A defesa das minorais – O avanço do retrocesso nas conquistas e direitos do Povo Brasileiro” aconteceu no contexto de extinção do Ministério dos Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos e de manifestações do ministro interino da Saúde, Ricardo Barros, sobre a necessidade de se repensar o tamanho do Sistema Único de Saúde, que mostram os riscos de retrocesso e a necessidade de luta.

Kátia Souta iniciou sua palestra lembrando que há menos de 30 dias “nós estávamos discutindo quais os novos avanços que nós precisávamos ter. Um exemplo disso foi o movimento Saúde+10, que colocava a nú a necessidade de mais investimentos para o SUS. Hoje vemos os riscos que vivemos por um golpe. Tem gente que se incomada com esta palavra, mas não há outra, é um golpe. Vários juristas de renome internacional têm reconhecido isso. Temos que lutar pela defesa do Estado Democrático de Direito, para defender os direitos civis, sociais, trabalhistas conquistados nos últimos anos”, afirmou.

Foi apresentada as várias políticas com recortes sociais para promover equidade que foram desenvolvidas pelo Ministério da Saúde a partir de indicadores coletados sobre quais as principais dificuldades de acesso aos serviços de saúde. “E a maior parte dos indicadores mostrava que o acesso é mais limitado para as mulheres e mulheres negras, o que revela o rascismo e o machismo, os recortes de raça e da localidade, ou seja, como se dá o acesso das pessoas que das cidades, do campo, das florestas ou das águas”.

No caso das políticas de saúde para as mulheres, Kátia mostrou o desafio histórico de se desenvolver um olhar científico e de cuidado que levasse em consideração as peculiaridades da mulher. “O sistema de saúde se organiza para cuidar deste olhar feminino, materno-infantil e que vai incedir na concepção de quais medicamentos se vai utilizar. Temos, por exemplo, o anticoncepcional feminino, porque nunca se discutiu o anticoncepcional masculino. Por outro lado, a ciência foi atrás de um medicamento para homem, o viágra. Isso é resultado de uma construção social. Porque se nós não tivermos o olhar de equidade não vamos combater as desigualdades. Outro exemplo, não existe hoje um retroviral que leve em consideração que as mulheres têm mais osteoporose do que os homens, e alguns dos medicamentos interagem com o cálcio. Então tem mulheres que precisam escolher se vão virar um saco de pó ou se vão viver com aids. A mesma coisa com a população negra para pensar o medicamento que não interaja com o medicamento para doença falsiforme, ou então a necessidade de se pensar a dosagem do medicamento retroviral para crianças, porque tem a transmissão vertical”.

Olhar os invisíveis

Kátia mostrou também como as políticas públicas deram visibilidade aos setores invisíveis, como os quilombolas. “Foi a partir do governo Lula que a população negra e quilombola começa a ser identificada, a se olhar essa população que não era reconhecida. O que isso tem a ver com a Saúde? Tudo! Porque a política de equidade dava visibilidade. O recurso da política de equidade fala do lugar do sujeito político, mas o recurso está em todas as secretárias. Foi preciso mostrar que as unidades básicas do quilombo tinha que receber 50% mais de recursos do que os outros grupos de estratégia da família, porque eles são mais distantes, porque tinha ausência de saneamento, casas inadequadas, com proliferação de malária, doença de Chagas e outras situações de adoecimento. Doenças não da condição de ser negro, como no caso da doença falsiforme que tem maior insidência nessa população, mas pela condição de subalternidade e exclusão social. Um país plural, diverso, que estava invisível e que repercurtiu pelas políticas adotadas no governo Lula e Dilma e as políticas de saúde foi uma porta de entrada disso”.

Na medida em que o governo foi colocando na agenda política e social do país estes temas, a reação foi imediata. “As manifestações racistas foram inacreditáveis. O que nós recebemos nas nossas redes sociais foi absurdo. E isso voltou a acontecer, também, com a chegada dos médicos cubanos”.

A outra política de equidade enfrentada pelo governo foi com relação à população LGBT. “Optamos trabalhar com os seguimentos de mais vulnerabilidade, os homens trans. Partimos do debate dde que a identidade de gênero é uma construção social. Nascemos seres humanos e vamos construindo o que é ser feminino e ser masculino. E que o Estado precisa reconhecer o direito destas pessoas a terem atenção à saúde. Várias destas pessoas faziam hormonioterapia e usavam silicone industrial não adequados e que levavam ao adoecimento”. Kátia lembra que o preconceito que precisa ser superado em todas as esferas para trabalhar com essa população, a partir de suas necessidades, é brutal.

Outro recorte das políticas de equidades que foram desenvolvidas no interior do Ministério da Saúde foi desenvolver políticas diferentes para as populações que vivem no campo, na floresta e nás águas. “São populações que sofrem com a dificuldade de acesso e com o preconceito, com a invisibilidade, porque seus modos de vida e produção são distintos. Neste caso, o Programa Mais Médicos levou cidadania para estas localidades. Há também a riqueza do conhecimento destas pessoas, que utilizam os fitoterápicos e os medicinais”, diz Kátia..

Ao final, Kátia Souto mostrou que é fundamental este olhar múltiplo para a política de saúde. E superar a visão equivocada de quem diz que saúde onera o Estado. “Depois das armas a principal indústria do mundo é a de saúde, é a farmacêutica e o Brasil tem essa diversidade enorme. Nós temos que saber colocar esse conhecimento e a política de saúde a serviço da sociedade e do desenvolvimento do país. A tendência de esconder o preconceito é usar o discurso da falta de recursos”.

Dalmare Anderson de Sá, diretor de Juventude e Direitos Humanos da Fenafar falou brevemente sobre a categoria farmacêutica e como desenvolver essa discussão entre os farmacêuticos. “Somos uma categoria formada principalmente de mulheres, brancas, de classe média baixa. Há apenas 12% de negros na nossa categoria. E claro que a pesquisa não traz a orientação sexual, porque isso pouco importa no mundo do trabalho. Ninguém está preocupado em saber as dificuldades para a população trans conseguir um trabalho. Tem também o problema da nossa formação. O farmacêutico não está preparado para lhe dar com estas situações. Ele carrega todo este preconceito, desde a formação. Por isso, é fundamental que assim como desenvolvemos aquela campanha importantíssimo do Sou Mulher, Sou Farmacêutica, Tenho Direitos, temos que pensar como desenvolver e ampliar essa campanha para outras áreas que são invisibilizadas”.