Defender a democracia e derrotar o golpe

Na reunião do Conselho de Representantes da Fenafar, que teve início nesta quinta-feira (19) e segue até o dia 21, em São Paulo, é unânime a percepção de que o atual momento do país é um dos mais graves da história. A democracia encontra-se ameaçada, mais uma vez, e a sociedade é novamente chamada a lutar para defender conquistas e direitos sociais.

por Renata Mielli, de São Paulo

 

“A violação da regra do jogo para atender às elites conservadoras do país não é um fenômeno próprio do Brasil. Aqui na América Latina, algumas iniciativas deste tipo já ocorreram, como em Honduras e no Paraguai. Outras tentativas semelhante também foram feitas, mas não tiveram sucesso no Equador, atacando o presidente Rafael Correa, contestação permanente contra Evo Morales na Bolívia, e na Venezuela, onde se chegou as vias de fato com um golpe militar que foi rápidamente derrotado, mas depois seguiu-se a onda de contestação das eleições no país”, recupera em sua intervenção o deputado federal Orlando Silva (PcdoB-SP), convidado pela diretoria para fazer uma apresentação do quadro político geral.

Orlando procurou traçar um breve histórico da evolução política no Brasil desde a década de 50 para ilustrar que, aqui, “sempre que as forças conservadoras são derrotadas e não conseguem voltar ao poder pela via do voto, elas usam destes instrumentos para retomar o poder, inclusive com o apoio de outros países”. A diferença que o deputado destaca entre a situação atual e a que precedeu o golpe de 64, por exemplo, é que agora “não se manda mais para cá a quarta frota com um navio. Mudou o tempo, mudaram as formas e as instituições”.

O parlamentar buscou mostrar que o que está em curso “não é típico do Brasil e também não é inédito no Brasil. Em certa medida o governo Getúlio Vargas, que foi importante para garantir a conquista de um ambiente de direitos para os trabalhadores, um governo que era cheio de contradições, conhecido por ser o pai dos pobres e a mãe dos ricos, também passou por um processo semelhante. A solução que Vargas encontrou foi o suicídio porque ele não tinha o comando das forças armadas e do parlamento. Depois o João Goulart foi afastado pelas forças armadas com o apoio do parlamento e do Supremo Tribunal Federal. Então, não nos supreendamos se o STF apoiar a interrupção do processo democrático em curso, não será a primeira vez”, afirmou Orlando.

Desde o início da redemocratização, em 1985, este é o o mais largo período de experiência democrática no Brasil. Orlando Silva disse que “Nós somos parte de uma geração que vive o país neste contexto, de forte violação das regras democráticas”, e explica: “Porque dizemos que é um golpe político? Não é por retórica, é porque não há fato, não há crime de responsabilidade que seja imputável à presidenta da República. O recurso do impeachment em si não é golpe, porque no artigo 85 da Constituição diz que, uma vez cumprido determinados requisitos, um presidente pode ser afastado. Esses requisitos remetem à lei 1079/50. Mas neste rito que aconteceu no Brasil não foi o que está escrito nesta lei e na Constituição.

Orlando explicou que nem os decretos de suplementação orçamentária e nem as pedaladas fiscais se constituem em violações às leis orçamentárias, não são crime de responsabilidade fiscal e todos estes dois mecanismos foram utilizados por todos os ex-presidentes e, inclusive Michel Temer assinou decretos deste tipo, enquanto estava no exercício da função de presidente, em valores maiores.

“A democracia é o império da lei, a lei que vale para todo mundo, até o direito ao voto. Quando você não faz cumprir a lei, você viola a democracia e o Estado Democrático de Direito”, afirmou o deputado que considera que o processo de impeachment começou no dia 26 de outubro. “Questionaram a urna eletrôncia, o resultado, pediram a cassação da chapa no Supremo, condenação das contas eleitorais até chegarem ao impeachment”.

“Mas a votação do dia 17 incomodou. As pessoas passaram a conhecer o parlamento que temos. A partir dali o humor da população foi mudando. A votação constrangeu muita gente. E quando foi se percebendo que sai a Dilma e entra o Michel Temer mais gente ficou preocupada. Quando se percebeu que sai Dilma e entra Temer e Cunha as pessoas ficaram mais indiganadas. Vai se ampliando a percepção da população sobre os reais motivos deste governos que emerge das sombras. Eles querem fazer um atalho para aplicar uma agenda que foi derrotada nas urnas, o povo teve a chance de escolher e não concordou com o que eles apresentavam”.

Sobre o governo interino que nesta quinta completou uma semana, Orlando avalia que “Temer assumiu com radicalidade toda a agenda neoliberal dos anos de 1990. Quando eles viram que tinha uma chance de implacar o impeachment o PMDB escrevereu um documento para firmar os acordos com o grande capital. A virada se deu quando os empresários assumiram a agenda do impeachment. Nesse documento eles resgataram todo o ideário anterior. Estado mínimo que foi derrotado politicamente. Vão retomar as privatizações, com um programa nacional de desestatização coordenado por Moreira Franco. Eles vão liquidar os bancos públicos que foram fundamentais para enfrentar a crise econômica. Isso para não falar da Petrobras e do Pré-Sal. O ministro interino da Educação, Mendonça Filho, é autor de um projeto para acabar com o sistema de partilha. Este é um governo que vai enfraquecer o Estado Nacional, um governo que na economia vai ser ultraliberal, não querem nem maquiar nada. Pegaram o economista chefe do Itaú e colocaram na presidencia do Banco Central – Meirelles e Goldfarb – essa dupla vai atender quais interesses?”, questionou.

No campo social, Orlando mostrou que teremos uma agenda regressiva. “Vocês viram o que falou o Ricardo Barros, ministro interino da Saúde, que não faz mais a remota ideia do que é o SUS, do que significa o SUS, da referência internacional que ele é mesmo com todas as suas limitações. O ministro da Educação já defendeu introduzir a cobrança de mensalidades nos cursos de pós-graduação. O governo suspendeu contratos do Minha Casa, Minha Vida”. E o deputado chama a atenção que todas essas medidas são amparadas por um Congresso Nacional dominado pela bancada da bala, do boi e dos fundamentalistas “porque misturam de modo banal política e religião e tentam impor uma concepção obscura de mundo. Uma bancada comandada por controle remoto pelo Eduardo Cunha”.

Resistência democrática floresce e se multiplica

“Mas, ao mesmo tempo que vivemos esta onda conservadora nós produzimos uma energia coletiva democrática muito importante. Nosso desafio é manter a chama democrática, e a relevância de temas importantes, como essas belíssimas manifestações das mulheres indignadas por que o Brasil voltou 40 anos no passado. Muita juventude nas ruas. Um dos desafios que temos é compreender um tempo diferente, um tempo de redes sociais que produzem manifestações de uma forma diferente, precisamos dialogar com essas manifstações”, afirmou Orlando Silva.

Ele também falou da importância da união do campo popular e democrático que tem a esquerda, os partidos de esquerda e amplos setores democráticos e progressistas da sociedade organizados em frentes, como a Frente Brasil Popular, para defender a democracia e os direitos.

O deputado lembrou, ainda, que há a batalha no Senado. “O Senado ainda não julgou, é difícil mas não é impossível reverter a situação do impedimento no senado”. Ele também avalia que apesar dos posicionamentos do STF, não podemos abandonar a disputa no campo jurídico. “Os movimentos sociais e a sociedade precisão seguir em movimento, para dar à Presidenta Dilma condições de governabilidade a partir das regras democráticas”.

Orlando Silva também disse que o seu partido, o PCdoB, levantou a bandeira da realização de um plebiscito para consultar o povo se devemos ou não antecipar as eleições presidenciais. “A possibilidade de um Plebiscito traz a possibilidade para o que tenho chamado de energia democrática se manter unida e em luta. É uma forma de dar perspectiva à nossa luta, à nossa resistência. Devemos permitir que a soberania nacional e popular se manifeste. É preciso devolver ao povo o direito de decidir seu rumo. Não podemos permitir que 367 deputados e 55 Senadores desautorizem 54 milhões de brasileiros. O papel dos movimentos sociais agora é fundamental, é preciso incitar a sociedade a manter-se mobilizada. As palavras agora são luta e mobilização”, conclamou Orlando ao finalizar sua apresentação.

Após sua intervenção seguiu-se o debate onde representantes de sindicatos e diretores da Fenafar apresentaram as dificuldades de diálogo com a categoria mas, ao mesmo tempo, a disposição de luta e de defesa dos direitos dos trabalhadores e da Saúde Pública, bandeira que a Fenafar tem carregado em toda a sua história.

Até o final da reunião do Conselho de Representantes será aprovada uma resolução da Federação Nacional dos Farmacêuticos sobre a situação política e o papel dos farmacêuticos neste contexto.