Entidades lançam carta em defesa da saúde coletiva e da bioética

A Fenafar e outras entidades publicam carta defendendo às orientações da Organização Mundial da Saúde para combater a Covid 19 e repudiam a postura do presidente Jair Bolsonaro. Leia na íntegra abaixo.

 

Carta das entidades de saúde coletiva e de bioética à população brasileira
Imprescindível o respeito aos direitos humanos e ao conhecimento científico na resposta urgente à Covid 19

Dando continuidade à nota publicada em 24 de março, as entidades signatárias desta carta vêm à público reforçar seu posicionamento contrário ao pronunciamento do Presidente da República em cadeia nacional de rádio e televisão e à fragilização reforçada no dia 25 de março pela equipe técnica do Ministério da Saúde, contrariando as adequadas medidas e recomendações inicialmente adotadas para o estágio atual da disseminação da Covid.

Como é de conhecimento geral, os primeiros casos da doença surgiram na América Latina com certo retardo em relação à China e aos países europeus. No Brasil, o primeiro caso ocorreu no dia 26 de fevereiro e, na Argentina, em 3 de março de 2020, quando a Covid-19 já se configurava como pandemia.

A Organização Mundial da Saúde vem traçando diretrizes de enfrentamento da doença a partir do momento em que foi caracterizada sua magnitude e relevância para todo o mundo. A estratégia de isolamento físico das pessoas, baseada em evidências científicas robustas, tem sido adotada na grande maioria dos países afetados. Em alguns casos, como Itália ou Espanha, tais medidas foram adotadas tardiamente, do que derivam as consequências dramáticas que vimos acompanhando pela imprensa e em publicações científicas internacionais.

Diferentes instituições governamentais, profissionais de saúde e pesquisadores apontam evidências científicas sobre a existência de grupos sociais mais vulneráveis à doença, tanto pela idade, pelas condições de trabalho (profissionais de saúde, de limpeza e trabalhadores do comércio de itens essenciais) quanto pelas condições socioeconômicas (por exemplo, desempregados, subempregados, em situação de rua, privados de liberdade). Neste último caso, mais que vulneráveis, são grupos vulnerados, ou seja, incapazes de se protegerem adequadamente do coronavírus pelas condições desfavoráveis de vida e pelo abandono social/institucional.

Dentre as várias ações que podem minimizar a vulnerabilidade da sociedade brasileira e a vulneração de diversos grupos sociais, e oferecer condições adequadas para o país enfrentar a pandemia estão: (a) o distanciamento físico imediato entre as pessoas para diminuir a velocidade de contágio; (b) a proteção do Estado, viabilizando alimentação e suporte financeiro imediato e adequado para atender às necessidades básicas das populações vulneradas; (c) a ampliação imediata do financiamento e das condições de funcionamento do SUS; (d) a garantia de equipamentos de proteção individual e de condições de trabalho para os profissionais de saúde e a todas e todos aqueles que necessitam estar nas vias públicas para os serviços essenciais; e (e) o estímulo e o financiamento imediato de condições para o desenvolvimento de pesquisas relativas à doença, nos diferentes âmbitos do conhecimento científico.

No entanto, em nome da economia brasileira e de interesses financeiros de alguns setores sociais, posicionamentos vêm sendo veiculados relativizando a necessidade do isolamento social como forma de controle do impacto da doença na sociedade. Assusta quando essa conduta negacionista à ciência e contrária às orientações de instituições sanitárias nacionais e internacionais é assumida pelo governo, conforme visto nos pronunciamentos recentes e reiterados do Presidente da República e do Ministro da Saúde. Vale enfatizar que para o enfrentamento da pandemia, o Brasil conta com a experiência dos erros e dos acertos das políticas públicas dos países nos quais a epidemia se iniciou antes e não pode se furtar a considerá-los na definição de suas ações.

Não há dúvida de que a crise econômica será uma das consequências da pandemia de Covid-19, uma vez que requer isolamento social para ser controlada. No atual cenário, o custo econômico é um dos aspectos a serem ponderados, porém de caráter secundário em relação ao custo social e o valor da vida humana que são prioritários. Esse é o preço a se pagar para que muitas vidas sejam salvas e para que no futuro a economia também possa ser recuperada. É preciso investir muito mais no Sistema Único de Saúde e nas universidades públicas que produzem ciência e tecnologia. É preciso produzir equipamentos para salvar vidas – mais respiradores, mais leitos; mais estratégias de proteção para os trabalhadores da saúde; mais profissionais de saúde no SUS; mais pesquisas em medicamentos e vacinas.

Ressaltamos que será necessário que nos unamos para exigir o necessário investimento em estratégias sociais para realmente reverter as imensas desigualdades sociais e a pobreza que ainda caracterizam a sociedade brasileira. Além disto, exigimos que o estado deverá proteger as pessoas que precisam continuar trabalhando durante a pandemia, em especial, os trabalhadores da saúde que expõem suas vidas para salvar outras vidas.

Reiteramos nosso repúdio à condução irresponsável do ocupante da cadeira de presidente em relação à saúde pública.

Exortamos as instituições da República a reagir em relação à flexibilização do isolamento ratificada pelo Ministério da Saúde e interromper esta irresponsabilidade, retornando as medidas de contenção cientificamente demonstradas para o adequado enfrentamento neste momento crítico da pandemia.

26 de março de 2020

Assinam esta carta as seguintes entidades:

Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Associação Brasileira de Enfermagem – ABEN
Associação Brasileira de Fisioterapia do Trabalho – ABRAFIT
Associação Brasileira de Ensino Odontológico  – ABENO
Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva – Abrasbuco
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
Associação Brasileira de Saúde Mental
Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais- ABRATO
Associação Brasileira de Nutrição – Asbran
Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais – ANPOCS
Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES
Conselho Federal de Seviço Social Cfess
Conselho Federal de Nutricionistas CFN
Federação Nacional dos Farmacêuticos Fenafar
Federação Nacional dos Enfermeiros FNE
Federação Nacional dos Nutricionistas FNN
Núcleo de Estudos em Sociologia, Filosofia e História das Ciências da Saúde – NESFHCS/UFSC
Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva – NUPEBISC/UFSC
Red Latinoamericana y del Caribe de Derechos Humanos y Salud Mental
Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados de São Paulo
Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional
Rede Unida
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
Sociedade Brasileira de História da Ciência – SBHC
Sociedade Brasileira de Sociologia – BSB
Sindicato dos Servidores do Sistema Nacional de Auditoria do Sus UNASUS SINDICAL