Controle de preços dos medicamentos é responsabilidade sanitária

De modo geral, os preços são livres no Brasil. Uma das exceções são os medicamentos, que têm preços regulados desde o início deste século porque, de acordo com o IBGE, representam parcela relevante do gasto familiar e seu uso racional salva vidas. Controlar seus preços é responsabilidade sanitária, portanto.

Os países que possuem sistemas de saúde universais contam com mecanismos para regular os preços dos medicamentos. Com a tendência global de alta nos preços, esses mecanismos de controle estão sendo aperfeiçoados como ocorre atualmente na Alemanha, Canadá, França, Reino Unido, entre outros. A Organização Mundial da Saúde recomenda a regulação de preços de medicamentos com o objetivo de garantir o acesso equitativo aos mesmos pelos usuários e sistemas de saúde. Considera fundamental – também – que seja garantido o estímulo à inovação, ao mesmo tempo em que se garantam preços justos para esse insumo tão essencial.

Entre nós, lamentavelmente, está sendo construída uma proposta que fragiliza a regulação de preços de medicamentos. Caso seja posta em prática, terá impacto negativo para as famílias, governo e saúde suplementar. Acaba de ser formalizada a “Consulta Pública SEAE nº 02/2021 – Critérios para Precificação de Medicamentos” oriunda do Ministério da Economia, que carece de uma fundamentação técnica da análise de impacto regulatório e que implicará em aumentos de preço.

Atualmente, o controle de preços é realizado pela Câmara de Regulação de Preços de Medicamentos (CMED), presidida pelo Ministério da Saúde e com secretaria executiva sediada na ANVISA. Tudo indica que na nova proposta quem passará a dar as cartas é o Ministério da Economia. Portanto, os preços saem da órbita sanitária para a órbita econômica. Qual o sentido dessa mudança?

É, sem dúvida, positivo estimular a capacidade inovativa da indústria farmacêutica brasileira, intenção aparente do texto apresentado, que pretende bonificar os preços de medicamentos que apresentem “inovações incrementais”. Porém, além de uma definição frouxa dessas “inovações”, a consulta carece de argumentos técnicos que calibrem a bonificação.

Não há qualquer razão para que a Secretaria Executiva saia da esfera de competência da saúde (ANVISA) onde se desenvolve um trabalho técnico sério para o Ministério da Economia. De resto, as dificuldades de inovação na nossa indústria estão em outro lugar que não o controle de preços realizado pela CMED. Ao fim e ao cabo, a aprovação dessas mudanças resultará em aumento das margens de lucro das empresas, às custas do aumento de preços.

É fundamental manter o controle de preços na esfera sanitária, com vistas a garantir o equilíbrio entre o estímulo à inovação, competitividade e a garantia do acesso e da sustentabilidade do SUS. Quando um destes pilares é retirado, quem sofre é a população. Exigimos a suspensão da Consulta e a abertura de amplo processo de discussão.

*Assinam esse artigo:

Rosana Onocko Campos, presidente da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Lúcia Souto, presidente do Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Erika Aragão, presidente da  Abres – Associação Brasileira de Economia da Saúde
Túlio Franco, coordenador geral da Associação Rede Unida
Dirceu Greco, presidente da SBB – Sociedade Brasileira de Bioética
Marilena Lazzarini, presidente do Conselho do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Lenir Santos, presidente do Idisa – Instituto de Direito Sanitário Aplicado
Valéria Santos Bezerra, presidente da SBRAFH – Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde
Ronald Ferreira dos Santos, presidente da FENAFAR – Federação Nacional  dos Farmacêuticos
Zeliete L. L. Zambon, presidente da SBMFC –  Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade

Artigo publicado no portal do jornal Folha de S. Paulo em 25/08/2021 – acesse aqui a publicação original.