Quebra de Patentes: e se o veto de Bolsonaro cair?

Chances de Brasil tornar-se grande produtor de vacinas são reais. Em meio à pandemia, farmacêuticas isolaram-se. Emergem casos como o da África do Sul, que ousou produzir sem licença e conquistou apoio da OMS

 

 

Há grande expectativa no Congresso em relação à possível derrubada dos vetos de Bolsonaro a pontos da lei que permite quebrar patentes de vacina, em situações de emergência. O texto foi promulgado parcialmente pelo Senado em 3 de setembro. Os vetos provocaram grande desgaste para o governo. Há amplo apoio no Brasil e na comunidade global ao aumento da oferta de imunizantes, e a nova lei brasileira – uma conquista importante – poderia contribuir muito para reduzir o déficit de produção corrente.

No Congresso também existe apoio. As maiorias conservadoras estão conseguindo barrar a derrubada dos vetos, mas os setores democráticos não estão sem opções. A aprovação da lei foi positiva, diz seu criador, o senador Paulo Paim (PT). Ele ressalta que teve ajuda providencial dos presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. Assim como dos líderes partidários e das bancadas do legislativo. Um grupo expressivo de 240 entidades de todo o mundo enviou cartas de apoio à lei. Ela está como que suspensa, com todo o arcabouço jurídico instituído para quebrar o monopólio das corporações farmacêuticas, mas sem a chave de ouro: a entrega obrigatória da tecnologia de fabricação pelos fabricantes.

A Organização Mundial do Trabalho (OMC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) esse ano fizeram declarações públicas de apoio à quebra de patentes, que, acreditam, beneficiaria todo o planeta. O senador Paim fez menção a essa percepção, comemorando que o Brasil pode se tornar “um exemplo para o mundo”. O especialista Felipe de Carvalho concorda. Acha que Bolsonaro, alinhado aos interesses das farmacêuticas, contraria a tendência mundial. Como membro do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), ele lembrou à Agência Pública que em maio desse ano, o presidente americano Joe Biden declarou apoio à medida, e o Parlamento Europeu fez o mesmo logo depois.

Ao mesmo tempo, jovens cientistas sul-africanos ousaram começar a construir a sua própria fábrica de imunizantes, utilizando a tecnologia do RNA-mensageiro, patenteada pela Moderna. Ou seja: seu ato, que em condições normais seria taxado de “pirataria”, driblou a indústria farmacêutica e tem apoio material da OMS – que fornece materiais e conhecimentos. O escândalo do apartheid vacinal tornou o passo possível: metade da produção de vacinas fica com os países desenvolvidos. Apenas 0,7% chega aos menos favorecidos. “Não podemos mais depender dessas superpotências”, declarou à imprensa o biotecnólogo Emile Hendricks.

Aos 22 anos, ele é um dos talentos da Afrigen Biologics and Vaccines, a empresa que quer fazer a engenharia reversa do imunizante da Moderna. Trata-se de descobrir o processo de fabricação do produto a partir das informações públicas, por meio de técnicas adequadas. A OMS ajuda, tentando ampliar o acesso global à tecnologia do RNA-mensageiro, uma inovação importante na arte de provocar reações de defesa do organismo.

No caso do Brasil, caso sejam derrubados os vetos, a lei prevê que nossa produção de vacinas seja distribuídas aos países pobres. A Afrigen pretende compartilhar abertamente o conhecimento que vier a ser obtido em seu país. Claro: as grandes farmacêuticas globais, donas do mercado, são contra. “Já estão começando a dizer que não temos capacidade para fazer o que queremos” diz o diretor da Afrigen, Petro Terblanche. “Mas vamos mostrar a eles.”

Fonte: Outras Palavras, por Flávio Dieguez
Foto de capa: Spencer Davis / Pixabay