Farmacêutico: Trabalhador da Saúde. Os serviços farmacêuticos e a garantia do direito social á saúde.

Reforçar a compreensão de que o farmacêutico é um profissional da saúde tem sido uma constante nos debates desenvolvidos pela Fenafar. O tema é tão caro à entidade que permeia todas as suas pautas políticas, como a redução da jornada de trabalho para 30 horas, a conquista do piso salarial nacional e o debate em torno do papel do farmacêutico nas políticas de saúde.

 


 

por Renata Mielli, de Florianópolis 

 

Esse foi o assunto discutido nesta segunda mesa de debates durante o 7º Congresso da Fenafar, que contou com a participação da presidenta da Fenafar, Célia Chaves, do assessor técnico do CFF, José Maldonado, de Marco Aurélio Pereira, coordenador geral de gestão do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde e Arnaldo Marcolino, da direção nacional do Diesat – Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho.

 

O representante do CFF trouxe dados da profissão farmacêutica. São 157 mil farmacêuticos no Brasil e 82 mil farmácias registradas. Dos farmacêuticos inscritos no CFF, 68% são mulheres e 85% dos postos de trabalho existentes no país estão nas farmácias e drogarias privadas. Ainda segundo Maldonado, a taxa de crescimento dos profissionais vem crescendo na ordem de 8 a 10% enquanto o número de estabelecimentos se mantém estável.

 

Acabar com a cultura da automedicação 

 

Maldonado criticou veementemente o que chamou de “cultura da automedicação” e condenou o fato de o Brasil ter mais farmácias do que padarias. Somos um dos países do mundo com mais números de cursos de farmácia, são 416. Nenhum país da Europa tem isso. Todo ano, temos quase 19 mil novos profissionais ingressando por ano na profissão”.

 

Ele destacou que “as farmácias e as drogarias no modelo comercial criminoso que só visa o lucro são, em geral, o primeiro posto de trabalho do farmacêutico. E, ai, ocorre o primeiro momento de crise de identidade do farmacêutico”, avaliou. Por isso, o CFF considera fundamental “discutir o que queremos da farmácia, que modelo de estabelecimentos queremos oferecer para o Brasil. Se o que está em voga é o varejo é a loja, o que queremos oferecer é um estabelecimento que oferece assistência farmacêutica, que presta serviço de saúde. Queremos resgatar a noção de que qualquer coisa que é medicamento pode trazer riscos à saúde, inclusive os MIPs e se pode causar riscos tem que vender em um estabelecimento de saúde e não em loja”, salientou.

 

Neste sentido, Maldonado saudou o veto presidencial para impedir que os medicamentos pudessem ser vendidos nos supermercados. “Lutamos em conjunto para evitar que tivéssemos medicamentos sendo vendidos ao lado de batatas e feijão”.

 

Por fim, disse que “o papel do farmacêutico é lutar pelo Uso Racional do Medicamento independente das decisões dos órgão do governo, de o medicamento estar ou não fora do balcão. O farmacêutico tem que zelar pelo uso racional”.

 

O farmacêutico e a garantia do direito constitucional à Saúde 

 

A presidente da Fenafar, Célia Chaves, procurou demonstrar, em sua apresentação, “como o farmacêutico pode contribuir para que o brasileiro tenha assegurado o direito constitucional de ter o acesso à saúde. Por isso, o foco do nosso debate é a valorização do profissional que têm a responsabilidade com a garantia desse direito social”.

 

Ela fez um apanhado das legislações existentes e que corroboram a visão de que o farmacêutico é um profissional de saúde. E destacou a resolução do Conselho Nacional de Saúde, que reconhece 13 profissões da área da saúde e os farmacêuticos é uma delas. “Mas isso não basta para que a população nos reconheça como tal. O primeiro passo para isso é que o farmacêutico se reconheça como profissional da área da Saúde, isso tem que ser um sentimento incorporado e vivenciado como trabalhadores. Por isso, a importância em se aprofundar esse debate para superar isso. Aliás, alguns farmacêuticos nem sequer se reconhecem como trabalhadores e essa é uma construção necessária”, sublinhou Célia.

 

A presidente da Fenafar lembrou que, uma vez reconhecidos pelo CNS como profissionais de saúde, “temos a garantia de estarmos presentes em vários espaços estratégicos de discussão sobre a saúde, como por exemplo o Fórum Permanente do Mercosul para o Trabalho em Saúde, do qual a Fenafar faz parte. Outra instância é a Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS e a nossa participação nestas mesas tem sido fundamental. E, também, nas instâncias do controle social, nos conselhos nacionais, estaduais e municipais de saúde os farmacêuticos estão presentes representados pela Fenafar e pelos sindicatos”.

 

Célia Chaves salientou que “o direito à Saúde está constitucionalmente garantido em seu art. 6º da Carta Magna. Também na lei orgânica da saúde, 8080/90 – que regulamenta a Constituição – está presente a assistência farmacêutica como uma das políticas integrantes da atenção à saúde. E, desde 2004, temos a Política Nacional de Assistência Farmacêutica constituída”.

 

Contudo, a Lei 5991/73, que trata do comércio farmacêutico, explicita a lógica mercadológica que orientou a concepção sobre o caráter das farmácias e drogarias. “Daí a nossa luta para alterar essa lógica e fazer valer a farmácia e drogaria como estabelecimento de saúde”, disse Célia fazendo referência à luta pela aprovação do substitutivo ao PL 4385/94.

 

Medicamento só atrás do balcão 

 

A presidente da Fenafar criticou o retorno dos MIP’s às gôndolas. “Com a RDC 44/99 demos alguns passos positivos na conquista de uma farmácia como estabelecimento de saúde, definindo quais as prestações de serviços de assistência farmacêutica seriam oferecidas. Ao lado disso, duas IN’s a 9 e a 10 representavam importantes avanços, porque determinavam o que poderia ser ‘comercializado’ nestes estabelecimentos e orientava que todos os medicamentos deveriam estar fora do alcance dos usuários – atrás do balcão. Ambas foram muito comemoradas pela Fenafar. Mas, recentemente a Anvisa revogou a IN 10, o que representa um claro retrocesso no debate sobre que tipo de estabelecimento farmacêutico queremos para a nossa sociedade. O Conselho de Representantes da Fenafar já se manifestou contrário a esta decisão e este Congresso deve também se manifestar sobre isso”, concluiu.

 

Construção coletiva das Políticas de Saúde 

 

Representando o Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde, Marco Aurélio Pereira discorreu sobre as balizas existentes na Lei 8080 que contribuiram para a construção de uma Política Nacional de Medicamentos. Ele destacou a importância da realização da 1º Conferência Nacional de Assistência Farmacêutica “para que pudéssemos falar sobre a nossa opinião sobre o modelo para essa política, opinião não só dos profissionais de saúde e dos farmacêuticos, mas da sociedade, uma vez que essa conferência foi construída nos municípios. Uma política que é parte da Política Nacional de Saúde e que é norteadora de outras políticas, como a Política Nacional de Medicamentos e de Ciência Farmacêutica”, destacou.

 

Para Marco Aurélio esse processo foi fundamental para impedir a descontinuidade de uma política, “porque ela se tornou uma política de Estado, baseada nos princípios e nortes definidos nessa Conferência, e que independente do governo essas são as ações estratégicas a serem implementadas”.

Foi com base nestas decisões que se criou as condições para se constituir um departamento de Assistência Farmacêutica no âmbito da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.

 

O representante do DAF pontuou os investimentos realizados pelo governo nessa área e trouxe dados de uma pesquisa do IPEA sobre como a sociedade avalia o SUS e o acesso ao medicamento. E destacou que a ampliação do acesso precisa ser feito com mais qualidade, levando em conta o perfil do profissional que atua neste processo. “Não existe assistência farmacêutica sem farmacêutico e ai está o desafio, o que queremos deste profissional?”, questionou.

 

A essencialidade do farmacêutico 

 

Encerrando o debate com uma palestra bem humorada, Arnaldo Marcolino do Diesat – Departamento Intersindical de Estudo Pesquisa e Saúde dos Ambientes de Trabalho falou sobre a saúde como uma política social.

 

Ele questionou se os presentes entendiam que eles cumpriam um trabalho social, e o que isso representa: “uma ação coletiva de proteger os indivíduos contra riscos inerentes a vida”. Com depoimentos pessoais e fazendo menções à realidade da população que procura o serviço do farmacêutico, ele destacou o papel da farmácia e do farmacêutico, inclusive no processo de esclarecimento da população que está submetida ao bombardeio publicitário dos laboratórios farmacêuticos e das grandes redes de farmácias e drogarias, que os incentiva a consumir o medicamento. “O farmacêutico é o intermediário entre nós, a nossa doença e o profissional médico”, afirmou.