“Quando se funda uma república, ela vem com a aura da fundação, com o vigor, os valores, as ideias. Com o passar do tempo desgasta, e é necessário, sobretudo em contextos adversos, relembrar as inspirações do início. E o caminho para recuperar a democracia no Brasil é a refundação do Sistema Único de Saúde” disse Juarez Guimarães, cientista político, durante o 8 º Simpósio Brasileiro de Vigilância Sanitária (26/11) , em Belo Horizonte.
A partir desta linha de pensamento, a palestra de Juarez “Democracia no Brasil e seus reflexos na saúde”, foi um convite: aos jovens, que conheçam os pilares do SUS. Aos fundadores, que revisitem as memórias.
O tempo não é inimigo
Para o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, o tempo não é inimigo, é a casa de quem mora na tradição sanitarista e a estrada que reconectará os antigos sonhos – de uma sociedade igualitária, de saúde universal e gratuita – aos novos – a saúde que pensa no todo e também no indivíduo: “Há muitos novos sujeitos andando por aí a procura do SUS – movimentos negros, gays, mulheres, sem terra, indígenas. Precisamos ir ao encontro. Pela tradição sanitarista, nós visitamos os sonhos dos fundadores do SUS, e, antes ainda, os sonhos dos sanitaristas que construíram a primeira sensibilidade de se pensar em política pública, de se pensar no sofrimento do povo brasileiro e de encontrar soluções”, disse à plateia.
Na palestra, dedicada ao patrono da Saúde Coletiva, Sérgio Arouca, Juarez recuperou justificativas consolidadas para o fato do Sistema Único de Saúde não ter atingido, 30 anos após seu fundamento, todo seu potencial como experimento de construção da democracia e reinvenção dos novos direitos para os brasileiros: “A consciência critica da saúde construiu três diagnósticos para os impasses históricos que enredam o SUS: subfinanciamento, sistema mercantil privado, e impasses de gestão”, explicou o professor.
Os estudiosos do campo apontam subfinanciamento como o maior problema a ser enfrentado para a resistência do SUS porque, desde o início, o programa recebeu recursos aquém de sua dimensão. Já a lógica mercantil fortalece o setor privado na saúde – como as empresas de planos de saúde – em detrimento da saúde pública. A terceira linha de argumentação diz respeito às dificuldades de se gerenciar um sistema desenhado com forte participação social, transparência e federalismo em um “Estado que não foi completamente republicanizado”, de acordo com Guimarães.
O pesquisador apontou, referenciando-se na figura histórica de Sonia Fleury, que é necessário unificar estes diagnósticos em um só: o gargalo temporal entre a fundação e a institucionalização do SUS. Isto é, houve uma distância entre a consolidação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu o Sistema Único de Saúde como o marco civilizatório mais importante da sociedade brasileira, e a estruturação do SUS, o que causou uma tensão entre o “fundador programático” do SUS e o “construtor pragmático” do SUS. De novo, recorreu ao tempo: é preciso a reconexão com o ethos da fundação do SUS como “momento decisivo da refundação da própria democracia brasileira”.
Atacar o SUS é trazer a morte para o povo brasileiro
De acordo com Juarez, que pesquisa políticas públicas relacionadas aos Estados do Bem-Estar Social, predominava no pós-guerra uma lógica de construções de direitos, apesar do liberalismo econômico. O neoliberalismo, entretanto, quebra essa dinâmica: ataca a macroeconomia do setor público, provoca um processo de crescimento da privatização e desorganização. Há também a desconstrução da cultura de direitos, porque, para os entusiastas do neoliberalismo, a “liberdade está apartada da ideia de igualdade”, explicou. Por fim, o neoliberalismo ataca a própria democracia: rompe com eleições livres, destrói a possibilidade de construção de direitos públicos, “ataca a economia, a cultura e as instituições políticas ao mesmo tempo”.
Esta desapropriação dos direitos, ainda segundo o professor, corrói as bases do que é considerado dever do Estado, como a saúde. Por isso, a reprogramação do SUS deve estar no centro dos programas de enfrentamento ao neoliberalismo, a exemplo de outros países: “O Partido Trabalhista do Reino Unido [Labour Party] agora posiciona-se fortemente sobre a taxação de grandes riquezas em prol do refinanciamento do National Health System (NHS). Nos Estados Unidos, políticos de oposição colocam em pauta a construção de um sistema sanitário, em meio a maior crise da democracia do país – quando a extrema direita assume a presidência, eleita por Fake News“, afirmou.
Ao falar das práticas neoliberais no Brasil, Juarez citou o ministro da economia Paulo Guedes, que ele chamou de “profeta do apocalipse” (em referência ao artigo de Sonia Fleury, “O adereço de Guedes e o sentido do governo”), e as medidas do atual governo que, somadas à Emenda Constitucional 95, estrangulam o financiamento do SUS e deterioram as condições de vida da população brasileira: “Atacando o programa de prevenção ao HIV/Aids, desorganizando a Estratégia de Saúde da Família, a Vigilância Sanitária… o que trarão se não a peste para os brasileiros? Estão trazendo a fome. A guerra”.
Tensões políticas atravessam o 8 º Simbravisa
As palavras fortes do professor geraram um tensionamento na plateia: enquanto cerca de 400 pessoas permaneceram aplaudindo de pé, aproximadamente 30 simposiastas retiraram-se do espaço, em protesto às críticas direcionadas ao Presidente da República: “As políticas do Bolsonaro são muito afirmativas neste sentido, políticas de violência contra os Direitos Humanos mais básicos, chamando ao armamento livre, à matança livre de culpa. É a política da morte: atacar o SUS é trazer a morte para o povo brasileiro. Não há como resistir sem construir alternativas. Não há como resistir sem derrubar o governo Bolsonaro”.
Ao final da palestra, Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco, agradeceu as palavras de Juarez, lembrando que a Abrasco foi fundada há 40 anos, em plena ditadura militar, e reafirmando o compromisso da entidade com a refundação do SUS e da democracia: “Os fundadores [do SUS] estão de cabelos brancos, mas estão na luta. É nosso dever continuar a luta pelo direito universal à saúde”, concluiu.
Fonte: Abrasco
Publicado em 05/12/2019
Pesquisadores comentam as ameaças ao programa brasileiro de HIV/Aids
Com uma atuação marcada por quebra de patentes, distribuição de medicamentos e combate à homofobia, o Brasil se consolidou como referência internacional em políticas públicas de enfrentamento à epidemia de HIV/Aids ao longo dos anos 1990 e 2000. Essa trajetória foi analisada pelos historiadores Marcos Cueto e Gabriel Lopes, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Na entrevista eles alertam para as ameaças que o retrocesso nestas políticas podem trazer para o país.
O artigo Aids, Antiretrovirals, Brazil and the International Politics of Global Health, 1996–2008, publicado na revista Social History of Medicine (Oxford University Press), destaca o protagonismo do país na política global da Aids em meados dos anos 1990 até a primeira década do século 21. No mês em que se celebra o Dia Internacional de Luta Contra a Aids, em 1º de dezembro, Lopes alerta, porém, para as ameaças às conquistas das últimas décadas. “Para que os avanços não sejam perdidos, as políticas voltadas para o combate ao HIV/Aids devem ser encaradas como políticas de Estado e não de governo. Por isso, é importante defender os ideais de saúde como direito, seguindo a Constituição Federal”. A data foi instituída pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no fim da década de 1980, para reforçar a solidariedade, a tolerância e a compreensão com as pessoas infectadas pelo HIV.
Nesta entrevista, os historiadores da COC falam sobre o artigo e discutem o atual cenário de enfraqueciemento das políticas públicas para o tema. Gabriel Lopes, que é bolsista de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da COC, critica o que chamou de ‘moralização da Aids’. “O movimento conservador, muitas vezes, relaciona a Aids a práticas consideradas impuras ou a comportamentos não desejáveis. Estes setores têm assumido um papel importante nesta ‘moralização’, tornando a questão mais complexa e obscura”, ressaltou.
O Brasil colocou os países em desenvolvimento em posição de destaque no cenário internacional, promovendo debates sobre processos e políticas de acesso universal a antirretrovirais (ARVs), como mostra o artigo. Quais foram as estratégias brasileiras neste processo?
Marcos Cueto: O Brasil não somente desafiou as poderosas empresas farmacêuticas, como também a suposição de que as políticas internacionais de saúde eram definidas apenas por países desenvolvidos. As duas principais estratégias brasileiras neste processo foram a parceria entre sanitaristas, Organizações Não Governamentais (ONGs), pessoas vivendo com HIV, diplomatas e funcionários do governo e, em segundo lugar, a participação brasileira em importantes reuniões e redes internacionais para discutir o acesso gratuito a medicamentos. Os resultados da combinação de uma política de saúde esclarecida e ativismo da saúde contribuíram para que o país alcançasse relevância internacional.Gabriel Lopes: Além disso, o Brasil incluiu grupos sociais neste debate, incorporando o ativismo, novas pesquisas sobre o tema, a política internacional e as práticas de saúde brasileira. Certamente, se o país não possuísse uma estrutura em termos de Sistema Único de Saúde, de corpo diplomático que soubesse dialogar com os outros países, além da capacidade de negociar e propor discussões com a indústria farmacêutica, não teria atingido essa posição.
Como foi a discussão proposta pelo Brasil sobre medicamentos antirretrovirais como mercadorias ou bens públicos e como isso influenciou o acesso gratuito a estes fármacos?
Marcos Cueto: O Brasil foi um modelo importante pela parceria entre diferentes atores, a luta contra a homofobia, a articulação entre prevenção e tratamento, a promoção de medicamentos genéricos e a redução de preços dos medicamentos de marca.Gabriel Lopes: As políticas de saúde global de Aids foram influenciadas pelo advento dos antirretrovirais – fármacos usados para o tratamento de HIV/Aids e outras doenças infecciosas – a partir de 1996. A política de saúde brasileira, respaldada pelo SUS, defendia o acesso público e universal a estes medicamentos. No entanto, defensores das grandes indústrias farmacêuticas consideravam que o Brasil não era suficientemente pobre para conseguir a quebra de patente para obter esses remédios, enquanto os diplomatas envolvidos defendiam essa quebra para a distribuição gratuita dos remédios à população. Curiosamente, atualmente, os países que mais precisam destes medicamentos e de tratamento, são países pobres localizados na África, que menos têm acesso, revelando uma contradição com as ideias defendidas pelas farmacêuticas naquela época.
De que forma o Programa Nacional de Aids e Doenças Sexualmente Transmissíveis e o Sistema Único de Saúde (SUS) contribuíram para o protagonismo brasileiro nas políticas globais para o HIV/Aids?
Marcos Cueto: Os princípios de integralidade e participação da comunidade serviram para articular o trabalho de prevenção, tratamento e o ativismo em saúde, favoreceram a articulação brasileira no cenário internacional.Gabriel Lopes: A estruturação do SUS, em 1988, que reconheceu a saúde como direito de todos os cidadãos e uma obrigação do Estado, foi fundamental para deixar o ambiente preparado para que o Brasil pudesse influenciar as políticas internacionais de saúde relacionadas ao HIV/Aids. Outro ponto importante foi a atuação do Estado, já que os diplomatas brasileiros estavam engajados em defender questões importantes frente à Organização Mundial do Comércio e o acesso a antirretrovirais, por exemplo. Além disso, este processo recebeu o apoio de organizações não-governamentais e da população, mobilizando intelectuais, artistas, formadores de opinião e a sociedade civil para o debate. Essa sinergia interna e externa foram fundamentais nesse período.
Como o contexto político brasileiro a partir de 2008, com a multiplicidade de partidos políticos e o desmantelamento da bancada multipartidária de saúde, interferiu na política nacional para HIV/Aids?
Gabriel Lopes: Nesse período, mantiveram-se os ganhos em mortalidade, mas experimentou-se um aumento lento, mas constante, da morbidade pelo HIV, resultado de políticas de tratamento com pouca prevenção. Além disso, houve uma interferência da indústria farmacêutica internacional. Os antirretrovirais feitos na Índia ficaram em descrédito e toda a produção de medicamentos em países periféricos foi colocado em xeque. Observamos ainda ações importantes do governo americano que procuravam proteger a indústria farmacêutica.Além disso, questões internacionais ligadas a alas conservadoras foram importantes para culpabilizar as pessoas portadoras do HIV/Aids. De certa forma, essa confluência também com setores conservadores nacionais interferiu nas questões brasileiras. Vale destacar que no período indicado no artigo – 1996 a 2008 – havia uma bancada da ciência e da saúde no congresso nacional, um grupo organizado que defendia essas questões. Atualmente, nós não temos isso, as coisas estão mais desmobilizadas e a tendência é que a saúde não seja vista como um direito.
Em maio de 2019, o Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde sofreu alterações e, atualmente, integra o outro departamento que se dedica também a doenças como hanseníase e tuberculose. Qual o impacto dessa decisão nas políticas de combate ao HIV/Aids?
Gabriel Lopes: Considerado referência mundial no tratamento de HIV/Aids, o Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis, Aids e Hepatites Virais tem atuação histórica na luta contra a doença, como a oferta gratuita de tratamento para portadores do vírus. Outra iniciativa recente foi o encerramento das redes sociais relacionadas aos temas HIV/Aids. Essas medidas podem ampliar a invisibilidade desta doença, uma vez que reduziu o acesso da população a informações sobre doenças que continuam sendo uma questão de saúde pública global. O cenário atual é crítico e pode ser considerado um retrocesso, com tendência a se agravar. Essas doenças precisam ser encaradas como uma questão de saúde pública e devem ser enfrentadas em diversos níveis seja com informação de qualidade, prevenção, educação sexual ou o fornecimento de medicamentos.Dados do Unaids, mostram um aumento de 21% no número de novos casos de infecção por HIV no Brasil entre 2010 e 2018. Qual a importância da educação sexual nesse contexto?
Gabriel Lopes: Atualmente, observa-se a permanente ‘moralização da Aids’, que relaciona a doença a práticas consideradas impuras ou a comportamentos ‘não desejáveis’. Estes argumentos culpabilizam as pessoas e reforçam a ideia de que se você tem Aids é porque não estava de acordo com o comportamento ‘correto’ ou se envolveu com ‘pessoas erradas’. Setores conservadores [da sociedade] têm assumido um papel importante nessa ‘moralização’, tornando a questão mais complexa e obscura. Nesse contexto de conservadorismo, a educação sexual tem sido atacada por diversas frentes que defendem que esse assunto deve ser abordado prioritariamente pela família, excluindo a escola e outros grupos sociais do debate. Não adianta ter remédio e uma política de tratamento, se não se investe na educação sexual e na prevenção bem estruturada.Diante do enfraquecimento de órgãos ligados às políticas públicas voltadas a essa questão, o que considera mais importante no enfrentamento do HIV/Aids nesse momento atual?
Gabriel Lopes: Como historiador, defendo que, para que os avanços não sejam perdidos, as políticas voltadas para o combate ao HIV/Aids devem ser encaradas como políticas de Estado e não de governo. A sociedade precisa estar mobilizada para que os ganhos conquistados até aqui sejam retidos e para que certos avanços não sejam perdidos com a mudança de governo. É importante defender os ideais de saúde como direito, seguindo a constituição federal.Fonte: Agência Fiocruz
Publicado em 03/12/2019
Arminio Fraga: Aliado do SUS ou ‘Mui Amigo’?
Banqueiro e criador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde publicou artigo polêmico, em que defende a universalidade do sistema, mas afirma que setor privado “ajuda”.
A Folha publicou no dia 01/12, na sua seção Tendências e Debates, artigo que foi recebido com muita polêmica. Assinado por Armínio Fraga, o texto questiona se o SUS tem futuro – mas, pelo menos na nossa interpretação, defende o Sistema. Ele começa com uma contextualização, explicando que assegurar uma rede de proteção social é um aspecto “fundamental de qualquer Estado democrática digno do nome”. E que, na saúde, essa rede se organizou historicamente em dois modelos: o do SUS e do NHS britânico e o do seguro de saúde obrigatório. Ao que tudo indica, Fraga defende o nosso modelo… Embora faça uma crítica bem neoliberal a ele (há “ineficiências” intrínsecas à gestão pública). Mas na comparação com o sistema universal, o modelo de seguros leva a pior: “A gestão é terceirizada, o que por um lado gera eficiência, mas por outro eleva a demanda por exames e cirurgias. Na prática, as seguradoras buscam minimizar seus pagamentos, frequentemente em confronto com seus segurados”, descreve.
Superada a contextualização, Fraga apresenta o problema: em função do envelhecimento da população, do crescimento da renda e do encarecimento dos custos do setor, a tendência no mundo todo é que a população demande mais serviços de saúde. Isso vai significar mais gastos em saúde. Só que há um problema: “O SUS foi desenhado à imagem e semelhança do modelo britânico, que hoje custa cerca de 10% do PIB deles, sendo 8% administrados diretamente pelo Estado. No Brasil o gasto total com saúde chega a 9% do nosso PIB. No entanto, a despeito de suas origens, a proporção pública aqui corresponde a apenas 4% do PIB. Muito pouco para um sistema universal. Não surpreende, portanto, que, por falta de recursos e também por ineficiências, os usuários do SUS se vejam hoje às voltas com filas de espera, peregrinações à busca de atendimento e leitos improvisados. Os outros 5% do PIB são gastos diretamente pelas pessoas ou através de planos de saúde (o sistema suplementar)”, identifica.
Se no presente, o nível de investimento público já é baixo, Arminio Fraga aponta que a proporção pode piorar. “Dado o estado precário das finanças públicas no país, dificilmente a fatia pública [de 4% do PIB] será mantida. Na verdade, ela deve cair, sujeita que está ao teto dos gastos públicos, congelados em termos reais”, conclui. Com isso, a sobrevivência do SUS “está ameaçada”, continua ele, que defende – e aqui está o pomo da discórdia – as seguintes medidas: “para investir mais em saúde e em outras áreas de interesse público será necessário buscar recursos em novas fontes: nos gastos e subsídios tributários regressivos, que devem ser eliminados, e na Previdência e no funcionalismo, que respondem por 80% do gasto público”. Seria importante que Fraga desse detalhes ou exemplos mais concretos.
O fato é que o ex-presidente do Banco Central no governo FHC termina o artigo de maneira ainda mais ambígua. Fraga se posiciona contra a ideia tão comum no meio empresarial de que o setor privado “ajuda” o SUS – “ao contrário de países avançados, aqui os subsídios [à saúde suplementar] são concedidos para os que mais podem, na forma de deduções do Imposto de Renda” –, mas não fecha totalmente a porta para uma maior participação das empresas. Diz ele: “o sistema de saúde suplementar em seu formato atual não representa uma alternativa viável para os três quartos da população que dependem do SUS”. E se o formato atual mudar? Fica a dúvida.
Fonte: OutraSaúde, por Maíra Mathias
Publicado em 02/12/2019
CNS aproxima relação com Conselho Nacional do Ministério Público para defender SUS
O presidente do CNS, Fernando Pigatto, participou do Seminário Ministério Público, Diálogos Institucionais e Efetividade das Políticas Públicas de Saúde. O encontro reuniu representantes de diferentes instituições vinculadas ao poder público com objetivo de debater evidências, fortalecer vínculos e aprimorar o Sistema Único de Saúde (SUS).
Na manhã desta quinta (28/11), o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, participou do Seminário Ministério Público, Diálogos Institucionais e Efetividade das Políticas Públicas de Saúde, organizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em Brasília.
Para Fernando Pigatto, presidente do CNS, a aproximação entre diferentes conselhos que lutam pelos interesses e direitos dos cidadãos é uma das estratégias para que a saúde pública seja defendida como direito humano. “Estamos articulando com vários setores, inclusive Legislativo e Judiciário. Nossa atuação é para além do CNS. A iniciativa deste seminário é importante para seguirmos em diálogo”, afirmou.
O presidente do CNS também destacou que a austeridade fiscal dos últimos anos, em especial, imposta pela Emenda Constitucional 95/2016, que vem retirando recursos do SUS e outras políticas sociais, tem sido um fator de alerta para diferentes instituições. Tanto que Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia da Fiocruz para a Agenda 2030, também expôs sua preocupação diante do que vem ocorrendo no Brasil.
“Saúde é uma agenda universal, interage com todos os setores sociais. 70% das pessoas no nosso país dependem exclusivamente do SUS e 30% depende conjuntamente da saúde privada e do SUS. O SUS é a instância central dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), tem um papel fundamental na Agenda 2030”, disse.
De acordo com o presidente do CNMP e procurador-geral da república, Antônio Augusto Brandão, é necessário que as instituições solidifiquem suas estruturas para que a lei e as políticas públicas sejam cumpridas com exelência, independentemente da gestão. “Precisamos de um Estado estruturado, com instituições fortes. Por isso a importância do diálogo com diferentes segmentos da sociedade, com correntes distintas de opinião. Isso é a nossa democracia”, disse.
Maria Tereza Uille Gomes, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também participou do evento apresentando as inovações do CNJ com o Sistema de Gestão de Tabelas Processuais Unificadas, onde é possível encontrar inúmeros processos brasileiros por tema, inclusive relacionando-os à área da Saúde ou mesmo a partir das metas e objetivos da Agenda 2030.
Saiba mais
A Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), representa o consenso de 193 países com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas que refletem temas pela erradicação da pobreza e da fome, a promoção do crescimento econômico includente, a redução das desigualdades, a ação contra as mudanças climáticas, o acesso universal e o uso racional de água, entre outros.
Fonte: SUSConecta
Publicado em 29/11/2019
Frente Parlamentar decide elaborar PEC para que o acesso ao medicamento seja direito fundamental
Nesta quarta-feira, 20 de novembro, entidades e parlamentares participaram da reunião da Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica, na Câmara dos Deputados. Após um debate sobre a situação o tema, os presentes definiram medidas para enfrentar propostas que pretendem liberar a venda de medicamentos em supermercados e aprovaram a elaboração de uma proposta de emenda constitucional para que o acesso medicamento seja um direito humano fundamental.
A Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica é coordenada pela deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), que coordenou a reunião. Ela apresentou um levantamento com os projetos em tramitação no Congresso Nacional que são verdadeiros ataques à profissão do farmacêutico, ao acesso ao medicamento e à Lei 13.021 que transformou a farmácia em estabelecimento de saúde. Estavam em pauta também as propostas que permitem a venda de medicamentos em supermercados. Participaram da mesa de debate o presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, Gilcilene Chaer representante do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Ediane Bastos representante do Ministério da Saúde, Elton Chaves representante do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), e Jorge Bermudez representando a Fiocruz.
Gilcilene Chaer destacou a importância de combater todas as propostas que visam alterar a Lei 13.021, uma grande conquista para a categoria, e barrar também as que pretendem permitir a venda de medicamentos em lugares que não sejam as farmácias.
O presidente da Fenafar destacou que o Brasil vive hoje um tsunami liberal que quer acabar com as profissões regulamentadas e colocar a saúde da população sob risco.
Elton Chaves afirmou que os projetos citados na reunião atacam de forma frontal o direito constitucional à saúde. Ideia também defendida por Jorge Bermudez, da Fiocruz, que acrescentou que é preciso também voltar a atenção para o desmonte do SUS, promovido pelo atual governo.
Ediane Bastos, do Ministério da Saúde, reiterou a necessidade de fortalecer a informação da importância da farmácia como estabelecimento de saúde e da presença dos farmacêuticos nos estabelecimentos.
Ao final da reunião, a deputada Alice e as entidades presentes assinaram um ofício que será encaminhando ao Ministério da Saúde, solicitando audiência com o ministro para discutir os projetos pautados. Além disso, ficou definido que será preparado um material informativo com as propostas nocivas à assistência farmacêutica para ser entregue aos parlamentares. Para avaliar os vários projetos em tramitação na Câmara, também ficou encaminhada a construção de uma audiência pública para discutir as propostas que atacam o direito à vida como esta que propõem a venda de medicamentos em supermercados.
Na avaliação de Ronald Ferreira dos Santos, a decisão mais importante da reunião da Frente Parlamentar foi a ideia de elaborar uma proposta para garantir o acesso a medicamentos como direito humano fundamental dos brasileiros e brasileiras. Ele considera que a proposta é fruto do amadurecimento dos debates que a categoria vem realizando ao longo dos últimos anos.
“A partir dos debates, decidimos elaborar uma Proposta de Emenda Constitucional em torno do direito humano ao acesso ao medicamento, o que colocará a Assistência Farmacêutica e o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia não apenas na lógica de sustentar o mercado ou produzir bons negócios, mas de colocar o direito das pessoas e colocar o medicamento como produto vinculado ao direito à vida. Essa proposta pode agregar amplos setores da sociedade (setor produtivo, gestores e usuários) que defendem os princípios do SUS e o direito à vida. Ela é resultado de um acumulo de debate que estamos fazendo ao longo dos últimos anos de colocar a farmácia como estabelecimento de saúde e o papel de medicamento como insumo essencial à vida. A Farmácia Estabelecimento de Saúde nós já conseguimos conquistar com a Lei 13.021, agora precisamos consolidar o que já está mais ou menos concretizado em várias decisões de tribunais, que é a necessidade de caracterizar o medicamento como insumo essencial ao direito à vida”, avalia Ronald.
Para Jorge Bermudez a reunião debateu temas de extrema importância para a profissão farmacêutica e para o acesso aos medicamentos, entre elas a inserção da Assistência Farmacêutica na Estratégia Saúde da Família. “Cada vez que participamos de uma reunião deste tipo nos sentimos preparados e revigorados para essa luta que estamos travando contra o desmonte do Sistema Único de Saúde, contra a cassação a direitos sociais adquiridos e conquistados arduamente ao longo dos 30 anos, e principalmente no campo da Assistência Farmacêutica e colocar o medicamento como direito à saúde”.
Da redação com agência
Publicado em 22/11/2019
Fiocruz analisa impactos do derrame de petróleo na saúde
A Fiocruz vai monitorar o impacto na saúde da população atingida pelo derrame de petróleo no litoral do Nordeste. Um dos principais objetivos da ação é rastrear o risco para pescadores, marisqueiras e grávidas. Para isso, a instituição acaba de criar um grupo de trabalho – com a mobilização de pesquisadores e envolvimento das direções dos institutos e unidades técnico-científicas da Fiocruz da região Nordeste – que se reunirá pela primeira vez nesta terça-feira (5/11), para avaliar o problema e propor soluções.
A equipe que atuará no local foi destacada pelo Ministério da Saúde para apoiar o Centro de Operações de Emergência – COE Petróleo. De acordo com o pesquisador Guilherme Franco Netto, assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, para rastrear o risco para pescadores, marisqueiras e grávidas, a Fiocruz apresentará ao Ministério da Saúde um plano de ação que incluirá, entre outros pontos, um planejamento de capacitação de curto prazo para que os profissionais de saúde das redes de atenção do SUS estejam habilitados a prestar serviços que levem em consideração os riscos à saúde decorrente do desastre ambiental.
“Nas áreas atingidas, os pescadores e marisqueiras (que no Nordeste representam uma população hoje estimada em 144 mil pessoas) correm o risco de ter contato direto com o material contaminado e o pescado como principal fonte de sua alimentação e modo de vida nos territórios que habitam. Essas populações exercem um papel central na defesa do patrimônio cultural, ambiental e econômico da costa do Nordeste. Por isso, temos que ter um cuidado redobrado com essas pessoas, e, por isso mesmo, envolvê-las na organização da resposta”, informou o pesquisador.
Guilherme também ressaltou que deve haver atenção especial às gestantes que vivem na região costeira atingida. “Há necessidade de monitorar criteriosamente a saúde das futuras mães e dos fetos que estão em desenvolvimento”. O especialista chama a atenção para o fato de que os dados divulgados sobre os locais atingidos apontam para situações e níveis de contaminação diversos. “Além dos pescadores, grávidas e marisqueiras, diferentes grupos populacionais – como militares, defesa civil e voluntários, entre outros, que estão trabalhando na remoção do óleo – estão expostos aos riscos de contaminação, seja pela inalação, pelo contato dérmico ou pela ingestão de alimentos contaminados”, alerta.
Um conjunto importante de medidas estratégicas devem ser implementadas, tais como a definição de parâmetros para a análise dos alimentos com potencial contaminação para orientar adequadamente o consumo de pescados; a garantia da segurança alimentar da população, com atenção especial para as comunidades que vivem e trabalham do mar e do mangue, pescadoras e pescadores; o envolvimento do Conselho Nacional de Saúde e dos Conselhos de Saúde dos estados afetados, onde estão presentes trabalhadores de saúde, representantes dos movimentos sociais e de governo; implementar estudos de monitoramento de longo prazo na população exposta; e informar à população sobre a não exposição ao óleo bruto, ou áreas contaminadas (como areia da praia), além de gestantes, crianças e mulheres em fase reprodutiva. Há também a necessidade de que os órgãos ambientais instituam ação e orientem a população sobre o manejo adequado e o descarte dos resíduos do material contaminado, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Óleo
O óleo vazado (petróleo) é formado por uma mistura complexa de hidrocarbonetos – um composto químico constituído por átomos de carbono e de hidrogênio, associada a pequenas quantidades de nitrogênio, enxofre e oxigênio. O petróleo se apresenta na natureza sob forma gasosa, líquida ou sólida. Entre os hidrocarbonetos, está o benzeno, que é cancerígeno. A contaminação pelas substâncias tóxicas pode ocorrer por sua ingestão, inalação ou absorção pela pele.
A exposição a esses produtos poderá provocar irritações na pele, rash cutâneo, queimação e inchaço; sintomas respiratórios, cefaleia e náusea; dores abdominais, vômito e diarreia. O efeito mais temido de longo prazo é a ocorrência de câncer, em especial alguns tipos de leucemia. Os pesquisadores da Fiocruz alertam que a exposição a esse produto deve ser reduzida ao mínimo. Quem chegar perto deve usar roupas protetoras e depois descartá-las de forma adequada.
Fonte: Fiocruz
Publicado em 05/11/2019
Pesquisa retrata contribuições e desafios de laboratórios públicos no país
CNS participou do lançamento, debatendo o abastecimento da rede SUS e o risco da extinção de laboratórios farmacêuticos oficiais.
Os laboratórios farmacêuticos oficiais são responsáveis por grandes contribuições à saúde do país, mas precisam ser fortalecidos para dar continuidade ao trabalho de vanguarda que já realizam e atender às novas demandas da sociedade. É o que ficou constatado em pesquisa inédita realizada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), em parceria com a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob). No lançamento, ocorrido nesta terça (29/10), em Brasília, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) falou sobre o risco da extinção de laboratórios farmacêuticos oficiais.
A publicação traz o diagnóstico da rede de 18 unidades existentes no país. Elas são as principais responsáveis por fornecer medicamentos e outros produtos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Lenise Garcia, conselheira nacional de saúde representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lembrou que a questão do abastecimento da rede SUS e o risco da extinção de laboratórios farmacêuticos oficiais foram discutidos em eventos realizados pelo conselho, e geram preocupação em função do que isso pode representar para a saúde pública. Como exemplo, ela citou o caso do aumento da epidemia de sífilis no país, devido à falta de penicilina.
“Foi amplamente discutido ali que faltou penicilina porque ela é barata e não há interesse muitas vezes por parte dos laboratórios privados por essa produção. E isso destaca a relevância da produção pública. A gente vê o interesse muito grande da indústria farmacêutica de focar em medicamentos de alto custo que, às vezes, com uma grande produção propiciam um grande lucro e com isso se desinteressam por medicamentos que são extremamente importantes para a saúde da população”.
O levantamento também destaca aspectos históricos e a relevância dessas instituições para o atendimento à população, como pontua o presidente da Alfob, Artur Couto. “Na parte de produção de vacinas, muitas vezes o mercado privado não tem interesse em fazer. Um exemplo concreto é a vacina de febre amarela. Quando nós tivemos um surto de febre amarela, foi um laboratório público brasileiro que resolveu parar uma linha de produção, ampliar a capacidade de produção para febre amarela para poder disponibilizar o produto à população brasileira. Então os laboratórios públicos são fundamentais para a política de saúde pública no Brasil”.
Os laboratórios oficiais foram responsáveis pelo registro de 111 medicamentos, 18 vacinas, 15 soros e 33 produtos diversos para a saúde. Dos cerca de 8 mil colaboradores que atuam nessas instituições, 12% são mestres e doutores. A maioria do quadro é formada por farmacêuticos. O assessor da presidência do Conselho de Farmácia, Tarcísio Palhano, um dos responsáveis pela pesquisa, destaca a importância desses laboratórios para o aperfeiçoamento profissional no setor.
“Ficou mais do que claro que essas instituições são um belíssimo campo de estágio para estudantes de Farmácia e para farmacêuticos. Em vários deles já existe a oferta de estágio. Com essa nova perspectiva, isso seria institucionalizado, aumentado e incrementado, de modo que boa parte dos estudantes pudesse passar por esses laboratórios”.
Desafios
A publicação também traz desafios a serem superados. Dez instituições tiveram projetos cancelados e enfrentam problemas burocráticos. Para o secretário da Alfob e coordenador da pesquisa, Luiz Marinho, a falta de um marco regulatório traz prejuízos ao setor. “Isso acarreta principalmente uma visão distorcida dos tribunais de conta, principalmente nos processos que envolvem transferência de tecnologia com outros parceiros privados. E, como somos instituições públicas, temos que adquirir bens e serviços pela lei de licitações, isso nos atrasa muito no cumprimento das regras estabelecidas pela Anvisa, ou seja, a modernização do nosso parque às vezes fica atrasada dentro das exigências sanitárias porque nós não temos um caráter especial no país”.
A expectativa agora se volta para o Legislativo. A ideia é solucionar entraves do setor por meio da elaboração de uma legislação federal. O deputado e ex-ministro da Saúde Ricardo Barros, que é presidente da Frente Parlamentar da Indústria Pública de Medicamentos, esteve presente no evento de apresentação da pesquisa e falou sobre o desafio.
“Nós temos que conseguir implantar a política do complexo industrial da saúde, precisa instalar o Gecis, regulamentar o decreto que trata da política da saúde. Essas são as tarefas mais emergentes para que nós possamos efetivamente construir a possibilidade dos laboratórios terem investimento, contratos firmes de fornecimento com o ministério e poderem com essa segurança assumir a produção de medicamentos para doenças neglicenciadas e medicamentos órfãos que o Brasil precisa que sejam feitos e a indústria privada não quer fazer”.
A realização de um diagnóstico da situação dos laboratórios oficiais foi solicitada pelo Ministério da Saúde. Para a coordenadora do Complexo Industrial da Saúde do Ministério, a farmacêutica Mirna Oliveira, o material será importante para a tomada de decisão dos gestores públicos e para direcionar a formação dos futuros farmacêuticos.
“A gente precisa definir, identificar quais são as capacidades reais e potenciais de cada laboratório isoladamente e, a partir daí, apoiar esses laboratórios nas suas diferentes necessidades e demandas para que eles possam avançar. Além disso, investir na formação de profissionais e também otimizar recursos. Os laboratórios oficiais precisam trabalhar em rede, em conjunto, cada um dentro da sua expertise e das suas capacidades.
Acesse a pesquisa Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil
Desigualdade racial no Brasil se expressa também no acesso à saúde
A data de 27 de outubro marca o Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra. A ocasião propõe refletir e agir sobre as desigualdades raciais existentes no sistema de saúde brasileiro.
Dados do Ministério da Saúde mostram que negras e negros, maior parcela da população, são os mais afetados por doenças como a anemia falciforme, hipertensão arterial e diabetes mellitus tipo 2. Neste último caso, a incidência da doença em homens negros é 9% maior do que em brancos. Entre as mulheres, o número de negras acometidas é 50% maior do que o de brancas.
Informações obtidas pelo portal Gênero e Número mostram ainda que, a cada 100 mil mulheres pretas que deram entrada em uma unidade de saúde para ter seus filhos entre 2008 e 2017, 22 morreram. O número representa o dobro em relação às gestantes brancas, que morrem 11 a cada 100 mil internações para parto.
Pesquisador e membro do Grupo de Trabalho Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Luís Eduardo Batista afirma que dados como estes são exemplos de que a saúde também é uma área que precisa de ações de combate às desigualdades raciais.
Segundo Batista, é necessário promover políticas públicas conscientes sobre as consequências que desigualdades históricas causaram para a saúde da população negra.
“Principalmente os estudos sobre mortalidade têm nos mostrado que a população negra, por ter menor escolaridade, renda e acesso aos serviços de saúde de qualidade, acaba morrendo pelo que a gente chama de causas evitáveis, como a morte por diabetes, hipertensão, tuberculose, AIDS, e causas violentas”, explica.
De acordo com a última publicação do Atlas da Violência, no ano de 2017, pessoas negras representaram 75,5% das vítimas de homicídios – uma das causas de mortes violentas – no país. Em um período de dez anos, de 2007 a 2017, a letalidade entre negros cresceu 62,3%.
Política pública
Em 2009, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Entre suas diretrizes estão a promoção de ações de combate ao racismo e o incentivo à produção de conhecimento científico sobre saúde da população negra.
Dez anos após sua implementação, no entanto, somente 57 municípios do país, em um universo de mais de cinco mil, colocaram o plano em prática. O levantamento foi realizado por pesquisadores da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo e da Universidade de São Paulo (USP).
“Um serviço, um hospital que faça formação dos profissionais e não inclua a discussão do racismo no seu currículo, na formação dos profissionais de saúde, ele está incorrendo no racismo institucional. O racismo dificulta as ações no campo da saúde”, defende Batista.
Além da falta de implementação efetiva da política, o corte de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) também é avaliado como prejudicial à população negra. A Emenda Constitucional 95, decretada em 2016, que congela os gastos na área da saúde por 20 anos, é um exemplo.
“Se nós estamos falando da população mais vulnerável, que mais depende da atenção primária, da estratégia da saúde da família, dos Mais Médicos, então um corte de orçamento interfere diretamente sobre esse grupo populacional”, afirma.
Apenas nos dois primeiros anos de vigência da emenda (2018/2019), cerca de 10 bilhões de reais foram retirados da saúde pública.
Ainda segundo o pesquisador da Abrasco, é preciso defender o direito à saúde de grupos vulneráveis como a população negra e afirmar políticas que fortaleçam a equidade na saúde pública, não apenas no Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, mas permanentemente.
(Reportagem originalmente publicada no Brasil de Fato em 28 de outubro)
Especialistas discutem alternativas para organizar as Redes de Atenção à Saúde
Desfinanciamento do SUS, modelo de gestão, regionalização e mudança de modelo sócio econômico brasileiro são destaques em seminário da Cofin.
O segundo dia do Seminário Nacional de Orçamento e Financiamento do SUS, promovido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), reuniu nesta quinta-feira (24/10), em Brasília, especialistas para discutirem as Redes de Atenção à Saúde e Responsabilidade Sanitária.
Cerca de trezentos conselheiros e ativistas da saúde pública participaram das discussões em torno dos principais desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) e destacaram o atual modelo de gestão e o desfinanciamento do sistema, potencializado pela Emenda Constitucional 95/2016, que congela os investimentos em saúde até 2036, como prioridades para se enfrentar no próximo período.
A representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Viviane Rocha Luis, que também integra a Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento (Cofin) do CNS, avalia que é preciso apontar, entre os problemas estruturantes do SUS, a segmentação e a fragmentação do sistema.
Segundo Viviane, enquanto um sistema fragmentado é voltado para o indivíduo, tem ênfase em ações curativas e financiamento por procedimentos, a Rede de Atenção à Saúde deve ser voltada para uma população, com ênfase em atenção integral e financiamento por capitação.
“A regionalização é a forma mais eficaz para acabar com a fragmentação do sistema de saúde”, afirmou Viviane. “A interdependência entre as esferas da federação amplia a capacidade para resolver problemas específicos da gestão em saúde, como a contratação de profissionais especializados e a escassez da oferta de determinados serviços”, completou.
A professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais (UFMG) Eli Iola Gurgel Andrade, também destacou a importância da regionalização. “Ela tem por base pensar na trajetória do paciente. Esse é o centro do sistema que alimenta a saúde pública em diversos países maduros e deve ser aqui também”, avalia.
Atenção para transição de modelo socioeconômico
O presidente da Fenafar e atual membro da Cofin, Ronald Ferreira dos Santos, ampliou o debate ao levar aos participantes do seminário as discussões em torno da mudança do atual modelo socioeconômico brasileiro.
“Não estamos falando somente da atividade econômica saúde, mas da ordem econômica social, que mudou ontem com a aprovação da reforma da previdência”, afirma Ronald após a aprovação no Senado Federal da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, que altera a previdência social dos brasileiros e deve ser promulgada ainda este mês.
“Há um processo acelerado para se apresentar uma nova contratação social no nosso país. O entendimento disso é urgente e fundamental, porque vai se materializar lá nas redes de atenção à saúde e na responsabilidade de todos”, avalia Ronald, ao destacar a saúde como uma construção política, relacionada com o modo de produção e a força de trabalho.
Fonte: SUSConecta
Publicado em 30/10/2019
Seminário nacional reúne conselhos de saúde e reivindica financiamento adequado para o SUS
Convidados defendem revogação imediata da EC 95/2016, principal deliberação da 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), durante o Seminário Nacional de Orçamento e Financiamento do SUS que aconteceu no dia 23/10, na Fundação Oswaldo Cruz, em Brasília. O evento reuniu conselheiros e conselheiras estaduais e municipais, além de ativistas de todo o país e parlamentares, com o objetivo de encaminhar articulações concretas após a 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8).
Entre as principais deliberações da 16ª Conferência, está a revogação imediata da Emenda Constitucional (EC) 95/2016, medida esta responsável por um prejuízo ao Sistema Único de Saúde (SUS) estimado em R$ 400 bilhões pelos 20 anos de vigência da mudança na Constituição de 1988. Fernando Pigatto, presidente do CNS, defendeu não só o fim da EC 95, mas o retorno do debate sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 1/2015, que dispõe sobre o valor mínimo a ser aplicado anualmente pela União em ações e serviços públicos de saúde, de forma escalonada.
“As reflexões que vamos fazer aqui hoje são à luz do que foi construído na 16ª Conferência. Somos protagonistas e agentes do SUS. Estamos em marcha, com a soma dos nossos esforços, intensificando tudo que já foi feito até aqui”, disse. A representante da Fiocruz e ex-presidenta do CNS, Socorro de Souza, alertou que a austeridade fiscal está “reduzindo serviços, gerando desproteção aos usuários do SUS”. Para ela, defender o SUS, significa “compromisso com a democracia”.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) também reafirmaram a necessidade urgente de revogação da EC 95. “Cotar investimentos aumenta desigualdades”, disse Brenda Leite, do Conasems, mencionando outro fator prejudicial ao sistema de seguridade social. “A proposta de Reforma da Previdência como está não corrige a injustiça tributária do nosso país”, disse.
Viviane Rocha, do Conass, classificou o atual orçamento como “deficitário” e pediu atenção à pauta da Desvinculação das Receitas da União (DRU), mecanismo que permite ao governo federal usar parte dos tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. Diante das emendas recentes, o governo passa a ter mais possibilidade para uso do recurso conforme interesses de gestão, podendo causar prejuízos às políticas de Estado, fundamentais para a manutenção dos direitos sociais.
A conselheira nacional de saúde Sueli Barrios, membro da Associação Nacional Rede Unida, alertou que a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, já vem trazendo inúmeros danos à saúde de trabalhadores pelo país. “Temos muitos profissionais adoecendo, nunca senti tanta fragilidade e ameaça ao SUS como agora”, disse ela, que representa o segmento de trabalhadores da saúde no CNS.
Neilton Araújo, conselheiro nacional de saúde representante do Ministério da Saúde, explicou que o orçamento do SUS sempre foi uma “queda de braço” com o governo federal, em todas as gestões. Para ele, é necessária uma articulação maior entre governo, sociedade e universidades. “Estamos aqui para respondermos como vamos articular nossas forças em defesa do SUS”, defendeu. André Luiz de Oliveira, conselheiro nacional de saúde representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afirmou que “o controle social é responsável por defender o financiamento adequado da Saúde. A sociedade precisa enxergar o SUS como patrimônio do país”.
Articulação com o parlamento brasileiro
Uma das principais forças de atuação do CNS na atual gestão é uma articulação cada vez mais intensa com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Em média, uma vez por semana, representantes do conselho estão participando ativamente de audiências, seminários e debates no congresso brasileiro. A deputada federal Carmen Zanotto, que preside a Frente Parlamentar Mista da Saúde, alertou que “as emendas parlamentares muitas vezes podem gerar desordem nos serviços de saúde porque são incrementos temporários”.
Por isso, as ações e investimentos definidos com base em evidências científicas são fundamentais, afirmou a deputada federal Adriana Ventura. “Ainda temos um problema grande de má gestão. Temos tantos especialistas e continuamos definindo políticas sem base nas evidências”. Ela também criticou o dinheiro usado nos processos de Judicialização na Saúde. “São R$ 7 bilhões anuais, não é certo privilegiar uns em detrimentos de outros”. O seminário segue hoje com debates que trazem como tema “Marchas e Contramarchas do SUS: Democracia, Financiamento e Pacto Federativo” e “Relação Público Privado na Saúde do Brasil”.
Planos de saúde parasitam o SUS
Os planos de saúde estão ficando cada vez mais caros no Brasil, muitas vezes potencializados pelo próprio Estado, que favorece o crescimento dos serviços privados de saúde em detrimento do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir dessa problemática, o Seminário Nacional de Orçamento e Financiamento do SUS, realizado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Brasília, debateu nesta terça (23/10) o tema Relação Público-Privado na Saúde do Brasil.
A economista Rosa Maria Marques, presidenta da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres), criticou a regra do Imposto de Renda, que garante dedução dos gastos particulares com saúde na hora da declaração anual do contribuinte. Segundo ela, esse é um dinheiro que poderia estar sendo investido no SUS. “Essa isenção potencializa a saúde privada. Estamos usando financiamento do Estado para as empresas de saúde. Precisamos de uma estratégia de sustentação para o SUS”, disse.
O mesmo foi destacado pelo pesquisador Carlos Ocké, representante do Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Com a renúncia associada aos planos de saúde, o Estado deixa de arrecadar”, explica. Segundo dados do Ipea, em 2014, os cofres públicos poderiam ter arrecadado R$ 28.938 milhões. Em 2017, esse número aumentou para R$ 45.381 milhões. Dinheiro que poderia estar sendo aplicado em políticas públicas de saúde.
PL pode potencializar planos de saúde e prejudicar do SUS
O pesquisador também criticou o Projeto de Lei (PL) dos “Planos de Saúde Populares”, que que quer potencializar o mercado de planos de saúde reduzindo coberturas e diminuindo do rol de procedimentos médicos e tratamentos que hoje são obrigatórios. O PL também propõe mudança da lógica do ressarcimento das empresas ao SUS, incentivando a “dupla porta”, ou seja: o atendimento de clientes de planos de saúde nos serviços públicos sem que as empresas paguem ao SUS o valor dos procedimentos.
“Isso só amplia a desregulação do mercado. Os planos de saúde parasitam o SUS por meio de subsídios”, disse Ocké. Gulnar Azevedo, presidenta da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirmou que mesmo com os desafios e problemas do SUS, “a saúde pública ainda é melhor que a saúde privada porque os planos de saúde não conseguem dar acesso integral como o SUS consegue”. Ela defendeu que é urgente a necessidade do retorno da vinculação dos lucros do pré-sal à Saúde e à Educação.
Da redação com SUSConecta
Publicado em 29/10/2019