O governo neoliberal de Jair Bolsonaro quer exterminar o Sistema Único de Saúde (SUS), um dos maiores serviços públicos de saúde do mundo. E agora são as operadoras de planos de saúde que defendem no Congresso um projeto que pode deixar os 47,3 milhões de beneficiários sem atendimento médico-hospitalar integral.
Inclusive o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) analisou a proposta dos barões da saúde e publicou um artigo com o sugestivo título “Novo golpe nos planos de saúde: querem cobrar e não atender”, onde os pesquisadores Ligia Bahia, Marilena Lazzarini e Mário Scheffer afirmam que esse “é um projeto arrogante que classifica médicos, hospitais, doentes crônicos e idosos como inimigos a serem combatidos”.
De acordo com os especialistas, esse projeto é “predatório que vislumbra concentração de mercado, ao aprofundar a divisão e a disputa interna entre prestadores de serviços. É um projeto danoso ao SUS que, já subfinanciado, passaria a arcar com os custos da desassistência promovida pela nova legislação e perderia recursos com o fim do ressarcimento.”
O lobby das 747 operadoras de planos de saúde ativas no Brasil não menciona o grande faturamento que as empresas tiveram de R$ 196 bilhões em 2018, sendo R$ 87 bilhões a mais do que os R$ 109 bilhões obtidos em 2013. “Isso tudo porque os aumentos acima da inflação impulsionaram esse crescimento nos lucros e compensaram a perde de cerca de 3 milhões de beneficiários desde 2014”, garante Elgiane Lago, secretária de Saúde da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Os barões da saúde pretendem aniquilar a Lei 9.656, de 1998, “que já é ruim aos usuários”, diz Elgiane, “realmente eles querem ganhar sem gastar nenhum centavo”, lamenta. A sindicalista gaúcha afirma que se aprovado esse projeto “reduziria drasticamente as coberturas e atendimentos, liberaria a possibilidade de aumentos nas mensalidades e expulsaria os idosos dos planos de saúde, inviabilizados pelos altos preços.”
Aliás, acentua Francisca Pereira da Rocha Seixas, secretária de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), “os planos ficariam inacessíveis para todo mundo, porque uma minoria absoluta teria condições de pagar pelos serviços sem cobertura dos convênios médicos.”
Segundo especialistas, a proposta empresarial visa apenas o aumento dos seus lucros sem nenhuma preocupação com a saúde das pessoas, além de abandonar a “concepção de proteção ao direito a uma atenção abrangente à saúde” porque acaba com o atendimento à totalidade dos “problemas de saúde que integram a Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde e garante o acesso para os casos de emergência”.
Complementam ainda que “a cobertura dos problemas de saúde dá lugar à contratação de módulos restritivos e delimitados, como se uma doença ou agravo pudesse previamente ser resolvido apenas por um ou outro tipo de serviço definido por prestadores.”
Fonte: CTB
Publicado em 23/10/2019
No Senado, Fenafar e CNS criticam redução de orçamento para medicamentos do SUS
A EC 95/2016, que congelou investimentos em saúde, foi duramente criticada durante o debate. Questões como a falta de investimento, queda de recursos orçamentários e falta de concorrência e transparência foram levantadas na audiência pública desta terça-feira (22) que debateu, na Comissão de Direitos Humanos (CDH), o alto preço de medicamentos.
O presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, a diretora de Organização Sindical, Débora Melecchi e a diretora de Educação e coordenadora da Escola Nacional dos Farmacêuticos participaram da audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, do Senado Federal. Na ocasião, foi entregue aos senadores Paulo Paim e Zenaida Maia, o documento com as diretrizes e propostas da 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), que também tratam da questão. Para o presidente da Fenafar e ex-presidente do CNS, Ronald dos Santos, a perda causada pela Emenda Constitucional 95 foi muito grande e o orçamento para a saúde está em queda. “É importante deixar claro que, além de estar declinando, para 2020 tem uma surpresa extra: uma parte importante do Orçamento vai depender das emendas parlamentares para cumprir o teto”, criticou.
Ronald alertou ainda para outro fator que pode impactar no financiamento da Saúde: “É importante deixar claro que, além de estar declinando, para 2020 tem uma surpresa extra: uma parte importante do Orçamento vai depender das emendas parlamentares para cumprir o teto. No caso da despesa farmacêutica, já há impacto no recurso para o financiamento”, criticou.
De acordo com a conselheira nacional de saúde Débora Melecchi, representante da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), “estamos debatendo vidas e a assistência farmacêutica como direito”. A partir de informações da Comissão de Orçamento e Financiamento do CNS (Cofin), ela relatou que no primeiro quadrimestre de 2019, 7,14% do orçamento é o que foi de fato liquidado com medicamentos estratégicos. Para medicamentos excepcionais, somente 5,41% foram liquidados. “Isso é inaceitável. Muito baixo, diante das necessidades do país”.
Silvana Leite, coordenadora da Escola Nacional dos Farmacêuticos (Enaf), afirmou que os medicamentos precisam ser compreendidos para além da relação saúde doença. “É um centro de disputa econômica, política e social, estamos falando da vulnerabilidade de pessoas”. Segundo ela, “a falta de medicamentos em 2019 vem causando grande preocupação entre usuários, dentre eles, os transplantados, que não podem ficar sem medicamentos justamente para evitar a rejeição dos órgãos”. Ou a falta de medicamentos para asma, que “aumenta a internação e o risco de morte”.
“Não vamos conseguir sustentar a Política Nacional de Assistência Farmacêutica sem um profundo envolvimento com a sociedade, não podemos ficar à mercê do interesse de mercado”, finalizou Silvana.
Mateus Falcão, representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), criticou o monopólio e as patentes, além de mencionar que falta transparência nos custos. “Os preços estão cada vez mais altos. A rede pública se vê frente a uma situação insustentável. As evidências não justificam preços tão altos”. Segundo ele, ainda há falta de regulação na área.
Falcão citou uma ação que o Idec, a Defensoria Pública da União e outras organizações da sociedade civil apresentaram ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para questionar o preço abusivo do medicamento Sofosbuvir, utilizado contra a hepatite C.
— A hepatite C é uma doença muito importante no Brasil, que afeta 700 mil pessoas, segundo dados do Ministério da Saúde. Só que existe um percentual muito baixo ainda de pessoas que são tratadas com os tratamentos mais novos e mais eficientes disponíveis no mercado. O Brasil foi um dos poucos países a desenvolver uma versão genérica desse produto. Nesse período concorrencial, o preço praticado era muito mais baixo — explicou o representante do Idec.
Clamor da sociedade
De 4 a 7 de agosto deste ano, o Ministério da Saúde realizou, sob organização do CNS, a 16ª Conferência, apresentando propostas na área que devem orientar o Plano Nacional de Saúde e Plano Plurianual de Saúde. Também foi mencionado o 8º Simpósio Nacional de Ciência Tecnologia e Assistência Farmacêutica (8º SNCTAF), realizado pelo CNS em parceria com outras instituições, ao longo de 2018, resultando num conjunto de orientações para o desenvolvimento de políticas na área.
De acordo com o pesquisador Jorge Bermudez, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Sofosbuvir, por exemplo, foi lançado com preço de US$ 84 mil para 12 semanas de tratamento. Atualmente o medicamento custa apenas US$ 87 para o mesmo tempo de tratamento. “É impossível aceitar que foi lançado a US$ 84 mil dólares e hoje custa US$ 87. Não é alto custo, é alto preço!”.
Cenário de desfinanciamento
O presidente da Fenafar citou como exemplo do grave cenário de desfinanciamento o Programa Farmácia Popular, que disponibiliza medicamentos gratuitos à população. De acordo com os dados do Ministério da Saúde, o orçamento de 2018 foi de R$ 2,09 bilhões e, em 2019, caiu para R$ 2,04 bilhões. No caso de medicamentos especializados, o orçamento passou de R$ 1,2 bilhão para R$ 550 milhões.
A professora Silvana Nair Leite, da Escola Nacional dos Farmacêuticos, relatou que a Pesquisa Nacional sobre Acesso e Uso Racional de Medicamentos, realizada entre 2014 e 2016, apontou 94,3% de acesso aos remédios para doenças crônicas no Brasil. No entanto, 5,3% das famílias apresentavam gastos “catastróficos” em saúde, sendo 3,2% causados por medicamentos. Silvana destacou quase 70 medicamentos que faltaram na Farmácia Escola da Universidade Federal de Santa Catarina em 2019. “A lista é bastante grande, mas eu vou chamar a atenção apenas para alguns casos importantes, como alguns medicamentos para doença renal, ou para esclerose múltipla, que são doenças bastante graves e os pacientes não podem ficar sem os medicamentos, medicamentos de muito alto preço. Além disso, alguns medicamentos para transplante tiveram falta neste ano”, relatou.
O presidente da Fenafar, também deu o exemplo do Programa Farmácia Popular, que disponibiliza medicamentos gratuitos à população, como uma vítima do desfinanciamento. “De acordo com os dados do Ministério da Saúde, o orçamento de 2018 foi de R$ 2,09 bilhões e, em 2019, caiu para R$ 2,04 bilhões. No caso de medicamentos especializados, o orçamento passou de R$ 1,2 bilhão para R$ 550 milhões”, disse.
O representante do Ministério da Saúde, Evandro de Oliveira Lupatini, afirmou que 37,3% dos medicamentos utilizados pelo SUS são genéricos, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Acesso e Uso Racional de Medicamentos. Segundo Lupatini, é uma diretriz da Política Nacional de Medicamentos estimular a produção pública por meio dos laboratórios oficiais. “O uso de medicamentos genéricos propicia, a partir do momento em que a gente tem uma redução no preço, a ampliação do acesso”, afirmou. Uma nova audiência deve ser agendada em breve, com a presença de instituições responsáveis pela regulação na área.
Assista a audiência na íntegra
Da redação com SUSConecta e Agência Senado
Publicado em 22/10/2019
MPF emite recomendação pelo fechamento de curso EaD na área de Saúde
O Ministério Público Federal de Goiás determinou a suspensão imediatamente da autorização para funcionamento de novos cursos de graduação da área da saúde, na modalidade Educação a Distância (EaD), até o final da tramitação do Projeto de Lei nº 5414/2016 ou a devida regulamentação do art. 80 da Lei nº 9.394/96.
A recomendação se baseia em várias recomendações e resoluções do Conselho Nacional de Saúde e na legislação vigente.
Acesso a medicamentos e produção local: Brasil na contramão do mundo – por Jorge Bermudez
Em artigo, o médico Jorge Bermudez, pesquisador da Ensp/Fiocruz; membro do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do Secretário-Geral das Nações Unidas, denuncia a ganância da indústria farmacêutica internacional e a dependência do Brasil como fator de enfraquecimento da soberania nacional, de negação do acesso de medicamentos às populações mais carentes e entrave para o desenvolvimento do país.
A recente notícia da concessão do centésimo Prêmio Nobel da Paz ao primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, laureado por ter encerrado um conflito de 20 anos entre Etiópia e Eritreia com o Acordo de Paz assinado em julho de 2018, certamente nos remete à importância do continente africano no atual cenário global. A concessão desse prêmio não apenas enaltece os esforços de paz no continente, como também nos lembra que a Etiópia e sua capital, Adis Abeba, como sede da União Africana e seus 55 países, tem sido o eco das discussões pela implementação da iniciativa denominada PMPA (Pharmaceutical Manufacturing Plan for Africa), aprovada em 2007, na Cúpula de Accra, em Gana, e reenfatizada em 2011, em Durban, África do Sul, e que expressa a importância da produção local de medicamentos para assegurar o acesso das populações a medicamentos essenciais. O Relatório do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em Acesso a Medicamentos, tornado público em setembro de 2016, nos deixa claro que hoje o acesso a medicamentos, com os preços elevados e muitas vezes extorsivos praticados pela indústria farmacêutica, não é mais um problema restrito a países de renda baixa ou média, mas representa um problema em escala global e que vem sendo discutido em todos os foros, contrapondo saúde e comércio, ou direitos individuais e direitos coletivos e afirmando o direito à saúde como direito humano fundamental. Adicionalmente é advogada a desvinculação dos gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) dos preços finais praticados nos medicamentos.
É evidente que, sendo um problema global, os países do Norte preparam e explicitam estratégias potenciais para abordar esse problema. Não é sem estranheza que verificamos que os países mais ricos hoje tentam espelhar ações e lições que países em desenvolvimento desenvolveram no passado.
Os EUA discutem a necessidade de regulamentar e disciplinar os preços de medicamentos desde as últimas campanhas eleitorais. Em julho de 2019 foi lançada para discussão no Senado a proposta denominada de PDPRA (Prescription Drug Pricing Reduction Act), que aborda aspectos relacionados a informações de preços praticados, adequados níveis de pagamentos, aquisição de medicamentos e adequação de pagamentos baseados em custos, aquisição de biossimilares, entre outras questões, mas, sobretudo, a definição de um marco regulatório aplicável às empresas de seguro-saúde. De maneira inédita, há uma superposição nas propostas dos partidos políticos e que podem permitir que sejam aprovadas medidas de maneira negociada e consensual entre democratas e republicanos.
Já no Reino Unido, surgem propostas mais radicais, com o Partido Trabalhista propondo a iniciativa Medicines for the Many: Public Health before Private Profit, abordando a questão dos altos preços e reconhecendo que o atual sistema de inovação se encontra falido [link]. A proposta em estudo envolve críticas ao sistema e a necessidade de impedir as retaliações e ameaças ao uso de flexibilidades do Acordo Trips, e colocam Brasil, Índia e Argentina como modelos a observar nos requisitos de proteção patentária e seu impacto no acesso a medicamentos.
Consideramos importante fazer uma ressalva na utilização do Brasil como modelo. O nosso SUS, a Constituição Cidadã, o acesso universal, a saúde como direito de todos e dever do Estado, fazem parte do nosso acervo passado e histórico, hoje diuturnamente violentado pelas atuais incursões ultraliberais das nossas autoridades governamentais. O INPI, adicionalmente, responsável pelas análises de solicitações de patentes, não consegue aumentar seu quadro de examinadores e sofre propostas que aprofundam suas fragilidades.
Entretanto, é válido também ressaltar que a proposta atualmente em discussão no Reino Unido reconhece o papel que a produção pública vem jogando no Brasil e no SUS, chamando a atenção para o papel dos laboratórios públicos na provisão de antirretrovirais (ARVs). O documento também enaltece as iniciativas desenvolvidas em Cuba, Holanda, China e Canadá.
Em nítida contraposição às discussões que vemos no mundo e que povoam os debates nas esferas das Nações Unidas, hoje o Brasil e sua atual gestão desconstroem políticas consolidadas ao longo dos 30 anos do SUS e desmonta o setor público de produção farmacêutica.
A imprensa noticia a extinção da Furp [Fundação para o Remédio Popular de São Paulo], desmonte que vem sendo criticado pela corporação de farmacêuticos, baluarte na defesa da produção pública, um dos maiores e mais bem sucedidos laboratórios públicos e que vinha cumprindo papel fundamental no atendimento à população, na referência e capacitação de recursos humanos e na incorporação de tecnologias de produção farmacêutica capazes de efetivamente diminuir nossa dependência tecnológica. Alega-se, para sua extinção, que se trata de um governo de “desestatização” e que não cabe ao governo fabricar medicamentos, nitidamente na contramão do mundo!
Lamentavelmente, esse é o cenário no qual o Brasil mergulha sem escafandro, um mergulho suicida, a seguir as diretrizes atuais. Resta saber até onde iremos e o que sobrará nos escombros. A História certamente nos condenará pelo mundo que deixaremos para nossas futuras gerações! Para nós, as palavras de ordem são Luta e Resistência!
Fonte: Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz
Publicado em 15/10/2019
Outubro Rosa reforça a importância de ampliar investimentos em saúde
Desde os anos 1990, o Outubro Rosa vem chamando a atenção para a necessidade de maior atenção à saúde da mulher. Lembrando que o mês ganhou essa cor para reforçar o controle do câncer de mama, o segundo de maior incidência sobre as mulheres no Brasil e no mundo, só perde para o câncer de pele não melanoma.
“Todas as conquistas dos últimos anos”, afirma Elgiane Lago, secretária de Saúde da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “estão indo por água abaixo com os cortes promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro”.
De acordo com Elgiane, os retrocessos na saúde avançaram com o golpe de 2016 e ganham ênfase maior no atual governo. “O Ministério da Saúde tem projetos para passar o dinheiro público para empresas privadas de saúde e isso pode acabar com o SUS (Sistema Único de Saúde), o que liquida com a medicina preventiva e com os programas de atendimento à população”.
A começar pelo Teto de Gastos – Emenda Constitucional 95 -, que congela os investimentos públicos por 20 anos. “Temos assistido à queda de participação federal na saúde, como proporção na receita corrente líquida. Ela foi 15,77% em 2017, caiu pra aproximadamente 14% em 2018 e agora no orçamento de 2019 era 13,8%”, afirma o economista Francisco Funcia, assessor técnico do Conselho Nacional de Sáude para orçamento do SUS para a repórter Beatriz Mota, numa publicação da Fiocruz.
Ele explica ainda que esse parco recurso sofreu um corte de 3% pelo governo Bolsonaro. “O que é grave para estados e, principalmente, municípios. Um estudo que a gente fez mostra que os municípios aumentaram até 2,5 vezes a participação no financiamento da saúde no Brasil, entre os anos de 1991 e 2017. Eles participavam com 12% no total (1991) e passaram a participar com 31% (2017). E a contribuição da União, neste tempo, caiu de 72% para 43%. Com qualquer queda do gasto federal, os municípios não têm mais condições materiais e objetivas de compensar”.
Em números absolutos, o Ministério da Saúde teve o congelamento de R$ 599 milhões, 3% do que foi orçado para 2019. “Considerando que o SUS tem enfrentado processo de subfinanciamento crônico desde a sua constituição, que se agravou fortemente a partir da EC 95, em 2017 – com um processo que a gente tem denominado hoje como ‘desfinanciamento’ –, tirar qualquer recurso previsto significa um grave problema. Não há como manter um sistema único de saúde como o nosso, retirando a cada ano mais recurso. Se nada for feito, o SUS vai morrer por asfixia financeira”, assinala Funcia.
Por isso, acentua Elgiane, “defender o SUS é a prioridade das prioridades”. Para a sindicalista gaúcha, “o congelamento dos investimentos públicos em todas as áreas afeta sobremaneira a saúde porque deteriora as condições de vida das pessoas, provocando número maior de adoecimentos, tanto que estamos vendo voltarem doenças já dadas como extintas, principalmente relacionadas às condições de salubridade”.
Artigo publicado no periódico BMC Medicine, mostra que os cortes de gastos federais para o programa Estratégia da Saúde da Família por causa da EC 95 podem levar a 27,6 mil mortes evitáveis até 2030. Além da praticamente extinção do programa Mais Médicos acarreta um possível aumento de 8,6% na mortalidade, o que representa cerca de 48,5 mil óbitos perfeitamente evitáveis em decorrência do abandono de políticas públicas fundamentais para a maioria da população sem acesso ao atendimento privado na saúde.
Os especialistas realçam a necessidade de políticas públicas de saúde para valorização da medicina preventiva. É nesse contexto que entra o fundamento do Outubro Rosa. “É neste mês que as mulheres podem valorizar a sua saúde, exigindo seus direitos”, acentua Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB.
Isso porque é sabido que as mulheres sofrem mais as consequências da precariedade na saúde. “São as mulheres que, em geral, têm sobre os seus ombros a responsabilidade de cuidar da saúde da família, sobrando pouco tempo para si mesma”, garante.
Prevenção ao câncer de mama
“A prevenção ao câncer de mama é essencial para mostrar à mulher a necessidade dela se cuidar e se respeitar para ser respeitada em sua vida como qualquer pessoa”, diz Ivânia Pereira, vice-presidenta da CTB. Para ela, a mamografia anual para mulheres acima dos 40 anos é fundamental para a prevenção dessa doença e “os cortes efetuados em diversas áreas e o congelamento de investimentos no setor público causam transtornos à vida de todo mundo”.
Assista ao vídeo explicativo:
Tanto que a Sociedade Brasileira de Mastologia, o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia divulgaram um comunicado conjunto em defesa da mamografia anual.
“As principais sociedades médicas do mundo são unânimes em recomendar o rastreamento mamográfico com uma periodicidade anual ou bienal, a depender do país. No Brasil, as sociedades médicas recomendam o rastreamento mamográfico anual para as mulheres entre 40 a 75 anos“, explica o comunicado à sociedade.
“A deposição da presidenta Dilma em 2016 trouxe consequências drásticas para o país. As pessoas estão mais doentes porque estão trabalhando em condições cada vez mais precárias e sem descanso adequado e a saúde pública está retrocedendo décadas por falta de atendimento adequado”, explica Ivânia.
“Cortar investimentos em áreas fundamentais para a melhoria da vida da população como saúde, educação, transportes, habitação, saneamento básico, aliados à liberação de agrotóxicos na agricultura e corte de bolsas de estudos afeta pesquisas em saúde, em prejuízo para a população mais necessitada”, conclui Elgiane.
“Acabar com o SUS é outro fator que provoca aumento da incidência da doença, porque ainda existe tratamento para câncer de mama proporcionado pelo SUS”, realça.
Fonte: CTB
Publicado em 09/10/2019
Dória quer extinguir a Furp, maior produtora pública de medicamentos do Brasil
A Federação Nacional dos Farmacêuticos, entidade representativa da categoria farmacêutica no Brasil, e o Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de São Paulo vêm por meio desta nota manifestar seu mais profundo repúdio ao anúncio do governador do Estado de São Paulo, João Dória, que ameaça extinguir a Fundação para o Remédio Popular (FURP), maior produtora de medicamentos públicos do Brasil e da América Latina.
A privatização ou ameaça de extinção da FURP representa um ataque gravíssimo à soberania nacional na área de produção de medicamentos. A empresa foi criada pela Lei Estadual nº 10.071 de 10 de abril de 1968 com o objetivo de fabricar medicamentos para que as prefeituras, hospitais públicos e entidades filantrópicas de todo o Brasil possam adquirir medicamentos com preços reduzidos, para serem distribuídos gratuitamente à população que utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS).
Só em 2018, a FURP produziu quase 530 milhões de medicamentos para a rede pública. Entre os itens produzidos destacam-se antibióticos, antirretrovirais, anti-inflamatórios, anti-hipertensivos, dermatológicos, imunossupressor, diuréticos, medicamentos para transplantados, controle da Diabetes, para tratamento de transtornos mentais, tuberculose, hanseníase.
Além disso, existem medicamentos que somente a Furp fabrica, pois não há interesse comercial de fabricação por outros laboratórios devido ao baixo retorno financeiro. A empresa paulista também é responsável pela produção de inúmeros medicamentos para doenças negligenciadas. Ela é a única fabricante nacional de estreptomicina e de etambutol, que tratam a tuberculose. Também de derivados da penicilina, que, por serem medicamentos antigos e baratos, poucas empresas têm interesse em produzi-los.
A privatização ou extinção da FURP resultará em ainda mais falta de medicamentos em hospitais e postos de saúde e em maior dificuldade da população mais carente ter acesso a tratamentos. Além disso, obrigará o Estado a adquirir de indústrias farmacêuticas privadas parte dos medicamentos que deixarão de ser produzidos pela FURP, o que representará uma ampliação dos gastos públicos com medicamentos.
Outra consequência da extinção será a eliminação de postos de trabalho de dezenas de farmacêuticos e outros profissionais.
A Fenafar destaca que os argumentos elencados pelo governo paulista para desmontar a FURP estão sendo usados de forma indevida. O governo paulista utilizou a Furp de Guarulhos como intermediária para a celebração da Parceiria Público-Privada. A Parceria Público-Privada celebrada com a empresa EMS para gestão da fábrica na cidade de Américo Brasiliense é a origem dos problemas financeiros e das denúncias de desvios que atingem a FURP. A Concessionária Paulista de Medicamentos (fruto da PPP entre EMS e o governo do Estado) gerou uma dívida de mais de 90 milhões de reais para a FURP , porque a CPM utiliza o mesmo CNPJ da FURP de Guarulhos.
Sob as regras do contrato, o governo pagou até sete vezes mais que o valor de mercado pelos remédios da concessionária. Além disso, desde maio, os deputados paulistas apuram suspeitas de repasses de propina da Camargo Corrêa para a Furp desistir de uma disputa judicial e pagar uma indenização de 18 milhões de reais ao consórcio que construiu a fábrica. O trato foi selado em 2014 e o valor dividido em 48 parcelas, em um total de 22 milhões, com juros e correção. O caso teria ocorrido entre 2009 e 2012, mas só veio à tona no ano passado, após denuncia do Ministério Público.
Essa dívida não é da FURP, é fruto da má gestão do governo do Estado!
Não ao desmonte da FURP!
Em defesa da soberania brasileira da produção de medicamentos!São Paulo, 01 de outubro de 2019
Federação Nacional dos Farmacêuticos
Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de São Paulo
Nota Abrasco sobre as propostas de mudança na PNAB em Saúde
Na trajetória do SUS, desde o início dos anos 1990, as discussões e a construção de propostas sobre temas estruturantes, particularmente os que concernem ao pacto federativo, à descentralização, ao financiamento e ao modelo de atenção no SUS, se deram de forma gradual e participativa ao longo de meses ou anos, como no caso das Normas Operacionais do SUS do Pacto pela Saúde e da própria política de Atenção Básica em Saúde (aqui também denominada de Atenção Primária à Saúde- APS).
Tais processos envolveram negociações que buscaram equacionar os diferentes pontos de vista e conflitos para a construção de consensos possíveis em cada momento histórico.
A consolidação da APS nas últimas décadas representa um dos mais relevantes avanços do SUS enquanto política pública e sistema de saúde universal no Brasil. Tal êxito está ancorado na abrangência da Estratégia Saúde da Família, o principal modelo assistencial da APS, que ultrapassou a marca de 40.000 equipes em todo o território nacional em 2017.
A superioridade do modelo da ESF em relação ao modelo tradicional de atenção tornou-se consenso nacional e internacional. Em que pese o sucesso dessa política, persistem desafios relevantes no âmbito da gestão do trabalho e da educação, acesso e resolutividade, coordenação do cuidado e retaguarda assistencial nas redes loco-regionais. Políticas nessa área precisam preservar as conquistas e avançar no enfrentamento desses desafios, o que requer construção coletiva, estabilidade institucional e aportes financeiros adequados.
A proposta de mudança no financiamento da Atenção Primária à Saúde, associada a outras propostas recentes do Ministério da Saúde, pode afetar profundamente o modelo da APS no país.
Neste sentido a Abrasco entende que se faz necessário ampliar o debate sobre as mudanças propostas, discutindo inclusive alternativas com a participação dos diversos atores do SUS (Conselho Nacional de Saúde, CONASS, CONASEMS), instituições acadêmicas e entidades da sociedade civil.
Este amplo debate deve contemplar as seguintes prioridades:
I. Fortalecimento do caráter público da gestão e prestação de serviços da Atenção Primária à Saúde, em consonância com os princípios e diretrizes do SUS;
II. Garantia de uma APS abrangente de base territorial e populacional, com corresponsabilidade do gestor municipal, estadual e federal;
III. Organização das redes de atenção, possibilitando a integração da APS com todos os níveis assistenciais;
IV. Apoio à formação e educação permanente de profissionais para o SUS;
V. Valorização das equipes multiprofissionais e da articulação intersetorial na APS;
VI. Garantia do papel do Ministério da Saúde no financiamento adequado do SUS e da APS, com revogação dos dispositivos que prejudicam o financiamento público da saúde, como a EC 95/2016, desvinculações e demais medidas de austeridade e restrição aos gastos sociais;
VII. Implementação de estratégias que visem à redução das desigualdades em saúde no território nacional e entre grupos sociais, ampliando os mecanismos de redistribuição e alocação equitativa dos recursos federais e estaduais voltados para a APS.
O SUS é uma construção democrática garantida na Constituição Federal de 1988. A Abrasco reafirma seu firme propósito de não abrir mão deste direito.
Saúde é um direito de todos e dever do Estado.
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
29 de setembro de 2019.
Audiência pública em Guarulhos contra fechamento da FURP
No último dia 04/10, a Câmara Municipal de Guarulhos realizou audiência pública para denunciar as graves consequências que a proposta do governado João Dória trará caso a Fundação para o Remédio Popular (FURP) seja fechada. A Fenafar foi representada pelo diretor do Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de São Paulo, Bruno Fernandes.
A audiência lotou o plenário da Câmara com funcionários da FURP, e teve participação de lideranças do movimento social, sindicalistas de outras categorias (bancários, condutores, químicos), vereadores e deputados. A audiência discutiu os impactos do fechamento da Furp, como o fim da produção de medicamentos para a tuberculose — que só é feita pela FURP — e a capacidade de transferência de tecnologia.
O diretor do Sindicato, Bruno Fernandes, destacou que a luta contra o fechamento da FURP é um movimento de defesa da “soberania e independência nacional e garantia de acesso de populações vulneráveis a medicamentos. Além de ser uma questão de otimização de recursos do Estado, uma vez que a FURP garante a produção de medicamentos a preços mais baixos para mais de 3 mil municípios”.
Leia mais: Nota da Fenafar e do Sinfar-SP sobre o fechamento da FURP
O farmacêutico também alertou para os prejuízos sociais que a medida terá. “Cerca de 1000 funcionário perderão seus postos de trabalho. Num momento em que o Brasil tem mais de 13 milhões de desempregados, extinguir mais de 1000 postos é uma irresponsabilidade, uma total falta de compromisso. O governador João Dória precisa saber que nem tudo se resume ao lucro. Os laboratórios públicos não têm que gerar lucro, eles têm que contribuir para a movimentação e para o desenvolvimento econômico, com a geração de empregos, produção de conhecimento, de novas tecnologias. Diminuir a dependência do Brasil para alguns medicamentos essenciais e que não tem interesse para a indústria nacional”, afirmou Fernandes.
Da redação
Publicado em 11/10/2019
Conheça a lei que vai causar prejuízo bilionário ao Ministério da Saúde e ampliar lucro das farmacêuticas
Reportagem publicada pela Repórter Brasil mostra como a Lei de Patentes, de 1996, é um obstáculo ao direito à saúde. Estudo da UFRJ estima que governo vai desperdiçar R$ 3,8 bilhões em 10 anos por conta do atraso na avaliação de pedidos de patentes farmacêuticas; o monopólio de mercado dura em média três anos a mais no Brasil do que em outros países e postergam a entrada de genéricos no país.
“Quem possui a patente desta vacina?”, pergunta o jornalista na TV. “O povo, eu diria. Não há patente”, responde o médico e cientista norte-americano Jonas Salk na famosa entrevista que concedeu em 1955, após lançar a primeira vacina contra a poliomielite, doença contagiosa que desafiava a medicina na época. “Você poderia patentear o sol?”, continuou o cientista, que se tornou inspiração para quem defende medicamentos acessíveis à população. A provocação do pesquisador faz sentido. O preço dos medicamentos está diretamente ligado à existência (ou não) de uma patente – instrumento que garante exclusividade na fabricação e venda de um produto. Sem concorrentes, os valores dos remédios tendem a ser mais altos – o que garante lucro maior à indústria farmacêutica.
No Brasil, contudo, uma singularidade da legislação permite que o monopólio de um remédio dure mais tempo do que a média mundial, o que atrasa a entrada de genéricos no mercado, que são mais baratos.
Por conta disso, o Ministério da Saúde vai desperdiçar R$ 3,8 bilhões nos próximos dez anos com a compra de nove medicamentos, indicados para o tratamento de câncer, hepatite C, reumatismo e doenças raras. O gasto foi estimado por pesquisadores do Grupo de Economia da Inovação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Enquanto o prazo de uma patente farmacêutica é de 20 anos em outros países, no Brasil a duração média é de 23 anos. Há casos que passam dos 28 anos. “A legislação brasileira dá um benefício extra às empresas que não estava previsto [no tratado internacional que determinou duas décadas como tempo padrão]”, diz a economista Julia Paranhos, coordenadora do estudo.
Artigo 40, parágrafo único
O problema no Brasil gira em torno da Lei de Propriedade Industrial, aprovada em 1996 sob forte lobby do setor farmacêutico. Um artigo da lei autoriza o tempo extra às patentes caso o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) demore mais de 10 anos para analisar um pedido. Atualmente, o órgão leva em média 13 anos para concluir uma análise do setor farmacêutico – o que amplia para 23 anos, em média, o monopólio sobre um remédio.
Um exemplo é o dasatinibe, usado no tratamento de leucemia. Nos últimos cinco anos, o Ministério da Saúde gastou em média R$ 69 para cada comprimido. Na Índia, a versão genérica é vendida a R$ 16. O remédio similar poderia chegar ao Brasil em abril de 2020, quando completa 20 anos a patente do dasatinibe. Porém, o mercado nacional continuará fechado até novembro de 2028, porque o INPI demorou 18 anos para analisar o pedido.
O polêmico trecho da lei está em debate no Supremo Tribunal Federal, onde uma ação de 2016 da Procuradoria-Geral da República pede o fim da prorrogação de patentes no Brasil, mas não há prazo para o julgamento.
O INPI concedeu 683 patentes farmacêuticas desde 1997, das quais 630 (92%) foram beneficiadas com a prorrogação acima dos 20 anos, segundo levantamento do grupo de pesquisa da UFRJ, que investiga o setor há mais de 10 anos.
Mesmo quando a prorrogação não se aplica, como no caso das patentes pedidas antes de a lei entrar em vigor, a indústria farmacêutica recorre ao artigo 40 para entrar com ações na Justiça pedindo a extensão do monopólio. É o caso do humira (para artrite reumatoide e outras doenças), do laboratório norte-americano Abbvie. Uma ação judicial garante à empresa a exclusividade no Brasil até fevereiro de 2020, embora sua patente tenha expirado em 2017.
Enquanto uma decisão definitiva da Justiça não sai, a insegurança jurídica mantém concorrentes fora do mercado. Com isso, nos últimos cinco anos, o Ministério da Saúde repassou R$ 3,7 bilhões à Abbvie para comprar o humira. Ao final dos três anos de prorrogação da patente, o prejuízo estimado ao Ministério da Saúde será de R$ 990 milhões, segundo o estudo.
O humira é o medicamento de maior faturamento no mundo todo, com vendas globais de US$ 19,9 bilhões só em 2018. Para se ter ideia de como o fim da patente impacta seu preço, na Europa, a Abbvie ofereceu descontos de 80% após a chegada dos primeiros similares. Afinal, qual o preço real dessa droga?
Família de patentes
A prorrogação de patentes farmacêuticas tornou-se padrão no Brasil por dois motivos: o alto número de pedidos de invenção apresentados pelas empresas e o baixo número de examinadores do INPI.
Atualmente existem 319 funcionários responsáveis por analisar invenções de todos os setores da economia. Mas na fila há 160 mil pedidos pendentes, ou 501 por examinador, segundo o INPI. O cenário é pior do que o encontrado nos Estados Unidos, Europa, Japão, Índia e México.
Já o excesso de pedidos de patentes farmacêuticas foi investigado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), órgão ligado ao Ministério da Saúde. No caso do adalimumabe, o estudo identificou 33 pedidos apresentados ao INPI pela Abbvie e suas concorrentes. Apenas dois pedidos foram concedidos, um foi rejeitado, oito foram arquivados e 22 continuam na fila.
Além de amontoar a pilha de trabalho do INPI, os múltiplos pedidos de patente para um mesmo princípio ativo são uma estratégia da indústria farmacêutica para “perpetuar a exclusividade de um produto”, diz a farmacêutica Roberta Dorneles da Costa, pesquisadora da UERJ e uma das autoras do estudo da Fiocruz.
“A indústria farmacêutica adota diferentes estratégias para manter o monopólio. O primeiro passo é criar essa rede interminável de patentes”, diz Carlos Portugal Gouvêa, professor de direito comercial da USP. “Outra estratégia são os processos judiciais, porque enquanto não há uma decisão final, os concorrentes ficam afastados”, completa Paranhos.
O INPI reconhece que o número de examinadores é baixo e que “a demora na análise de pedidos de patentes tem levado à extensão do prazo de proteção”. O órgão informou que em julho começou um plano para reduzir o tempo de análise das patentes para cinco anos: a meta é reduzir a pilha de pedidos em 80% até 2021.
Procurada, a Abbvie não comentou a prorrogação do monopólio do humira nem tratou dos vários pedidos de patente para o medicamento. O laboratório disse à Repórter Brasil que o preço do remédio caiu nos últimos dez anos.
O Ministério da Saúde disse à Repórter Brasil que se pronunciará após a publicação do estudo.
Negociação de preços
Outro medicamento analisado pela UFRJ é o sofosbuvir, indicado para a hepatite C, doença que atinge 71 milhões de pessoas no mundo e mata 400 mil por ano, a maior parte em países pobres. Desenvolvido pela Gilead, o sofosbuvir parece tão revolucionário como a vacina de Salk, já que cura a hepatite C em 95% dos casos. Mas o alto preço cobrado pela Gilead e a barreira aos genéricos mantém a erradicação da doença num horizonte distante.
No Brasil, o Ministério da Saúde gastou mais de R$ 1,7 bilhão com o sofosbuvir desde 2014, pagando em média R$ 258 por comprimido, segundo o levantamento da UFRJ. Em países de baixa renda, porém, ele é vendido por R$ 2,95 (98% menos), enquanto nos Estados Unidos chega a R$ 4.000. O pedido de patente no Brasil foi apresentado em março de 2008, mas após 11 anos a análise ainda não foi concluída. A UFRJ estima em R$ 346 milhões o custo extra ao Ministério da Saúde para cada ano de prorrogação da patente do sofosbuvir.
Ao defender a prorrogação das patentes, a Interfarma (representante das empresas estrangeiras no Brasil) diz que os laboratórios não aproveitam comercialmente os 20 anos de monopólio, já que os primeiros 10 anos são dedicados a pesquisas e testes para criar o medicamento. A entidade diz que os investimentos farmacêuticos são altos e que a sustentabilidade do negócio “requer a manutenção do direito à propriedade industrial”.
O presidente do laboratório brasileiro com o maior número de patentes, no entanto, defende duração de 20 anos para o monopólio, “tal como é reconhecido no mundo inteiro”, diz Ogari Pacheco, do Cristália. Para a Libbs, que financiou a pesquisa da UFRJ, a prorrogação de patentes “atrasa a entrada de genéricos” e “aumenta muito os gastos do SUS”. A Abifina, representante das farmacêuticas brasileiras, classifica este trecho da lei como inconstitucional e diz que que algumas empresas usam a lei para “extensão artificial do prazo das patentes”.
Para os pesquisadores da UFRJ, além de mostrar a necessidade de investimentos no INPI, o estudo indica que o governo brasileiro pode gastar menos com medicamentos. “É possível o Ministério da Saúde buscar formas de negociar os produtos e conseguir preços mais baixos”, diz Paranhos.
“O futuro está em nossas mãos”, disse Salk em 1985. “Para decidir se usaremos a ciência, a tecnologia e o conhecimento que possuímos para o melhor, em vez de para o pior”.
Fonte: Repórter Brasil, por Diego Junqueira
Publicada em 09/09/2019
Reflexos na saúde após golpe de 2016 podem levar Brasil à barbárie social
Ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro alerta: corte nos investimentos públicos somado à recessão econômica e precarização do trabalho deixarão milhões sem assistência médica.
O Brasil teve a oportunidade de experimentar por três décadas a construção de um sistema universal de saúde baseado na ideia de que esse é um direito de todos e um dever do Estado. Mas, após três anos do golpe que em 31 de agosto destituiu definitivamente Dilma Rousseff da Presidência da República, essa construção corre grave risco e pode levar o país a uma situação de barbárie social.
Ministro da Saúde do segundo governo Dilma, entre 2014 e 2015, o médico Arthur Chioro (veja entrevista ao final da reportagem) lembra que o Brasil foi o único país com mais de 100 milhões de habitantes que ousou colocar na Constituição, em 1988, esse direito, com a criação do Sistema Único de Saúde.
“Entre 2003 e 2015 tivemos a oportunidade de viver esse processo de expansão, com cobertura de mais de 70% da atenção básica em saúde”, diz, lembrando programas como o Saúde da Família, o Mais Médicos. “Setenta e três milhões de brasileiros que viviam em condições mais adversas, nas periferias das grandes cidades, região semiárida, na região Amazônica, aldeias indígenas, assentamentos, nunca tinham tido contato com uma equipe completa.”
Obras dos governos petistas, a expansão da atenção básica coincidiu com a ampliação da assistência farmacêutica, a criação de programas como o Brasil Sorridente (odontológico), a implantação dos serviços de Samu, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, em todo o Brasil.
“O resultado concreto é que, graças ao SUS, o brasileiro vive mais, houve diminuição da mortalidade infantil e materna, da mortalidade por causas evitáveis. Se o brasileiro vive mais e melhor, ele deve fundamentalmente à criação de um sistema universal, para todos”, avalia Chioro.
Mas, uma das primeiras áreas atingidas pelo golpe, a saúde acabou vendo sua evolução orçamentária paralisada pela Emenda Constitucional 95. Promulgada pelo Congresso Nacional quatro meses após a destituição da presidenta Dilma, a emenda conhecida como PEC da Morte estabeleceu um teto de gastos válidos por 20 anos.
Com isso, o montante que vinha tendo aumentos mais ou menos expressivos desde 2004 – cresceu 18,54%, em 2012 – chegou a 2019 com um ínfimo acréscimo de 0,23%. A situação deve piorar muito e continuamente até o ano de 2036, segundo estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). A projeção do orçamento para o setor, sob a barreira do teto de gastos, indica perda que deve chegar a R$ 1 trilhão até 2036, em relação ao que seria investido na saúde de acordo com o previsto pela Constituição Federal.
Perversidade da velha política
“E o que é mais perverso é que tanto o governo Temer como o governo Bolsonaro têm utilizado a ‘sobra’ de recursos obtida pela fragilização de programas como a Farmácia Popular, pelo não cumprimento dos gastos previstos no programa Mais Médicos, pela diminuição da oferta de vacinas e medicamentos de alto custo, exatamente para fazer pagamento de emendas parlamentares com as quais têm sido literalmente compradas as reformas trabalhista e da Previdência”, denuncia Chioro.
“E a gente ainda é obrigado a ouvir o discurso de que a relação com o Congresso mudou e o governo Bolsonaro não faz a política do ‘toma lá e dá cá’. É literalmente uma política do ‘tira da população brasileira’ para honrar o processo de desmontagem da estrutura de proteção social que esse país construiu ao longo de décadas”, critica o médico sanitarista.
A Emenda Constitucional 95 é tão absurda que quanto maior o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, maior a perda de recursos para cuidar da saúde da população. Pela regra anterior ao teto de gastos, a saúde seguiria correspondendo sempre a 15% do orçamento geral. Mas com o teto, se o PIB tiver crescimento, os investimentos em saúde não acompanham, porque a lei prevê a correção do orçamento no máximo pela inflação.
A mesma situação ocorre com o investimento per capita em saúde. Nos governos petistas, o Brasil avançou de um investimento em saúde por pessoa de aproximadamente R$ 420, em 2008, para R$ 519, em 2016. A projeção do Ipea indica que chegaríamos a 2025 com R$ 632 per capita, e em 2036 com R$ 822. Mas o teto de gastos impede essa evolução e vai fazer o país reduzir o gasto per capita em saúde para R$ 411 em 2036. Menos do que era investido em 2008.
Os programas de atendimento à população mais pobre estão entre os mais atingidos. Após 16 anos de expansão contínua, a Estratégia Saúde da Família (ESF), modelo de atendimento que a equipe de saúde vai à casa das pessoas e atua de forma territorializada, teve sua primeira redução de atendimento. Em 2019, o ESF perdeu 836 equipes, deixando de atender 2,2 milhões de pessoas. A equipe completa, mencionada pelo ex-ministro Chioro, é multiprofissional, composta por médico e enfermeiro especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS).
“Estudo publicado em 2018 já antecipava o impacto que a EC 95 teria sobre municípios e estados. Mantida a ordem das coisas, chegaremos em 2022 com estados e municípios tendo de honrar, para manter a atual rede existente, 70% dos gastos com saúde e isso é impossível”, relata o ex-ministro. “O que nós já estamos observando é progressivamente a incapacidade de manutenção da operação cotidiana do sistema de saúde.”
A destruição do programa Mais Médicos, cujos profissionais cubanos deixaram os locais de trabalho no final de 2018, após uma série de ataques e mentiras difundidas pelo presidente Jair Bolsonaro, é um exemplo desse descaso. Cerca de 28 milhões de pessoas ficaram sem atendimento após a saída dos 8.476 médicos cubanos de 1.575 cidades. Locais esses que passaram a não ter nenhum médico, já que brasileiros não aceitaram ir para esses municípios nos editais abertos posteriormente.
“Os governos Temer e Bolsonaro entregam aquela receita do Banco Mundial, do Consenso de Washington que tinha sido desenhada 1993. No caso da saúde era uma medicina pobre para os pobres. Ao invés de uma atenção primária de qualidade, uma atenção primitiva”, compara.
O golpe e a volta do sarampo
Para Chioro, a volta do surto de sarampo tem a ver com a incapacidade do Estado brasileiro. “Não tem nada a ver com a Venezuela, como diz o governo. Mas com a vergonhosa postura do Ministério da Saúde de não coordenar as ações necessárias de enfrentamento da circulação do vírus do sarampo.”
Quando era ministro, lembra o médico, o Brasil viveu situação parecida, mas com desfecho completamente diferente. A visita de estrangeiros não vacinados ao país reintroduziu o sarampo no Recife e em Fortaleza. “Num esforço muito grande, envolvendo o governo federal, estados e municípios, nós tivemos capacidade de enfrentar e resolver o problema”, afirma.
“Temos hoje mais de 2 mil casos de sarampo, óbitos acontecendo, de uma doença da qual tínhamos obtido o certificado de erradicação. É um exemplo da recrudescência, da reemergência de problemas que estão diretamente relacionados à falta de investimento, à desmontagem do SUS, à desorganização, ainda que o discurso seja de ficar colocando a culpa no passado. Uma postura irresponsável porque fragiliza e coloca em situação de altíssima vulnerabilidade toda população brasileira”, ressalta Chioro.
Desmonte a serviço do mercado
O ex-ministro da Saúde explica que o SUS sempre enfrentou a situação de subfinanciamento, ou seja, de ter menos recursos do que necessita. “Desde a instauração do golpe podemos afirmar que vivemos uma situação de desfinanciamento”, compara.
“É de uma perversidade inaceitável”, lamenta. “Mas na lógica desses liberais conservadores que instalam uma nova ordem no país a partir do golpe, a diminuição dos gastos públicos objetiva aumentar os lucros do sistema financeiro e aumentar o percentual da população brasileira que terá de buscar no mercado o provimento de suas necessidades.”
Chioro afirma que mesmo países capitalistas – como Canadá, Reino Unido, Itália, Espanha, França, países escandinavos – reconheceram ao longo da história que o Estado tem papel fundamental no atendimento à saúde. “Aqui se pretende fazer o mesmo caminho desastroso que os Estados Unidos, Chile, Colômbia fizeram. E demonstram com indicadores péssimos, com incapacidade de atender às necessidades das pessoas, um caminho de transformar de vez a saúde em mercadoria.”
Assim, avisa o médico, o país caminha para a barbárie. Em um contexto de recessão econômica, de perda dos contratos formais de trabalho que permitiam acesso aos planos coletivos de saúde, não haverá capacidade financeira da população para o pagamento dos serviços de saúde. “Toda essa situação condenará milhões e milhões de brasileiros à desassistência”, avalia. “Por isso, tenho uma convicção baseada em evidências, estudos que vêm sendo feitos não só por nós da Unifesp, mas por pesquisadores em todo o país, de que nós caminhamos aceleradamente para uma situação de barbárie com a desmontagem das políticas públicas, entre elas a do Sistema Único de Saúde.”
Fonte: Rede Brasil Atual
Publicado em 05/09/2019