Inflação de remédios dispara, afeta idosos e mais pobres

Os reajustes podem chegar a 13%, antecipa o mercado financeiro. Economista prevê quadro dramático para pessoas de mais idade e renda mais baixa. Com a inflação já nas nuvens – e subindo – o governo deve favorecer as empresas farmacêuticos.

 

 

Controle de produção pelas farmacêuticas globais e altos custos cambiais no Brasil devem prolongar, a partir de 1° de abril, o forte aumento dos preços dos medicamentos iniciado no ano passado. O valor da autorização para os reajustes ainda não está definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, mas o sistema financeiro está antecipando um limite próximo dos 10,06% do ano passado, podendo chegar aos 13%. É um descalabro, do ponto de vista econômico, para todos os setores sociais. Mas a economista Vivian Almeida, professora do Ibmec-RJ, não tem dúvida: os idosos, os mais pobres e os pacientes de doenças crônicas vão ser especialmente penalizados.

“O quadro mais dramático é a pessoa com mais idade ou com problema de saúde com uma renda mais baixa”, sentencia ela. A Câmara reguladora, que administra o preço de cerca de dez mil medicamentos, amenizou em parte o sofrimento ao cortar a zero, em janeiro, um dos fatores cobrados dos consumidores: os (presumidos) ganhos futuros de produtividade dos oligopólios globais. Com isso, também deve ser zero um fator que (presumivelmente) coíbe a concentração do mercado. No entanto, só a inflação pelo IPCA acumulada em 12 meses até fevereiro já está em 10,54%, e o varejo provavelmente será autorizado a repassá-la aos consumidores. Com uma crueldade adicional: este ano, o índice que afeta as populações mais pobres, o INPC, usualmente menor que o IPCA, também está nas nuvens: fechou 2021 com alta de 10,16%, contra 5,45% em 2020.

O mercado global ainda não resolveu seus gargalos de produção, como diz a imprensa, gerando surtos instáveis de preços desde 2020 – e não só no setor farmacêutico. Ontem o mercado financeiro voltou a ampliar sua expectativa de aumento do IPCA para 6,86% em 2022. Há uma semana havia projetado 6,59% e há quatro semanas, 5,6%. Como se vê, se o governo não governa, o contágio dos oligopólios é imediato. Em dezembro já se previa tanto a falta de medicamentos no mercado, como o consequente aumento nos preços do setor, reportou a BBC. Eles seguem principalmente a tendência de alta do dólar, disse Silvia Okabayashi, da Universidade Metodista de São Paulo.

Silvia replica o alerta feito por Vívian, acima: são sempre as famílias de baixa renda que mais sofrem. “Proporcionalmente elas são mais afetadas por esse processo inflacionário, porque os valores impactam mais no seu orçamento, e elas já têm um poder de compra reduzido”. Não há muita saída: os remédios que não são importados usam insumos importados. No fim das contas, 90% da produção de medicamentos no Brasil é dependente da indústria externa. Se o dólar cair, o preço dos remédios pode não subir tanto, explica Silvia. Mesmo com inflação. “Mas é difícil”, diz ela.

Existe ao menos alguma expectativa de estabilização global. O consultor de investimento Étore Sanchez, por exemplo, acredita que o reajuste dos remédios pode ser diluído, caindo nos meses seguintes: 60% do reajuste que for autorizado seria aplicado em abril, diz ele. Depois viriam 30% em maio e 10% em junho. Mas os reajustes premiarão as grandes empresas, seja como for. Esses limites de preços são muito altos, na avaliação do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). “A regulação não funciona como se propõe”, afirma Matheus Falcão, advogado do Instituto, porque o atual sistema permite que se façam vários reajustes no ano. Já os clientes não podem escolher quando e quanto podem pagar.

O efeito da inflação de produtos farmacêuticos é especialmente grave porque já está fazendo um ano. Disparou em abril do ano passado, subindo 2,69% no mês – para se ter uma idéia, seriam 32%, se a taxa persistisse por 12 meses. No caso dos antibióticos, o aumento foi de 5,2%. Os reajustes, então, degringolaram. No mês anterior, em março, o governo havia autorizado aumento de 10,08% nos preços, o maior reajuste desde 2016. Com a pandemia, em 2020, o teto de reajustes havia sido fixado em 5,21%. Em 2019, ficará em 4,33%, em 2018 em 2,43% e em 2017 em 4,76% (como se vê no gráfico abaixo). Confirmando o efeito perverso, logo após o reajuste de março de 2021, 59% dos idosos deixaram de comprar medicamentos por falta de dinheiro, conforme pesquisa da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias.

Por Flávio Dieguez, em Outras Palavras

Campanha Nacional pela Jornada Máxima de 30 Horas para os Farmacêuticos

São várias as lutas desenvolvidas pela Fenafar para valorizar o profissional farmacêutico. Entre elas se destaca a luta pela redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem redução de salário. Hoje esta campanha se traduz na luta pela aprovação do PLS 513/2015 que dispõe sobre a jornada de 30 horas semanais para os farmacêuticos.

 

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A luta pela redução da jornada

No Brasil, a luta pela redução da jornada de trabalho não é nova, estando presente no debate sindical desde o início do processo de industrialização, e precisa ser vista como evolução constante na história das relações de trabalho. A redução da jornada serve como indicador do grau de democracia, cidadania, de maturidade nas relações sociais e mesmo do processo de civilização de povos ou nações.

A literatura que comprova a queda no rendimento do trabalhador, de sua capacidade física e mental, após seis horas de trabalho é farta e, neste sentido, é bastante pertinente se colocar a redução da jornada de trabalho na saúde também como medida de proteção à população usuária.

A discussão sobre a duração da jornada para as profissões da saúde tem sido realizada internacionalmente. No âmbito da Organização Mundial da Saúde há recomendações para que as jornadas sejam compatíveis com a particularidade de um trabalho de atendimento e cuidado com as pessoas, onde os profissionais são submetidos a estresse e pressão. Nesta lógica, diversas categorias já conquistaram jornadas menores, através de legislações federais. Entre as profissões que já conquistaram jornadas de 30 horas estão: medicina, auxiliares de laboratorista e radiologista e internos, técnicos em radiologia, assistentes sociais, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais já tem este direito reconhecido.

É importante compreender que, diferentemente do senso comum que tenta cunhar esta luta como sendo meramente corporativa, trata-se de uma conquista importante para toda a sociedade brasileira.

Vários são os fatores que fundamentam a redução da jornada de trabalho para os trabalhadores das áreas da saúde, que inclui os farmacêuticos. Precisamos destacar as peculiaridades das funções, já que estas lidam com vidas humanas, de modo geral debilitadas pela situação de doença, e que buscam nestes profissionais as ações de preservação, recuperação e restauração do bem maior que é a saúde.

A natureza desgastante do trabalho já é motivo para a proteção legal de trabalhadores e o desgaste na saúde é evidente e começa pelo contato direto ou mesmo indireto com a população que procura os serviços em situações de estresse, necessitando atenção e dedicação constantes dos trabalhadores que lidam com a vida das pessoas, seus familiares e toda a carga emocional gerada pelo adoecimento. Aos profissionais é exigida uma enorme dose de discernimento que, evidentemente, cobra seu preço, que é tanto maior quanto o tempo de trabalho despendido.

Precisamos ter claro que ao falarmos de saúde tratamos de um serviço diferenciado, onde a produtividade não deve ser medida pelo número de pacientes atendidos. Não se mensura sua qualidade simplesmente pelo número de receitas atendidas.

Essa realidade aponta para a necessidade de mudanças profundas na organização do trabalho farmacêutico, sendo a redução da jornada de trabalho um primeiro passo importante. O que trará, inclusive, benefícios à sociedade, além de desencadear o surgimento de empregos mais qualificados.

Histórico desta luta na categoria Farmacêutica

A redução da jornada tem sido uma bandeira apontada pela Fenafar desde o seu 1º Congresso. Depois de muito debate e discussão na categoria, com categorias parceiras e com parlamentares sensíveis às causas dos direitos dos trabalhadores, em particular da luta dos farmacêuticos, em 2002 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Nº. 6.277/2002, de autoria do deputado José Carlos Coutinho. Durante a sua tramitação na Câmara, o projeto obteve pareceres favoráveis na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público e na Comissão de Constituição e Justiça, e seguiu para o Senado.

No Senado Federal, o projeto foi renomeado e como Projeto de Lei de origem da Câmara dos Depugados – PLC Nº. 113/2005.

No Senado ele tramitou na Comissão de Assuntos Econômicos, mas não chegou a ser apreciado nenhum relatório. Chegou a ser arquivado e desarquivado na mudança de legislaturas e, no início de 2015 foi definitivamente arquivado.  Durante os 10 anos que tramitou no Senado, a Fenafar solicitou audiências públicas, fez mobilizações em defesa do projeto, mobilizou sindicatos que realizaram atos e inúmeras moções de assebleias legislativas e câmara municipais foram aprovadas em apoio à redução da jornada de trabalho para a categoria farmacêutico. Nenhuma destas iniciativas sensibilizou os senadores a votar o projeto.

Novo projeto retoma luta pelas 30 horas

Mas a luta por condições dignas de trabalho, que passa necessariamente por uma jornada compatível com o exercício da profissão farmacêutica continua firme. Por isso, a Fenafar conversou com a Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), que também é farmacêutica, para que a proposta fosse reapresentada.

Deste diálogo e da disposição de luta por mais direitos, no dia 05 de agosto a senadora protocolou o Projeto de Lei de Origem no Senado PLS 513/2015 que assegura aos farmacêuticos, em seu parágrafo 1º “a duração do trabalho normal não superior a 30 (trinta) horas semanais”. O projeto tramita inicialmente na Comissão de Assuntos Sociais, onde pode receber emendas.

Mobilize seu sindicato, mobilize os senadores do seu estado e ajude a aprovar o PLS 513/2015.

Fiocruz reforça protagonismo feminino na saúde e no combate à covid-19

Segundo dados do Ministério da Saúde, mulheres representam 65% dos profissionais ocupados no setor público e privado. Em carreiras como Fonoaudiologia e Nutrição, mulheres alcançam quase 90% de participação.

 

 Superar questões complexas, como a desigualdade de cargos e salários no mercado de trabalho, servem de estímulo para as mulheres lutarem pela garantia de seus direitos e não permitirem mais serem colocadas à margem. Com isso, tornam-se cada vez mais capacitadas a fim de conquistarem o seu merecido espaço. Mesmo com as disparidades, presenciamos um momento que reflete o protagonismo que as mulheres vêm assumindo em várias frentes.

Segundo dados divulgados, em 2020, pela Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde, as mulheres são a principal força de trabalho da saúde, representando 65% dos mais de seis milhões de profissionais ocupados no setor público e privado, tanto nas atividades diretas de assistência em hospitais quanto na Atenção Básica. A publicação, baseada no Censo do IBGE, aponta que em algumas carreiras, como Fonoaudiologia, Nutrição e Serviço Social, as mulheres alcançam quase a totalidade, ultrapassando 90% de participação. Em outras, como Enfermagem e Psicologia, estão com percentuais acima de 80%, também bastante expressivos, tanto que a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) declarou, em 2020, que a guerra contra a covid-19 tem rosto de mulher.

Mulheres que fazem a diferença

Entrevista com a coordenadora de Gestão de Pessoas do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Verena Maciel Novaes Khazrik

O que representa para você estar no cargo de gestora de Recursos Humanos do IFF/Fiocruz?
Verena:
 Estar no cargo de gestora de Gestão de Pessoas do IFF/Fiocruz é um grande desafio, pois somos a maior unidade da Fiocruz em número de servidores, mas ao mesmo tempo para mim tem um significado especial, já que representa confiança e respeito com o trabalho desenvolvido desde o início da minha trajetória no Instituto, como também na condução da minha equipe e dos processos de trabalho.

O Instituto possui cerca de 2.060 trabalhadores, independente do vínculo, sendo 1.474 mulheres, muitas em cargos de liderança. Como você avalia o papel das mulheres do IFF/Fiocruz?
Verena:
 As mulheres no mercado de trabalho têm desenvolvido um papel de protagonismo e no IFF/Fiocruz não é diferente, sendo inseridas cada vez mais em atividades de liderança. Atualmente, possuímos 64 cargos gerenciais e 42 são ocupados por mulheres. As gestoras do Instituto possuem diferenciais na condução de suas equipes, pois apresentam capacidade de reconhecer emoções em si e nos outros, o que facilita a administração de conflitos, respeitam as diferenças, têm disponibilidade de se colocar junto às equipes e “arregaçar as mangas”, quando necessário. A sensibilidade feminina amplia a nossa visão na condução das equipes e na solução de problemas.

Quais as mulheres que te inspiram na vida e na profissão? Por quê?
Verena:
 Na vida, a mulher que me inspira é a minha mãe por sua capacidade de resiliência e por sua dedicação à família. Na minha vida profissional, tive o prazer de conhecer e trabalhar com muitas mulheres que me inspiraram, e me inspiram até hoje, e não poderia deixar de citá-las: Maria Verônica, Sueli Coelho e Guiomar Lira, gratidão por acreditarem em mim, me incentivarem e por me prepararem para estar na posição que me encontro.

Destaco que tive a oportunidade de trabalhar com muitas mulheres ao longo da minha vida profissional no IFF/Fiocruz, conhecê-las e ouvir suas histórias me faz enxergar que todas as mulheres são inspiradoras, cada uma do seu jeito. Todas temos nossos encantos, belezas, vitórias, alegrias, medos e derrotas, e sabemos como ninguém “dar a volta por cima”, colocar um sorriso no rosto e seguir em frente.

Entrevista com a Coordenadora-Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe) da Fiocruz, Andréa da Luz Carvalho

A maioria dos servidores da Fundação são mulheres (56,2%) – já em relação aos terceirizados, 46,5% são mulheres – muitas em cargos de liderança. Como você avalia o papel da mulher no mercado de trabalho dentro e fora da Fiocruz?
Andréa:
 A mulher vem ao longo dos últimos 20 anos acelerando um processo de maior capacitação que os homens e ocupando posições de chefia na sociedade. Porém, as barreiras do machismo continuam sendo impeditivas para o alcance de cargos no alto escalão.

Você integra a coordenação colegiada do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, composto em sua maioria por profissionais mulheres. Como é a atuação do Comitê? Quais pontos destaca?
Andréa: O Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz existe desde 2009, com a função de incentivar a construção de políticas e ações relacionadas às questões de gênero e raça em todas as áreas de atuação da Fiocruz. Destaco nossas ações de apoio à elaboração de ações afirmativas para cotas para negros e indígenas; oferta de iniciativas voltadas para a formação nos aspectos de raça e gênero; e execução de eventos voltados à reflexão e valorização da diversidade e combate ao racismo, LGBTfobia e violência no trabalho. Todo ano promovemos o evento “Trajetórias Negras”, que valoriza as histórias de servidores negras e negros da Fiocruz.

Quais as mulheres que te inspiram na vida e na profissão? Por quê?
Andréa: Várias inspiraram minha trajetória de vida e profissional, mas citarei uma, que é a Angela Davis, que fala da posição importante de não só ser contra o racismo, mas sim ter uma posição ética de ser antirracista. Ser antirracista é pensar em combater o racismo estrutural que subjaz e compõe a sociedade capitalista. Ter essa clareza, aumenta muito minha responsabilidade como gestora pública. Por isso, é fundamental atuar em cada área da Fiocruz para ampliar a presença de negras e negros na nossa instituição e garantir que seu trabalho seja reconhecido.

Entrevista com a reitora e professora do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Pires de Carvalho

O que representa para você ser eleita a primeira reitora mulher da história da UFRJ?
Denise: Ter sido escolhida reitora da UFRJ em primeiro turno das eleições, representa o resultado de muita dedicação e das escolhas corretas que fiz durante a minha trajetória acadêmica na Universidade na qual completei graduação, mestrado e doutorado. Sempre me envolvi muito com as atividades de ensino, pesquisa, extensão, além da administração universitária, que marcou minha trajetória desde muito cedo na carreira docente. Fui representante da classe de docentes em diversos fóruns e colegiados, dentro e fora do Centro de Ciências da Saúde, o que me tornou mais conhecida. Nesses fóruns, sempre lutei pelo modelo de universidade pública, gratuita, laica, inclusiva, democrática e com muita qualidade. Minha equipe atual é composta por profissionais altamente qualificados que acreditaram no nosso programa de trabalho para a UFRJ.

Ter sido a primeira reitora mulher eleita em 100 anos de Universidade, confirma o machismo estrutural presente na nossa sociedade patriarcal. Inúmeras mulheres poderiam ter sido reitoras antes de mim, mas elas sequer se candidatavam. Havia muito poucas chances para nós, infelizmente. Estamos muito longe da igualdade de gênero no país e no mundo.

O que representa para você ser eleita como membro titular da Academia de Medicina do Rio de Janeiro (AMRJ), ocupando a cadeira 68, cujo patrono é Oswaldo Cruz?
Denise: Me senti muito honrada pelo reconhecimento dos médicos de renome que pertencem à AMRJ, inclusive de alguns membros que foram meus professores na UFRJ. Tive a grande honra de ter sido a primeira mulher a dirigir o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), em 2010. Ter sido eleita, em 2021, para ocupar a cadeira da AMRJ, cujo patrono é Oswaldo Cruz, me deixou profundamente sensibilizada, porque a história do IBCCF da UFRJ se entrelaça com a da Fiocruz nesses 100 anos de UFRJ e 121 anos de Fiocruz. O Dr Oswaldo Cruz é fonte de inspiração para muitas gerações de médicos brasileiros.

Quais as mulheres que te inspiram na vida e na profissão? Por quê?
Denise: Mulheres autênticas, fortes, que seguem as suas trajetórias e vivem em busca dos seus sonhos profissionais e pessoais. Na ciência, Marie Curie e Rita Levi-Montalcini, nas artes, Tarsila do Amaral e Clarice Lispector. Na atualidade, Malala Yousafzai e Jacinda Ardern. Na profissão, no Brasil, Nísia Trindade (presidente da Fiocruz) e Márcia Barbosa.

Agência Fiocruz

“A transformação da saúde deve apaixonar as pessoas”, por Flávio Dieguez

Conferência Nacional Livre Democrática e Popular da Saúde, que acontece em agosto, deve ser capaz de apontar novos caminhos para o país, que vejam a vida como centro. É a avaliação de Túlio Franco, da Associação Brasileira Rede Unida

 

 

É fundamental promover uma grande mobilização nacional para a realização da Conferência Nacional Livre Democrática e Popular de Saúde, que dá um passo importante no próximo dia 16/3, com a reunião plenária para definir sua agenda de mobilização. Convocada pela Frente Pela Vida, sua realização representa um desafio muito grande, explica Túlio Franco, coordenador nacional da Associação Brasileira Rede Unida. A Conferência almeja trazer contribuições importantes para uma política de saúde e construção do Sistema Único de Saúde no país.

A primeira questão, para Túlio, diz respeito ao conteúdo: é necessário mobilizar as pessoas apresentando a Conferência como uma iniciativa que está associada ao projeto e expectativas que elas mesmas têm de futuro. “A motivação para a Conferência Livre precisa apaixonar as pessoas”, sintetiza ele. “As pessoas têm que se identificar com sua discussão, e acreditar que ela vai apontar caminhos para resolver os problemas que vivenciam na prática”. O objetivo da Conferência, afinal, é agregar gente e instituições para debater os graves problemas do país, conforme se diz nas suas diretrizes, no documento Conferência Nacional Livre Democrática e Popular de Saúde – Para Defender a Vida, o Brasil precisa do SUS.

E busca fazer isso a partir de uma perspectiva que priorize a defesa da vida e a saúde, e tendo como referência, diz Túlio, “a enorme e trágica experiência da pandemia. O que faz com que a política de saúde venha para o centro da política nacional”. A segunda questão, nessa linha de raciocínio, é a necessidade de ousadia e de inovação. “Tem que mudar a política de saúde”, diz o coordenador da Rede Unida, lembrando que a ideia de territorialidade integra todo o pensamento da saúde coletiva, e dar um passo à frente significaria integrar na rotina cotidiana diversas dimensões das políticas sociais, como meio ambiente, assistência social, educação, previdência e outras que estão associadas à vida das pessoas.

É nesse sentido que a Conferência tem como “um grande lema a defesa da vida”. Um trecho do documento citado acima ilustra vivamente essa ideia. “Não há democracia, cidadania e justiça social sem compromisso público de reconhecimento das especificidades e necessidades de populações vulnerabilizadas”, lê-se. “Para que o Brasil se torne realmente um país justo e inclusivo será necessário mitigar e eliminar as inaceitáveis desigualdades de gênero, raça/etnia e classe social que afetam direta e negativamente a saúde destes grupos. Assim, as políticas econômicas, sociais, assistenciais de saúde e segurança pública devem priorizá-los e ser adequadamente financiadas”.

A reunião plenária do dia 16/3, explica Túlio, deve disparar a sugestão de preparar reuniões e debates em todo o país, buscando estimular contribuições para a Conferência. O documento aprovado na plenária, portanto, deverá apresentar as diretrizes gerais de construção de uma política de saúde para o Brasil, para o próximo período, tendo como central o fortalecimento do SUS. Já há mobilização em diversos locais do país, e a oportunidade de avançar na política de ciência e tecnologia associada à saúde, resolver o desfinanciamento, mudar e inovar para melhor cuidar das pessoas, pode ganhar adesão expressiva dos gestores municipais, trabalhadores das redes de saúde, acadêmicos e movimentos sociais.

No próximo 7/4, Dia Mundial da Saúde, será lançada a convocatória para a Conferência Livre, Democrática e Popular, que acontecerá em 5 de agosto, e faz parte da preparação da 17ª Conferência Nacional de Saúde, a ser realizada em 2023. Uma resolução do Conselho Nacional de Saúde de outubro passado definiu somar as contribuições da Conferência Livre ao preparatório da 17ª Conferência Nacional. No último dia 7/2 lideranças nacionais da Saúde consolidaram a necessidade de realizar a Conferência livre este ano, em reunião conduzida por Rosana Onocko, presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), que destacou “a alegria e a responsabilidade” diante do momento conjuntural.

*Jornalista, atuou na imprensa de resistência à ditadura (Movimento e Retrato do Brasil), editou Ciência Ilustrada, ajudou a criar a Superinteressante e participou da aventura de tentar erguer a Radiobrás, entre 2002 e 2005. É editor do site Outra Saúde.

Fonte: SUSConecta

Ministério Público do Trabalho apresenta ao CNS projeto para fortalecer saúde dos trabalhadores

Representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) apresentaram ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), nesta terça (15/02), o projeto Fortalecimento da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora no Sistema Único de Saúde (SUS). A ideia é firmar uma parceria com o CNS para a realização das atividades que integram o projeto, cujo objetivo é coibir as subnotificações de acidentes de trabalho e fortalecer a saúde das(os) trabalhadoras(es).

O projeto, que será avaliado pela mesa diretora do CNS, terá ênfase nas notificações de acidentes de trabalho para além dos registros na Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), incluindo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

O Sinan é alimentado, principalmente, pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória, mas é facultado a estados e municípios incluir outros problemas de saúde importantes em sua região.

“Muitas empresas e serviços especializados sequer sabem dessa notificação. Mesmo hospitais que têm a obrigação de notificar esses acidentes de trabalho acabam deixando de fazer isso. Se fosse obrigatório, teríamos a notificação de cânceres relacionados ao trabalho, acidentes graves e várias outras situações que deixam de entrar nos registros do SUS. Com isso, políticas públicas que poderiam ser implementadas para esta questão simplesmente não existem”, avalia a procuradora regional do trabalho Márcia Kamei.

Embora o MPT se dedique à segurança das(os) trabalhadoras(es) há bastante tempo, isto ainda não está consolidado em todo território nacional. A partir de abril, mês que marca a realização de ações voltadas à prevenção de acidentes de trabalho, as unidades do MPT vão realizar audiências públicas para informar à sociedade e notificar as empresas sobre a importância de se trabalhar o tema de Saúde e Segurança no Trabalho.

“Temos ações práticas para serem executadas a fim de incentivar o preenchimento das fichas do Sinan. Com isso, o próprio Ministério Público do Trabalho passa a ter acesso a um maior número de infrações de natureza ambiental e trabalhista, para que possamos também instaurar inquéritos civis e ações civis públicas de Termos de Ajustamento de Conduta”, avalia a procuradora Ileana Neiva.

Ilena também destaca que o projeto fortalece a saúde do trabalhador e da trabalhadora e apresenta elementos para fortalecer a atuação de membros do MPT em áreas que têm maior acidentalidade, como áreas do amianto, agrotóxicos e frigoríficos.

O projeto foi desenvolvido pelas coordenadorias nacionais de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho (Codemat), de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis) e de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública (Conap) do MPT, a fim de reforçar a saúde do trabalhador e da trabalhadora em todos os territórios.

Participaram da reunião, integrantes das comissões intersetoriais de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Cistt) e da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações do Trabalho (Cirhrt) do CNS.

“O conselho precisa mesmo fortalecer esse caminho, é uma parceria ganha-ganha muito importante para a gente se preparar e enfrentar o que temos pela frente, nessa luta constante em defesa da população e da saúde do trabalhador e da trabalhadora”, afirma a coordenadora da Cirhrt, Francisca Valda.

Em breve, os integrantes das comissões do CNS devem divulgar uma agenda de trabalho e o calendário com atividades que deverão integrar o projeto que será realizado em parceria com o MPT.

Fonte: SUSConceta / Foto: Divulgação

A incapacidade política de colocar a Saúde acima dos lucros

Foi um erro deixar com as farmacêuticas a vacinação anticovid, diz Nick Dearden, da Global Justice Now. Queriam maximizar os lucros: estudo mostra que cobraram um preço exorbitante pelos imunizantes e ainda criaram desigualdades inaceitáveis durante a pandemia.

À medida que aumenta a importância das vacinas nessa nova fase da pandemia, cresce o esforço para ampliar drasticamente a oferta e a distribuição de imunizantes, e também cresce o protesto contra o domínio dos oligopólios farmacêuticos sobre as decisões de proteção à saúde da população global. O secretário-geral da ONU, António Guterres, deu o tom do reclamo há uma semana. “Estamos entrando no terceiro ano da pandemia e o mundo ainda está longe de cumprir metas cruciais: vacinar o planeta, aumentar os testes, tornar os tratamentos que salvam vidas acessíveis a todos”, disse.

“A desigualdade das vacinas é a maior falha moral dos nossos tempos”, declarou Guterres, expressando também a incapacidade da comunidade internacional em impedir que a falha prevaleça. Pois não conseguiu, até agora, impor regras bem estabelecidas para evitar que os oligopólios orientem as medidas de combate global à pandemia. Guterres anuncia progresso nesse quesito, e de fato há uma ampliação do acesso da população menos abastada do mundo às vacinas. Mas só depois de 414 milhões de pessoas ficarem doentes e se acumularem 5,8 milhões de mortes.

Ceder à “big pharma” foi de fato um grande erro da comunidade internacional, comentou Nick Dearden, diretor da ong Global Justice Now, em um balanço esclarecedor do assunto no jornal The Guardian. Ele lembrou que para as grandes empresas a pandemia foi excepcionalmente boa. “Hoje”, 28/2, escreveu ele, a Pfizer “anunciou que sua vacina contra a covid faturou 37 bilhões de dólares no ano passado”. Ele cita números absurdos sobre isso, dizendo que desde o início a Pfizer deixou claro que queria ganhar muito dinheiro com a covid.

“A empresa afirma que sua vacina tem um custo de produção de menos de 5 libras por dose. Outros sugeriram que poderia ser muito mais barato. De qualquer forma, ela está vendendo suas doses com um lucro enorme”. O governo britânico pagou 18 libras por dose em seu primeiro pedido à Pfizer, e na compra mais recente ainda enfrentou aumento de 22%, pagando a dose a 22 libras. “Isso quer dizer que o NHS (serviço público de saúde inglês) pagou uma margem de pelo menos 2 bilhões de libras – seis vezes o custo do aumento salarial que o governo concordou em dar aos enfermeiros no ano passado”.

E dizem, prossegue Dearden, que a empresa inicialmente tentou vender a vacina por 100 dólares a dose, ao governo dos EUA. Tom Frieden, ex-diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, acusou a empresa de “ter lucros de guerra”. A Pfizer vendeu suas doses em massa para os mais ricos, visando lucros muito altos. Até outubro passado, exemplifica Dearden, tinha vendido míseros 1,3% de sua oferta para a Covax, o arranjo que Guterres diz agora que está avançando, e havia sido criado para tentar garantir um acesso global menos desigual às vacinas.

Nada disso faz sentido: há cálculos claros mostrando que é perfeitamente possível produzir vacina a preços civilizados, como mencionou Dearden acima. A comunidade global poderia criar centros regionais em condições de produzir oito bilhões de doses de vacinas de mRNA, o suficiente para cobrir 80% da população de países de média e baixa renda. O custo de produção, mostra um estudo demonstrativo, seria de 23 bilhões de dólares – ou cerca de 2 libras por dose, dez vezes menos que o preço cobrado pela Pfizer, conforme disse Dearden acima.

O estudo faz um levantamento detalhado das especificações. Seriam necessários 842 quilos de mRNA, por exemplo. Empregaria 4.620 funcionários trabalhando em 55 linhas de produção, que poderiam ocupar 14 instalações já existentes para outros fins. O custo de modernização das instalações seria de 3,2 bilhões de dólares, e o custo operacional de produção seria de 17,5 bilhões. E isso só não é feito por quê? Porque a comunidade hesita em corrigir um desatino comercial que Guterres considera um fracasso moral.

Fonte: Outras Palavras – por Flávio Dieguez

“As mulheres cumprem um papel muito importante para o enfrentamento da pandemia”

Ao ganhar o prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher, a epidemiologista Gulnar Azevedo e Silva* ressalta o protagonismo feminino na saúde coletiva.

 

 

Quando a pandemia começou, eu era presidente da Abrasco [Associação Brasileira de Saúde Coletiva], uma entidade que abriga três ramos no que diz respeito à saúde: epidemiologia; políticas e planejamento; e ciências sociais e humanas. A associação tem grupos temáticos para cuidar de assuntos como população indígena, racismo, gênero e meio ambiente. Dediquei muito tempo à Abrasco e, ao mesmo tempo, continuei dando aulas na Uerj [Universidade Estadual do Rio de Janeiro], orientando e fazendo pesquisa. Isso representou uma carga de trabalho muito grande, inclusive aos fins de semana.

Minha área de atuação é a epidemiologia de doenças crônicas, mas durante a pandemia acabei, assim como muitos colegas, mudando o foco para entender os impactos diretos e indiretos da pandemia. Houve uma queda grande dos exames para detecção precoce de doenças crônicas. Publicamos um artigo mostrando uma diminuição em cerca de 10% nos óbitos registrados como sendo por câncer e doenças cardiovasculares. Nossa interpretação é que essas pessoas já estivessem doentes, com risco aumentado de desenvolver doença grave se contraíssem o vírus Sars-CoV-2. A Covid-19 foi, assim, a causa de morte registrada no atestado de óbito, sem que pudéssemos monitorar os efeitos das doenças crônicas.

As pessoas deixaram de procurar diagnósticos e adiaram tratamentos, o que não poderia acontecer. Isso terá muito impacto no sistema de saúde, temos chamado a atenção para a importância de o governo garantir recursos suficientes a essa área e às demais necessidades impostas pela pandemia.

A Frente pela Vida foi um movimento que começou em maio de 2020, muito por iniciativa da Abrasco. Como presidente, convidei representantes de outras entidades científicas e da saúde e do Conselho Nacional de Saúde, em uma grande articulação, para pensarmos a melhor forma de trabalhar no enfrentamento da pandemia. Fizemos uma Marcha Virtual em junho de 2020, e o movimento foi crescendo na ação de denunciar e pressionar o governo para que fizesse um plano nacional de enfrentamento à Covid-19. Mas fomos além e, com a participação de mais de 80 pessoas, em três semanas escrevemos nosso próprio plano e abrimos uma grande discussão. O produto final foi entregue ao Ministério da Saúde, ao Congresso Nacional e ao STF [Supremo Tribunal Federal].

No final de 2020 criamos também um movimento pelo fortalecimento do SUS [Sistema Único de Saúde]. A frente tomou como prioridade a defesa da vida, trazendo questões como o direito universal à saúde, democracia e defesa do meio ambiente.

O Ministério da Saúde nunca fez uma campanha de vacinação contra a Covid-19, como o país tinha o costume de fazer para outras doenças. Essa ausência tem um impacto grande, sobretudo na vacinação das crianças. As pessoas estão hesitantes, desconfiadas, e não há motivo para isso. Pelo contrário, é um momento de proteger seus filhos. A pandemia não acabou, as crianças correm o risco de evoluir mal se pegarem a Covid-19 e os efeitos colaterais da vacina são raríssimos.

A SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência] selecionou três pesquisadoras para o prêmio Carolina Bori, eu fui selecionada na área de Ciências Biológicas e da Saúde. Vejo isso como um reflexo de como é importante valorizar a saúde pública nesse momento em que as saídas não são individuais. É claro que todo o trabalho básico de pesquisa é fundamental, foi o que possibilitou o desenvolvimento da vacina. Mas, além disso, há a parte da distribuição, da organização dos sistemas para oferecer vacina a todos e a possibilidade de ter a saúde como direito fundamental. O Brasil tem uma diferenciação em relação à saúde pública porque tem o SUS, o maior sistema público de saúde do mundo.

As mulheres representam mais de 70% dos profissionais na minha área, a saúde coletiva. Entre os profissionais da saúde também somos maioria, com uma parte enorme da enfermagem. Mas há poucas mulheres parlamentares na área da saúde, no Congresso Nacional e também entre os gestores. Os homens ocupam mais as esferas do poder, precisamos mudar isso.

As mulheres cumprem um papel muito importante no enfrentamento da pandemia e na reconstrução do país, vivemos uma crise política e sanitária muito grande. Aprendemos desde cedo a cuidar dos outros e a nos dividir entre as tarefas. Há também a persistência, a resiliência, a sensibilidade de ver quando se deve ser mais delicada ou compreensiva e quando é necessário ser mais dura. Espero que a população saiba eleger bons representantes para que o país tenha outro futuro.

Gulnar Azevedo e Silva é presidente da Abrasco Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1978, mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutorado em Medicina pela Universidade de São Paulo em 1997. Foi coordenadora de prevenção do Instituto Nacional de Câncer entre 2003 e 2007. É professora do Instituto de Medicina Social (IMS) – UERJ desde 2000 e em janeiro de 2019 foi aprovada como professora titular. Desenvolve pesquisas no campo da epidemiologia de doenças crônicas não-transmissíveis com ênfase na epidemiologia aplicada à avaliação de políticas de prevenção e controle do câncer. É bolsista de produtividade do CNPq e do programa Cientistas do Nosso Estado da FAPERJ. Faz parte do Steering Committee do programa global de vigilância da sobrevida em câncer (CONCORD), liderado pela London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM). 

Que esperar da Conferência Nacional Livre de Saúde, por Antônio Martins

Para Rosana Onocko, presidente da Abrasco, encontro deve celebrar a resistência da Saúde Pública em tempos ásperos – mas precisa ir além. A reconstrução do SUS em novas bases não pode ficar apenas nas mãos de um novo governo

 

 

Convocado, o evento inovador já está. Na segunda-feira passada, 7 de fevereiro, dezenas de lideranças nacionais de Saúde, convidadas pela Frente pela Vida, aclamaram a ideia de realizar, provavelmente em 5 de agosto, uma Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular da Saúde. Será lançada em 7/4, Dia Mundial da Saúde. Como sugere seu nome, não precisará seguir os procedimentos das conferências tradicionais. Mas, então, como se desenvolverá? E que sentidos políticos poderá assumir?

Presidente da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a médica e psicanalista Rosana Onocko faz questão de frisar que a construção do processo é coletiva e está apenas começando. Suas opiniões, portanto, são parte de um mosaico que surge aos poucos. Mas ela as tem. A conferência, pensa, pode impulsionar a refundação do movimento da Reforma Sanitária. Implica apoiar-se nos princípios da luta que levou à criação do SUS, mas formular uma nova agenda, capaz de responder às realidades que emergiram, na Saúde, ao longo de quatro décadas. Significa, também, encarar a própria política de outra forma. Rosana espera que Lula liquide a fatura eleitoral já no primeiro turno. Mas crê que seu governo expressará um vasto leque de interesses – e por isso precisará sofrer, o tempo todo, a saudável pressão dos que desejam reconstruir o país (e em particular o SUS) em novas bases.

Há acúmulo para isso, pensa a presidente da Abrasco. Atingida desde 2016 pelo desfinanciamento, e ultrajada no período Bolsonaro pelas políticas negacionistas que desfiguraram a ação do ministério, a Saúde resistiu. A garantia de vacina contra a covid aos brasileiros, conquistada apesar da sabotagem do governo, é uma expressão desta resistência. O surgimento e avanço da Frente pela Vida é outra. Formada há dois anos por um grupo de entidades da sociedade civil, ela ganhou corpo e legitimidade. Produziu um Plano de Enfrentamento à Pandemia, documentos intersetoriais reunindo Saúde, Educação e Assistência Social e a campanha “O Brasil Precisa do SUS”. Estas ações atraíram apoio e parceria de outras organizações. A representatividade da reunião de 7/2, e o ar esperançoso que ela assumiu, confirmam a expansão.

Como transformar estes avanços em um passo mais ousado, o da proposição de alternativas para a Saúde? Por não fazer parte do calendário das conferências regulares, o encontro não terá estrutura ou recursos comparáveis. Em contrapartida, será mais livre para ousar. Embora o percurso – vale repetir – esteja em construção, alguns rumos já são visíveis. A ênfase em ir além da resistência parece clara. A nota no site da Frente pela Vida que anuncia a Conferência Livre já destaca, como documentos preparatórios, as Teses 2021-2022do Cebes, o Centro Brasileiro de Estudos sobre Saúdee o documento “Fortalecer o SUS, em Defesa da Democracia e da Vida”, da Abrasco. Ambos têm caráter nitidamente propositivo.

Nos próximos dias, deverá estar pronta uma síntese mais compacta: a sistematização de cinco ou seis eixos de mudança, que poderão estimular debates em qualquer ponto do país. Se depender de Rosana, este processo será o mais múltiplo e diverso possível. “Se as iniciativas se disseminarem, se a Conferência acabar saindo de nosso controle, aí estará um sinal de seu sucesso”, diz ela. Mas será útil dar sentido comum a esta possível profusão de ideias. “Superar as hierarquias rígidas não equivale abrir mão de construir acúmulos”, destaca a presidente da Abrasco. Leitora da cientista política Chantal Mouffe, e discípula do Mario Testa, ela crê na necessidade de construir, como antídoto à fragmentação criada pelo neoliberalismo, novos sujeitos políticos coletivos. São eles que podem retomar, no ambiente da pós-modernidade, as lutas emancipatórias. O movimento brasileiro da Reforma Sanitária foi decisivo para o vasto processo democratizante que levou ao fim da ditadura militar e à Constituição de 1988. Será notável se ele, refundado, contribuir também para a emergência de um Brasil pós-neoliberal.

Fonte: OutrasPalavras

NOTA DA CTB: Pela vida, pela vacina e pela educação sem precarização

A CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) reafirma a defesa à vida como princípio para a retomada das aulas presenciais. O retorno às escolas, em meio ao repique da pandemia, deve ocorrer com atenção ao controle sanitário (redução da taxa de contágio) e à garantia das condições efetivas de biossegurança, conforme orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde).

 

 

Que haja diálogo nos diversos sistemas de ensino, de cada região, envolvendo todos os interessados: Poder Público, autoridades sanitárias, entidades representativas dos estudantes, professores e demais trabalhadores da Educação, pais e responsáveis. Além disso, defendemos a vacinação contra a Covid-19 para todos os segmentos da comunidade escolar e a exigência do “passaporte da vacina”.

É de conhecimento público o aumento acelerado no número de casos de Covid, em função do avanço da variante ômicron – uma cepa mais infecciosa do novo coronavírus. Infelizmente, além de lidar com a pandemia, sofremos no Brasil com um governo genocida, negacionista e antivacina.

Seja pelo avanço da pandemia, seja pelo descaso do governo Bolsonaro, a média móvel de mortes por Covid no Brasil disparou 238% em apenas duas semanas – de 17 a 30 de janeiro –, conforme o consórcio de imprensa. No total, a crise sanitária já matou quase 627 mil brasileiros. A volta às aulas, se efetivada de modo irresponsável, pode levar a uma tragédia ainda maior, com aumento de casos e mortes decorrentes do novo coronavírus.

Diante desse cenário, a CTB defende o adiamento da reabertura das escolas. Que o retorno às aulas, neste momento, seja de modo remoto ou híbrido, considerando a taxa de contágio por local ou região. É preciso igualmente ampliar as campanhas sobre a vacina, para que possamos imunizar com celeridade toda a população do País.

Não queremos mais nenhuma morte. A nossa luta é por vida, ciência, vacina, democracia, educação sem precarização e nenhum direito a menos!

São Paulo, 31 de janeiro de 2022

ADILSON ARAÚJO 
Presidente da CTB