Covid-19: Profissionais de saúde vão a órgão da OEA por “crimes” do governo

Os trabalhadores do setor de saúde denunciam o governo diante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pedem que o órgão adote medidas cautelares para garantir a proteção a médicos e enfermeiras no país diante da covid-19.

 

 

O ato está sendo liderado pela Internacional de Serviços Públicos (ISP) que, representando sindicatos de diversos grupos, alerta para a falta de equipamentos de segurança, de capacitação adequada e de condições mínimas de trabalho – como a disponibilização de água, sabão e álcool em gel -, além do cumprimento de jornadas exaustivas em estabelecimentos públicos e privados de saúde.

Com a iniciativa, os profissionais querem que a Comissão Interamericana obrigue o estado brasileiro a adquirir equipamentos de segurança individual, que realize testagem contínua para covid-19 e que promova a capacitação técnica para os trabalhadores de saúde.

As medidas cautelares ainda iriam na direção de garantir condições dignas, saudáveis e seguras de trabalho, contratação e recomposição das equipes desfalcadas e aquisição de insumos para atenção devida a todos os pacientes – como medicamentos para intubação e oxigênio).

Na lista de pedidos, as entidades pedem que o órgão internacional obrigue o Brasil a adotar campanhas em prol de medidas sanitárias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que seja restaurada a Mesa Nacional Permanente de Negociação do SUS.

Eles também solicitam a “suspensão de recomendações de uso de medicamentos comprovadamente ineficazes ao tratamento de covid-19”.

“A falta de uma política coordenada e a adoção de medidas de propagação da pandemia pelo Estado brasileiro promoveram o colapso do sistema de saúde e o adoecimento, sofrimento físico e mental e mortes evitáveis desses profissionais, violando o direito à vida, à saúde, à integridade e ao trabalho digno, previstos da Convenção Americana de Direitos Humanos”, declararam as entidades, no documento submetido ao órgão ligado à Organização dos Estados Americanos.

Além da ISP, fazem parte da iniciativa a Associação dos Funcionários da Fundação Oswaldo Cruz/Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública, a CNTS – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, a Federação Nacional dos Enfermeiros, o Sindicato dos Enfermeiros do Estado do Rio de Janeiro, o Sindicato dos Médicos de São Paulo e mais de uma dezena de outras entidades.

O documento, obtido pela coluna, indica que “o governo federal abdicou de seu papel de coordenação das políticas de saúde – incluídas as políticas de aquisição de insumos, vacinas, medicamentos e equipamentos, de estabelecimento de diretrizes e protocolos clínicos e de imunização – criando, com isso, resposta díspares e desiguais por parte das instâncias subnacionais”.

“Essa descoordenação acarretou desabastecimento de insumos, oxigênio, equipamentos de segurança, medicamentos e vacinas”, denunciam.

A denúncia também acusa o governo de “reiteradamente propagar informações contraditórias, falsas e em desacordo com as recomendações científicas para enfretamento da pandemia de covid-19”. “Foram feitas campanhas públicas contra o distanciamento social e uso de máscaras; mensagens contra a segurança de vacinas; além da produção, distribuição e recomendação indiscriminada de medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina (vulgarmente apelidados de “kit covid”) sabidamente ineficazes para Covid-19, cujo consumo traz efeitos maléficos para a população”, disse.

Para os sindicatos, houve crime. “Os fatos todos reunidos, perpetrados por agentes do Estado brasileiro em diferentes instâncias governamentais constituem, além de violações a direitos humanos, crimes equiparáveis a ataques sistemáticos e intencionais contra a população brasileira, potencialmente adequados, inclusive, às instâncias penais internacionais”, apontam.

No que se refere explicitamente à situação dos profissionais de saúde, o documento aponta que a ausência de coordenação entre as ações do governo federal e dos governos locais e a adoção de medidas de propagação da pandemia pelo Estado brasileiro têm levado trabalhadores e trabalhadoras da saúde ao limite”. “Precisaram adotar, para preservar a vida, práticas equivalentes à tortura. Os danos físicos e mentais a pacientes e trabalhadores e trabalhadoras em saúde já é imensurável”, dizem.

Medidas cautelares

Diante do que chama de “ações e omissões, sistemática e intencionalmente para a propagação da pandemia de Covid-19 no país”, os trabalhadores pedem agora medidas cautelares. “Neste contexto, trabalhadores e trabalhadoras de saúde, trabalhadores essenciais que atuam na linha de frente do enfrentamento ao Covid-19, tiveram seus direitos humanos e fundamentais violados”, alertam.

De acordo com o documento, o Ministério da Saúde informa que um profissional de saúde morreu no Brasil a cada 19 horas. Mas conselhos profissionais de medicina e enfermagem informam que os números estão subnotificados e que, em verdade, um profissional de saúde morre a cada 8 horas no país, em razão da pandemia de Covid-19.

Para justificar o pedido de ação, os sindicatos revelam o resultado de uma pesquisa que realizaram com 3.636 trabalhadores de saúde em 2020. São eles:

• 63% de trabalhadores e trabalhadoras de saúde participantes da pesquisa indicaram que não havia equipamentos de proteção individual (EPIs) suficientes para troca e higienização durante a jornada de trabalho;

73,3% de trabalhadores e trabalhadoras de saúde em jornadas de 12 horas ou mais indicaram não ter equipamentos de proteção individual (EPIs) suficientes para troca e higienização durante o trabalho; A ausência de equipamentos de segurança apropriados foi relatada em acima de 50% para todas as áreas de atuação (atenção básica, alta complexidade ou outras) e em todas as faixas etárias.

• 70% de trabalhadores e trabalhadoras de saúde participantes da pesquisa indicaram não ter passado por qualquer treinamento para lidar com a realidade da pandemia de Covid-19;

• 69,6% de trabalhadores e trabalhadoras de saúde participantes da pesquisa indicaram não ter passado por qualquer treinamento sobre o protocolo de atendimento a pessoas com Covid-19.

Mais recentemente, uma outra pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz e Fundação Getulio Vargas – FGV em de março de 2021 constatou que:

• 55,6% dos profissionais de saúde participantes não havia recebido (6,2%), ou havia recebido uma ou poucas vezes (49,4%) os equipamentos de proteção individual (EPIs);

• 72,6% não recebeu nenhum treinamento para lidar com a pandemia ou sobre protocolos específicos de atendimento a pessoas com Covid-19, incluídos médicos e enfermeiros;

• 96,6% conhecem colegas profissionais de saúde que foram infectados com Covid-19, sendo que 31,2% dos respondentes já tiveram a doença;

• 87,6% dos profissionais de saúde sentem medo da Covid-19;

• 80,2% dos profissionais de saúde indicam estarem com a saúde mental afetada por conta do trabalho com Covid-19;

“As péssimas condições de trabalho às quais estão submetidos os trabalhadores e as trabalhadoras da saúde no Brasil – comprovadas pelas pesquisas – significam violações de princípios básicos dos direitos humanos e da garantia de trabalho decente, colocando em perigo tanto quem trabalha como quem utiliza esses serviços. A intervenção de organismos internacionais como a CIDH da OEA torna-se ainda mais importante no momento em que o Brasil é o epicentro da pandemia pois ameaça o controle da covid-19 no mundo”, disse Denise Motta Dau, secretária sub-regional da ISP no Brasil.

Eloísa Machado, advogada na ação, aponta que “a responsabilização internacional por violações a direitos humanos é um passo necessário quando o sistema de Justiça nacional não se mostra efetivo e as violações se mostram persistentes”.

Fonte: Coluna do Jamil Chade
Publicado em 21/05/2021
Imagem: Rede Brasil Atual

Os bilionários que surgiram com o mercado da vacina

Eles são CEOs e investidores da Big Pharma. Receberam recursos públicos para pesquisar o imunizante contra a covid, mas fizeram da tragédia um negócio rentável: nove atingiram o 1º bilhão; oito, ampliaram suas fortunas em US$ 32,2 bi.

Pelo menos nove pessoas se tornaram bilionárias desde que a pandemia de covid-19 começou em 2020, graças aos excessivos lucros que as empresas farmacêuticas estão tendo com os monopólios das vacinas. A revelação foi feita hoje pela Aliança Vacina para Todos (People’s Vaccine Alliance) às vésperas da Cúpula Global de Saúde dos líderes do G20, a ser realizada na Itália.

Os principais membros do G20 que se encontram nesta sexta-feira (21/5), incluindo o Reino Unido e Alemanha, estão bloqueando iniciativas que possam aumentar a produção de vacinas, como a quebra do monopólio da produção das vacinas por algumas poucas empresas. Enquanto isso, a pandemia continua a matar milhares de pessoas em países como Índia, Nepal e Brasil, onde apenas uma pequena fração das populações foram vacinadas.

Os nove novos bilionários do mundo têm, juntos, uma riqueza de US$ 19,3 bilhões, o suficiente para vacinar totalmente as populações de países mais pobres. Enquanto isso, esses países receberam apenas 0,2% do suprimento global de vacinas, devido à falta de doses disponíveis no mercado.

Além disso, outros oito bilionários já existentes – que têm muitas ações dessas mesmas empresas farmacêuticas – viram sua riqueza conjunta aumentar em US$ 32,2 bilhões, o que seria o suficiente para vacinar toda a população da Índia.

Os dados foram obtidos mediante análise feita da lista de bilionários da revista Forbes e revelam a imensa riqueza que está sendo acumulada por um pequeno grupo de pessoas graças às vacinas contra a covid-19, que contaram com muitos recursos públicos durante as fases de pesquisa.

“É uma vergonha constatarmos que poucos estão lucrando muito e enriquecendo enquanto milhões de pessoas continuam sem acesso às doses que salvam vidas. Essas vacinas foram desenvolvidas com muito investimento público em vários países e devem ser consideradas um bem público”, afirma Kátia Maia, da Oxfam Brasil. “Mais do que nunca é preciso que coloquemos em prática a licença compulsória das patentes das vacinas para aumentar a produção e fazer com que elas cheguem a quem mais precisa. Temos que priorizar a vida das pessoas, não os lucros das empresas.”

Esses novos bilionários estão sendo criados com o aumento do valor das ações das empresas farmacêuticas com a expectativa gerada de grandes lucros com a venda de vacinas. O monopólio que essas empresas têm na produção de vacinas permite que elas determinem o preço das doses e também a sua distribuição.

No início de maio de 2021, os Estados Unidos apoiaram as propostas da África do Sul e da Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC) de suspender temporariamente esses monopólios e também as patentes das vacinas contra covid-19. Essa iniciativa tem o apoio de mais de 100 países em desenvolvimento, além do Papa Francisco e de mais de 100 líderes mundiais e vencedores do Prêmio Nobel.

Apesar disso, países mais ricos, como o Reino Unido e a Alemanha, continuam a bloquear a proposta, colocando o interesse das farmacêuticas acima do que é melhor para o mundo. A Itália, que recebe a Cúpula Global de Saúde do G20, continua em cima do muro sobre a questão, bem como o Canadá e a França.

No topo da lista dos novos bilionários da vacina estão os CEOs das empresas Moderna e BioNTech, cada um com uma riqueza de mais de US$ 4 bilhões. A lista inclui também dois dos investidores iniciais da Moderna e o seu presidente, bem como o CEO da empresa que tem acordo para fabricar e embalar a vacina da Moderna.

Os outros três novos bilionários são todos co-fundadores da empresa chinesa CanSino Biologics.

Os nove novos bilionários são:

  1. Stéphane Bancel – CEO Moderna (US$ 4,3 bilhões)
  2. Ugur Sahin, CEO e co-fundador da BioNTech (US$ 4 bilhões)
  3. Timothy Springer – imunologista e investidor da Moderna (US$ 2,2 bilhões)
  4. Noubar Afeyan – Presidente da Moderna (US$ 1,9 bilhões)
  5. Juan Lopez-Belmonte – Presidente da ROVI, empresa que tem acordo para fabricar e embalar as vacinas da empresa Moderna (US$ 1,8 bilhão)
  6. Robert Langer – cientista e investidor da Moderna (US$ 1,6 bilhão)
  7. Zhu Tao – co-fundador e cientista chefe da CanSino Biologics (US$ 1,3 bilhão)
  8. Qiu Dongxu – co-fundador e vice-presidente da CanSino Biologics (US$ 1,2 bilhão)
  9. Mao Huinhoa – co-fundador e vice-presidente CanSino Biologics (US$ 1 bilhão)

Os oito bilionários já existentes que tiveram suas fortunas aumentadas:

Sobre a Aliança Vacina Para Todos

Aliança Vacina Para Todos (People’s Vaccine Alliance) é um movimento de organizações de saúde, humanitárias e de Direitos humanos, líderes e ex-líderes globais, especialistas em saúde e economistas que advogam que as vacinas contra a covid-19 deveriam ser fabricadas rapidamente, e em escala, como bens públicos globais, livres de proteções de propriedade intelectual e estarem disponíveis para todas as pessoas, em todos os países, sem custo.  

Sobre os dados

Os dados foram obtidos a partir de análise feita da lista anual de bilionários da revista Forbes, conforme publicada em 6 de abril de 2021. Os dados sobre a vacinação das populações de todos os países mais pobres são baseados em países definidos como “de baixa renda”, que têm população total de 775.710.612 (de acordo com a ONU). O custo médio da vacina, US$ 19, é baseado no curso médio por curso de vacinação dos cinco principais produtores de vacinas. No entanto, os preços deveriam ser bem mais baixos, e os US$ 19 são usados com propósitos de ilustração, e não é de forma alguma um endosso desses inaceitavelmente altos preços praticados. A riqueza dos novos bilionários poderia vacinar 1,3 vezes todos os países de baixa renda. A população da Índia (de acordo com a ONU – 2020) é de 1,38 bilhão de pessoas e o aumento da riqueza dos oito bilionários já existentes poderia vacinar todos e todas na Índia 1,2 vezes. Todos os dados são baseados num regime de duas doses por pessoa.

Fonte: Outras Palavras

Pesquisadores denunciam: Proposta do governo privatiza o SUS em plena pandemia, e faz a festa dos planos de saúde. Conheça as 18 armadilhas

O pote de ouro no final do arco-íris dos planos de saúde que operam no Brasil é o mesmo: apoderar-se do Sistema Único de Saúde, a maior conquista dos brasileiros. 100% dos empresários e entidades do setor “defendem” o SUS. Adoram “maior articulação” com  o sistema; um SUS “ integrado” aos planos de saúde. Porém, é uma falsa defesa. Não visam à saúde pública da população brasileira, mas bombar seus negócios privados. Veja na reportagem de Conceição Lemes.

Querem tudo junto e misturado, sob uma condição: de o SUS arcar com os tratamentos caros e os procedimentos lucrativos ficarem, é claro, com os planos de saúde. Tanto que, de tempos em tempos, empresários da saúde parasitas dos recursos públicos em conluio com políticos (parte eleita com recursos dos planos) e agentes governamentais tentam privatizar os recursos do SUS. É o que justamente acontece agora, em plena pandemia.

Em 30 de abril, o Ministério da Saúde da Saúde lançou uma consulta pública na plataforma Participa + Brasil. A consulta tem título pomposo: Política Nacional de Saúde Suplementar Para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19. Lembrando-se de que os planos privados (é a chamada saúde suplementar) se recusaram a ter com o SUS uma fila única de leitos de UTI para enfrentar o novo coronavírus, alguém talvez diga: “Ufa, finalmente vão contribuir para o combate à covid!”

Infelizmente, é o contrário. O título é enganoso.

Pura desfaçatez.

A mais sórdida proposta já feita.

Além de se apropriar dos recursos do SUS (que lasquem os 70% dos brasileiros que não podem pagar saúde privada!), os planos querem liberar geral os reajustes e ter autorização para vender planos baratos de menor cobertura.

A proposta foi acertada em reunião realizada, em 27 de abril, do recém-criado Conselho de Saúde Suplementar (Consu), da qual os ministros da Casa Civil, general da reserva Luiz Eduardo Ramos, Economia, Paulo Guedes, e Saúde, Marcelo Queiroga.

Reunião do Consu, que decidiu pela ‘passada da boiada’ dos planos de saúde. Presentes os ministros Luiz Eduardo Ramos (sem máscara), Marcelo Queiroga (à sua  esquerda) e Paulo Guedes (na cabeceira da mesa). Foto: Eduardo Menezes/ Ascom Casa Civil

Guedes e Ramos, vale relembrar, vacinaram-se às escondidas, para não chatear o chefe. “É mais uma tentativa de desconstrução de direitos e da democracia”, afirma a professora Lígia Bahia, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “São empresários da saúde parasitas de recursos públicos, extremistas na defesa de seus interesses privados”, frisa. “São abutres, destrutivos, não respeitam a vida da população brasileira”, acusa.

Na verdade, entra governo, sai governo, os planos de saúde atacam, só muda a estratégia.

“Agora, é via Consu”, avisa professor Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. “Trata-se de um grupo de ministros criado para tratorar a fraca e omissa ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar]”, esclarece. “Já tentaram via Congresso, via ex-ministro da saúde Ricardo Barros, via ANS em governos passados, quando indicaram gente do mercado para presidir a agência”, relembra Scheffer.

O que impediu a concretização foram as divergências internas entre os próprios empresários do setor, de um lado, e a mobilização de pesquisadores, entidades da saúde e pró-consumidores, do outro.

“Agora, a situação é muito mais perigosa, com um congresso submisso ao governo genocida e os movimentos sociais desarticulados, atuando em ‘bolhas’”, alerta Scheffer.

Lígia Bahia coordena o Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ (GPDES – IESC/UFRJ).

Mário Scheffer, o Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da Faculdade de Medicina da USP (GEPS – FMUSP).

As duas equipes se debruçaram sobre a proposta do governo Bolsonaro. O resultado é o documento Planos de saúde tentam “passar a boiada” em plena pandemia.

proposta do governo fica em consulta pública até dia 18 de maio.

POR QUE A PROPOSTA DO CONSU TEM QUE SER SUSPENSA 

A avaliação dos pesquisadores é arrasadora.

Eles elencam os pontos cruciais:

— Trata-se de ataque ao bom senso, um desrespeito ao atual momento catastrófico da vida no país.

— É mais uma tentativa de mudar as regras do jogo, com diminuição de direitos minimamente assegurados e nítidos prejuízos ao SUS e aos usuários de planos de saúde.

— No lugar de medidas para fortalecer o SUS e reduzir mortes por covid, o governo decidiu atender às velhas demandas do setor privado assistencial e lançar uma política para o crescimento do mercado dos planos de saúde.

— O documento, além de propositalmente confuso, é nitidamente favorável aos interesses privados.

— Diz que a covid-19 “gerou mudanças profundas nos sistemas de saúde”.

Mas esconde que, no mundo inteiro, as transformações para responder à pandemia foram direcionadas para o fortalecimento de sistemas e redes públicas de serviços de saúde

— Refere-se à “integração entre setor de saúde suplementar e sistema público de saúde”.

Mas oculta o “papelão” das empresas de planos privados durante a pandemia, que se recusaram a participar dos esforços para a unificação de leitos de UTI, mantiveram reajustes abusivos das mensalidades e negaram a cobertura de testes de covid-19.

— Alardeia “uma política transversal, integrada e intersetorial.”

Mas ignora que essa “integração” que se pretende perpetuar é perversa, baseada no uso de recursos públicos para subsidiar a oferta e a demanda de planos privados, e no financiamento, pelo SUS, de ações, tratamentos e medicamentos de alto custo para usuários da saúde suplementar.

ATENTE ÀS 18 ARMADILHAS DA PROPOSTA DE GUEDES-QUEIROGA-RAMOS

Conclusão: a proposta do governo Bolsonaro é um amontado de inverdades e absurdos, que atenta à saúde da população.

Em seu trabalho, os pesquisadores da UFRJ e da USP desmontam, ponto a ponto, todas as armadilhas da proposta, e mostram por que cada item deve ser rejeitado (gov.br/participamaisbrasil/pnss-covid-19).

ARMADILHA 1

Mais de um ano depois do início da pandemia no Brasil, a proposta de “integrar Saúde Suplementar” ignora o cotidiano de clientes de planos:

— muitas pessoas não conseguem mais pagar as mensalidades;

— famílias contraem empréstimos para tentar manter os contratos;

— empresas têm deixado de oferecer planos para seus empregados ou passaram a contratar planos de menor preço, pior qualidade e menor cobertura.

Ou seja, é uma “integração” que não prevê regular as práticas dos planos privados, mas sim usar o SUS para alavancar esse mercado.

Além disso, é um desatino um plano nacional para um setor que é nitidamente concentrado em termos geográficos (as proporções de clientes variam entre 41 % em São Paulo a 5% no Acre), de oferta de serviços e renda de suas clientelas

ARMADILHA 2

A proposta enumera platitudes como “dignidade”, “vulnerabilidade”, “transparência” e “excelência” e ignora totalmente o princípio essencial, inscrito na Constituição de 1988, do direito universal a saúde.

A “integração com o SUS” sugerida não é um princípio, mas a tentativa de jogar a saúde pública no precipício.

O SUS, está previsto em lei, é o instrumento para efetivação de direitos e não um anteparo de negócios e um resseguro de transações empresariais.

ARMADILHA 3

Os valores e práticas do SUS e dos planos privados são heterogêneos e, na maioria das vezes, divergentes, o que inviabiliza a proposta de “integração”.

Qualquer aproximação dependeria da adoção da saúde como um bem comum, ou seja, da premissa de que todos terão acesso a cuidados efetivos e de qualidade, de acordo com as necessidades e gravidade de quadros clínicos, e não conforme a capacidade direta ou indireta de pagamento.

Significaria inverter o padrão assistencial predominante hoje no Brasil, segregado e estratificado.

O que chamam de “integração”, na verdade, é a ideia do SUS como rede prestadora das operadoras privadas, adicionada à liberação da venda de planos com coberturas reduzidas.

A proposta vislumbra uma integração reversa, na qual o SUS entra como coadjuvante e as operadoras se apresentam como as protagonistas do sistema de saúde.

ARMADILHA 4

Os planos de saúde comercializam o atendimento sintomático e curativo a demandas espontâneas, cujos procedimentos serão ou não autorizados em estabelecimentos de saúde.

A estrutura assistencial dos planos privados não inclui medidas que previnam exposição a riscos.

As redes prestadoras de serviços têm qualidade distintas, de acordo com os tipos e preços de planos.

Esse modus operandi leva a desfechos ineficazes tais como: descontinuidade de tratamentos, indefinição de responsabilidades e conflitos entre operadoras, profissionais de saúde e pacientes.

ARMADILHA 5

É mais do que sabido que os prazos hoje dependem do tipo de plano e da especialidade procurada.

Nos planos “VIP” os prazos são curtos, nos planos básicos há longa espera, que muitas vezes deságua no atendimento pelo SUS.

Os contratos não mencionam prazos, pois adiar agendamentos é um mecanismo estruturante de um mercado que sempre impôs barreiras de acesso.

Não está escrito, mas esse item da proposta visa remover o artigo 3º da RN 259/ 2011 da ANS, que definiu prazos máximos para o atendimento, hoje uma “pedra no sapato” para a comercialização de planos com cobertura restrita, que é o objetivo da política em consulta.

ARMADILHA 6

“Intermediação”, aqui, é a possiblidade de aumentar a interferência das operadoras nas condutas dos médicos e profissionais de saúde.

As empresas de planos poderão exigir pareceres prévios à liberação ou não de tratamentos, ou auditorias posteriores que determinam glosas e não pagamento aos prestadores.

Uma das sugestões de “intermediação” sempre sugerida é a inclusão de uma nova atribuição para a ANS: estimular denúncias e investigações de profissionais de saúde vinculados a indústrias de medicamentos, insumos, órteses etc.

As relações entre médicos e pacientes já são regidas por instituições e conselhos profissionais.

As tentativas de impor regras para o relacionamento entre médicos e operadoras não visa a transparência, muito menos a segurança dos pacientes, mas sim impor contratos desfavoráveis à prestação de serviços.

ARMADILHA 7

Para clientes de planos de saúde nada é mais previsível do que os reajustes das mensalidades.

Não há dúvidas: o aumento vem sempre e acima da inflação, vem no aniversário do plano e na mudança de faixa etária, e é liberado na imensa maioria dos contratos, inclusive nos chamados “planos falsos coletivos” e coletivos por adesão que substituíram os planos individuais, oferta praticamente extinta do mercado, com autorização da ANS.

Não por acaso a elevação das receitas das operadoras ocorre mesmo quando há redução do número de clientes.

Abusos nos reajustes têm sido um tormento, especialmente para pessoas com doenças graves que se vêem ameaçadas na manutenção do tratamento.

A solução já foi apresentada em inúmeros fóruns: é inadiável definir um parâmetro único para reajustes.

Planos de saúde são baseados no mutualismo e em cálculos de riscos comunitários. Pressupõem a diluição dos riscos entre todos os participantes.

É um contrassenso penalizar com maiores reajustes os idosos, doentes e integrantes de contratos enganosos tipo “pejotinha” e “adesão dissimulada”.

ARMADILHA 8

O setor suplementar tem mostrado um incremento notável e contracíclico ao longo da história.

Cresceu em número de clientes e em faturamento até nas chamadas “décadas perdidas” dos anos de 1980 e de 1990, e seguiu apresentando uma trajetória de expansão.

Recentemente, em plena superposição das crises econômica e sanitária, os planos de saúde aumentaram suas receitas, entraram na bolsa de valores, promoveram grandes aquisições e fusões.

Não há justificativa para o apoio governamental ao setor privado de saúde em um país que tem o SUS e a saúde como um direito de todos e dever do Estado.

Suportes públicos para ampliar a privatização da saúde, num país tão desigual como o Brasil, são ilegais e imorais.

ARMADILHA 9

Propositalmente ambígua, a redação remete a planos com coberturas mínimas e fortes barreiras de acesso, tendo como “garantia” o acesso ao SUS.

O plano cobriria apenas consulta com generalistas e exames baratos, o resto é com o SUS.

Querem normalizar o SUS como porta de entrada de seus clientes, sem serem importunados pela Justiça.

Atualmente, propagandas de operadoras já incluem hospitais de emergência públicos como integrantes de suas redes assistenciais.

Pretendem “oficializar” a rede pública como retaguarda permanente. Seria uma divisão de ações, na qual os planos ficam com o baixo custo e o SUS arca com tudo mais.

ARMADILHA 10

É relevante estabelecer uma base comum de informações para o monitoramento do acesso e qualidade da atenção à saúde no país.

Mas não para facilitar o ingresso de clientes de planos no SUS. Considerável volume de recursos públicos já foi gasto em sistemas de informação, sempre implementados parcialmente e descontinuados.

Informação em saúde é uma atribuição do Ministério da Saúde e não da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

Em que pesem esforços de organização e divulgação de informações pelo corpo técnico da ANS, a agência hoje restringe acesso a dados sobre preços e reajustes, mesmo quando solicitados pela Lei de Acesso à Informação, impedindo relacionar valor de mensalidades com o uso e ocupação de serviços de saúde.

ARMADILHA 11

A expressão “razoáveis” embute a pretensão de não estabelecer prazos, o que leva pacientes a não obter cuidados em tempo oportuno para seus problemas de saúde.

Os planos “baratos” e com coberturas restritas não são compatíveis com garantias mínimas.

E para que existam, assegurando retornos máximos aos investimentos das operadoras, requerem o ambiente de total desregulamentação almejado.

ARMADILHA 12

Planos com coberturas reduzidas, ou seja, somente aquelas consignadas nos contratos, aumentariam o número de clientes do segmento suplementar e trariam mais retornos financeiros às operadoras.

Restrições radicais de cobertura tornam atrativo o preço de mensalidades num primeiro momento mas, na hora do adoecimento, tendem a gerar gastos catastróficos e a busca tardia do SUS por indivíduos e famílias.

ARMADILHA 13

O setor suplementar mantém estreitas relações entre prestadores e operadoras, que determinam protocolos assistenciais e valores de remuneração, nem sempre compatíveis com a ética profissional e as necessidades de saúde.

Não se trata de atenuar conflitos e tamponar tensões, é preciso conferir transparência aos acordos sobre a prestação de serviços e a remuneração, inclusive de procedimentos que têm a mesma denominação, mas são sub ou sobrevalorizados conforme o tipo de plano.

ARMADILHA 14

A ideia subjacente à palavra “transparência” é uma só: a de reajustes anuais para contratos individuais e coletivos baseados na variação dos custos médico-hospitalares e das novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas.

As operadoras poderiam, assim, definir reajustes diferenciados conforme a região e em função do tipo de plano, com a venda de módulos segmentados de cobertura e padrões distintos de rede credenciada.

ARMADILHA 15

Interditar o direito de recorrer à justiça em busca de garantias previstas nos contratos configura uma tentativa de obliterar as atribuições e competências dos órgãos do Poder Judiciário e Ministério Público.

As ações judiciais têm sido fundamentais para conter reajustes abusivos, assegurar coberturas negadas pelos planos, manter pacientes em leitos de terapia intensiva e realizar procedimentos terapêuticos comprovadamente eficazes para cânceres e outras doenças.

ARMADILHA 16

Garantias financeiras, com liquidez, são exigidas para todas as instituições de natureza securitária . Afinal, não se pode fazer face a despesas acima de incrementos previsíveis.

A ANS definiu exigências, bem como penalidades, visando a apresentação de planos de contas das operadoras, com demonstrações de ativos e passivos.

Versões anteriores de propostas empresariais queriam suprimir punições e multas às operadoras, como se a ação de fiscalização da ANS fosse uma ameaça aos requerimentos prudenciais da atividade do setor.

ARMADILHA 17

Querem atribuir ao Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) um papel hierarquicamente superior ao da ANS.

O CONSU, uma instância consultiva, passaria a arbitrar conflitos e celebrar termos de mediação envolvendo a regulamentação dos planos de saúde.

A ANS é a instância executiva encarregada da regulação dos planos de saúde e o CONSU, integrado por membros de ministérios e indicados do governo federal, é um órgão de natureza política.

Não é atribuição do CONSU encomendar para a ANS um plano para a expansão do setor privado.

A existência da ANS só se justifica como agência reguladora e não enquanto órgão público pró-mercado.

ARMADILHA 18

Trata-se, aqui, de tentativa de “passar a boiada”, de mudar a legislação para assegurar a comercialização de planos com coberturas restritas, por meio de expedientes administrativos, mediante a convocação e mobilização do CONSU.

É mais uma manobra para evitar o debate franco e aberto.

Mais um episódio protagonizado pela “coalizão” entre empresários, autoridades governamentais e parlamentares que se tornaram conhecidos por palavras e gestos contra a ciência, os direitos humanos e a democracia.

Fonte Viomundo

Biden anuncia que pode apoiar quebra de patente da vacina para Covid-19

Governo norte-americano anuncia apoio à suspensão de patentes de vacinas contra a Covid-19. Tema vem sendo tratado pelo Parlamento brasileiro, que já enviou carta à OMC repudiando postura do governo Bolsonaro contrária à medida. O apoio dos EUA à suspensão de patentes é uma mudança histórica de posicionamento, já que o país sempre foi o mais ferrenho defensor de proteção intelectual, inclusive impondo sanções a vários países por desrespeito a patentes.

 

 

Contrariando a política anteriormente defendida na Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo dos Estados Unidos anunciou nesta quarta-feira (5) apoio à quebra de patentes de vacinas para combater a Covid-19.

Se confirmada, a suspensão de patentes poderia permitir a aceleração da produção de imunizantes em países em desenvolvimento. A decisão pode pressionar o governo brasileiro a também rever sua postura diante do posicionamento adotado em 2020 na OMC, quando o Brasil, negando seu histórico, votou contra a proposta encabeçada pela Índia e África do Sul.

No Parlamento, o tema vem ganhando cada vez mais espaço. Na Câmara dos Deputados, uma Comissão Geral, articulada pela deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), e uma audiência pública comandada pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), trouxeram a necessidade do avanço do tema. Na última semana, o Senado aprovou proposta sobre a suspensão de patentes e agora falta a análise dos deputados sobre a matéria. No final de abril, partidos de Oposição também enviaram uma carta à OMC repudiando a postura do governo federal e pedindo que a organização adote a suspensão da quebra de pantentes para o enfrenatamento da pandemia.

Para a deputada Jandira Feghali, a manifestação dos Estados Unidos veio em boa hora. “Temos discutido a licença compulsória para que o Brasil possa avançar na imunização. Ter acesso a tecnologias para a produção das vacinas e dos insumos no momento de pandemia é fundamental para que consigamos enfrentar a pandemia”, pontuou.

A deputada Alice Portugal destacou a resistência do governo Bolsonaro. “O presidente americano Joe Biden anunciou apoio à quebra de patentes para as vacinas contra a Covid. Para acelerar a produção e a distribuição de imunizantes no mundo. Enquanto isso, Bolsonaro segue contra a medida. O Brasil precisa de vacina. Chega de mortes”, pontuou.

A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) também se manifestou sobre o tema. No Plenário da Câmara, a parlamentar lembrou que o Brasil está atrasado em relação à imunização e cobrou a votação do projeto que veio do Senado. “Eu penso que o Brasil deve celebrar esta decisão do governo americano que vai apoiar a suspensão de patentes de vacina contra a Covid. Lamentamos muito o voto do Brasil na Organização Mundial do Comércio, que foi contrário à quebra de patentes, criando-nos, inclusive, um problema diplomático com a Índia, que nos fornece insumo de medicamentos e vacinas. Isso prova que nós estávamos certos. Só foi trocar o governo dos Estados Unidos que já mudou a postura sobre vacina. Os Estados Unidos já vão conseguir vacinar toda a sua população. O Brasil ainda está muito atrasado. Essa decisão de quebra de vacina é muito importante, por isso, precisamos nós também votar imediatamente o projeto de lei que veio do Senado, do senador Paulo Paim, que garante a quebra das patentes”, cobrou.

Nesta quarta-feira, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Brasil atingiu 414.399 óbitos pela doença, mais de 2,8 mil mortes só nas últimas 24 horas. Enquanto os dados aumentam, o governo brasileiro segue com sua postura negacionista e de ataques a países que hoje são responsáveis pela oferta de insumos para a produção de imunizantes no país.

Além do apoio à quebra de patentes, o governo Biden tem anunciou nos últimos dias um plano trilionário para apoiar famílias pobres e para executar um vasto programa de investimentos em infraestrutura e estimular o desenvolvimento naquele país. 

Nesta quarta, países-membros da OMC tiveram nova rodada de discussões sobre suspensões a direitos de propriedade intelectual. Índia e África do Sul, que propuseram o modelo de suspensão, estão discutindo uma nova versão da proposta.

No fim do ano passado, os dois países, com apoio de mais de 110 nações em desenvolvimento, fizeram uma proposta na OMC para suspender todas as patentes relacionadas a medicamentos e vacinas de Covid enquanto durar a pandemia. Dessa maneira, argumentaram, seria possível aumentar a produção em países pobres. Por enquanto, cerca de 90% das vacinas foram aplicadas em habitantes de países ricos ou de renda média.

Países como EUA, Reino Unido e União Europeia, onde foram desenvolvidas as vacinas, bloquearam a iniciativa da Índia. À época, o Brasil se alinhou aos países ricos e ficou contra a proposta. Posteriormente, o Itamaraty divulgou um comunicado, ao lado do Ministério da Saúde, em que defendia uma terceira via na OMC. O plano seria mapear, em diversos países, a capacidade ociosa que poderia ser convertida para produção de vacinas, e convencer as farmacêuticas a transferirem tecnologia, de forma voluntária.

No entanto, iniciativa semelhante, por meio de um pool de tecnologia criado pela Organização Mundial de Saúde em outubro do ano passado, naufragou – até hoje não houve, por parte das farmacêuticas, compartilhamento de tecnologias úteis para o enfrentamento da pandemia.

O apoio dos EUA à suspensão de patentes é uma mudança histórica de posicionamento, já que o país sempre foi o mais ferrenho defensor de proteção intelectual, inclusive impondo sanções a vários países por desrespeito a patentes. O apoio americano não significa que o novo plano indiano e sul-africano será aprovado na OMC, que funciona por consenso. Mas aumenta a pressão sobre as farmacêuticas para que aumentem programas de transferência de tecnologia, e sinaliza que Washington estaria disposto a relevar violações de propriedade intelectual relacionadas à Covid-19.

Com agências

Dia histórico contra o monopólio da Big Pharma no Brasil

Senado aprova PL que permite quebra temporária de patentes na saúde. No Supremo, Dias Toffoli vota contra dispositivo que emperra genéricos

 

 

Por 55 votos a 19, o Senado aprovou ontem um projeto que permite a quebra temporária de patentes de vacinas contra a covid-19, além de testes diagnósticos e medicamentos como o remdesivir. Pelo texto, as licenças compulsórias poderão ser concedidas quando o titular da patente “não atender às necessidades de emergência nacional ou de interesse público” ou de estado de calamidade pública nacional. Só poderá desfrutar delas quem tiver “efetivo interesse e capacidade econômica para realizar a exploração”. Em contrapartida, os laboratórios titulares vão receber uma remuneração, cujo valor vai variar dependendo da licença, de sua duração, dos investimentos necessários à sua exploração, dos custos de produção e da venda do produto no mercado.

O governo federal pressionou contra a aprovação desde sempre, e a matéria sofreu várias mudanças desde a última vez que falamos dela, aqui. Os projetos de lei originais eram o 12/2021, do senador Paulo Paim (PT-RS) e o 1.171/2021, assinado por Otto Alencar (PSD/BA), Esperidião Amin (PP/SC) e Kátia Abreu (PP/TO). Eles foram apensados e o texto aprovado foi o do relator, senador Nelsinho Trad (PSD-MS).

No início, a proposta de Paim era dispensar o Brasil de cumprir durante a pandemia algumas exigências adotadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) no acordo TRIPS, que regula os direitos de propriedade intelectual no mundo. Esse era um dos problemas apontados pelo governo para tentar impedir a aprovação: o argumento era o de que nesse caso o acordo inteiro teria que ser denunciado, o que traria insegurança jurídica para outros detentores de patentes, mesmo fora da área da saúde. Trad retirou essa previsão, por considerar que “não é possível suspender por meio de legislação federal, ainda que parcialmente, partes de um tratado internacional ratificado pelo Brasil”. 

Em vez disso, o substitutivo muda a Lei de Patentes, incrementando um artigo que já previa a possibilidade de licenciamento compulsório em caso de emergência nacional, mesmo respeitando o TRIPS. Como se sabe, a prerrogativa da licença compulsória, prevista na Lei de Patentes, já foi usada antes. Foi por meio dela que o governo Lula quebrou a patente do efavirenz, usado no tratamento da Aids.

Agora, ficou estabelecido que deve haver duas etapas para o processo. Primeiro, o poder público tem 30 dias para publicar a lista de patentes que poderão ser quebradas –, instituições de ensino e pesquisa, além de entidades da sociedade civil, deverão ser consultadas para a elaboração dessa lista, que deve ser constantemente atualizada. De início, ela deve conter necessariamente as patentes ou pedidos de patentes associados às vacinas contra a covid-19, os ingredientes ativos e insumos, além do medicamento remdesivir, Se os laboratórios titulares não repassarem sua tecnologia, ocorre a quebra de patentes propriamente dita – mas a decisão final cabe ao Executivo.

Ainda do outro lado

Mesmo depois de o projeto ter sido modificado para não mexer com o acordo TRIPS, o governo federal continuou dando o contra. “Quebrar patentes vai colocar o Brasil na mesma situação que nós vivemos nos anos 1980, em que a América Latina, o Brasil, eram países tidos como não cumpridores de acordos, moratórias. E isso prejudicou e muito a nossa história e o nosso desenvolvimento, o enriquecimento do nosso povo”, disse o vice-líder do governo Carlos Viana (PSD-MG), forçando a barra e afirmando que a proposta pode levar à “destruição”. Ele continua dizendo que a proposta “desrespeita acordos internacionais”. 

A fala se alinha à da indústria. A CNI classificou como positiva a não-violação do TRIPS, mas avaliou que o projeto é “ineficaz” e não vai ajudar a aumentar a oferta de vacinas no país. “Até o momento, nenhum dos apoiadores do projeto explica quais são as dificuldades de utilizarmos a legislação vigente, que já permitiu o licenciamento compulsório em outras ocasiões. Os apoiadores do projeto também não indicam quais são as patentes que são obstáculos para que a indústria local produza as doses. Quais são as vacinas que pretendemos produzir com esse projeto? A aprovação do PL pode prejudicar as parcerias existentes? Temos tecnologia, know-how, insumos, para produzir essas vacinas imediatamente e de forma independente? Quem irá produzir?”, questiona a entidade, no Estadão.

Bom, a proposta só prevê a concessão de patentes quando houver “condições objetivas de mercado, capacitação tecnológica e de investimentos para sua produção no Brasil”, o que deveria minimizar essa preocupação.

O texto segue para a Câmara.

Vitória também no Supremo

E ontem foi um dia importante para quem luta contra as barreiras que a propriedade intelectual impõem ao direito à saúde porque além do Senado, o STF também avançou na direção da racionalização das patentes. No caso, a discussão é sobre a constitucionalidade de um dispositivo da Lei de Propriedade Industrial que acaba estendendo o monopólio dos produtos para além do prazo de 20 anos, caso haja demora do INPI em analisar os pedidos. Em um longo voto, com 77 páginas, que deve terminar de ler somente na próxima semana, o ministro Dias Toffoli indicou que é contra o artigo 40. Para apoiar seu argumento, ele citou um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que mostra que, entre 2008 e 2014, quase todos os pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos se valeram desse artigo. “O prazo das patentes sempre estará condicionado a uma variável absolutamente aleatória, a gaveta”, disse Toffoli. 

O ministro do STF adiantou que é favorável à modulação dos efeitos da decisão, o que livraria as patentes já concedidas com o prazo estendido de caírem. Mas a ótima notícia é que ele defende que isso não pode valer para a saúde: produtos, processos farmacêuticos, equipamentos ou materiais de uso em saúde teriam, assim, o prazo limitado aos 20 anos do pedido de registro.

A Procuradoria-Geral da República, que propôs o processo, indica que a decisão pode afetar patentes ligadas ao enfrentamento da covid-19. Dados prestados pelo INPI apontam que existem nove patentes em vigor há mais de 20 anos com indicação de possível uso no tratamento da doença.

O INPI também informou que conta com 143.815 processos pendentes. “Dentre os pedidos pendentes, os que aguardam concessão há mais de dez anos, no caso de invenção, ou de oito anos, no caso de modelo de utilidade, totalizam nada menos do que 8.837”, destaca o voto de Toffoli. Nesse sentido, o ministro também propõe a contratação de servidores para fazer frente à demanda do órgão.

O resultado final do julgamento dependerá da posição da maioria da Corte, que votará na próxima semana.

Fonte: Outras Palavras, por Maíra Mathias e Raquel Torres

Governo federal impõe novos prejuízos à classe trabalhadora

No ano de 2020 eclodiu no mundo a pandemia da COVID19. Ficamos diante de um vírus ainda desconhecido, com alta transmissibilidade, exigindo coordenação ordenada nacional, tomada de diferentes ações de segurança e a implementação de políticas públicas. Somada a necessidade de proteção dos empregos e repasse de recursos financeiros para os setores estratégicos, como a saúde e educação, e apoio às empresas.

 

 

Mas na prática o que foi aplicado no Brasil foi morosidade e desinteresse em concretizar atitudes a favor das vidas. E no campo do mercado, passamos por sanção de lei que protegeu os interesses dos empregadores e ataques aos direitos trabalhistas.

Estamos nos referindo a Medida Provisória (MP) nº 927/20 que teve vigência encerrada e a MP nº 936/20 que foi convertida na Lei nº 14.020, de 2020, que findou em 31/12/2020.

Chega o ano de 2021, com agravamento pelo avanço da Covid19. E a manutenção de atitude governamental nacional para barrar a situação, e manifestando como existe uma dicotomia entre a segurança das vidas e a economia. E neste sentido, colocando mais uma vez nas costas dos trabalhadores o ônus de todo este cenário. 

Tanto é real essa situação que desde 28/04/2021 está em vigência a MP nº 1045, que versa sobre acordos de redução da jornada e de salários. O novo texto renova um dispositivo inconstitucional previsto no anterior. Autoriza a celebração de acordos individuais de redução da jornada e de salários em contraposição ao Artigo 7º, VI, da Constituição de 1988, que prevê a irredutibilidade dos salários salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva.

E ainda tem a MP n° 1046, que substitui a polêmica MP nº927, que caducou sua tramitação em 2020. 

E não são apenas os fatos das referidas MP’s desconsiderarem o preocupante cenário de adoecimento no trabalho, a legislação brasileira e orientações internacionais sobre a correta respostam a crises nacionais para a continuidade dos negócios das empresas. Não podem simplesmente serem aplicadas para as atividades essenciais, onde estão incluídos os farmacêuticos, salvo a liberação dos que se enquadram no grupo de risco, mas com a manutenção integral do pagamento do salário, e de todos os demais direitos, pois simplesmente remeter ao pagamento de um percentual sobre o seguro – desemprego, que está com valor máximo de R$ 1.909,34, é um total desrespeito para a sustentação dos trabalhadores, dentre eles, os farmacêuticos. 

No caso de afastamento do farmacêutico, a empresa é obrigada manter a assistência farmacêutica integral. Para tanto pode optar em contratar outro farmacêutico ou mesmo reduzir o horário de funcionamento do estabelecimento. 

Destaca-se que foi aprovado e já é lei (Lei nº 14151) o afastamento das gestantes do trabalho presencial durante a pandemia, oriundo de proposto de lei pela deputada federal Perpétua Almeida.

Alertamos aos colegas farmacêuticos que, em especial, algumas grandes redes estão pressionando para que, de próprio punho, o empregado assine que mesmo sendo do grupo de risco, ter comorbidades quer permanecer trabalhando. Esta é uma atitude covarde do empregador, que assedia o profissional, e joga no seu ombro a responsabilidade total, por exemplo, se contrair COVID no local de trabalho. 

Colegas busquem orientação no Sindicato dos Farmacêuticos no seu Estado. Os sindicatos são os instrumentos de luta da categoria e os representam nas diferentes demandas. A organização da categoria pelos sindicatos é a forma de resistência e busca para manter os direitos trabalhistas.

A Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) seguirá na defesa dos direitos trabalhistas e pelo respeito e cumprimento da assistência farmacêutica integral. 

Saiba mais:

Governo reedita MPs 936 e 927 impondo novos prejuízos à classe trabalhadora: https://ctb.org.br/sem-categoria/governo-reedita-mps-936-e-927-impondo-novos-prejuizos-a-classe-trabalhadora/

Fenafar realiza reunião com relator da MP 936: https://fenafar.org.br/2016-01-26-09-32-20/fsa/2767-fenafar-realiza-reuni%C3%A3o-com-relator-da-mp-936

A MP 927 consegue ser tão ruim ou pior do que a MP 936: https://fenafar.org.br/2016-01-26-09-32-20/te/2795-a-mp-927-consegue-ser-t%C3%A3o-ruim-ou-pior-do-que-a-mp-936

Proposta estabelece piso salarial de R$ 6,5 mil para os farmacêuticos

O Projeto de Lei 1559/21 estabelece piso salarial para o farmacêutico, devido aos profissionais legalmente habilitados e no exercício da profissão, no valor de R$ 6,5 mil mensais. O texto está em análise na Câmara dos Deputados.

 

 

Conforme a proposta, esse valor deverá ser corrigido pela inflação acumulada segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) entre março de 2021 e o mês imediatamente anterior à vigência da futura lei. Depois disso, o piso salarial será corrigido anualmente, também conforme a variação do INPC.

“A defesa de um piso salarial justo e adequado às funções do farmacêutico tem sido bandeira constante da categoria”, diz o autor, deputado André Abdon (PP-AP). “O objetivo é somar esforços para o sucesso dessa empreitada”, afirma.

O presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, destaca que a luta pela aprovação de um piso salarial para o farmacêutico é uma luta já antiga da Fenafar. “É preciso garantir um piso nacional, estabelecido em lei. Além de consagrar um direito, o piso dá mais força política para os sindicatos realizarem seus processos de negociação com o setor patronal e, principalmente, cria um obstáculo para a desvalorização profissional”, disse Ronald.

Segundo o projeto, o valor do piso não se aplica aos órgãos da administração pública direta, indireta, autárquica e fundacional.

Tramitação

O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Da redação com Agência Câmara de Notícias

28 de abril: Dia Nacional em Memória às Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho

Em artigo, a Diretora de Organização Sindical da Fenafar, Débora Melecchi, fala dos dos impactos que decisões políticos tomadas pelo governo federal no curso da pandemia têm trazido para os trabalhadores, inclusive com consequências para as suas vidas. Leia abaixo.

 

 

Em 1969, a explosão de uma mina nos Estados Unidos causou a morte de 78 trabalhadores. O fato ocorreu em 28 de abril e, por isso, este foi escolhido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como o Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidentes de Trabalho. No Brasil, a data foi instituída como Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, pela Lei nº 11.121, no ano de 2005.

Neste 28/04 de 2021, precisamos intensificar a luta em defesa da vida, da proteção ao emprego, dos direitos e da vacinação para todos.

Em particular de 2016 para cá, com a desculpa de modernizar as relações de trabalho e garantir recursos para o Brasil, o que se vê na prática é colocar nas costas dos trabalhadores o ônus destas decisões políticas. Em plena sindemia da COVID19, os mais diversos trabalhadores, em especial da área da saúde, dentre estes, os farmacêuticos, estão em diferentes frentes no combate a Covid-19. E infelizmente, embora sejam reconhecidos como fundamentais nesse momento, muitos vêm atuando sem os equipamentos de segurança ou medidas sanitárias necessárias para sua proteção.

Um dos levantamentos, feito exclusivamente para o jornal El País pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data, constatou que trabalhadores formais que não puderam ficar em casa em nenhum momento da sindemia estão no ranking das ocupações que mais registraram crescimento de mortes no Brasil em janeiro e fevereiro de 2021, em relação a 2020. 

Em junho de 2020, o Ministério da Saúde, notificou 3.444 casos suspeitos e confirmados de Covid-19 em farmacêuticos da rede pública e privada. O número representa menos de 2% dos 199.768 casos notificados entre profissionais da saúde, 31.790 dos quais confirmados. O levantamento inclui dados coletados até 13 de maio de 2020 e tem como base as informações do e-SUS Notifica.

De acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, semana epidemiológica 8, período de 21 a 27/2/2021, em relação aos farmacêuticos, o registro de casos de síndrome gripal notificados foi de 6.389 e 1.845 confirmados. Óbitos por Covid19, 7 casos de um total de 80 considerando lista de profissionais classificadas pela CBO. 

No ano de 2018, de acordo com o Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho, a Quantidade de Acidentes de Trabalho registrados no Brasil foi de 576.951 casos, sendo 14.856 de incapacidade permanente e 2.098 de óbitos. No RS, o total de acidentes de trabalho, em 2018, foi de 48.559. O Estado do RS está em 3º posição de mais registro de acidentes no país, atrás de SP e de MG

Tais fatos são exemplos da ausência do interesse político, num momento de calamidade pública, o que desencadeia:1, a insuficiência de medidas protetivas através de implementação de políticas públicas, como do saneamento básico, da atenção básica e da vigilância em saúde;  2, ausência de medidas sanitárias, como distanciamento social, uso correto de máscaras e lavagens das mãos; 3, desconsidera as possibilidades proposição de proteção aos empregos, que possibilitem licenças remuneradas, estabilidade no emprego, redução de jornada de trabalho sem redução do salário; 4, e o baixo número de doses da vacina contra a COVID19 diante da morosidade na compra, problemas diplomáticos com outros países e ser contra a autonomia do país na produção destas.

Não podemos mais ter conhecimento de reagentes do teste RT-PCR vencendo no almoxarifado do Ministério de Saúde,em São Paulo, por falta de testagens no país, que além de induzir a um alto índice de subnotificação, não possibilita o monitoramento de casos para tomada de providências. Não é mais possível aceitarmos flexibilizações de funcionamento do comércio, o setor hospitalar em colapso e total desmonte da atenção básica, que tem a capacidade de permitir a atuação dos trabalhadores da saúde diretamente nos territórios. Não é cabível aceitar que o orçamento de 2021 tenha por base o piso de 2017 reajustado pelo IPCA, quando deveria, no mínimo, prever o valor de R $168,7 bilhões. Não mais suportamos a ausência de valorização profissional por parte dos empregadores,públicos e privados. 

Precisamos ampliar a cobrança por melhores condições de trabalho, garantia de adequação dos espaços de trabalho às normas de distanciamento, equipamentos de proteção adequados, o combate ao assédio moral das chefias, às jornadas de trabalho extenuantes, o fortalecimento do SUS com financiamento justo e sustentável para atender as necessidades das pessoas. Isso perpassa por uma ação solidária e colaborativa da categoria, organizada nos sindicatos, e juntos ampliarmos para uma grande frente que defenda a vida, a democracia e os direitos. 

Toffoli suspende norma que prevê prazo indeterminado de patentes

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu cautelarmente a eficácia do parágrafo único do artigo 40 da lei de propriedade industrial (Lei 9.279/96). A norma prevê que, caso o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) demore para analisar pedidos de patente — por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior —, ela pode ter seu prazo prorrogado.

 

 

A decisão se deu no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade que seria julgada nesta terça-feira (7/4) pelo Plenário da Corte. Como isso não ocorreu, o ministro julgou monocraticamente o feito, por ver urgência no caso.

O pedido cautelar foi feito pelo procurador-Geral da República, Augusto Aras. Em petição apresentada nos autos do processo, ele argumentou que, embora não tenha sido formulado na ação pedido de liminar, “a atual conjuntura sanitária, decorrente da epidemia de Covid-19, constitui fato superveniente que reclama e justifica a imediata concessão da tutela provisória de urgência para o fim de serem suspensos os efeitos da norma impugnada”.

Para a PGR, a norma viola o princípio da temporariedade da proteção patentária, previsto no inciso XXIX do artigo 5º da Constituição. Essa regra constitucional assegura aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

Mas, ao deixar indeterminado o prazo da patente, o dispositivo questionado gera “forte lesão a direitos sociais e à ordem econômica” por não permitir aos demais interessados na exploração da criação industrial prever e programar o início de suas atividades. Ainda segundo a PGR, o dispositivo torna o consumidor “refém de preços e produtos definidos pelo detentor do monopólio, sem perspectiva de quando terá acesso a novas possibilidades”. Assim, sustentou que a medida afronta a livre concorrência, a segurança jurídica, a defesa do consumidor, o princípio da eficiência, bem como a duração razoável do processo.

Em sua decisão, Toffoli considerou que a norma impugnada torna de fato os prazos de patentes indeterminados. “A indeterminação do prazo é circunstância que, por si só, descortina uma série de violações constitucionais que tornam inequívoca, no meu entender, a norma inconstitucional”, afirmou.

O ministro faz menção aos impactos dessa norma em diversos segmentos econômicos; em especial, o farmacêutico, “área tecnológica que conta com alguns dos maiores tempos médios de decisão técnica no INPI”. “(…)Salta aos olhos que o parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial incidirá sobre a maioria dos pedidos de patentes da indústria farmacêutica decididos em 2021, ou seja, a maioria dessas patentes terá vigência superior a 20 anos”, afirmou.

Assim, Dias Toffoli decidiu declarar cautelarmente a inconstitucionalidade da norma, reconhecendo o “estado de coisas inconstitucional” relacionado aos prazos de patentes no Brasil. 

Também determinou que o INPI, no prazo de um ano, contrate mais servidores, recupere e restaure documentos ilegíveis e adote soluções tecnológicas para controle do fluxo de pedidos de patentes, entre outras medidas.

O ministro também modulou os efeitos da decisão — a declaração de inconstitucionalidade vale a partir da data de publicação do julgamento. Mas isso não vale para duas hipóteses, nas quais incidirá o chamado efeito ex tunc (retroativo): sobre as ações judiciais em curso que eventualmente tenham como objeto a constitucionalidade do parágrafo único da norma e sobre as patentes concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos de uso em saúde.

Clique aqui para ler a decisão ADI 5.529ADI 5.529

Vacinas: roteiro sobre a infâmia das patentes*

Big Pharma ganhará rios de dinheiro com a covid. Para fazê-lo, retardará produção de vacinas, multiplicando as mortes. Argumento: mecanismo é necessário para estimular a pesquisa. Os fatos: Estados bancam quase todo o esforço científico.

As empresas farmacêuticas, seus executivos e acionistas já estão ganhando bilhões com as vacinas contra covid, em um dos exemplos mais nefastos de como lucrar a partir de uma doença. Isso se deve em grande parte a um sistema, perverso em sua origem, que concentra a capacidade de produção na mão de poucos – sejam empresas ou Estados – o que intensifica e produz novas desigualdades na distribuição e consumo desses produtos. Nesse sistema, a indústria farmacêutica age em parceria com os Estados: primeiro, recebe subsídios governamentais para desenvolver medicamentos; em seguida, na combinação de preços geralmente muito acima dos custos, o que gera lucros exorbitantes para além dos que são considerados “necessários”, dentro desse sistema, para investimentos de risco como vacinas. Enquanto isso, os países mais pobres são deixados para trás novamente: 90% da produção das vacinas está sendo distribuída em países considerados desenvolvidos, enquanto que o restante pode demorar anos para ter vacinas suficientes para dar conta de suas populações. Pior: com a defesa ferrenha, por parte dos governos destes países, dos direitos de propriedade intelectual das empresas, evita-se (ou se dificulta) que os países mais pobres possam produzir vacinas de modo mais rápido e barato.

Traduzimos (melhor dizendo: adaptamos) dois textos do site britânico Corporate Watch [este e este], que desde 1996 cobre e pesquisa corporações, para dar mais detalhes dos abusivos lucros que a indústria farmacêutica obtém a partir da exploração das patentes de medicamentos produzidos, em sua maior parte, a partir de dinheiro público. A tradução é de Victor Wolffenbüttel e a adaptação de Leonardo Foletto (colaboraram Tatiana Dias e Alexandre Abdo).

Cinco maneiras pelas quais as grandes empresas farmacêuticas ganham tanto dinheiro

A indústria farmacêutica é lucrativa: as gigantes da área têm taxas de lucro de até 20% – mais do que o dobro de outros setores. Mas como elas ganham tanto dinheiro?

1) Persiga o lucro, e não as demandas

Um dos maiores problemas com um sistema que direciona a pesquisa médica mais para obtenção de lucros que para as necessidades de saúde da população é que o investimento em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) é canalizado para os produtos que podem gerar mais dinheiro para as empresas farmacêuticas. Os melhores negócios são os medicamentos para pacientes que precisam de  medicações caras (como câncer) e os que vão ser usados por muito tempo. Os melhores pacientes são os dos EUA, onde os preços dos remédios são mais altos e certas condições crônicas do sistema de saúde local exigem prescrições repetidas. Ou onde as drogas são altamente viciantes, como no caso de opióides como o Oxycontin, indicado para o tratamento de dores moderadas a severas por período de tempo prolongado.

Por outro lado, as vacinas de dose única contra epidemias que afetam principalmente os países mais pobres são o exemplo clássico de um mau negócio. Assim, a pesquisa sobre vacinas foi relativamente negligenciada até o ano passado – quando a covid-19 se tornou um problema global e o financiamento do Estado entrou em ação.

2) Patentear tudo

As empresas farmacêuticas detêm patentes – licenças que garantem seus direitos de “propriedade intelectual” – de novos medicamentos. Isso significa que ninguém mais pode produzir o mesmo medicamento sem sua permissão durante a vigência da patente, que é de 20 anos na maioria dos países.

A ideia do livre mercado é que, se uma empresa obtém altos lucros, novos participantes poderão entrar fazendo a mesma coisa (produto, medicamento, etc), mas mais barato, puxando então para baixo os preços e os lucros de todo esse mercado. As patentes significam que as empresas farmacêuticas têm monopólios legais sobre medicamentos específicos: como nenhuma outra empresa pode baixar os preços, elas podem estabelecê-los e obter grandes lucros.

O sistema de propriedade intelectual é imposto por governos em todo o mundo sob o acordo TRIPS, que é um dos principais documentos da Organização Mundial do Comércio (OMC). Alguns estados são apoiadores mais fervorosos do que outros; os EUA são particularmente conhecidos como um forte defensor da propriedade intelectual das empresas; a UE não está muito atrás (como mostra este relatório recente do Corporate Europe Observatory).

Governos como da Índia e África do Sul, juntamente com ONGs como a Médicos Sem Fronteiras, pediram que as patentes de vacinas fossem canceladas durante a pandemia da covid-19. Isso poderia permitir que os países mais pobres começassem a fabricar suas próprias vacinas a preço de custo – em vez de esperar até 2023 para que as empresas farmacêuticas atendam aos seus pedidos. A ideia sofreu forte oposição dos EUA, UE, Reino Unido e outros países ricos, como contamos aqui no BaixaCultura em janeiro.

3) Preços muito, muito mais altos do que os custos

Como os apoiadores da indústria farmacêutica justificam um sistema que nega medicamentos a preços acessíveis para bilhões de pessoas? O argumento é que essa é a única maneira de cobrir os custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos medicamentos. O principal grupo de lobby da indústria dos EUA, a Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PHRMA), afirma: “Em média, leva de 10 a 15 anos e custa US $ 2,6 bilhões para desenvolver um novo medicamento, incluindo o custo de muitas falhas”. Sem patentes, dizem, os “rivais” (atenção ao vocabulário) poderiam simplesmente copiar suas receitas e ninguém se daria ao trabalho de desenvolver novos medicamentos.

As empresas farmacêuticas gastam, em média, cerca de 20% de toda a receita de vendas em P&D. Isso é realmente alto em comparação com outras indústrias: apenas a aviação e a indústria espacial têm percentual maior em P&D. Mesmo assim, as vendas cobrem os custos muitas vezes. Uma vez que os medicamentos estão na linha de produção, os custos reais de fabricação são minúsculos em comparação com os preços frequentemente altos (ao contrário das naves espaciais e de aviões, que são muito caros de produzir por unidade). Essa diferença é o que explica aquela já citada margem de lucro de 20% que a indústria farmacêutica obtém com seus produtos.

A insulina custa em média menos de 6 dólares por frasco para produzir, mas é vendida por até 275 dólares nos Estados Unidos – um exemplo dado pelo grupo da campanha Pacientes por Drogas Acessíveis (Patients for Affordable Drugs). Na Europa, a gigante farmacêutica Gilead cobrou uma média de 55.000 euros por um tratamento de 12 semanas contra a hepatite C – quando os remédios custam menos de 1 euro por comprimido para fabricar [fonte]. Esses exemplos extremos ilustram um padrão; um estudo acadêmico da Universidade do Sul da Califórnia descobriu que as empresas farmacêuticas dos EUA têm uma margem média de lucro bruto de 71% nas vendas de medicamentos – ou seja, o dinheiro que ganham com um medicamento após descontado o custo de produção, mas antes das despesas de toda a empresa, como marketing, impostos ou bônus executivos.

4) Minimize o risco

As empresas farmacêuticas argumentam que têm de assumir o risco de desenvolver medicamentos experimentais que nunca chegam ao mercado. Por exemplo, o custo médio de um novo medicamento contra o câncer foi estimado em 648 milhões de dólares. A cifra de 2,6 bilhões de dólares citada no PHRMA acima é, na verdade, uma estimativa de “risco ponderado” que “inclui o custo de muitas falhas”. Se uma empresa farmacêutica inventar 10 medicamentos que custam 260 milhões de dólares cada, mas apenas um for aprovado, então a empresa teve o custo de 2,6 bilhões de dólares no total para produzir um remédio que possa ser vendido.

Só que, na realidade, as grandes empresas farmacêuticas “inventam” apenas alguns dos medicamentos que patenteiam e vendem. Uma análise de dois gigantes da “Big Pharma” mostra que a Pfizer desenvolveu apenas 10 dos 44 medicamentos mais vendidos “da casa” (23%) – e a Johnson & Johnson desenvolveu apenas 2 de 18 (11%). A “inovação” ocorre em grande parte em laboratórios universitários e governamentais, ou em empresas de pesquisa menores.

E muito disso é financiado pelo Estado. Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, o principal (mas não o único) órgão governamental de pesquisa médica do país, doam 39,2 bilhões de dólares por ano para universidades, escolas médicas e outras organizações de pesquisa.

Uma vez que os medicamentos foram descobertos, os gigantes farmacêuticos intervêm – para comprar uma licença, ou uma empresa inteira – uma vez que o medicamento já se provou por meio de testes iniciais. (Veja um relatório recente dos EUA sobre esse tema.) As vacinas contra covid-19 são exemplos clássicos.

5) Lobby, lobby, lobby

A indústria farmacêutica é poderosa, com muitos amigos influentes. Nos Estados Unidos, o país com os preços de medicamentos mais altos do mundo, o setor farmacêutico gasta mais do que qualquer outro setor em lobby. Ao longo de 22 anos, as empresas farmacêuticas e grupos da indústria gastaram 4,45 bilhões de dólares em lobby com políticos dos EUA – quase o dobro do valor do segundo mais gastador, o mercado de seguros. De acordo com a OpenSecrets, a indústria tem mais de 1.450 lobistas trabalhando para ela, dentre os quais 66% são ex-funcionários do governo. E esta é apenas a face mais publicamente conhecida, oficialmente declarada, da influência política da indústria farmacêutica – ela apenas arranha a superfície de um mundo de doações políticas, cargos de diretoria, “portas giratórias” e muito mais.

Um relatório do Corporate Europe Observatory detalha como a União Europeia se tornou um instrumento cúmplice na defesa dos direitos de propriedade farmacêutica. As dez maiores empresas farmacêuticas gastaram até 16 milhões de euros em lobby lá em 2019. No Reino Unido, surgiram histórias sobre como a indústria financia grupos de pacientes para que eles ajudem a fazer lobby por novos tratamentos medicamentosos; ou sobre como o sistema público de saúde encomenda pesquisas como estratégia de compra de um grupo de lobby financiado pela indústria.

Vale salientar que governos, como o inglês, o dos países da União Europeia e os Estados Unidos, também são grandes (os maiores) clientes farmacêuticos, que pegam bilhões de seus contribuintes para comprar os medicamentos das empresas.

(Foto: Fonte: Corporate Watch)

Vacinas contra a covid-19: quanto estas empresas irão lucrar este ano?

O Corporate Watch examinou três das quatro principais vacinas que têm circulado no mundo: BioNTech e Pfizer, Astra Zeneca e Oxford University, e Moderna. Quanto dinheiro as empresas por trás delas vão ganhar? Como eles têm sido apoiados pelo setor público? E onde o dinheiro vai parar?

BioNTech / Pfizer: lucro estimado de 4 bilhões de dólares, após vendas de 15 bilhões. A Pfizer diz que já tem pedidos acumulados de 15 bilhões de dólares em vacinas, onde cada dose está precificada em 19 dólares. Segundo o Financial Times, a margem de lucro pode ficar perto de 30% neste ano. Trabalhando sem nenhum melindre para maximizar o lucro, a empresa está sendo uma negociante dura com países mais ricos e também com os mais pobres.

Moderna: lucro estimado de US $ 8 bilhões de dólares, após vendas de 18,4 bilhões. A Moderna diz que está a caminho de produzir pelo menos 700 milhões de vacinas pré-encomendadas em 2021. As injeções da Moderna são as mais caras, entre 25 e 37 dólares a dose, e a empresa diz que o custo de produção de suas vacinas será de apenas 20% do preço de venda.

Oxford / AstraZeneca: lucro desconhecido, após vendas previstas de 6,4 bilhões de dólaresem 2021. Está vendendo pelo preço mais barato (por enquanto) e promete produzir a preço de custo sem obter lucro durante a pandemia. Mas o que isso realmente significa? Um contrato visto pelo Financial Times sugere que eles poderiam declarar o fim da pandemia e aumentar os preços a qualquer momento a partir de julho de 2021. E o contrato da AstraZeneca com a Universidade de Oxford permite que a empresa ganhe até 20% além do custo de fabricação das injeções. Em outro indício dos limites da promessa de vender “a preço de custo”, alguns países mais pobres, incluindo Bangladesh, África do Sul e Uganda, podem ter que pagar mais pela vacina do que a União Europeia porque têm menos poder de barganha do que os grandes, que estão pegando a primeiro parte da produção das vacinas.

Vale destacar que as vacinas estão sendo compradas por governos em todo o mundo em encomendas antecipadas por atacado. Esses números de lucro, portanto, vêm predominantemente das vendas a autoridades públicas. Como vemos abaixo, os governos também subsidiaram maciçamente o desenvolvimento das vacinas. Portanto, o setor público está pagando duas vezes: primeiro financiando a pesquisa e depois comprando os resultados a preços inflacionados.

E nos próximos anos?

Isso é uma incógnita. Dada a quantidade de vacinas em desenvolvimento, a competição pode manter os custos baixos. Mas se algumas se mostrarem mais eficazes do que outras, e a vacinação contra covid-19 se tornar um evento anual como as vacinas contra gripe, os lucros podem continuar acumulando nos próximos anos. E uma vez que a intensidade da pandemia diminua, todas as empresas podem se sentir livres para aumentar ainda mais os preços. O diretor financeiro da Pfizer, por exemplo, disse a analistas que o preço atual “não é um preço normal, que é de 150, 175 dólares por dose. Depois da pandemia, obviamente vamos conseguir vendê-las por um maior preço”. As empresas/consórcios responsáveis pelas três principais vacinas em planos declarados de aumentar os preços das vacinas contra o coronavírus em um futuro próximo e capitalizar a presença duradoura do vírus.

Posições dos países em relação às patentes das vacinas. Fonte: Médicos Sem Fronteiras

Quanto custou o desenvolvimento das vacinas?

Os números exatos são segredos corporativos, mas parece provável que cada uma tenha custado cerca de 1 bilhão de dólares para serem desenvolvidas. A pesquisa inicial para uma nova vacina epidêmica pode custar em média 68 milhões de dólares – embora as injeções contra covid-19 tenham sido desenvolvidas muito mais rápido. Mas o principal custo é a execução de testes de “Fase 3” em grande escala – para as vacinas contra a covid-19, eles foram maiores do que o normal, com dezenas de milhares de voluntários.

De que outra forma as empresas irão se beneficiar?

As vacinas são um grande golpe de relações públicas. As empresas se tornaram nomes conhecidos, e no bom sentido. Isso é uma reviravolta para uma indústria que foi insultada como poucas outras após décadas de especulação. Só agora está começando a ser questionado no debate público se as vacinas poderiam ter sido produzidas de uma forma mais acessível e justa – pelo menos no Reino Unido.

A ciência que sustenta as vacinas contra covid-19 também pode ser usada pelas empresas para tratar – e lucrar com – outras doenças. A Moderna espera que sua tecnologia de mRNA possa ser usada para tratar o câncer, o “mercado” farmacêutico mais lucrativo. A Vaccitech, mencionada acima, está arrecadando grandes somas de investidores, na esperança de que sua tecnologia contra covid-19 possa ser usada para tratar hepatite e MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio). O desenvolvimento da ciência provavelmente foi ajudado por “testes de estrada” durante a preparação da vacina.

Quem inventou as vacinas?

BionNTech / Pfizer: A pesquisa foi realizada pela BioNTech, uma empresa alemã de pesquisa farmacêutica. A Pfizer  entrou como parceira assim que a vacina estava pronta para os testes.

Moderna: a vacina foi co-desenvolvida pela Moderna e cientistas do governo dos EUA que trabalham para o National Institute of Health (NIH) (Instituto Nacional de Saúde). Há algum mistério sobre os papéis exatos do NIH e da Moderna, quem possui a propriedade intelectual e por que o governo dos EUA, aparentemente, permitiu que a Moderna ficasse com todos os lucros.

Oxford / AstraZeneca: Cientistas da Oxford University no seu Instituto Jenner e Oxford Vaccines Group, liderados pelos professores Sarah Gilbert e Adrian Hill.

As empresas apresentam as vacinas contra covid-19 como um triunfo para a ciência corporativa. Mas na verdade apenas uma das vacinas analisadas, a BionNTech/Pfizer, foi desenvolvida pelo setor privado (ganhar dinheiro com as invenções dos outros é uma jogada farmacêutica clássica – leia nossa explicação aqui). Além disso, todas as equipes se beneficiaram da pesquisa inicial do Shanghai Public Health Clinical Center (Centro Clínico de Saúde Pública de Xangai), que publicou o primeiro sequenciamento genômico do vírus da covid-19 gratuitamente no site de código aberto virological.org.

Havia algum plano para produzir vacinas sem as Big Pharma lucrarem?

Inicialmente, a Oxford considerou permitir que uma série de fabricantes produzissem sua vacina sem vender direitos exclusivos a nenhuma corporação. Mas, de acordo com o Wall Street Journal, executivos seniores da universidade, junto com seu principal financiador –  a Fundação Bill e Melinda Gates – argumentaram que não poderiam administrar uma “implantação global” sem a ajuda de uma grande indústria farmacêutica. A universidade inicialmente entrou em negociações com a gigante farmacêutica americana Merck, antes de finalmente assinar com a AstraZeneca em abril de 2020. O negócio firmado envolve uma licença completa para produzir e vender a vacina em troca de 90 milhões de dólares e 6% de participação nos royalties futuros, que, segundo a universidade, serão reinvestidos em pesquisas médicas. A Vaccitech Ltd, uma empresa privada derivada cujos diretores incluem os professores Gilbert e Hill, receberá 24% da receita da universidade.

Quanto subsídio público eles receberam?

BioNTech / Pfizer: 465 milhões de euros (cerca de 550 milhões de dólares). A pesquisa foi financiada de forma privada, mas receberam um empréstimo de desenvolvimento de 100 milhões de euros do Banco Europeu de Investimento e uma doação de 365 milhões de euros do governo alemão para ajudar na manufatura.

Oxford / AstraZeneca: cerca de 1,3 bilhões de dólares. A vacina veio de uma pesquisa de longo prazo na Universidade de Oxford, financiada pelo governo do Reino Unido e diversas outras fontes. O governo contribuiu com mais de 87 milhões de libras esterlinas para desenvolver a nova vacina no início de 2020. Os EUA adicionaram 1,2 bilhões de dólares a mais como parte de sua “Operação Warp Speed”.

Moderna: mais de 955 milhões de dólares. O financiamento do governo dos EUA incluiu: uma quantia não divulgada para os testes da Fase 1 em março de 2020; 483 milhões de dólares em abril para Fase 2 e o início dos testes da Fase 3; e outros 472 milhões de dólares para expandir os testes de fase 3 em julho. A Moderna também recebeu uma doação de 1 milhão de dólares de Dolly Parton.

Além desses subsídios para pesquisa, as empresas receberam enormes encomendas de governos antes mesmo de suas vacinas serem aprovadas para uso. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, fez pré-encomendas massivas, de 1,95 e 1,53 bilhões de dólares das vacinas da BioNTech / Pfizer e Moderna por meio de sua chamada “Operação Warp Speed”.

Quem receberá o dinheiro?

Pfizer / BioNTech: Os lucros são divididos igualmente entre as duas empresas. Os acionistas receberão “dividendos” – dinheiro pago a partir dos lucros das empresas. Os principais acionistas da Pfizer são fundos de investimento globais: especialmente Vanguard Group (7,6%), State Street Global Advisors (5%) e BlackRock (4,9%). Administrado por algumas das pessoas mais ricas e poderosas do mundo, como o CEO da Blackrock, Larry Fink, estes três fundos controlam aproximadamente 20 trilhões de dólares dos ativos mundiais. Enquanto isso, o CEO da Pfizer, Albert Bourla, ganhou as manchetes vendendo 4,2 milhões de libras esterlinas em ações da Pfizer no dia em que anunciou que sua vacina funcionava.

A BioNTech é geralmente apresentada como uma história de sucesso da pobreza à riqueza para dois médicos imigrantes, o casal U?ur ?ahin e Özlem Türeci. A vacina os tornou bilionários. Mas os principais proprietários da empresa, que detinham cerca de 50% no ano passado, são os gêmeos investidores em biotecnologia Thomas e Andreas Struengmann. Eles ganharam seus primeiros bilhões com a empresa de medicamentos genéricos Hexal, que fundaram na década de 1980 e depois venderam para a Novartis em 2005.

Moderna: Os acionistas incluem o presidente Noubar Afeyan (14% de participação no início da pandemia), o CEO Stéphane Bancel (9%) e os professores Timothy Springer (Harvard) e Robert Langer (MIT) – que, de repente, passaram de diretores de uma empresa deficitária a multimilionários. As ações da Moderna aumentaram enormemente de valor durante a pandemia e Bancel, em particular, vendeu parte de suas participações da empresa nos últimos meses, arrecadando milhões em dinheiro. A Moderna passou a ser listada na bolsa de valores em 2018; seu maior investidor institucional é o fundo de investimento escocês Baillie Gifford, que tem em torno de 11% das ações. As gigantes americanas Vanguard e BlackRock vêm em seguida, com 5,7% e 4,1% cada. Um mistério ainda não claramente respondido sobre a vacina Moderna é se algum dinheiro vai voltar para o governo dos EUA, que a “co-desenvolveu” e financiou.

Oxford / AstraZeneca: AstraZeneca, com sede em Londres, é uma megacorporação global pertencente aos mesmos grandes fundos de investimento da Pfizer e outros. No final de 2020, seus três maiores proprietários eram BlackRock (7,5%), Wellington Management (5,2%) e Capital Group (4,3%). De acordo com o Wall Street Journal, a Universidade de Oxford receberá 6% dos pagamentos futuros de royalties. 24% deles serão repassados para a Vaccitech Ltd, uma empresa privada derivada cujos diretores incluem os pesquisadores de vacinas, professores Gilbert e Hill. Cada um deles possui cerca de 5% das ações da Vaccitech. O principal acionista (46%) é uma empresa de investimentos chamada Oxford Sciences Innovation (OSI), criada pela universidade para canalizar capital para seus negócios derivados. A OSI tem vários acionistas além da própria universidade – incluindo Google Ventures, Huawei, a empresa farmacêutica chinesa Fosum (que também possui ações da Moderna), o sultanato de Omã, bem como bancos e fundos de private equity.

Poderia ter sido diferente?

A pesquisa inicial que sequenciou o genoma covid-19 e deu início à corrida das vacinas foi publicada com código aberto, de uso gratuito para todos. Imagine se a pesquisa de vacinas também fosse publicada abertamente e sem patentes, para que todos os fabricantes, inclusive no sul global, pudessem produzir o que necessitam a preço de custo? Haveria, claro, ainda outros problemas, como a escassez de material para a produção dos imunizantes. Mas como afirmou Yuanqiong Hu, conselheiro na área legal e de políticas da MSF, não é uma questão de “ou / ou”, mas de “E/ E”. “Os governos precisam de um pacote completo de kits de ferramentas, incluindo acordos de transferência de tecnologia e medidas legais, como a proibição de patentes”.

As três vacinas analisadas aqui poderiam também, ao menos, ter processos de produção um pouco mais parecidos com os que os fabricantes chineses e russos fizeram com suas respectivas vacinas, a Sinovac e a Sputnik V, que tiveram compartilhados seu licenciamento, “know-how” e sua tecnologia com diferentes países. É o caso do Brasil (via Instituto Butantan), Turquia e Indonésia, que estão produzindo a Sinovac em processo de colaboração, assim como nos Emirados Árabes Unidos, onde a Sinopharm (produtora da vacina chinesa) montou uma grande unidade para atender não só o país árabe mas diversos países aliados na região. Já a vacina russa tem acordos de produção com pelo menos cinco empresas farmacêuticas diferentes na Índia para fornecer algo como 500 milhões de doses este ano, assim como acordos semelhantes com a Coreia do Sul e outros locais.

Vale ressaltar, entretanto, que estamos ainda falando de capitalismo; as empresas destes países adotam estratégias mais flexíveis para a celebração de acordos, mas ainda com cifras de milhões e propriedades intelectuais. O governo do Estado de São Paulo, por exemplo, comprou 46 milhões de doses da Sinovac por 90 milhões de dólares, um valor que é 10 vezes menor do que os Estados Unidos estão pagando para a Pfizer/Biotech e Moderna.

Por fim, os governos poderiam usar de sua atribuição de representar o interesse público para organizar esforços de fato coletivos contra um inimigo comum que é mundial. Trata-se de um jogo onde a vitória só é completa quando todos ganham e onde o preço de perder é a morte. Diante disso, o simples fato destes governos não estarem articulando uma vasta rede de cooperação internacional também pode ser considerado um crime. Especialmente aqueles em que, além de não fazer o que como representantes de interesse público se esperaria, ainda atrapalham; caso hoje do Brasil, pária mundial, incentivador de tratamento preventivo não comprovado e boicotador de ações que já demonstraram funcionar, como os lockdowns e o uso de máscaras seguras.

Algumas leituras adicionais:

Bad Pharma – Ben Goldacre. Um levantamento muito detalhado da má prática da indústria farmacêutica, particularmente olhando para a questão de quem os resultados dos testes são sistematicamente manipulados.

Pharma – Gerald Posner (2020). Uma história jornalística da indústria farmacêutica (principalmente dos EUA) e seus crimes.

_ relatório do Accountability Office do governo americano (2017) sobre a indústria farmacêutica dos EUA oferece uma visão geral útil das principais questões.

Pacientes por Drogas Acessíveis – grupo de campanha dos EUA

Corporate Europe Observatory – relatórios sobre a política da indústria farmacêutica na Europa

_ Campanha Vacinas Para Todos (Portugal);

Lab Procomum sobre a quebra de patentes;

_ Campanha Vacina para todas e “Todos pelas Vacinas” (Brasil);

**Leonardo Foletto é jornalista formado pela UFSM, mestre em jornalismo (UFSC) e doutor em Comunicação e Informação (UFRGS). É integrante das redes das Produtoras Colaborativas, do coletivo ciberativista CCD POA, do Creative Commons Brasil e colaborador do hackerspace Matehackers. Foi um dos idealizadores do site BaixaCultura. Publicou em 2021 “A Cultura é Livre: Uma história de resistência antipropriedade”.

***Victor Wolffenbüttel é estudante de administração de Novo Hamburgo/RS. Escrevee sobre tecnologia e cultura, criador e editor da newsletter literária Quasar, e aqui faz um trabalho, a partir de 2018, de arqueólogo da web resgatando e detalhando ferramentas como o RSS.

Fonte:  Outras Palavras – Publicado originalmente no Baixa Cultura