Os dez anos da Lei Maria da Penha, completados no último dia 7, serão comemorados pelo Congresso Nacional na próxima quarta-feira (17), em sessão solene marcada para as 9h30, no Plenário do Senado. No mesmo dia, serão lançados um selo comemorativo e o portal do “Observatório da Violência contra a Mulher”, do Instituto DataSenado. Também faz parte das comemorações a iluminação do edifício do Congresso Nacional com a cor laranja. A iluminação foi instalada na última quinta-feira (11).
Também faz parte das comemorações a iluminação do edifício do Congresso Nacional com a cor laranja. Também faz parte das comemorações a iluminação do edifício do Congresso Nacional com a cor laranja. O Observatório da Violência contra a Mulher funcionará como um banco de dados unificado, para auxiliar na fiscalização de políticas públicas e na proposição de leis que aperfeiçoem a rede de proteção às vítimas de agressões em ambiente familiar.
O observatório nasceu por recomendações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou a violência contra a mulher no Brasil. Entre elas, está a criação, no âmbito nacional, de “observatórios de monitoramento para dar conta do controle social, necessário para a eficácia da legislação em vigor”.
Segundo os debates realiados ao longo da atuação da CPI, constatou-se que, apesar dos avanços da Lei Maria da Penha, ainda faltam bancos de dados oficiais que ajudem a entender a razão dos altos índices de violência.
“Para sermos eficientes, precisamos de informação. Quem é a mulher mais atingida? A mais jovem? A com menos condições financeiras demora mais a romper esse ciclo? Todas essas informações são preciosas para que a gente possa combater esse tipo de violência”, argumentou a presidenta da comissão, senadora Simone Tebet (PMDB-MS).
A ideia, segundo a senadora, é que o observatório também promova estudos e coordene projetos de pesquisa sobre políticas de prevenção à violência e atendimento às vítimas. Para alimentar o portal, será necessário o apoio das secretarias estaduais de saúde, assistência social e segurança.
“Eles (órgãos públicos) vão colocar as informações no nosso sistema, de forma on-line, uma vez por mês”, explicou, ressaltando que esse trabalho depende, acima de tudo, de boa vontade por parte dos envolvidos.
Fonte: Agência Senado
Maria da Penha: lei precisa ampliar ainda mais a proteção às mulheres
A gota d´água para que Maria* buscasse ajuda a fim de romper o ciclo de violência em que vivia foi ter sido estuprada pelo companheiro com quem está há dez anos. Mas, para ela, esse episódio não foi o pior que enfrentou. Antes disso, Maria viveu anos do que hoje reconhece como tortura psicológica.
Segundo ela, Roberto* nunca foi um homem carinhoso, mas atribuía isso ao fato de ele ser 22 anos mais velho que ela, que tem 54. Ela disse que desde o início da relação, ele se mostrou muito ciumento e machista. “Mas eu achava o namoro normal, até que começou o desrespeito total, depois de uns quatro anos juntos”.
Roberto agredia Maria de diversas maneiras. “Me jogava para baixo, dizia que eu não servia para nada, que eu fazia tudo errado, que eu não era uma boa mulher e que ele ia procurar outras. Se passava uma mulher atraente, ele a cantava na minha frente”. Os xingamentos foram se tornando cada vez mais frequentes. “Até que um dia ele começou a ejacular nas cuecas que eu tinha que lavar e me dizia que tinha sido fulana ou sicrana quem havia provocado o desejo dele”, conta, indignada.
Depois de tanta humilhação, Maria percebeu que estava adoecendo e decidiu tomar uma atitude por conta própria. “Parei de fazer sexo com ele. Disse ao Roberto que ele não me tocaria mais. A briga foi feia. Ele me castigou parando de me dar dinheiro, além de parar de pagar meu aluguel. Eu moro com a minha filha de 18 anos no mesmo prédio que ele, mas não é no mesmo apartamento. Três meses depois, fui despejada. Passei um período na casa de uma vizinha mas, nesse ínterim, peguei uma pneumonia e afundei numa depressão. Era muita pressão, vergonha, tudo. Depois de um tempo não vi saída, tive que me humilhar e acabei voltando com ele.”
Maria limpa, lava, passa e cozinha para Roberto, mas ele insiste em dizer que ela não trabalha. Ele sempre lembra quem paga as contas e, logo, quem manda. “Como se o que eu faço não fosse trabalho. A única diferença é que não sou remunerada, porque trabalho e muito. E é essa a única razão, eu continuo com ele porque dependo financeiramente dele.”
Ela relatou que há alguns meses apareceu uma moça na sua vizinhança que passava todos os dias em frente à loja de Roberto, a caminho da academia. “Ele ficou fascinado por ela e não fazia questão nenhuma de esconder isso. Dizia que sonhava com ela, que ela era mulher de verdade. De novo, aquilo me feriu muito. Agora, já parei de chorar, mas estava tão doente que não conseguia nem falar dos meus problemas.”
A máquina de lavar do prédio de Roberto é coletiva e fica no corredor para uso comunitário. “Eu fui à casa dele lavar as roupas e estava deitada na cama enquanto a máquina funcionava. De repente, ele subiu, minutos depois da hora que eu sabia que a moça passava e me estuprou. Aí, eu me toquei do que ele estava fazendo, ele estava com tesão por outra e me usou. Para mim, foi o fim.”
Após o episódio, Maria procurou o Centro Especializado em Atendimento à Mulher para buscar um psicólogo. “Fui bem atendida por uma equipe multidisciplinar. Perguntaram se eu queria fazer a denúncia, mas eu disse que não podia. Por que eu não posso? Ele é muito conhecido e eu preciso dele. Eu quero é me curar e me livrar dele.”, disse.
Maria continua com Roberto, mas está se preparando para deixá-lo. “Eu penso em ter a minha independência, por isso estou me reciclando e me empenhando, porque preciso dessa estabilidade.” Aos 54 anos, está fazendo o curso de recepcionista ofertado gratuitamente na Casa da Mulher Brasileira (CMB), em Brasília. “O amor acabou, não tinha como durar. Eu tenho vontade de amar de novo e ter uma relação saudável, mas o trauma é muito grande.”
A história de Maria é um caso clássico de violência doméstica, mas até a Lei Maria da Penha o senso comum dizia que era um problema de foro íntimo e, portanto, não cabia interferência.
A Lei 11.340 foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006 com o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar no país. A legislação foi batizada em homenagem à farmacêutica cearense Maria da Penha, que ficou paraplégica após levar um tiro do marido, pai de suas três filhas, em sua segunda tentativa de homicídio contra ela, em 1983.
A história da farmacêutica Maria da Penha ganhou repercussão internacional quando ela acionou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) em busca de uma solução, após aguardar a Justiça brasileira por 15 anos. O caso mostrou a fragilidade enfrentada pelas brasileiras que eram vítimas de violência e não eram acolhidas pelo Estado.
Diretora de Conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, organização social sem fins lucrativos que atua no direito das mulheres, a psicóloga Marisa Sanematsu avalia que a lei é bem formulada e completa, uma vez que define claramente as formas de violência doméstica como moral, sexual ou patrimonial. “Muita gente nem sabia que violência psicológica era um crime enquadrado, passou a saber com a divulgação da lei. Antes, a sociedade só considerava a violência contra a mulher aquela violência física. E não bastava ser simples, tinha que deixar a mulher com muitas marcas para as pessoas aceitarem que, dessa vez, o marido exagerou”, disse.
A coordenadora da Casa da Mulher Brasileira de Brasília, Iara Lobo, concorda. “Ter essa tipificação que a lei traz dos tipos de violência clareou a mente das pessoas, que antes nem percebiam que algumas agressões se configuram crimes.”
A socióloga e educadora Carmen Silva, da organização SOS Corpo e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), considera que a divulgação da Lei Maria da Penha foi muito eficiente nos últimos anos, mas precisa se transformar em mais serviços, especialmente para as mulheres de baixa renda. “Todo mundo conhece a lei. Mas isso tem favorecido especialmente as mulheres mais esclarecidas, dos setores médios e que têm mais recursos financeiros, a maioria branca, que têm mais possibilidade de sair do ciclo de violência. A violência contra as mulheres brancas diminuiu, mas contra as negras, que estão na base da pirâmide e têm menos acesso à informação, a trabalho e aos serviços públicos, não.”
Serviços especializados
Na última semana, a ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero, o Instituto Maria da Penha e o Consórcio de Organizações Não Governamentais Feministas pela Lei Maria da Penha divulgaram nota pública em defesa da lei e da institucionalização das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres. No documento, a ONU diz que o aniversário da Lei Maria da Penha traz à tona “o desafio urgente de implementar de maneira mais efetiva as políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres com perspectiva de gênero”.
Como principais obstáculos, o manifesto cita a necessidade de ampliar a dotação de recursos financeiros e humanos em serviços especializados para atendimento com perspectiva de gênero, promover ações preventivas nas escolas por meio do ensino da igualdade de gênero, criar e implementar os serviços de responsabilização para homens agressores, aprimorar a produção de informação nacional e garantir a expansão de serviços especializados em municípios no interior do país.
O documento considera que a Lei Maria da Penha é um “legado feminista para o Brasil” e que a necessidade de “enfrentar a violência machista com o pleno atendimento de mulheres negras, jovens e rurais, por exemplo, mostra os rumos que a Lei Maria da Penha tem de seguir, de maneira implacável, nos próximos anos”. Segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), no entanto, ainda não há ações planejadas nesse sentido.
Além da Lei Maria da Penha, a organização destaca a criação de mais dois instrumentos fundamentais para o combate à violência – a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, instituída em 2005, e a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.
Rede integrada
A delegada Ana Cristina Melo atua à frente da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher do Distrito Federal desde novembro de 2011. Ela é uma defensora da ampliação dos espaços especializados para o acolhimento dessas vítima. Segundo Ana Cristina, quem trabalha com a temática percebe o caráter essencialmente cultural da violência de gênero. “E quando você tem um caráter cultural, ele perpassa toda a sociedade, sejam homens ou mulheres. Os agentes públicos, como integrantes dessa sociedade, têm também muitos preconceitos, valores e esteriótipos que demandam capacitação, trabalho e tempo para serem desconstruídos. É preciso sim um espaço especializado para o acolhimento das mulheres”, argumenta.
De acordo com a SPM, atualmente existem no Brasil 502 delegacias especializadas, 45 defensorias da mulher, 95 promotorias especializadas, 238 centros de referència de atendimento à mulher, 80 casas-abrigo e 596 serviços especializados de saúde, números considerados inexpressivos para o tamanho da violência que se vive no país. São 1.651 serviços especializados de atendimento à mulher disponíveis para atender a todas as brasileiras, mais de 70% deles concentrados nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul.
Enquanto o Distrito Federal tem 18 núcleos da Deam, uma casa-abrigo, 19 varas especializadas, um núcleo de Defensoria Pública Especializada, 39 promotorias, 51 serviços especializados de saúde e uma Casa da Mulher Brasileira, que reúne inúmeros serviços, em Alagoas, por exemplo, só existem quatro delegacias especializadas, uma casa abrigo, uma vara especializada, um núcleo da Defensoria Pública, uma promotoria e dois serviços especializados de saúde para atender a mulheres de todo o estado.
A delegada Ana Cristina Melo contou que quando conversa com colegas de outros estados, se ressente da realidade do país. Segundo ela, sem uma atuação em rede entre os órgãos públicos, não é possível combater esse tipo de violência. “Porque colocar na mão só da polícia e dar esse caráter só repressivo não é o caminho. A repressão é muito importante para a responsabilizar o agressor, é extremamente importante, mas a violência doméstica tem muita coisa que a circunda”, disse. Ela explicou que muitas mulheres dependem de outros serviços do estado para sair do ciclo de violência. “Muitas têm demandas jurídicas, questões das quais dependem para que a situação seja resolvida. Aqui em Brasília é muito comum. Um casal por exemplo tem um lote, é a única coisa que aquela mulher tem. Eles não estão vivendo mais juntos, mas estão dentro da casa. Aí começam os atritos, mas ela não tem acesso aos serviços jurídicos para resolver o problema e continua lá, o que pode acabar em morte”.
Para enfrentar os problemas, Fátima Pelaes lembrou que no fim de maio foi criado o Núcleo de Proteção à Mulher pelo Ministério da Justiça – desde que o governo interino assumiu, a SPM deixou de ser subordinada à Presidência da República e passou para o Ministério da Justiça. Já foram feitas duas reuniões, mas as agenda de trabalho ainda não foram definidas. “Com o núcleo, estamos trabalhando propostas como o protocolo único de atendimento às mulheres, para que possamos reproduzir boas experiências em nível nacional”, disse a secretária.
Casa da Mulher Brasileira
Uma das políticas mais bem-sucedidas nesse sentido é a Casa da Mulher Brasileira, que reúne diversos serviços públicos em um só espaço para fazer um atendimento integral às mulheres vítimas de violência. “A CMB foi idealizada para atender de forma plena uma única vez. Quando chega aqui, ela tem a delegacia, a Defensoria Pública, o Ministério Público e uma equipe multidisciplinar para fazer o atendimento psicossocial e ajudá-la a ter uma vida mais ou menos normal, porque a violência doméstica de todos os tipos, seja física, moral, psicológica ou patrimonial, deixa sequelas na alma”, afirma a subsecretária de Políticas para as Mulheres do Distrito Federal, Lúcia Bessa. A casa também oferece brinquedoteca e cuidadores para as crianças.
Atualmente, só existem duas casas da Mulher Brasileira em funcionamento no país – em Brasília e em Campo Grande, e três em construção – em São Paulo, Fortaleza e Curitiba. O plano é criar uma casa em cada capital. Lúcia defende a ampliação desse instrumento o quanto antes. “Esses locais permitem que as mulheres se sintam acolhidas, amparadas, respeitadas e dignas. Quando a mulher é obrigada a ir a vários órgãos públicos para contar e recontar a sua história, ela vai revivendo tudo o que passou e isso é uma forma de violência institucional”.
Números da violência
A eficiência da Lei Maria da Penha no combate à violência doméstica é difícil de ser medida em números, pois sabe-se que na maior parte dos casos os agressores não são denunciados. Mas os dados do Mapa da Violência de 2015 indicam impacto positivo. Enquanto o índice de crescimento do número de homicídios de mulheres no Brasil foi de 7,6% ao ano entre 1980 e 2006, quando a Lei Maria da Penha entrou em vigor, entre 2006 e 2013 o crescimento foi de 2.6% ao ano.
Mesmo com os avanços, as estatísticas mostram que a violência de gênero ainda é comum. O Mapa da Violência de 2015 revela que, entre 2003 e 2013, o número de vítimas de homicídio do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, um aumento 21% na década. Essas 4.762 mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos diários.
Em 2015, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 recebeu 76.651 relatos de violência. Entre esses relatos, 50,16% corresponderam à violência física; 30,33% à violência psicológica; 7,25% à violência moral; 2,10% à violência patrimonial; 4,54% à violência sexual; 5,17% a cárcere privado; e 0,46% ao tráfico de pessoas.
A violência doméstica é uma realidade mundial. Números recentes da Organização Mundial da Saúde com a London School de Higiene e Medicina Tropical e pelo Conselho de Pesquisa Médica, com base em dados de mais de 80 países, estimam que uma em cada três mulheres (35%) no mundo já foi vítima de violência física ou sexual pelo menos uma vez, e que em 30% dos casos, os agressores eram os parceiros.
Ajuda
A delegada especializada em violência de gênero, Ana Cristina Melo, garante que a violência doméstica não escolhe idade, renda ou aparência física, todas as mulheres estão sujeitas. Apesar de o ideal ser buscar ajuda antes que a violência se agrave, segundo a delegada não é possível definir o que leva cada mulher a ter coragem de fazer uma denúncia para tentar colocar um ponto final na violência. “Há mulheres que buscam logo no início, em situações que não são vistas ainda como graves pelo senso comum, como por exemplo um xingamento do tipo “sua vagabunda”. Há mulheres que relatam que sofreram violência por mais de 20 anos antes de denunciar e outras que já fizeram várias ocorrências, muitas mesmo, mas ainda não conseguiram sair desse ciclo de violência”. Ela alerta que “quanto antes denunciar, melhor”.
A especialista Iara Lobo sugere que as mulheres fiquem atentas aos sinais, como excesso de ciúme e controle, que podem indicar uma relação doentia. Quem vive relacionamentos em que o parceiro controla a roupa, o comportamento ou o celular, deve ficar atenta. “Muitos desses sinais estão dentro de nós. A consciência de que isso não está fazendo bem é um sinal”, observa.
Segundo Iara, as mulheres precisam refletir e levar em conta que “a gente também tem o machismo dentro da gente”, o que pode dificultar o reconhecimento de que algo vai mal.
A secretária Fátima Pelaes defende que combater o machismo é o passo mais importante para combater a violência contra as mulheres. “Ao mesmo tempo em que trabalhamos para que essa rede de enfrentamento atenda à grande demanda, temos que trabalhar a prevenção e entrar na raiz do problema, que é essa cultura machista que vem de muitos anos. Temos que atuar nas escolas e sensibilizar a sociedade como um todo. E temos que trabalhar com o agressor, porque muitos vezes ele está reproduzindo um comportamento, não reconhece como violência.”
Em caso de dúvida sobre como buscar ajuda ou ajudar vítimas de violência doméstica, Ligue 180.
Fonte: Agência Brasil
Lei Maria da Penha 10 anos: ONU Mulheres ressalta legado feminista
A ONU Mulheres Brasil divulgou nota pública abordando os 10 anos da Lei Maria da Penha. O texto ressalta a importância da Secretaria de Políticas para as Mulheres, do governo federal neste período, como determinante para a aprovação da lei e a articulação de políticas entre estados e municípios. Para a entidade, a lei “é um legado feminista para o país”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei em 7 de agosto de 2006.
Confira a nota pública da ONU Mulheres:
Nota pública pelos 10 anos da Lei Maria da Penha: em defesa da lei e da institucionalização das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres
Reconhecida por 98% da população brasileira, a Lei Maria da Penha traz à tona, ao completar dez anos, o desafio urgente de implementar de maneira mais efetiva as políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres com perspectiva de gênero Ao longo desse período, milhões de mulheres brasileiras vivenciaram agressões no ambiente doméstico e familiar devido à tolerância social à violência contra as mulheres e à construção social de ser mulher por meio de relações opressivas. Milhares de mulheres tiveram as suas vidas devastadas. Muitas delas foram vítimas fatais dos efeitos da intimidação, perseguição e controle machista.
A Lei Maria da Penha é um legado feminista para o Brasil, cuja transformação profunda nas políticas do Estado brasileiro conduziu o direito de as mulheres viverem sem violência à centralidade do ordenamento jurídico nacional. A Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), do governo federal, exerceu liderança determinante à aprovação da lei e à coordenação na gestão pública federal, articulando políticas com estados e municípios, Legislativo, sistema de justiça, empresas e outros setores da sociedade.
Passados dez anos, são notórios os desafios para a aplicação da Lei Maria da Penha: ampliar a dotação de recursos financeiros e humanos em serviços especializados para atendimento com perspectiva de gênero, promover ações preventivas nas escolas por meio do ensino da igualdade de gênero, criar e implementar os serviços de responsabilização para homens agressores, aprimorar a produção de informação nacional e garantir a expansão de serviços especializados em municípios no interior do país A qualificação de gestores e gestoras para a implementação de redes de serviços especializados para o atendimento às mulheres com perspectiva de gênero, o acolhimento de saúde e a resposta da justiça são demandas a serem absorvidas com seriedade. Enfrentar a violência machista com o pleno atendimento de mulheres negras, jovens e rurais, por exemplo, mostram os rumos que a Lei Maria da Penha tem de seguir, de maneira implacável, nos próximos anos.
No processo de discussão e implementação da Lei Maria da Penha, liderado pelo Consórcio de Organizações Feministas e de Mulheres, o governo federal instituiu a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2005) e criou a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 (2005). Outros instrumentos fundamentais foram estabelecidos pela SPM, tais como o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2007), na 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres; a campanha Compromisso e Atitude (2012), voltado a operadoras e operados de direito e justiça; o Programa Mulher, Viver sem Violência (2013), para integração de serviços especializados, humanização e celeridade nos atendimentos às vítimas; e a tipificação do feminicídio pela Lei n. 13.104/2015 como qualificadora do assassinato de mulheres com requintes de crueldade.
Nos dez anos da Lei Maria da Penha, urge o compromisso do poder público com a defesa da lei e avançar na cobertura integral dos direitos por ela assegurados às mulheres brasileiras na sua diversidade. Somente a atuação incansável, integrada e vinculada aos direitos das mulheres será capaz de implementar a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com o objetivo de eliminar a violência machista e reverter o 5º lugar que o Brasil ocupa num ranking de 83 países em assassinatos das mulheres. Um ranking que expressa a quantidade de vidas desperdiçadas pelo machismo.
Consórcio de Organizações Não-Governamentais Feministas pela Lei Maria da Penha
Instituto Maria da Penha
ONU Mulheres Brasil
Artigo: A Globo quer te convencer que há déficit na Previdência, mas ele não existe
A Globo já foi mais discreta em seu jornalismo serviçal, apesar de ter na vassalagem uma das marcas da casa. Ao falar dos problemas financeiros da Previdência Social, porém, ela vem revelando o que há de pior na profissão – uma verdadeira aula de serventia aos interesses do poder.
Por Renato Bazan*
Quem pôde assistir o noticiário Bom Dia Brasil da manhã desta quarta-feira (3) se deparou com uma reportagem sobre o “buraco na Previdência que só aumenta”, com um bloco de cinco minutos dedicado ao tema. A matéria se constrói para afirmar que os brasileiros se aposentam “de forma precoce”, argumentando que os limites atuais de aposentadoria seriam insuficientes para mantê-la de forma sustentável.
Os erros factuais são imensos. Primeiramente, ao falar do próprio “buraco da Previdência” como fosse real, a Globo fornece números assustadores do futuro brasileiro: R$ 85 bilhões de déficit da aposentadoria em 2015, R$ 145 bi em 2016, R$ 200 bi em 2017. É um desvio de informação grotesco, no mínimo, insinuar que o ritmo das aposentadorias aceleraria a ponto de aumentar em R$ 60 bi a cada ano, dentro de um orçamento de R$ 500 bi.
Aliás, não existe sequer um orçamento isolado para a Previdência que permita identificar o déficit apontado na reportagem, como explicou recentemente à CTB a professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil. Conforme a Constituição Federal, o “orçamento da seguridade social” engloba a Previdência, a assistência social e a saúde pública em um único cofre, financiado por recursos comuns do governo, trabalhadores e empresários. As receitas são, portanto, usadas para custear não apenas as aposentadorias e pensões, mas também os programas de assistência social e de saúde.
Aparentemente, o “professor especialista” que a Globo encontrou para validar a reportagem não sabia disso, porque não mencionou a estrutura orçamentária por um segundo. Ele fez um bom trabalho em aumentar o pânico, no entanto, ao profetizar “uma Previdência deficitária significa necessidade de aumentar tributos”, sem evidenciar que qualquer aumento de tributos seria resultado de uma jogada proposital do governo.
Todo ano, o Governo Federal retira dezenas de bilhões de reais dos cofres da Previdência para cobrir outras áreas, criando o tão trombeteado déficit. Quando são contabilizadas as contribuições obrigatórias do governo, que por lei deveriam compor o sistema do financiamento da Previdência, o que existe é um superávit saudável na área. Dados recentes da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) apontam que a Seguridade Social, como um todo, tem saldo financeiro positivo todo ano, ao contrário do que é dito na reportagem. De acordo com o estudo, os superávits foram de R$76,2 bilhões, R$53,8 bilhões e R$23,9 bilhões entre 2013 e 2015.
Isso não é mencionado em momento algum na reportagem do Bom Dia Brasil. Deixa-se os números positivos de fora, evidencia-se a projeção alarmista, mesmo que não tenha base factual.
Outra coisa que não é mencionada é o aumento na produtividade por trabalhador pela qual atravessou a sociedade brasileira, em decorrência da tecnologia. A matéria enfatiza o aumento na expectativa de vida e a queda na taxa de natalidade dos últimos 50 anos, mas parece esquecer do surgimento da robótica e da informática. Não foi à toa que, durante nossa entrevista com a Denise Gentil, ela enfatizou: “Devemos investir em políticas de aumento da produtividade do trabalho, investindo em educação, ciência, tecnologia e estímulos à infraestrutura para proporcionar a arrecadação para o suporte aos idosos. Cada trabalhador se torna mais produtivo e produz o suficiente para elevar a renda e redistribuí-la entre ativos e inativos”. Aumentaram as obrigações, sim, mas não puxamos o arado com bois nem andamos de carroça pelas ruas. Falar de um sem lembrar de outro é um exercício de ficção.
A matéria da Globo, em essência, resume-se a repetir o slogan apocalíptico do “rombo da aposentadoria” de forma hipnótica, sem jamais explicar as reais questões em jogo. Não se menciona, por exemplo, que a proposta atual de Eliseu Padilha envolve estabelecer uma idade mínima de aposentadoria que seria superior à expectativa de vida de alguns estados brasileiros. Não se fala nos efeitos sociais nefastos que uma eventual desvinculação do salário mínimo levariam aos mais de 70% de idosos que se encontram na faixa mínima do benefício, que seriam arremessados na miséria novamente.
Não menciona as inúmeras isenções fiscais concedidas aos super-ricos no Brasil, que poderiam contribuir com até R$ 200 bilhões em impostos sobre grandes fortunas e heranças. Não chega perto dos mais de R$ 500 bilhões de sonegação fiscal que enfraquecem o poder público a cada ano. Não apresenta os inúmeros municípios em que a Previdência movimenta mais dinheiro do que o próprio Fundo de Participação dos Municípios, e o impacto catastrófico que uma depreciação dessas teria sobre a economia no interior.
Não menciona nada que, de alguma forma, não interesse ao governo interino de Michel Temer. Trata-se de propaganda em sua forma mais pura.
Por Renato Bazan, jornalista
Fonte: Portal CTB
Opinião: Agenda da CNI para a crise: 30 anos de retrocesso em 3
Pautada pela ideologia neoliberal, a Agenda da CNI prevê retirada de direitos sociais e garantias fundamentais, corte de gastos públicos com políticas sociais, impactos na arrecadação federal e estadual e privatização do Estado brasileiro.
Por Juliano Giassi Goularti*, no Brasil Debate
No contexto da crise, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou uma “Agenda para o Brasil sair da crise 2016-2018”. Nossa proposta é analisar criticamente pontos específicos dessa Agenda, uma vez que “é preciso repensar o Estado sem ser um neoliberal”.
Pautada pela ideologia neoliberal, a agenda da CNI pode ser resumida em quatro frentes: i) retirada de direitos sociais e garantias fundamentais; ii) corte de gastos públicos correntes com políticas sociais; iii) impactos na arrecadação federal (compensação de créditos entre tributos federais) e estadual (convalidação do ICMS); e, iv) privatização do Estado brasileiro.
Na sua essência, as propostas da CNI para a crise 2016-18 são: i) conter o déficit fiscal pelo controle do gasto, desvincular receitas e rever despesas; ii) terceirização e negociações coletivas; iii) ampliar o prazo de recolhimentos de tributos; iv) acelerar o processo de concessões ao setor privado na infraestrutura; v) sustar ou alterar a NR nº 12 do Ministério do Trabalho que estabelece medidas de segurança e higiene do trabalho; e, vi) permitir a compensação de créditos entre tributos federais e convalidar os incentivos fiscais do ICMS.
Destacam-se ainda a proposta antissocial de reformar a Previdência, com, por exemplo, a desvinculação do valor dos benefícios previdenciários do salário mínimo. Do conjunto de propostas, digamos que a única “social progressista” é priorizar as exportações como motor do crescimento, embora o motor do crescimento seja a economia doméstica.
Tratamos aqui de analisar pontos específicos da proposta da CNI. A primeira delas pretende desvincular os recursos constitucionalmente garantidos pela Constituição de 1988 para saúde, educação e previdência. A vinculação de gastos públicos nestas três áreas foi o que garantiu sua universalização. As despesas vinculadas são importantes para minimamente garantir serviços públicos e justiça social. Nessa lógica, a desvinculação significa uma lenta falência do sistema público de saúde e educação.
Neste mesmo tempo, enquanto as políticas que não possuem vinculação de gastos, como aquelas relacionadas ao desenvolvimento urbano (habitação e saneamento) padecem da vontade do governante na alocação orçamentária, não se constituem como políticas nem universais e nem regulares.
O segundo e quinto pontos remetem a questões trabalhistas, que, na sua essência, significam precarização dos vínculos trabalhistas. De modo a tornar o direito do trabalho maleável, a flexibilização abrange a forma de contratação dos trabalhadores, a duração do trabalho, a definição de salários, a negociação coletiva.
Consequentemente, a CNI pretende que o Estado retire a proteção normativa conferida ao trabalhador, inclusive as garantias mínimas, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindas da relação de emprego.
Na essência, a flexibilização da legislação trabalhista apresenta como tendência ampliar a exclusão social e a pobreza, incluindo, também, o aumento da economia informal, que sofre os efeitos e os impactos de uma maior precarização das relações de trabalho. Em geral, se todas as empresas flexibilizarem as relações de trabalho com redução dos salários, ao mesmo tempo, cai o consumo, cai o crescimento e todos perdem.
O terceiro e sexto pontos da agenda referem-se à tributação. No Brasil, como em qualquer outro país, existe uma disputa por recursos públicos no âmbito do orçamento do Estado. O orçamento público é um espaço de luta política, com as diferentes forças da sociedade buscando inserir seus interesses.
Clique para contribuir!
Notoriamente, a proposta em convalidar todos os incentivos fiscais concedidos ao setor industrial e utilizar créditos do PIS-Cofins e IPI para abater débitos relativos a contribuições previdenciárias e outros tributos federais significa uma apropriação de recursos públicos por parte da classe empresarial.
Dentro de uma conjuntura de crise que tem levado à queda real na arrecadação (1,79% em 2014 e 5,6% em 2015), essa proposta tende a contribuir para uma queda ainda maior da arrecadação federal, que, por consequência, implicará uma menor transferência constitucional a Estados e Municípios. Assim como as desonerações não resultaram em investimento privado, a convalidação dos tributos federais e estaduais segue a mesma tendência.[1]
Quanto ao ponto quatro, a solução é vender o Brasil? O Valor Econômico de 13 de junho trouxe uma matéria do potencial da capacidade arrecadatória da União com a venda dos ativos federais (Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco da Amazônia, Eletrobras, Correios, Infraero, dentre outras empresas).
Reflexo da crise, juntando tudo, o preço de mercado foi avaliado em R$ 127,8 bilhões, em torno de 2% do PIB, que pagam apenas 25% da conta de juros no ano passado. Em outras palavras, do ponto de vista fiscal, as privatizações são irrelevantes, ainda mais frente à elevação do déficit fiscal de R$ 170 bilhões em 2016 e R$ 139 bilhões para 2017.
No seu âmago, retomar o processo de privatização de empresas e serviços públicos além de não trazer os resultados preteridos, fragilizar a autonomia relativa do Estado e promover a quebra do encadeamento produtivo nacional, irá significar um aumento ainda mais exacerbado da estrangeirização da economia brasileira, já que o capital privado nacional é a pata fraca do tripé.
Por volta de 1200 a.C com o colapso da civilização micênica, a Grécia vivenciou uma longa Idade das Trevas, durante a qual a escrita desapareceu e a vida econômica e política regrediu para estágio rudimentar. Seguindo as entrelinhas da Agenda CNI – que corrobora com a “Ponte para o Futuro”, do PMDB, Agenda Brasil do Senado Federal e PEC 241 – notadamente a infantaria pesadamente armada pelas doutrinas antidemocráticas da linhagem conservadora trará para “os filhos deste solo” um longo período de regressão social jamais visto.
Pautada por “iniciativas capazes de recuperar a confiança”, as atividades que estão agendadas pela CNI contribuem diretamente para aprofundar a crise. O surpreendente é que a classe empresarial não percebe (ou não quer perceber) que a Agenda CNI de austeridade fiscal, limite decrescente para a relação entre gastos correntes em proporção do PIB e queda da arrecadação federal, contribui para reforçar a crise econômica, social, política e institucional.
Nota
[1]Ver: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=2069
*Juliano Giassi Goularti é doutorando do Instituto de Economia da Unicamp
Fonte: Vermelho
Em São Paulo, 60 mil vão às ruas pelo “Fora Temer”
“Não aceitaremos um governo ilegítimo, golpista, interino que aplica medidas contrárias àquilo que nós decidimos nas urnas em 2014”, expressou o secretário de Políticas Sociais da CTB, Rogério Nunes, durante a manifestação organizada pela Frente Povo Sem Medo (FPSM), neste domingo (31), no Largo da Batata, em São Paulo.
A jornada de luta pela democracia, pelo Fora Temer e em defesa de um plebiscito para o povo decidir se é a favor de novas eleições presidenciais aconteceu em todo o país e também no exterior.
Representantes dos movimentos sociais da juventude, mulheres, negros, estudantes, sindical, moradia entre outros, lotaram as ruas da capital paulista. O Ato contou ainda com a participação de políticos de diversas forças que foram declarar seu apoio à população e à presidenta eleita afastada, Dilma Rousseff.
O ex-senador, Eduardo Suplicy, que foi preso esta semana por participar de um protesto contra uma reintegração de posse também esteve presente e reafirmou sua solidariedade a Dilma e recomendou que os senadores não votem pelo impeachment. O julgamento final do processo contra a presidenta deve começar no dia 29 de agosto.
Durante a atividade, diversas lideranças denunciaram as políticas neoliberais do presidente interino Michel Temer, que acabam com os avanços e direitos sociais e trabalhistas conquistados nos últimos anos em saúde, educação, previdência entre outros.
Neste sentido, Rogério Nunes, lembrou que, na última sexta-feira (29), foi anunciada a venda da participação da Petrobras em campo do Pré-sal para uma empresa estrangeira. “Querem vender o Brasil”, alertou o sindicalista.
O representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o integrante da FPSM, Guilherme Boulos, alertou: “querem impor um retrocesso de mais de 30 anos no país”, ao citar cortes no programa Minha Casa, Minha Vida. Segundo ele, após protestos “voltaram atrás, mas não contrataram nenhuma moradia”, disse. Boulos aproveitou a oportunidade para anunciar “um novo ciclo de luta pelo Fora Temer”, que deve ocorrer durante todo o mês de agosto.
Após ato político, os participantes saíram em caminhada em direção à Praça Panamericana, que fica próxima à casa de Temer, em Pinheiros, onde foi encerrada a atividade com cerca de 60 mil pessoas.Também ocorreram manifestações pró-impeachment, mas não reuniram o número de pessoas que os organizadores esperavam.
Fonte: CTB
“Degradação de direitos sociais não alavanca nenhuma economia”, diz presidente da Anamatra
A Organização das Nações Unidas (ONU), através da Agenda 2030, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e até analistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) são unânimes em declarar que a redução de direitos sociais nunca ajudou nenhum país a sair da crise, ao contrário, as agravou, com aumento da desigualdade social e estagnação financeira.
As políticas forjadas pelo Consenso de Washington, na década de 1990, foram classificadas pelo próprio FMI como “ruinosas” já que não permitiram um crescimento sustentável e duradouro. No Brasil, no entanto, nossos neoliberais têm insistido neste caminho. Um grave erro, na opinião do presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, conforme ele explica em artigo publicado nesta sexta-feira (15), na Folha de S. Paulo.
Siqueira sustenta que a “degradação de direitos sociais não alavanca nenhuma economia” e a classifica como “prática capitalista atrasada”, que apenas amplia a desigualdade de renda e se distancia mais e mais do compromisso de um trabalho digno. Para ele, a terceirização indiscriminada, a prevalência do negociado sobre o legislado e a dificuldade de acesso à Justiça do Trabalho (que vem se agravando) “vão na contramão das exigências globais”.
Lucros a qualquer preço
O advogado trabalhista e assessor jurídico da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Magnus Farkatt, destaca as dificuldades enfrentadas pela Justiça do Trabalho no Brasil em consequência da redução do orçamento da área. “Foi um corte de verbas radical, maior que em outros setores. E isto é grave porque a Justiça do Trabalho é a única justiça social do país, que permite algum tipo de distribuição de renda e em que o Estado atua na mediação de conflitos”, diz ele.
Para Farkatt, direitos da classe trabalhadora brasileira são vistos como um “entrave” ao crescimento por que impera a falsa ideia de que são os encargos trabalhistas que encarecem a produção. “O que faz persistir este discurso do atraso é a necessidade de manter a qualquer custo margens de lucro em patamares muito elevados”, diz ele.
“Os ricos, e não só os pobres, têm de pagar pela crise”
O dirigente sindical, Adilson Araújo, presidente nacional da CTB, lembra que o duro ajuste fiscal liderado pela dupla Michel Temer/Henrique Meirelles, com cortes dramáticos nos investimentos sociais, tem por objetivo realizar elevados superávits primários que só beneficiarão o sistema financeiro.
“Os movimentos sociais brasileiros defendem o equilíbrio das contas públicas com base em medidas que também pesem no bolso das classes abastadas, ampliando a taxação das heranças, instituindo o imposto sobre grandes fortunas, reduzindo substancialmente as taxas de juros, auditando e reestruturando a dívida pública. É preciso que os ricos, e não só os pobres, paguem pela crise”, diz Araújo.
Fonte: CTB
Comissão do Senado aprova PEC que permite DRU até 2023
Os governos federal, dos estados e dos municípios poderão gastar como acharem necessário as receitas arrecadadas com taxas e contribuições – verbas que hoje possuem aplicação específica definida em lei. A proposta foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado nesta quarta (13).
A Proposta de Emenda à Constituição PEC – 31/16 prorroga a autorização para que o governo utilize livremente parte de sua arrecadação, a chamada Desvinculação de Receitas da União (DRU), até 2023. O texto também eleva o porcentual de desvinculação de 20% para 30%.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que o presidente em exercício, Michel Temer, pediu a ele que a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) de Desvinculação de Receitas da União (DRU) fosse agilizada pelo Senado. A proposta, avaliada como imprescindível pelo governo provisório, precisa ser aprovada em plenário, em dois turnos, por pelo menos 49 dos 81 senadores.
Ataque aos direitos constitucionais
Na prática, a medida permite à União aplicar recursos que eram exclusivos para uso em áreas previstas como direitos constitucionais (como educação, saúde e previdência social) em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superavit primário.
De acordo com o relator da proposta, José Maranhão (PMDB-PB), a desvinculação das contribuições sociais deverá liberar R$ 110,9 bilhões; a da contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide), R$ 4,6 bilhões; e a das taxas, R$ 2,2 bilhões, no exercício de 2016.
No total, R$ 117,7 bilhões poderiam ser usados em 2016 para o cumprimento da meta de resultado primário e para a redução da dívida pública, apenas no âmbito da União. Pela primeira vez esse mecanismo – criado em 1994, como Fundo Social de Emergência – poderá ser utilizado também por estados e municípios.
Na discussão na CCJ, a matéria enfrentou resistências. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou voto em separado pela rejeição da PEC, mas foi vencido pelo colegiado. Também sem sucesso, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) propôs, em requerimento, a realização de audiência pública na CCJ antes da votação da proposta. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) fez críticas à PEC, por considerá-la capaz de retirar recursos na área social, em prejuízo dos mais pobres.
No caso dos estados e municípios, a desvinculação abrange a receita de todos os impostos, taxas e multas. A DRU vigorou até 31 de dezembro de 2015. Se for aprovada, a recriação da DRU terá efeito retroativo a 1º de janeiro de 2016, estendendo-se até 31 de dezembro de 2023. A PEC altera o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Da redação com agências
PEC que reduz gasto público inviabiliza Estado de bem-estar
O governo interino enviou ao Congresso proposta que limita por vinte anos as despesas primárias da União em termos reais aos valores de 2016 com o objetivo declarado de reverter a médio e longo prazo o desequilíbrio fiscal do Governo Federal. A PEC 241 pode inviabilizar as políticas públicas, em particular no caso da Saúde, pode representar se aprovada o fim do SUS.
Por Emilio Chernavsky e Rafael Dubeux*
A depender de seu desenho, a introdução de um limite ao aumento dos gastos pode de fato contribuir para uma melhor administração das finanças públicas, ao elevar a previsibilidade da política fiscal e evitar o aumento excessivo de gastos em momentos favoráveis que acentua o ciclo econômico.
Para isso, nos países em que existe, o limite para os gastos geralmente é definido de modo a compatibilizar sua evolução com a do crescimento do PIB ou, diretamente, da receita que deve custeá-los, ou da dívida pública que se pretende reduzir ou estabilizar. Quando definidos em termos reais, por outro lado, os limites se aplicam tipicamente a um período curto, que frequentemente equivale ao da legislatura, o que permite adaptar a política fiscal a choques adversos e a mudanças nas preferências da sociedade de forma clara e transparente.
Ao se afastar das práticas internacionais e adotar uma regra singularmente severa e inflexível dos gastos primários por um período especialmente longo, a proposta revela um outro objetivo, central, embora disfarçado: redesenhar o Estado para que a parcela do gasto público na renda nacional seja cada vez menor e, com isso, também cada vez menor sua capacidade de atuar reparando injustiças históricas e promovendo uma sociedade menos desigual. Com efeito, ao congelar as despesas reais nos valores atuais, ela concentra todo o aumento da renda resultado do crescimento da economia nos próximos anos em mãos privadas e impede que parte dele possa custear transferências para estratos mais vulneráveis da sociedade e fornecer mais e melhores serviços públicos para uma população que cresce em número e em demandas.
Se essa redução pretendida pela proposta na capacidade de atuação do Estado já estivesse em vigor desde 2003, os recursos hoje disponíveis para o gasto público seriam cerca de um terço menores do que são, impactando diretamente serviços públicos como os de saúde e de educação. Ao projetar à frente, se a proposta for aprovada e o Brasil crescer nos próximos vinte anos à taxa média dos anos 1980 e 1990 o gasto público, hoje em torno de 40% do PIB segundo dados do FMI, o que o situa próximo à média dos países desenvolvidos, cairia a 26%, como na Zâmbia. Se o crescimento igualar o dos anos 2000, chegaria a 19%, como no Nepal.
A proposta do governo interino traça um caminho contrário ao perseguido pela maioria dos países emergentes, que, em paralelo à elevação da renda per capita, têm aumentado – não diminuído – a participação dos gastos públicos no PIB. Ela inviabiliza o Estado de bem-estar inscrito em nossa Constituição e adotado pela ampla maioria dos países desenvolvidos. Em seu lugar, resgata um modelo de sociedade em que o Estado pouco gasta e pouco faz, o Estado mínimo vigente na maioria dos países onde a população permanece na pobreza. Para quem não utiliza quotidianamente serviços públicos, esse Estado pode parecer ideal. Para a ampla maioria da população que deles depende para educar seus filhos e cuidar de sua saúde e para quem almeja uma sociedade mais justa, a proposta constitui um imenso retrocesso.
*Emilio Chernavsky é doutor em economia pela USP; Rafael Dubeux é doutor em relações internacionais pela UnB
Em defesa do Direito do Trabalho, manifesto tem mais de 1.500 adesões
Mais de 1.500 magistrados do Trabalho, associados à Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, em apenas uma semana, manifestaram, formalmente via e-mail à Presidência da entidade, adesão ao “Documento em Defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho no Brasil”, elaborado e assinado por 20 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Entre os apoiadores do documento estão treze ex-presidentes da Anamatra, todos os atuais membros da diretoria, os 24 presidentes das Associações Regionais de Magistrados do Trabalho (Amatras), além de ministros do TST aposentados, diversos desembargadores, corregedores e do presidente do Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho (Coleprecor), desembargador Lorival Santos.
O texto ressalta a característica do Direito do Trabalho enquanto direito fundamental e alerta para os discursos, crescentes em época de crise, em defesa da desregulamentação dos direitos trabalhistas, da redução de benefícios sociais, da terceirização e da mitigação da responsabilidade social das empresas.
Para os ministros signatários, o caminho em defesa dos direitos sociais trabalhistas é irrenunciável. “Agredir o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho é desproteger mais de 45 milhões de trabalhadores, vilipendiar cerca de dez milhões de desempregados, fechar os olhos para milhões de mutilados e revelar-se indiferente à população de trabalhadores e também de empregadores que acreditam na força da legislação trabalhista e em seu papel constitucional para o desenvolvimento do Brasil”, alertam.
Na avaliação do presidente da Anamatra, Germano Siqueira, a massiva adesão ao documento é simbólica e marca a posição majoritária da Magistratura do Trabalho em defesa dos direitos sociais. “Qualquer outro discurso contrário a isso é inoportuno e representa grave ameaça aos alicerces e a um mercado civilizado e justo para todos. Toda e qualquer proposta de reforma deve observar a Constituição Federal, que prevê a construção progressiva de novos direitos no intuito de melhorar a condição social do trabalhador e não de reduzir as suas conquistas históricas e fundamentais”, explica.
Novas adesões
O “Documento em Defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho no Brasil” continua aberto a nova adesões de juízes de todos os ramos do Poder Judiciário, membros de outras carreiras, instituições, acadêmicos, entidades da sociedade civil e outros interessados.
Para fazê-lo, basta encaminhar e-mail para [email protected], informando nome, cargo e instituição.
Fonte: Vermelho