Aplicação de injeções em farmácia é considerada atividade insalubre

A Drogasil foi condenada pela 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao pagamento do adicional de insalubridade a um farmacêutico que aplicava cerca de cinco injeções por dia numa das lojas da rede em São Paulo. Segundo a Turma, apesar de o empregado usar luvas, não há registro de que o equipamento de proteção pudesse eliminar os efeitos nocivos do agente insalubre. 

A empresa havia sido condenada pelo juízo de primeiro grau, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região excluiu da condenação o pagamento do adicional. Para o TRT, não era possível afirmar que o farmacêutico mantivesse contato habitual ou mesmo intermitente com os agentes insalubres, pois não trabalhava em um hospital, mas num estabelecimento comercial. 

No recurso de revista ao TST, o empregado argumentou que a aplicação de injetáveis e o recolhimento de agulhas e seringas o expunha permanentemente a riscos biológicos existentes na farmácia, ambiente destinado aos cuidados da saúde humana, sobretudo na sala de aplicação.

A relatora, ministra Dora Maria da Costa, observou que o Anexo XIV da Norma Regulamentadora (NR) 15 do extinto Ministério do Trabalho (atual Secretaria Especial de Previdência e Trabalho), que trata do risco por contato com agentes biológicos, prevê o pagamento do adicional de insalubridade em grau médio para o trabalho e operações em contato permanente com pacientes ou com material infectocontagioso, empreendido em “outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana”.

Ao interpretar essa norma, o TST firmou o entendimento de que ela se aplica ao empregado que habitualmente aplica injeções em drogarias. Apesar de o TRT ter registrado que o farmacêutico usava equipamentos de proteção individual (EPIs) durante as aplicações, não ficou demonstrado que isso neutralizaria os riscos do contato com os agentes biológicos. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Clique aqui para ler a decisão
RR-1002987-44.2015.5.02.0241

Fonte: Conjur

Brasil atinge a marca de 200 mil mortos por Covid-19. Leia nota da Frente pela Vida

A Frente Pela Vida, da qual a Fenafar e outras entidades fazem parte, divulga nota de pesar e de indiganação pelas 200 mil brasileiras e brasileiros mortos por Covid-19. Leia abaixo na íntegra.

PELAS 200 MIL BRASILEIRAS E BRASILEIROS MORTOS POR COVID-19

O Brasil continua a exibir um quadro de enorme tragédia humanitária. Hoje, ultrapassamos 200 mil mortes por Covid-19 em dez meses, uma média de 20 mil mortes por mês. 

Somos o segundo país com o maior número de mortes em todo o mundo. São quase 10 milhões de pessoas com infecção confirmadas; e a maioria destas, assim como a maioria das mortes, concentram-se entre os mais pobres, que sempre tiveram acesso precário à saúde, à educação, ao saneamento básico e à moradia digna.

Nossas entidades manifestam o seu mais profundo pesar pelas vidas perdidas, muitas das quais evitáveis e resultado da inação e da irresponsabilidade dos mandatários da nação para o enfrentamento da pandemia. Sentimo-nos entristecidos pelo sofrimento incalculável dos milhões de brasileiras e brasileiros infectados e mortos pela Covid-19 e de seus familiares.

Estes números da pandemia resultam de escolhas irresponsáveis, anticientíficas e insensíveis, oriundas principalmente do presidente da República. Mais de 50 países já iniciaram a vacinação, enquanto a nossa população continua insegura e sofrendo sem uma resposta firme e transparente de como e quando poderá ser vacinada.

Continuamos solidários com todas as trabalhadoras e os trabalhadores da saúde e dos serviços essenciais que se mantêm em condições de risco na linha de frente assistindo aos doentes e garantindo o funcionamento da vida cotidiana.

Voltamos a alertar à sociedade brasileira que ainda persiste a ausência de um plano nacional de enfrentamento desta pandemia, bem como faltam atitudes concretas e responsáveis quanto à vacinação. A imunização é um dever do Estado e direito de todas as brasileiras e os brasileiros. Os efeitos do agravamento da crise sanitária, social e econômica hoje em curso atingirão todos os segmentos de nossa população e, de forma mais grave, as populações vulnerabilizadas. 

É fundamental que a sociedade brasileira e as instituições democráticas se unam em defesa da vida e se mobilizem não só em solidariedade, como também na exigência de que o governo cumpra seu dever em garantir vacina para todas e todos, imediatamente, com toda a logística e recursos necessários. Precisamos de mais investimentos no SUS, tendo a saúde como direito de todas as pessoas e a manutenção da ajuda financeira emergencial com sua transformação em renda básica universal.

Frente Pela Vida e entidades signatárias:

Associação Brasileira de Economia da Saúde – AbrES

Associação Brasileira de Médicos e Médicas pela Democracia – ABMMD

Associação Brasileira de Educação Médica – Abem

Associação Brasileira de Imprensa – ABI

Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco

Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora – ABRASTT

Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais – Abrato

Associação Brasileira Rede Unida – Rede Unida

Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes

Conselho Nacional de Saúde – CNS

Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar

Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores

Instituto Brasilidade 

Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa

União Brasileira de Mulheres – UBM

Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública – Asfoc-SN

Sociedade Brasileira de Bioética – SBB

Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade – SBMFC

Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência – SBPC

Vacinar no SUS é um direito de todas e todos e um dever do Estado

A Federação Nacional dos Farmacêuticos e outras entidades subscrevem nota ressaltando a importância do fortalecimento do Programa Nacional de Imunização do SUS como instrumento primordial para realizar a vacinação da população contra a Covid-19. Só Sistema público garantirá igualdade de acesso para a sociedade brasileira. Leia abaixo na íntegra.

 

Neste momento de crise sanitária internacional e nacional devido à pandemia de Covid-19 – somos o segundo país do mundo em número de mortos por essa doença –, é fundamental nos concentrarmos na luta pela vacinação já, com equidade. A equidade é importante como a garantia de justiça social, mas também como requisito para o tão esperado controle da pandemia. Que seja, portanto, garantida igualdade de acesso às cidadãs e cidadãos brasileiros na vacinação contra a Covid-19.

O Programa Nacional de Imunização (PNI) do Sistema Único de Saúde (SUS) tem um histórico de grande sucesso, com experiência bem-sucedida em campanhas de âmbito nacional e com reconhecimento internacional. Somente o pleno apoio e adequado incentivo financeiro e operacional ao PNI pode garantir equidade no acesso efetivo e seguro da população à vacina.

Devido à magnitude desta campanha de vacinação que tem como meta cobrir toda a população e a limitação da oferta de vacinas no mercado internacional, países como o Brasil têm definido um modelo de prioridades para sua implementação com base em critérios epidemiológicos e de vulnerabilidade social. Somente o SUS, por intermédio do PNI, poderá garantir a vacinação de toda a população brasileira com base nesses critérios. Seringas, agulhas, insumos de biossegurança e adequada logística e competência são necessárias para atingirmos este objetivo. As vacinas objetos dos acordos de compra e transferência de tecnologia já estabelecidos com as empresas Sinovac e AstraZeneca devem formar a espinha dorsal da campanha de vacinação no País sob a coordenação do PNI.

Numa sociedade como a nossa, marcada por grotescas desigualdades sociais, é moralmente inaceitável que a capacidade de pagar seja critério para acesso preferencial à vacinação contra a Covid-19. Caso isso ocorra, uma fila com base em riscos de se infectar, adoecer e morrer será desmontada. É inadmissível, portanto, permitir que pessoas com dinheiro pulem a fila de vacinação por meio da compra de vacinas em clínicas privadas.

Assim, causa preocupação o anúncio feito no dia 3 de janeiro que clínicas privadas negociam a importação de 5 milhões de doses de vacinas em desenvolvimento na Índia pelo laboratório Bharat Biotech.

No Reino Unido, para evitar a ocorrência de desigualdade social no acesso à vacina contra a Covid-19, governo e empresas elaboram acordos para não permitir que vacinas sejam compradas por clínicas privadas, pelo menos enquanto uma grande parte da população não tiver sido vacinada pelo Sistema Nacional de Saúde (NHS). Este é o exemplo que podemos seguir.
Consequências nefastas da venda de vacinas contra a Covid-19 por clínicas privadas, como as destacadas abaixo, vão além do aprofundamento do abismo social brasileiro:

  • Num momento de imensa necessidade de fortalecimento do SUS, renuncia- se ao seu potencial para vacinar a população brasileira com equidade, efetividade, eficiência e segurança, em prol do fortalecimento do mercado setor privado de saúde.
  • O detalhado acompanhamento da cobertura vacinal e a farmacovigilância para o monitoramento de eventos adversos, de grande importância principalmente no caso das vacinas contra a Covid-19 com aprovação pelas agências reguladoras em prazos recordes, tornam-se mais difíceis ou mesmo se inviabilizam.
  • O aumento do número de pessoas com doses incompletas de vacina (sem tomar as duas doses) tem maior probabilidade de ocorrer entre as pessoas vacinadas no setor privado, diminuindo a eficácia e a efetividade da vacinação.

A sociedade brasileira e suas instituições democráticas estão alertas. A abertura da vacinação para clínicas privadas pode impactar negativamente o controle da pandemia, aumentar as desigualdades sociais na saúde e os riscos inerentes ao prolongamento da circulação do vírus na população. A mercantilização da vacina não será tolerada por um Brasil que luta pela vida, por um país mais justo e solidário.

#VacinaçãoJÁ #VacinaparaTodaseTodos #VacinaçãoSomentenoSUS #ObrasilprecisadoSUS

Entidades signatárias:

Associação Brasileira de Economia de Saúde – Abres
Associação Brasileira de Educação Médica – Abem
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais – Abrato
Associação Brasileira Rede Unida – Rede Unida
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes Conselho Nacional de Saúde – CNS
Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares – RNMP Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade – SBMFC

Uma Guerra da Vacina no século XXI? Por Antônio Martins

Cresce, no Brasil, o espectro de uma segunda onda da covid, agigantada pelas aglomerações de fim de ano. País tem experiência e estrutura para imunizar toda a população. Mas será preciso atropelar a sabotagem do governo Bolsonaro

 

I. Novo cenário

O Brasil está a um passo de sofrer, em silêncio, uma nova derrota humilhante [para a morte]. A segunda onda de covid-19 tornou-se nítida nos últimos dias. Iniciada no início de novembro, ela cresce aos poucos, como a vaga anterior. Mas já não se espalha a partir de um único ponto, como em março: a maré ergue-se simultaneamente na maior parte dos estados. Como as medidas de isolamento social são tímidas e frágeis, a ida às compras e as confraternizações familiares no final do ano abrem a perspectiva de um tsunami em 2021.

Um fato novo poderia, agora, afastar a perspectiva de tragédia. Duas instituições brasileiras reconhecidas por excelência em Saúde – a Fiocruz e o Instituto Butantan – firmaram, por iniciativa própria (no segundo caso, com apoio do governo de São Paulo), acordos para produção de vacinas. Butantan e Fiocruz têm condições para produzir, ao menos, 200 milhões de doses ao ano – e de começar já a fazê-lo. Esta capacidade pode, como se verá, ser ampliada. Além disso, pelo menos dois outros laboratórios (a Pfizer, dos EUA, e o Instituto Gamaleya, da Rússia) ofereceram grandes lotes da vacina ao governo brasileiro.

No entanto, estas perspectivas animadoras estão sendo destroçadas pela atitude do governo federal – de negligência profunda ou sabotagem ativa. Ao contrário do que ocorre em todo o mundo, o ministério da Saúde jamais se empenhou em sair em busca de vacinas. O ministro e seu chefe difundem continuamente falsas informações, para induzir parte da população a descrer da importância destes insumos. A Anvisa, em parte minada pelo bolsonarismo, age com ambiguidade. Muito pior: ao anunciar, em 1º de dezembro, um “plano” de imunização, o governo federal excluiu – por interesse partidário de Bolsonaro – a vacina do Butantan. No sonolento cronograma governamental, o movimento começa apenas em março, enquanto países com poder econômico semelhante ao do Brasil iniciarão já em dezembro. E o ministério não tomou, até agora, sequer providências comezinhas porém indispensáveis – como a encomenda (em certos casos, importação) das seringas, agulhas e vidraria necessárias para a vacinação.

A esta altura, parece só restar uma saída para vencer o boicote do governo: mobilizar a própria sociedade e pressionar as instituições. Há meios e precedentes para isso. A luta em defesa da Saúde foi capaz, mesmo em tempos sombrios de ditadura, de sensibilizar a população (em especial, as periferias). O SUS surgiu, em grande medida, como fruto deste combate. Mais recentemente, a garantia do acesso a medicamentos impulsionou reivindicações e conquistas memoráveis. O Brasil foi pioneiro na distribuição gratuita do coquetel de drogas que impede o adoecimento dos portadores de HIV. O próprio Poder Judiciário, em outros aspectos tão conservador, tem histórico de obrigar o governo a fornecer remédios necessários à preservação da vida. E desde 7/12, quando o governador de São Paulo confirmou o início da vacinação em janeiro, surgiram, para o bolsonarismo, um contraponto e um constrangimento graves.

Há uma proposta muito relevante em curso. Um conjunto de organizações sociais em defesa da Saúde prepara-se para lançar, em 15 de dezembro, uma Frente pela Vida. Os objetivos centrais são enfrentar a pandemia e defender o SUS. A iniciativa expressa uma característica marcante da vida política brasileira contemporânea. As reflexões e ações capazes de transformar a realidade são desencadeadas, cada vez mais, por movimentos e redes autônomas. Porém, para ter força real, a mobilização proposta pela Frente pela Vida precisa ser abraçada por um leque muito mais amplo de forças – que inclua, por exemplo, os partidos políticos, os sindicatos, uma constelação de outros movimentos e coletivos. O jornalismo de profundidade é, mais que tudo, um projeto de mudança do mundo. Será muito gratificante se as informações reunidas neste texto contribuírem para a mobilização nascente.

II. A segunda onda 

Nas três capitais da região Sul, onde a segunda onda da pandemia despontou primeiro, o número diário de mortes já encostou no de junho e julho, picos anteriores da covid-19. Em Porto Alegre, Florianópolis e especialmente Curitiba já há episódios frequentes de superlotação de UTIs e até de falta de vagas, quando pacientes em estado gravíssimo são deixados à míngua. Mas, embora menos acentuada por enquanto, a sombra fúnebre já se espraiou por 18 estados. Na terça-feira (8/12), a média móvel de óbitos chegou a 617 a mais alta em dois meses. Nesse dia, o Brasil voltou a ser, segundo a Organização Mundial de Saúde, o país do mundo, entre os mais afetados pela covid, em que a pandemia progride mais rápido.

No Hospital Emílio Ribas (São Paulo), um centro de referência nacional em doenças transmissíveis, o epidemiologista Jamal Suleiman está alarmado. Ao saber que nos EUA o número de internações por covid é agora duas vezes maior que no pico anterior, e que as mortes diárias já voltaram a superar a marca das 2 mil, ele confessa temer que o mesmo cenário esteja se produzindo no Brasil.

Na propagação de doenças como a covid, EUA e Brasil registram similaridades inquietantes. As populações são grandes e os territórios, vastos. A eclosão de um surto, numa cidade ou região qualquer, tem relevância estatística limitada. Por isso, ao contrário do que ocorreu em muitos países europeus, a curva dos contágios e mortes sobe menos abruptamente. O índice diário de mortes por milhão de habitantes jamais chegou próximo dos estonteantes 29 (na Bélgica) ou 18 (na Espanha). O auge norte-americano foi 6,77; o brasileiro, 5,05. Em compensação, na Europa as ondas gigantescas desapareceram tão rápido quanto se formaram. Nos EUA e no Brasil, elas permaneceram num patamar alto durante longos meses. As marés, embora mais baixas, foram muito mais intensas. Nove meses depois, o resultado é desastroso. Embora o Brasil reúna apenas 2,8% da população do planeta, concentra 11,4% dos óbitos por covid — um índice de mortalidade quatro vezes maior que a média mundial.

Já na evolução geográfica e cronológica da pandemia, estamos várias semanas atrás da Europa. No Ocidente, as mortes por covid tornaram-se um fenômeno dramático a partir do início de março. Passaram-se 80 dias até que, no final de maio, o Brasil liderasse as estatísticas da morte. A segunda onda começou a se erguer, para a maior parte dos europeus, na primeira quinzena de agosto. Aqui, o platô só voltou a crescer em novembro.

O que mais assombra o doutor Jamal Suleiman são as largas avenidas abertas, agora, para que o coronavírus se espalhe. Em março, havia três pontos de difusão: São Paulo e, em menor medida, o Rio e Manaus. Partindo do zero, a pandemia matou 177 mil em nove meses. Agora, ela está instalada em todo o território nacional. Onde chegaremos se a segunda onda tiver a mesma virulência que a primeira – como já ocorre, em muitos países? Leve isso em conta quando observar, como agravante, as aglomerações que já se formam (e crescerão a cada dia, até a véspera do Natal) nos shoppings e nas ruas de comércio. Imagine, por fim, as festas de fim de ano, quando as famílias e os amigos se reunirão, muitas vezes partindo de cidades diversas e distantes, e o vírus encontrará, então, condições para um contágio inédito.

III. A vacina

Em 10 de janeiro, poucas semanas após a eclosão da covid-19, as autoridades sanitárias chinesas decifraram e tornaram público o genoma do SARS-Cov-2 – a variedade específica de coronavírus que provoca a doença. Este ato permitiu que florescesse, em todo o mundo, a pesquisa de uma vacina contra a doença. Centenas de laboratórios envolveram-se na busca. Eles produziram, até o momento, 144 vacinas (há uma excelente página de rastreamento no New York Times), das quais 58 já estão sendo testadas em humanos e 7 obtiveram, em algum país, aprovação para uso emergencial. Este enorme esforço científico resultou num fato inédito, na história do combate às enfermidades infecciosas: em dez meses produziu-se uma imunização eficaz.

Dois fatos explicam esta conquista inédita. O surgimento da covid coincidiu com o desenvolvimento de novas tecnologias de produção de vacinas, baseadas em manipulação genética. Para produzir a resposta imune, já não se introduzem no corpo humano vírus mortos ou atenuados. Em uma das modalidades, a mais recente, os pesquisadores constroem, em laboratório, uma partícula com estrutura genética semelhante a um fragmento do vírus. Basta que o sistema imunológico humano entre em contato com este corpúsculo para que produza os anticorpos que repelirão o SARS-Cov-2, quanto este invadir o organismo. Esta tecnologia está presente nas vacinas da Pfizer-Biontech, da Moderna e da academia militar chinesa, entre outras. Em outra modalidade (presente, por exemplo, na vacina de Oxford-Astrazeneca, na da Johnsonn e na Sputnik russa), pequenas partículas do próprio coronavírus (igualmente inertes) são injetadas em outros vírus, a partir dos quais se produz o imunizante.

Mas houve uma abordagem distinta, igualmente bem-sucedida. Laboratórios como os chineses Sinovac (que produziu a Coronavac) e o Sinopharm apostaram na técnica tradicional da inoculação de vírus atenuados. Puderam contar com sua experiência anterior no desenvolvimento de imunizantes contra outros tipos de coronavírus – os que causaram a SARS e a MERS.

Cada perspectiva tem sua vantagem. É provável que a manipulação permita produzir com mais rapidez novas vacinas, que enfrentem eventuais mutações do coronavírus. Porém, as doses são comparativamente caras (a Pfizer-Biontech e Moderna cobraram, do governo dos EUA, entre U$ 39 e U$ 50 por paciente – de R$ 200 a R$ 250) e precisam ser armazenadas a até -70ºC. Já a estimativa do Instituto Butantan, que produzirá no Brasil a Coronavac, é que as duas doses necessárias por paciente custem, juntas R$ 32. Além disso, o imunizante pode ser armazenado em geladeiras comuns, o que é essencial para que chegue a regiões remotas.

As duas abordagens têm, em comum, sinais de notável eficiência. Nos estudos de Fase 3 em humanos (a última etapa), a vacina da Pfizer revelou imunizar 95% dos pacientes; a da Moderna, 94,5%; a Sputnik V, 92%. A Coronavac, cujos resultados finais ainda estão em análise, produziu anticorpos em 97% dos que a receberam. Mesmo a de Oxford-Astrazeneca, cujos testes estão sendo em parte refeitos, por erro inicial de dosagem, revelou até agora proteção entre 62% e 90%. São índices altíssimos: acreditava-se, há meses, que com 50% já seria possível produzir imunidade coletiva (ou “de rebanho”) relevante. Tudo indica que as vacinas, uma vez aplicadas, salvarão milhões de vidas e aliviarão sistemas de Saúde hoje ultra estressados.

* * *

Ao contrário da grande maioria dos países, vítimas de uma ordem internacional que impõe desigualdade sanitária – e vacinal – aguda, o Brasil tem condições muito satisfatórias para proteger sua população. A Fiocruz (Rio) e o Instituto Butantan (São Paulo) produzem, há mais de um século, vacinas contra muitas enfermidades [veja em detalhes: 1 2]. Seus laboratórios e pesquisadores são reconhecidos em todo o mundo. Em outras condições, em que houvesse apoio efetivo do Estado ao desenvolvimento científico, estariam eles próprios criando seu imunizante contra a covid-19. Não é o caso; porém, há meses as duas instituições firmaram, com a Sinovad (Butantan) e com Oxford-Astrazeneca (Fiocruz) convênios que lhes transferem tecnologia para produzir, aqui mesmo, as vacinas. É uma condição única na América Latina – com exceção de Cuba, que está desenvolvendo sua própria vacina.

Além disso, explica Paulo Capucci, ex-secretário de Saúde de Guarulhos (SP), o Brasil possui uma rede invejável para levar as vacinas ao conjunto da população. Chama-se Programa Nacional de Imunização. Criado em 1973 e hoje integrado ao SUS, é capilarizado e robusto. Suas Salas de Vacinas, presentes em cada Unidade Básica de Saúde, aplicam a cada ano mais de 300 milhões de doses, de 28 imunizantes distintos. Possuem pessoal especializado e seguem protocolos rigorosos. Permitiriam, em semanas, imunizar o conjunto dos brasileiros.

A capacidade de produção do Butantan e da Fiocruz, a princípio de 200 milhões de doses ao ano, é insuficiente para imunizar a população em prazo razoável. Mas por que não poderia ser ampliada? Em 2/12, o Butantan recebeu, da China, 300 litros de insumos. Segundo o site do governo de São Paulo, seriam necessários “de quatro a sete dias” para que “40 colaboradores” do instituto produzissem, com a matéria-prima, um milhão de doses. Um milhão de doses a cada quatro dias, com equipe de 40 pessoas. O Butantan detém a tecnologia. Quanto seria possível produzir, caso se desse o passo óbvio de constituir – por exemplo – uma equipe de 400 pessoas, dotadas dos equipamentos necessários?

O primeiro passo seria ter, em Brasília, a vontade política.

IV. Sabotagem

Além de não celebrar a fabricação das vacinas Sinovac-Butantan, e muito menos contribuir para que mais doses fossem produzidas, o governo Bolsonaro passou a agir, desde outubro, para sabotá-las. Em 21/10, ele humilhou seu próprio ministro da Saúde, mandando-o revogar decisão tomada na véspera e excluindo a Coronavac da lista de imunizantes a ser adquiridos pela União e distribuídos aos estados. Sua explicação foi previsivelmente rudimentar e precária. “Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”. Mas não se tratou de uma explosão. Basta olhar para o conjunto de atos do Palácio do Planalto e dos ministérios e agências para que sobressaia um padrão. Negligenciam-se as ações necessárias para imunizar a população. Quando isso parece não bastar, boicotam-se as iniciativas em curso. Eis alguns exemplos.

  • Ao contrário de dezenas de governos [veja os casos do MéxicoArgentina ou Turquia, de influência política e econômica inferior à do Brasil], não houve esforço algum para negociar compras de vacinas com laboratórios estrangeiros – supondo que Butantan e Fiocruz, devidamente financiados, não pudessem ampliar sua produção. Até o anúncio da vacinação própria em São Paulo, o ministério da Saúde esnobava até mesmo a vacina da Pfizer, que foi oferecida ao país. Em consequência, no Brasil, que dispõe de instituições científicas muito mais avançadas, o governo conformou-se em anunciar a vacinação em março, enquanto em todos os países anteriores ela começará efetivamente em dezembro.
  • O corpo mole repetiu-se nas compras internacionais intermediadas pelo consórcio Covax (da Organização Mundial de Saúde). Cada país participante poderia encomendar um número de doses suficiente para vacinar 50% de sua população. O governo brasileiro optou por solicitar a quota mínima, de 10%.
  • Outra janela de oportunidade foi deliberadamente fechada na Organização Mundial do Comércio (OMC). Um grupo de países liderado por Índia e África do Sul propôs que se aprovasse, devido à emergência pandêmica, o licenciamento automático das patentes relacionadas à covid. A medida, apoiada pela própria Organização Mundial de Saúde, teria permitido à Fiocruz e Butantan ter acesso a todas as tecnologias de imunização e produção de medicamentos. Mas o Brasil foi o único país emergente a votar contra ela.

A estas decisões políticas desastrosas correspondeu, no interior do Ministério da Saúde, um vandalismo particular. Ele coincide com a ocupação da pasta por um conjunto de militares sem nenhum conhecimento sanitário, mas de fidelidade canina a Bolsonaro. Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a professora Gulnar Azevedo e Silva relata. “A partir da posse de Bolsonaro, foram liquidados diversos comitês internos. No Programa Nacional de Imunização, em particular, extinguiu-se um comitê de especialistas que reunia virologistas, pediatras e sanitaristas. Em seu lugar, formou-se uma ‘câmara técnica’ fatiada em dez grupos de trabalho. As consultas são feitas individualmente, sem debate coletivo, muitas vezes com pedido de sigilo”.

Este movimento, prossegue Gulnar, “avança em paralelo com o que houve no desmonte da atenção primária. É um dos programas mais atacados pelo corte de verbas do SUS. Equipes inteiras estão sendo desmontadas, já há problemas de distribuição de vacinas. Acabaram os horários estendidos de vacinação (aos domingos, por exemplo). Acabaram as campanhas de comunicação sobre a importância das vacinas”.

Seria a sabotagem das vacinas parte do esforço para privatizar o SUS – que o governo anunciou em 16 de novembro, para em seguida desmentir a si mesmo — porém, foi de modo inconvincente?

* * *

No que diz respeito à imunização, algo mudou a partir de 7/12, quando o governador João Doria anunciou que os brasileiros de São Paulo terão acesso à vacina a partir de janeiro; e que os de outros estados serão bem-vindos para recebê-la também. Temendo forte desgaste, o Palácio do Planalto viu-se obrigado a uma mudança de discurso. Em fala feita às pressas, ao lado do ministro Paulo Guedes, Bolsonaro assegurou que “quando aprovadas” vacinas, o governo as oferecerá – e serão “gratuitas e não obrigatórias”. Não deu detalhe algum, porque meses de sabotagem deixaram-no sem trunfos na mão. Mas ordenou ao ministro da Saúde que mudasse novamente de posição e corresse agora atrás das vacinas da Pfizer. Aparentemente, Pazzuelo obteve minguadas 8,5 milhões de doses, suficientes para imunizar 4% da população.

De um presidente viciado em golpes baixos pode-se esperar muito. É provável que a estratégia do ex-capitão consista em ganhar tempo, produzindo factoides como o da Pfizer; e em, simultaneamente, tentar inviabilizar a vacina do Butantan. Um caminho para isso é a Anvisa. Formada por um corpo técnico de excelência, a agência foi aparelhada, no entanto, por uma súcia de negacionistas. O presidente, contra-almirante Antonio Barra Torres, chegou a participar (sem máscara) de uma aglomeração em favor do fechamento do STF. Outro diretor, o tenente-coronel Jorge Luiz Kormann, ocupa a área responsável pela aprovação de medicamentos, tendo experiência zero em Saúde ou vacinas.

Sua ação protelatória é clara. Em 7/12, por exemplo, a Anvisa pediu prazo de 30 dias para redigir um relatório essencial para a aprovação da Coronavac. Trata-se do documento de inspeção da equipe de técnicos que visitou, na China, as instalações da Sinovac. No dia seguinte, o próprio ministro Pazuello afirmou sem nenhuma base, em encontro com governadores, que a aprovação final desta vacina tardará “ao menos 60 dias” após a apresentação final dos testes de sua eficácia.

Felizmente, parece haver, por parte dos governadores, disposição de resistir. Em 8/12, tanto Flávio Dino (MA) quanto o próprio Dória anunciaram intenção de recorrer ao STF, caso os sinais de procrastinação infinita persistam. Os recursos seriam baseados na lei 13.979. Votada este ano, ela permite a autoridades estaduais ou municipais importarem insumos mesmo quando não aprovados pela Anvisa – desde que o sejam em outras agências sanitárias reconhecidas internacionalmente.

V. Nova Revolta da Vacina?

Candidato mais surpreendente nas eleições municipais recém-realizadas, Guilherme Boulos aproveitou entrevista ao Valor, publicada em 7/12, para reflexões que merecem, da esquerda, leitura atenta. Embora surjam desde já, neste campo político, incontáveis polêmicas sobre o pleito de 2022 – muitas vezes com caráter francamente autofágico – o líder do MTST não parece se encantar com tais querelas. “Sair de uma eleição pensando em outra não é apropriado”, diz ele. E explica: “Me preocupa saber como vai ser 2021. (…) Meu papel como uma liderança política da esquerda, como militante do movimento social é muito mais do que ficar só pensando planos para 2022. É pensar em como organizar a luta diante desse cenário tão difícil”.

Quem acredita (como o autor destas linhas…) que se trata de um atitude sábia; que uma esquerda digna deste nome precisa superar um ultra-eleitoralismo de décadas, e se reaproximar das lutas sociais – quem pensa assim terá, na Frente pela Vida, a ser lançada em 15/12, uma oportunidade rara de agir.

A ação é, em primeiro lugar, em favor da vacina – pela sobrevivência de centenas de milhares de pessoas; de seres humanos, que, como aqueles que conhecíamos, admirávamos – e pereceram –, têm projetos, sonhos, desejos, amores. Rechaça a indiferença, o “e daí?”, o crer que apenas os mais fortes têm lugar. Repele às lógicas do individualismo, do lucro máximo e do salve-se-quem puder. Choca-se com estes sentimentos e valores ásperos propondo o cuidado, a generosidade, o Comum. Aí começa seu caráter pós-capitalista.

Mas estas intenções não são etéreas. Materializam-se na defesa de uma conquista histórica: o SUS. Este sistema que, construído pelas lutas sociais de duas décadas, foi em seguida sabotado por uma sucessão de governos e difamado incessantemente pela mídia. Mas que ressurgiu, no afeto e na compreensão das maiorias, quando estas enxergaram a diferença que fazem as políticas públicas; as portas abertas; os equipamentos em que todos contam – não apenas os que podem pagar faturas gordas.

Pois este mesmo SUS, que tantos acolheu, está de novo ameaçado de sucateamento ou de privatização. Em 2021, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias apresentada pelo governo, pode perder R$ 47 bilhões – um corte que se sobrepõe aos já sofridos, nos anos anteriores, como consequência do congelamento de gastos sociais. Um corte bilionário em meio à pior crise sanitária em um século…

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Mas como esta luta poderá evoluir, nos próximos meses?

O infectologista Gastão Wagner, professor da Unicamp e presidente da Abrasco entre 2015 e 2018, aposta na força do tema da vacina. Ele tem ideias práticas a respeito. Sugere articular uma proposta concreta de suplementação de verba para a aquisição das doses, a remuneração da Fiocruz e do Butantan, a garantia da logística (negligenciada pelo governo até agora), a campanha de esclarecimento popular. Imagina a Frente pela Vida cobrando do Congresso os recursos, debatendo a reivindicação com a sociedade, recorrendo eventualmente ao Judiciário.

Basta imaginar o cenário das próximas semanas para pensar que Wagner pode ter razão. Na mídia, as imagens (que já começaram a surgir) das populações imunizando-se em muitos países. Nas estatísticas, a queda muito provável dos índices de contágio e mortes, onde há vacinação. No Brasil, as populações cruzando fronteiras dos estados, para buscar proteção onde ela estiver disponível. Em meio a tudo isso, a caracterização do descaso do pior governo brasileiro de todos os tempos – e os sinais de uma esquerda mais sensível aos dramas da população do que mergulhada em cálculos eleitorais.

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Para sair da pasmaceira, talvez o Brasil precise de uma nova Guerra da Vacina.

Fonte: OutrasPalavras

Covid em alta e orçamento do SUS para 2021 preocupam, alerta ex-presidente da Anvisa

A pandemia de covid-19 segue batendo recordes no Brasil e um cenário ainda mais preocupante é projetado para o próximo ano. Na sexta-feira, já havia sido atingida a maior média móvel semanal de casos no país, com 46.948 registros, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). No domingo (20), novo recorde, agora com 48.093 infectados.

 

 

O relaxamento da população em relação às medidas de distanciamento social e a perspectiva de um orçamento reduzido para o Sistema Único de Saúde (SUS) em 2021, há a possibilidade de enfrentarmos um novo colapso na saúde.

A avaliação é do médico sanitarista e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Gonzalo Vecina Neto, que se diz preocupado com o cenário atual e com o que se aproxima. “Estamos acelerando a pandemia e isso é fruto do nosso comportamento. Se nós relaxamos, mantendo as aglomerações, os números vão crescer. No fim de ano, haverá encontros que não deveriam ocorrer, com um clima de que a vacina já chegou, mas seus efeitos só serão notados no segundo semestre de 2021”, alertou, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual.

O estado de São Paulo registrou 50.596 novos casos e 1.108 mortes causadas pela covid-19, só na última semana (13 a 19 de dezembro). O crescimento do número de novos casos chegou a 55% e o de mortes a 41% no último mês. De outubro para cá, os jovens passaram a ser os responsáveis pela maior parte das infecções e internações pela covid-19 no país. Os pacientes dos 20 aos 39 anos representam atualmente 40% dos casos e 3,6% das mortes contabilizados entre os paulistas.

“Há pais se encontrando com filhos jovens que não respeitam o distanciamento. Essa doença mata os mais velhos, tanto é que 86% dos óbitos, no Brasil, são de pessoas acima de 50 anos. Os jovens precisam entender que, apesar de sua resistência, seus pais morrem dessa doença”, adverte o médico.

Orçamento para o SUS

Em meio à pandemia do novo coronavírus, entidades de saúde coletiva foram surpreendidas com o anúncio do governo federal de retirada de R$ 35 bilhões do orçamento do SUS, dos atuais R$ 168 bilhões. 

A previsão para o próximo ano é que a saúde pública será sobrecarregada com a demanda de procedimentos que foi reprimida em 2020, assim como pelos casos de covid-19 que hoje estão em curva de crescimento. Até os tratamentos de recuperação da doença, que vêm deixando sequelas em parte da população, e a própria elaboração de um plano de vacinação que alcance toda a sociedade. 

O ex-presidente da Anvisa alerta que o orçamento do SUS não é suficiente para montar uma estrutura capaz de atender à população diante dessas demandas. Ele não descarta a possibilidade de um colapso no sistema público de saúde. “Nós temos problemas estruturais que precisamos resolver. A pandemia vai continuar forte no ano que vem e a rede de serviços hospitalares continuará sofrendo um estresse. O Ministério da Saúde precisa continuar credenciando leitos de UTI, senão teremos outro colapso”, criticou.

O médico explica ainda que os hospitais públicos terão que lidar com uma terceira onda de pacientes que não tem ligação direta com a covid-19: as vítimas de problemas cardíacos, de doenças respiratórias e câncer, que ficaram em casa durante a pandemia e terão que buscar seus auxílios médicos.

“Não espero que o Paulo Guedes enxergue a necessidade desses investimentos, porque esse governo não enxerga causa social, só dinheiro. Agora, espero que o Congresso veja as necessidades da sociedade e resolva o financiamento do SUS para 2021. No mínimo, precisa colocar o que se colocou neste ano, pois estão suprimindo R$ 35 bilhões dos R$ 165 bilhões, do ano passado”, afirmou Vecina Neto.

Novo vírus

Neste domingo, o ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, confirmou que uma nova variação do coronavírus estava “fora de controle” e, por isso, o governo ordenou o confinamento de Londres e parte da Inglaterra. O sinal amarelo provocou uma reação em cadeia, com diversos países anunciando restrições a viajantes do Reino Unido e de outras nações onde há indicativos ou casos confirmados dessa mutação da covid-19.

Em entrevista à rede britânica BBC, a líder técnica da Organização Mundial da Saúde (OMS), Maria Van Kerkhove, afirmou que os dados atuais indicam que a nova variante surgiu na Inglaterra, entre o sudeste do país e a capital, Londres. Maria afirmou que casos de covid-19 causados pela cepa mais contagiosa foram verificados na Dinamarca, na Holanda e na Austrália. No final do domingo, ao menos um caso já havia sido registrado também na Itália.

Gonzalo Vecina acredita que essa variação deve chegar ao solo brasileiro. “Essa nova variante não é totalmente diferente da atual, não reproduz outra doença, apenas torna mais fácil de se disseminar mais rápido. Acho que ela chegará aqui no Brasil, mas não sei quais as consequências.”

Fonte: Rede Brasil Atual – Josenildo Almeida

A luta pela vacina e os privilégios do Judiciário

As organizações abaixo assinadas, entre as quais a Fenafar, publicam nota criticando o pedido do CNJ e do STJ de serem alvo privilegiado do acesso às vacinas contra a Covid-19, em detrimento dos cidadãos brasileiros. Leia abaixo:

Para assinar a nota basta clicar no link.

As organizações abaixo assinadas foram surpreendidas com a notícia de que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o STF (Supremo Tribunal Federal) e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) teriam solicitado às instituições responsáveis pela produção das vacinas contra a Covid-19 que disponibilizassem um lote com prioridade e em caso de extraordinariedade aos profissionais destas casas judiciárias, em detrimento dos/as cidadãos/ãs “comuns”. Sim, comuns, pois vivemos numa sociedade onde alguns grupos se entendem e se comportam como castas. 

Estamos desde o início da pandemia mobilizados/as e atuando para acompanhar e amenizar os desdobramentos da crise sanitária, as obrigações do poder público em prover condições para se evitar as mortes e as medidas necessárias para a saúde pública. Tal solicitação, além de ser extremamente grave e excludente, demonstra o comportamento de alguns setores da sociedade que estão habituados a privilégios e que, mesmo em momentos de crises, aproveitam para consolidar e aumentar estes privilégios. O mais grave da solicitação da cúpula do sistema de justiça é que devia vir dela o exemplo de comportamento republicano que inspire os demais a cumprir as regras sociais.

É um absurdo o argumento de que tal pedido tem o condão de contribuir para a imunização do país, devendo tal esforço ser coletivo e obedecendo aos critérios estabelecidos pela ciência. Não podemos admitir fatos como esse, que estimulam outros setores da sociedade a entenderem os privilégios como normais e a reivindicarem o mesmo. Recentemente o Ministério Público de SP fez o mesmo movimento e foi rechaçado pela sociedade e pela imprensa, tendo então recuado. 

Esperamos que a Corregedoria possa barrar e dar um claro e sonoro “não” aos privilégios, sob pena de uma grande campanha dos movimentos sociais que ainda têm no Judiciário o seu último bastião de confiança.

Privilégios não, direitos sim! 
Vacinas para todas, todos e todes!

Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)
Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (ABRATO)
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Centro Santo Dias de Direitos Humanos
Federação Nacional dos Farmacêuticos
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA) 
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social 
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
Rede Unida
Sociedade Brasileira de Bioética SBB
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) 

Lewandowski vota por vacinação obrigatória contra Covid-19

O Estado brasileiro tem a obrigação de proporcionar a toda a população interessada o acesso à vacina para prevenção da Covid-19. Com esse entendimento, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, votou  nesta quarta-feira (16/12) pela vacinação compulsória contra a doença, conforme determina a Lei 13.979/2020. 

 

 

O ministro também reafirmou a competência concorrente entre os estados para implantar o plano de imunização. Na sessão desta quarta, apenas o relator apresentou o voto em duas ações diretas de inconstitucionalidade.

O julgamento foi suspenso e será retomado nesta quinta-feira, com o voto de Luís Roberto Barroso, relator do recurso que discute se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade, com fundamento em convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. As ações foram apensadas para julgamento em conjunto do recurso.

Em voto denso, Lewandowski afirmou que a questão central abrange saúde coletiva e, portanto, “não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão egoisticamente beneficiárias da imunidade de rebanho”. 

Ele votou para dar interpretação conforme a Constituição à Lei 13.979/2020 para estabelecer a diferenciação de que vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário.

Porém, disse o ministro, a vacinação pode ser implementada por meio de medidas indiretas, como a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e: 

(i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes;
(ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes;
(iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas;
(iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; 
(v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.

As medidas podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados e municípios, conforme definição do relator.

Inicialmente, o ministro pontuou que a previsão na lei impugnada não seria necessária, pois a imunização obrigatória é prevista na legislação sanitária (Lei 6.259/1975). Mas defendeu que a norma “representa um reforço às regras sanitárias preexistentes, diante dos inusitados desafios colocados pela pandemia”. 

As ações

PDT pede que seja reconhecida a competência de estados e municípios para determinar a vacinação compulsória da população, enquanto o PTB pede que essa possibilidade, prevista na Lei 13.979/2020, seja declarada inconstitucional. 

Contrária à obrigatoriedade da imunização, a legenda se apoia no artigo 15 do Código Civil, segundo o qual “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Lewandowski votou para dar parcial provimento às ADIs, com interpretação conforme a Constituição. 

Em sua manifestação nesta quarta, o advogado-Geral da União, José Levi Mello do Amaral Jr., afirmou que a União já garantiu que vai comprar as vacinas e as distribuir de forma gratuita, sendo respeitado o cronograma de vacinar, com prioridade, as pessoas do grupo de risco.  

Quanto à obrigatoriedade da vacina, disse ser “de uma excepcionalidade legal, cuja implementação não é e não pode ser automática”. “E nem sequer necessariamente irrestrita, mas sim vinculada a compreensão técnica, aplicada caso a caso”, afirmou. A única autoridade sanitária competente para a medida, segundo o AGU, é o Ministério da Saúde.

O relator entendeu que o fato de o Ministério da Saúde coordenar o programa nacional de imunizações “não exclui a competência dos Estados, Municípios, e do Distrito Federal para adaptá-los às peculiaridades locais, no típico exercício da competência comum para ‘cuidar da saúde e assistência pública'”.

O Procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que a vacinação obrigatória, embasada em evidências científicas e informações estratégicas de saúde, não viola os direitos fundamentais à vida, à saúde, à liberdade individual, e o princípio da dignidade humana.

Segundo o PGR, a competência para determinar a obrigatoriedade da vacina é do Governo Federal, cabendo aos estados definir a medida apenas em caso de omissão da União, quando ficar demonstrada a necessidade local, com base em critérios científicos.

Compra da vacina

No último sábado foi retirado de pauta os processos que tratam da compra de vacinas contra o coronavírus. A medida atendeu ao pedido do relator, que recebeu o plano de imunização do governo, enviado pelo advogado-geral da União, e pediu mais tempo para examinar o documento.

A Corte também deverá analisar outras duas ações que pedem a permissão de adquirir vacinas autorizadas por agências sanitárias internacionais, não sendo obrigatório o aval da Anvisa. As ações foram ajuizadas pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e pelo Conselho Federal da OAB.

Não há previsão de quando esses temas entrarão em pauta.

Clique aqui para ler o voto de Lewandowski.
ADIs 6.586 e 6.587

Fonte: Conjur

Frente pela Vida convoca sociedade para campanha nacional pela valorização do SUS

O lançamento oficial será online, na terça-feira (15/12), às 14 horas. Um dos objetivos é pressionar o Congresso Nacional pela manutenção do piso emergencial da Saúde em 2021.

 

 

Diante do espantoso número de mais de 170 mil mortes oficiais decorrentes da Covid-19 e dos inúmeros ataques que o Sistema Único de Saúde (SUS) vem sofrendo, as entidades da Frente Pela Vida, entre elas o Conselho Nacional de Saúde (CNS), lançam a campanha O Brasil precisa do SUS. Na terça-feira (15/12), às 14 horas, será realizado o evento de lançamento online, com a presença de representantes das entidades que compõem a Frente, da sociedade civil, da saúde; ciência, tecnologia & inovação; comunicação; educação; políticas públicas, entre outras áreas. 

O objetivo da campanha é mobilizar a sociedade para a importância da defesa do SUS e dos riscos que ele está correndo. O SUS é base essencial para a saúde e o bem-estar da população e, mesmo em um contexto de desmonte e desfinanciamento, tem dado a resposta necessária nesta pandemia, segundo a Frente Pela Vida. Se não fosse ele, o enfrentamento da crise sanitária seria muito mais difícil. O SUS salvou a vida de milhões de pessoas e poderá salvar ainda mais com estrutura e financiamento adequado.

Os sucessivos ataques ao SUS têm se intensificado, como a recente publicação do decreto nª 10.530 que teve a intenção de privatizar as Unidades Básicas de Saúde (UBS) de todo o Brasil, mas foi revogada em menos de 24 horas após intensa mobilização da sociedade.

“A força do SUS no enfrentamento à pandemia da Covid-19, tão elogiada no Congresso Nacional, precisa ser reafirmada pelos parlamentares com a revogação da EC 95 [Emenda Constitucional que congelou os investimentos em Saúde até 2036] e a manutenção do piso emergencial no orçamento de 2021, propostas na petição pública do CNS e reforçadas na campanha O Brasil precisa do SUS, da Frente pela Vida”, destaca o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto.

Assista, transmita e compartilhe – 15/12, às 14 horas

Carta ao Povo Brasileiro

No último 25 de novembro a Frente Pela Vida publicou uma carta, criticando a negligência do governo federal diante da pandemia de Covid-19. Uma das principais reivindicações é a recuperação do orçamento do SUS, que segue em desfinanciamento constante, e um plano de vacinação para a Covid-19, que ainda não existe no Brasil.

O documento menciona que “o presidente da república incentivou aglomerações, desarticulou medidas de proteção de populações vulneráveis, como os povos indígenas. Não existe plano para a futura vacinação, o que gera ansiedade e insegurança na população”. Num outro trecho, há a reafirmação das ações de Atenção Primária como fundamentais nesse contexto, que requer o financiamento adequado para a Saúde Pública.

Leia a carta na íntegra

Petição pública

A campanha também vai reforçar a petição do Conselho Nacional de Saúde (CNS) O SUS merece mais em 2021. O objetivo é sensibilizar deputados e senadores para que seja aprovada a continuidade do orçamento no próximo ano. O abaixo-assinado já conta com mais de 560 mil assinaturas. 

O SUS precisará lidar com o contexto de pós-pandemia, com demandas reprimidas de 2020 decorrente do adiamento de cirurgias eletivas e exames de maior complexidade, bem como das consequências da interrupção do tratamento de doenças crônicas que estão sendo noticiadas. A petição também pede a revogação da Emenda Constitucional 95/2016, que congelou os investimentos em saúde e demais áreas sociais até 2036.

Assine pela manutenção do orçamento emergencial do SUS em 2021

Frente pela Vida

Motivadas pela necessidade de propor ações efetivas em resposta à pandemia da Covid-19, entidades e organizações de diversos segmentos se uniram para formar a Frente pela Vida. No mês de junho, mais de 600 organizações endossaram e apoiaram a Marcha Pela Vida, em 9 de junho. 

Como desdobramento da Marcha, a Frente reuniu as entidades da saúde para a construção do Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 (PEP-Covid-19), lançado em julho. O documento apontou a urgência de uma comunicação clara e coordenada pelo governo federal e a necessidade de ações efetivas, apresentando 70 propostas para autoridades políticas, sanitárias e sociedade.

A Frente também prestou solidariedade e manifestou revolta quando o país atingiu 100 mil vidas perdidas, em agosto e novamente em setembro, quando passaram das 150 mil mortes.

Saiba mais: frentepelavida.org.br 

Entidades da Frente Pela Vida que participam da Campanha

Associação Brasileira de Economia da Saúde — Abres
Associação Brasileira de Enfermagem – ABen
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Associação Brasileira de Saúde da trabalhadora e do trabalhador – Abrastt
Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme
Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais – Abrato
Associação Brasileira Médicas e Médicos pela Democracia – AMMD
Associação Brasileira Rede Unida — Rede Unida
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde — Cebes
Conselho Nacional de Saúde — CNS
Federação Nacional dos Farmacêuticos — Fenafar
Instituto de Direito Sanitário Aplicado — Idisa
Rede de Médicas e Médicos Populares
Sociedade Brasileira de Bioética — SBB
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade – SBMFC

Fonte: SUSConecta

Vazamento de dados da saúde de milhões de brasileiros pode ser só o começo

Dois vazamentos de dados individuais sobre a saúde de milhões de brasileiros tornaram-se públicos nos últimos dias. Apesar de inaceitáveis e chocantes, eles servem como um alerta importante, neste momento de pandemia, sobre o risco que estamos correndo diante da falta de prioridade do governo federal com a proteção de dados da população. Leia no artigo de Jonas Valent*e e Marina Pita**.

 

 

Ficaram abertas para consulta as informações pessoais de qualquer brasileiro cadastrado no SUS ou beneficiário de um plano de saúde, o que envolve mais de 200 milhões de pessoas, segundo revelou o jornal O Estado de S.Paulo nesta quarta (2).

Já, na semana passada, soubemos que dados de pessoas que haviam testado para covid-19 ficaram abertos para consulta, após um funcionário do Hospital Albert Einstein divulgar uma lista com usuários e senhas que davam acesso aos bancos de dados de pessoas testadas, diagnosticadas e internadas para a doença nas 27 unidades da federação.

O Ministério da Saúde defende uma nova Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS), com grandes chances de aprovação sem o devido amadurecimento e cautela da questão. O resultado pode ser o aumento no risco de novos vazamentos ou de acessos indevidos à vida pessoal dos cidadãos.

No auge da pandemia do coronavírus, no dia 3 de agosto, o ministério lançou a minuta de uma portaria para um novo PNIIS.

A proposta continha graves equívocos e lacunas, além de desconsiderar as necessidades que se apresentam no contexto de pandemia, em que os serviços de saúde são cada vez mais necessários e vão alcançar um número extremamente significativo de cidadãos brasileiros.

Não havia uma previsão de mecanismos e instrumentos para a proteção de dados pessoais em saúde.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) pediu prorrogação do prazo, a princípio de 15 dias, para contribuições à consulta pública – considerando que, ao contrário de suas edições de 2004 e 2015, foi apresentada sem um cuidadoso e prévio debate.

Dados pessoais sobre a saúde dos brasileiros ganham a rede

Cabe lembrar que a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018) cria critérios específicos e mais rígidos para o tratamento de dados de saúde, classificados como “dados sensíveis”, justamente porque o uso de tais informações pode levar à discriminação e desencadear uma série de exclusões. O que afasta pessoas do acesso a serviços essenciais à preservação da vida e impede a fruição plena de direitos, como ao trabalho e à vida em comunidade.

O reconhecimento dos registros sobre saúde como dados sensíveis implica que estes devem estar submetidos a níveis de proteção e segurança maiores. No caso da proteção, deve haver limitações mais explícitas para evitar o abuso na coleta e no tratamento dessas informações.

A título de exemplo: pessoas com HIV têm direito à privacidade quanto à sua condição de saúde. No entanto, dados pessoais (incluindo nome dos pacientes, número de identificação, telefone, endereço, resultado de exames e outros) de 14.200 pessoas portadoras do vírus foram vazados na internet em Cingapura no ano passado.

É importante reforçar que o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6387, 6388, 6389 6393 e 6390, reconheceu a existência de um direito autônomo à proteção de dados pessoais.

Tal reconhecimento, argumenta Laura Schertel, professora adjunta de Direito Civil da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), implica que o Estado deve agir em dois sentidos: tem um dever de não interferir indevidamente no direito fundamental e um dever positivo de adotar medidas positivas para a proteção desse direito.

Uso de cobaias humanas e vazamento de 200 milhões

A violação de dados pode ser pior entre grupos tradicionalmente vulnerabilizados na política de saúde e historicamente explorados como “cobaias humanas”.

Pessoas negras, em particular, têm sido exploradas para pesquisas médicas ao longo da história, sendo um dos casos mais conhecidos o Estudo de sífilis de Tuskegee, nos Estados Unidos, no qual 400 homens negros com sífilis foram deixados sem tratamento (sendo enganados de que estavam sendo medicados) por 40 anos, de 1932 a 1972, para que médicos do governo pudessem estudar o curso da doença.

Fato do passado? Não. Em abril, declaração de médicos franceses que apontavam a possibilidade de testar vacinas de covid-19 na África reacendeu o debate.

As normas propostas na minuta para a nova Política Nacional de Informação e Informática em Saúde visam ampliar as formas de coleta de dados em saúde, no intuito de promover a “inovação” no setor.

Ou seja, o uso de dados para pesquisas e desenvolvimento de processos e produtos, sem problematização de qual o objetivo a ser alcançado: se a saúde integral, lucro ou os dois.

Um exemplo é o intuito de “estabelecimento de política de controle de acesso autorizado aos bancos de dados dos sistemas de informação em saúde pelo usuário, pelos profissionais e pelos gestores de saúde”, o que inclui o compartilhamento de dados com instituições privadas de saúde. Não se sabe se em caso de portabilidade de dados a pedido de paciente ou se seria o caso de livre fluxo de informações.

Foi exatamente através do compartilhamento de sistemas de gestão de dados pessoais em saúde entre poder público e privado que o vazamento do Hospital Albert Einstein ocorreu, por meio de um prestador de serviço de uma unidade privada cuja parceria com o Ministério da Saúde permitiu o acesso ao banco de dados do órgão.

Imagine esta possibilidade em cada hospital ou clínica do país caso haja uma integração da base de dados em saúde, como por meio da criação do prontuário eletrônico?

O vazamento mais grave divulgado nesta quarta (2) é outro exemplo a evidenciar o tamanho do problema. Se não fosse suficiente a preocupação com o tipo de informação e seu caráter sensível, a escala do acesso indevido (mais de 200 milhões de pessoas, segundo o jornal) já torna o episódio gravíssimo.

Quanto maior um banco de dados, mais ele atrai a atenção de agentes maliciosos que vão tentar invadi-lo, tornando a Rede Nacional de Dados em Saúde um alvo preferencial. Neste sentido, se não houver uma prioridade para as medidas de proteção de dados e segurança, o governo federal poderá estar expondo o conjunto da população brasileira a riscos de uso de informações preciosas, que poderão gerar prejuízos não contabilizáveis.

Acesso a dados pessoais de saúde atraem a indústria farmacêutica

Além das preocupações com a segurança dos dados de saúde e contra atividades criminosas, é fundamental compreender o valor dos dados de saúde para o mercado farmacêutico e a possibilidade de exploração privada, sem qualquer debate público e retorno aos objetos pesquisados em termos de acesso a tratamentos e serviços.

Nos Estados Unidos, o projeto Nightingale, conduzido pelo Google por meio de uma parceria com uma entidade controladora de 2.600 hospitais no país, a Ascension, gerou controvérsias. O apetite de grandes plataformas digitais e de empresas da área de saúde e de seguros por dados de pacientes é um exemplo do valor dessas informações para estas companhias, e de como tais registros podem ser empregados para a exploração comercial da saúde de cidadãos.

É urgente que o Ministério da Saúde assuma a responsabilidade pelos episódios, adote medidas imediatas de garantia da segurança dos bancos de dados existentes e reabra com a sociedade e com as entidades da área de saúde e de proteção de dados a discussão sobre a RNDS e acerca da PNIIS e normas associadas.

Até o momento não se tem informação do resultado da consulta pública e se haverá debates e audiências após a apresentação das propostas ajustadas.

*Jonas Valente é doutor em sociologia da tecnologia, professor de comunicação da Universidade de Brasília e integrante do Intervozes;
** Marina Pita é formada em comunicação social pela PUC-SP, pós-graduanda em direito digital na UERJ e coordenadora do Intervozes.

Fonte: Blog do Sakamoto

Assistência farmacêutica e vigilância em saúde, elementos centrais no SUS

Em artigo, o presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos*, a diretora de Organização Sindical, Debora Melecchi**, e o médico Jorge Bermudez*** alertam para a necessidade de as instituições do Estado colocarem a defesa da vida como prioridade máxima.

No Brasil, que se aproxima de 200 mil vítimas da COVID-19, a Defesa da Vida e das instituições garantidoras do Estado Democrático de Direito seguem como prioridades máximas.

Com elas, ganham força e centralidade as urgências de grande parte da população e a defesa da soberania nacional, questões só possíveis de serem enfrentadas com forte protagonismo do Estado e amplo diálogo social.

Conter a pandemia é a urgência número 1.

Tornou-se não apenas uma questão sanitária, mas também uma questão econômica e social.

Por isso, o fortalecimento do SUS público, integral e universal tornou-se imprescindível, bem como o engajamento da sociedade na necessária tarefa de combater a pandemia.

Compreender o que nós, brasileiros, instituímos como SUS é fundamental.

Afinal, os “antissistemas” que tomaram de assalto o poder também têm o SUS como alvo, e o autoritarismo como ferramenta de garantia de seus interesses. Isso está expresso hoje na predominância da lógica de curar a Covid-19 em detrimento das ações preventivas ao SARS-COV2.

Denúncias ocupam diariamente os noticiários e as páginas da mídia.

Elas não se relacionam apenas à pandemia atual. São agravadas pela omissão e descaso de autoridades.

Há kits diagnósticos prestes a expirar em depósitos centralizados sem distribuição a estados e municípios.

A vacina está sendoespeculada pelo mercado financeiro e pelo mercado da política.

Enquanto isso, a pandemia se agrava.

Os leitos hospitalares estão com ocupação maior do que no início da pandemia.

A população ocupa os espaços coletivos irresponsavelmente, espelhando o exemplo de autoridades que insistem em negar a Ciência e a Medicina, bem como minimizar a característica coletiva da Covid-19 e suas consequências.

Na contramão dos interesses da sociedade, a submissão do governo federal aos interesses do trumpismo, o isolamento de parceiros habituais e o alinhamento com blocos fora do eixo natural, como foi o caso recente na OMC, e as críticas reiteradas a parceiros comerciais importantes, como a China, compõem um cenário que acirra ainda mais nossa dependência externa e comprometem interesses sociais.

A imagem que o mundo tinha da diplomacia brasileira e dos avanços em conquistas sociais e em direitos humanos são substituídos por surpresa diante das posições formais que o Brasil adota em foros internacionais.

Em que pese as restrições orçamentárias, o desfinanciamento, o desmonte de políticas públicas efetivas e o aumento de demanda, cresce o respeito pelo SUS em todas as camadas da população.

O SUS é muito mais do que filas nos hospitais ou centros de saúde.

O SUS é a resposta às necessidades de saúde durante a pandemia do novo coronavírus.

O SUS é o resgate de vítimas dos recentes desastres de Mariana e Brumadinho.

O SUS também inclui os procedimentos de alta complexidade, transplantes, atenção oncológica de excelência.

O SUS é a produção de medicamentos e vacinas pelas instituições públicas que orgulham o Brasil e os profissionais de saúde.

O SUS é o acesso a tecnologias de saúde e o respeito aos direitos humanos, na busca por eliminar as desigualdades presentes em um país continental como o Brasil.

A defesa da vida está na essência do SUS.

Nosso SUS é uma proposta política ousada e única no mundo, que envolve a saúde como direito de todos e dever do Estado, que leva em consideração princípios éticos como a integralidade, a universalidade e a gratuidade.

Entretanto, é engano pensar que gerir o SUS é apenas a gestão financeira de recursos para a atenção.

Além da luta incessante por recursos adequados e de chegar na atenção, temos que pensar no que foi e ainda é a construção desse modelo e que obrigatoriamente engloba a Ciência, Tecnologia e Inovação.

Assim como a assistência farmacêutica e a vigilância em saúde não são ações coadjuvantes. São elementos na essência desse sistema, tal o grau de complexidade e complementaridade que o mesmo envolve.

A importância do SUS e de seu caráter público ficou mais evidente ainda no enfrentamento da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus.

A atuação nessa situação de emergência em saúde de caráter nacional e internacional conta com profissionais de saúde preparados e comprometidos em todas as frentes, na atenção básica, na assistência farmacêutica, na vigilância em saúde, na alta complexidade e em tantas atividades de prevenção, proteção e recuperação da saúde de nossas populações.

Mecanismos de solidariedade necessários nesses momentos em que as desigualdades ficam mais evidentes são assegurados pela participação social e pelo comprometimento com populações negligenciadas e vulneráveis.

Somente através do SUS é possível desenvolver um processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise de dados e disseminação de informações sobre eventos relacionados à saúde, visando ao planejamento e à implementação de medidas de saúde pública para a proteção e promoção da saúde, prevenção e controle de riscos, agravos e doenças.

É inaceitável a completa falta de coordenação das ações de vigilância em saúde, a ponto da principal fonte sistematizadora de informações hoje sobre saúde seja um consórcio privado de meios de comunicação.

A lógica do medicamento como insumo essencial para as ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto individual como coletivamente, e a garantia do direito ao acesso e uso racional jamais ficaram tão evidentes como nesse momento.

Apesar disso, vacinas, kit diagnósticos, testes e outros medicamentos são apropriados por mercadores de interesses alheios às necessidades de saúde da população brasileira.

Mas é fundamental lembrar — isto está na lei 13021/14 — que é responsabilidade do poder público assegurar a assistência farmacêutica, segundo os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, de universalidade, equidade e integralidade.

Ao mesmo tempo, a Ciência, Tecnologia e Inovação, a incorporação de tecnologias e nossa soberania nacional não são mecanismos complementares, mas elementos essenciais na luta por assegurar melhores condições de saúde e de vida a nossa população.

O Brasil foi pioneiro em mostrar ao mundo que um país de renda média pode falar em acesso universal e igualitário, na produção pública de insumos essenciais e no desenvolvimento do complexo econômico e industrial de saúde.

Também pioneiro em utilizar os mecanismos que o arcabouço jurídico internacional nos permite para colocar os interesses sociais antes dos  comerciais, os interesses coletivos antes dos individuais.

Precisamos voltar a sonhar que é possível construir um país mais justo para nossas futuras gerações.

Defender o SUS é defender a vida, o Brasil precisa do SUS!

*Ronald Ferreira dos Santos é prersidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), farmacêutico do CIATox-SC e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

**Jorge Bermudez é pesquisador da ENSP/Fiocruz. Foi membro do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do Secretário-Geral das Nações Unidas.

***Debora Melecchi é diretora da Fenafar e coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do CNS

Fonte: Viomundo