Nicolelis: não há dúvida de que a variante do coronavírus já se espalhou pelo Brasil

O médico e neurocientista Miguel Nicolelis alertou, em entrevista ao canal de CartaCapital no YouTube nesta quarta-feira 27, sobre os perigos da disseminação de uma variante do novo coronavírus identificada no estado do Amazonas e que é potencialmente mais transmissível.

 

 

Segundo o professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, as cenas de drama registradas em Manaus, com a falta de oxigênio em hospitais e o avanço da Covid-19, podem se reproduzir em outros estados e municípios brasileiros. Nas últimas 24 horas, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o Brasil registrou 1.283 mortes pela doença e 63.520 novos casos. O total de vítimas fatais chegou a 220.161.

“Começa a colapsar uma grande cidade como Manaus, mas nós estamos em uma corrida de dominó em que os colapsos serão mais rápidos que a nossa capacidade de dar conta desses pacientes, que não terão para onde ir. Essa é a grande preocupação que nos motivou, no fim do ano passado, a sugerir que o Brasil deveria fazer um lockdown, como o Reino Unido”, afirmou. “Evidentemente é a única maneira de fazer as taxas de transmissão caírem, ainda mais devido à existência de uma nova variante que, não tenho a menor dúvida, já se espalhou pelo Brasil todo”.

“A lógica demonstra que, uma vez que você detecta uma nova variante em um país altamente conectado como o Brasil, pela malha aeroviária e rodoviária, ela já se espalhou”

A boa notícia, segundo o especialista, é que os imunizantes já disponíveis demonstram o potencial de oferecer proteção também contra as novas variantes. Já há resultados preliminares, por exemplo, que indicam que as vacinas da Moderna e da Pfizer neutralizam essas cepas, ainda que com uma intensidade menor. “Ambas já estão promovendo pesquisas para criar um reforço, para adicionar algo à vacina, para aumentar esse fator de neutralização. Não é criar uma vacina nova, mas é parecido com o que acontece anualmente quando precisa mudar o perfil da vacina de gripe, porque o vírus muda no mundo, aparecem variantes”.

Na entrevista a CartaCapital, Nicolelis também reforçou que não existem tratamentos precoces contra a Covid-19 e que recebe, diariamente, relatos de médicos sobre pessoas que morreram pelo uso indevido da cloroquina e de outros medicamentos defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro e por seus apoiadores. “Pessoas que chegam com parada cardíaca irreversível ou que morreram em casa, porque usaram um remédio que não efeito nenhum”, afirma Nicolelis. “Ao contrário, tem um efeito colateral letal”.

Defensor de um lockdown para reduzir os índices de propagação do novo coronavírus no Brasil, o neurocientista aponta que o País carece de líderes capazes de “mostrar para as pessoas que ainda não entenderam, que não têm acesso à informação correta, qual é o preço a ser pago pelo Brasil se nós não fizermos o que precisa ser feito”.

“As pessoas estão cansadas, as pessoas não têm meios de ficar em casa. É neste momento que você precisa de estadistas, que entendam o que é liderar uma Nação, tirar uma Nação de um estado de guerra, porque as consequências a longo prazo da perda de centenas de milhares de vida… As pessoas não têm a menor ideia.”

“E, se nós tivermos colapsos funerários em diferentes partes do País, como pode acontecer em Manaus e Porto Velho, nós podemos multiplicar essas perdas por três, quatro vezes a longo prazo”.

Assista à íntegra da entrevista com Miguel Nicolelis:

 Publicado em 01/02/2021 Fonte: Carta Capital

A covid expõe o apartheid sanitário global

Por trás da falta de vacinas, as três leis trágicas da Big Pharma. Não pesquisar doenças de pobres. Patentes, para elitizar os tratamentos. Desencorarjar países de produzir remédios e vacinas. Há alternativas — nenhuma sob lógicas capitalistas. Leia arigo de François Polet

 

 

Apesar da retórica sobre os bens públicos mundiais, a corrida pelo acesso às vacinas contra o coronavírus evidencia novamente a desigualdade entre as nações no mercado farmacêutico. Além da covid-19, o problema se manifesta em três se manifesta de três formas: no subfinanciamento da pesquisa em doenças tropicais; no sistema de direitos de propriedade intelectual que exclui países em desenvolvimento dos resultados da pesquisa do Norte Global; e na dilapidação das capacidades de pesquisa e produção dos países mais pobres.

Grande alívio na Europa: as primeiras doses da vacina contra a covid-19 estão serão aplicadas. O debate público se concentra sobre os desafios logísticos… e sobre a liberdade individual, sobretudo num setor da população que desconfia de um produto elaborado sob condições extraordinárias. Essa preocupação, comum nos países ricos, se contrapõe às questões dos países pobres, onde a disponibilidade das futuras vacinas está longe de ser uma realidade em futuro próximo. A penúria nesses locais não está desconectada da abundância no Norte: por meio de acordos bilaterais com os laboratórios que abrigam, os governos ocidentais reservaram os primeiros bilhões de doses que serão produzidas: capazes de vacinar várias vezes suas populações.

Lançada em abril pela «aliança da vacina» (GAVI), em associação com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Fundação CEPI1 (1), a plataforma COVAX (Covid 19 Vaccines Global Access) procura ultrapassar a lógica do “cada um por si” destacando as contribuições dos Estados (são mais de 180 que ingressaram na iniciativa) para sustentar a pesquisa e a produção de um grande número de doses de vacinas, para negociar os melhores preços possíveis com a indústria e garantir uma distribuição mais justa das doses entre países e no interior de seus territórios. A Covax estabeleceu um mecanismo de co-financiamento, pelos países ricos, de um bilhão de doses, que serão reservadas aos 92 países mais pobres, em nome do princípio segundo o qual “ninguém estará em segurança até que todo o mundo esteja seguro”. Embora seja muito cedo para avaliar a inciativa Covax, que tem o mérito de existir, já se tornou evidente que sua eficácia será reduzida pelos acordos prioritários que os países rigos assinam em paralelo, com os laboratórios. O montante monetário envolvido nestes compromissos é muitas vezes maior que as somas destinadas por estas mesmas nações ao dispositivo COVAX.

Essa desigualdade no acesso aos medicamentos é apenas um pequeno sintoma de uma posição globalmente desvantajosa dos países do Sul Global na ordem farmacêutica internacional. As origens das dificuldades desses países pobres no acesso aos produtos médicos e farmacêuticos essenciais em matéria de saúde pública são bem conhecidos. Elas tem sido objeto de numerosos relatórios e declarações dentro das organizações internacionais nos últimos 30 anos. As dificuldades manifestam-se em três níveis: na falta de investimento, em escala mundial, na pesquisa em doenças que atingem principalmente os países do Sul Global; na existência de um sistema de patentes que limita as possibilidades de acesso dos países do Sul aos medicamentos; e, ainda que algumas patentes expirem, há a incapacidade de produção dos medicamentos nos países mais pobres.

As doenças tropicais negligenciadas

A OMS soou o alarme em 2003: no mundo, menos de 10% da pesquisa médica dedica-se às doenças que totalizam 90% da mortalidade. Junto das mais conhecidas (malária, tuberculose e hanseníase, encontramos também doenças mais negligenciadas, como a kala-azar/calazar (leishmaniose visceral), a doença do sono (tripanossomíase africana) e a doença de Chagas (tripanossomíase americana), que afetam os países em desenvolvimento mais pobres. Os bilhões de dólares investidos todos os anos na pesquisa e desenvolvimento (P&D) farmacêuticos em todo o mundo são orientados pelos laboratórios para doenças que afetam indivíduos cobertos por planos de saúde (públicos ou privados) com base financeira para pagar valores cada vez mais elevados. A impossibilidade de reduzir as margens de lucro abaixo da escala das exigências de seus acionistas desvia as grandes empresas de farmacêuticos de atender as necessidades de países com orçamentos de saúde limitados.

O problema foi muitas vezes levantado no contexto da Assembleia Mundial da Saúde, órgão decisório da OMS. Desde 1974, esse órgão pede ao diretor geral da OMS para “intensificar as atividades de pesquisa da organização sobre doenças tropicais e para aumentar o esforço para obter mais recursos extra-orçamentarios para esse fim2. Uma resolução que se transformou no ano seguinte na criação do “programa de pesquisa e de formação relativo às doenças tropicais”, com um duplo objetivo: concentrar-se em novos métodos de luta contra essas doenças que sejam, ao mesmo tempo, aplicáveis, aceitáveis e financeiramente suportáveis para os países em desenvolvimento e reforçar a capacidade desses países de colocar em prática, por si mesmos, essas novas técnicas. Ainda que esse programa tenha permitido avanços, sua amplitude limitada não foi suficiente para inverter a tendência: entre 1975 e 2000, de 1400 medicamentos “inovadores” (novas moléculas que obtêm novas autorizações de entrada no mercado), apenas 13, aproximadamente 1%, são dedicadas ao tratamento das doenças tropicais3.

No inicio dos anos 2000, o tema das doenças tropicais suscitou um renascimento de interesse pelo tema, no contexto dos “objetivos do milênio para o desenvolvimento e a emergência do paradigma da saúde pública mundial4 (global health). Em meio à difusão da AIDS, e depois do Ebola, o desenvolvimento de doenças nos países do Sul foi visto como um “risco global”, enquanto novas formas de intervenção, novos atores (ONGs e fundações) e novos modos de financiamento (parcerias público-privadas) prosperaram e reconfiguraram o campo da saúde publica mundial. Dotada de um orçamento maior que o da OMS, da qual ela se torna o segundo financiador, a Fundação Bill e Melinda Gates é um ator central nessa mutação. Sob seu incentivo ou sua participação foram lançadas sucessivamente a Aliança da Vacina (GAVI) (2000); o Fundo Mundial contra a AIDS, malária e tuberculose (2002); a Unitaid (2006); o Consorcio sobre Doenças Tropicais Negligenciadas (2007) e outros.

Combater o sistema de patentes

O aumento dos recursos permitiu avanços notáveis no combate à muitas doenças tropicais negligenciadas. Entretanto, a arquitetura da ordem sanitária internacional não foi questionada. O método preferido pelos empresários da saúde mundial consiste em obter mais poder diante das empresas farmacêuticas com base no volume de recursos que conseguem reunir. Este procedimento não questiona as regras do mercado dos medicamentos e a lógica das patentes que condicionam a pesquisa e o desenvolvimento. De uma forma mais convincente, a “Drugs for Negligected Diseases Iniciative”, lançada em 2003 pelos Medicos sem Fronteiras, o Instituto Pasteur e quatro institutos de pesquisa de países em desenvolvimento (India, Brasil, Quênia e Malasia) e apoiada pela OMS, contribuiu, durante os anos 2010, para ampliar as capacidades autônomas de pesquisa e produção do Sul Global, fora do perímetro das “Big Pharma”. No conjunto, entretanto, a influência muito invasiva da Fundação Gates, que pressiona na definição das prioridades das parcerias público-privadas, e na canalização de grandes quantidades de auxilio publico ao desenvolvimento, enfraqueceu os processos decisórios democráticos, principalmente a Assembleia Geral da Saúde, que deveria governar as políticas internacionais de saúde publica.

A solução estrutural para o subfinanciamento crônico da pesquisa sobre doenças tropicais reside em dissociar o custo da pesquisa e o preço dos medicamentos5. Redigido em 2012, um relatório importante da OMS sobre as fontes de financiamento em pesquisa e desenvolvimento “de interesse dos países em desenvolvimento” propõe o embrião de um sistema que transformaria a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em Saúde num bem público mundial6. A peça-mestra deste mecanismo seria definir objetivos de investimento público para a pesquisa em escala nacional e internacional, indexados ao PIB dos países. Essa regra de financiamento pelos Estados deveria, de acordo com os organizadores do relatório, ser articulada a um mecanismo internacional de coordenação comandado pela OMS e gerido por uma convenção internacional juridicamente impositiva.

O sistema de patentes não é apenas um freio à P&D das doenças endêmicas dos países pobres. Ele também limita drasticamente o acesso desses países aos tratamentos que resultam da P&D relacionada às doenças que afetam igualmente os países do norte – como a AIDS ou a covid-19. Na virada do milênio, a luta dos países em desenvolvimento pelo acesso aos antirretrovirais gerou um grande conflito Norte-Sul. A polêmica estavam em como interpretar o princípio da flexibilização, que os países ricos haviam aceitado incluir no acordo sobre os direitos de propriedade intelectual da OMC (adotado em 1995), e que deveria implicar em exceções no regime de monopólios de mercado, em situações de emergência sanitária. Nesses casos, abria-se, aos países em desenvolvimento, a possibilidade de produzir tratamentos antes que expirassem suas patentes.

Vinte anos mais tarde, numa repetição dessa história, os países industrializados acabaram de recusar uma demanda da Índia e da África do Sul, apoiadas por um grande número de países pobres, para que se permitisse aos membros da OMC bloquear aplicação de certas disposições do Acordo sobre os TRIPS (Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual que se referem aos Comércio, na sigla em inglês). Esta flexibilidade estaria aberta quando se tratasse da “prevenção, contenção ou tratamento7 da covid-19. Apesar das posturas e da retórica sobre os bens públicos mundiais, os lideres dos países ricos mantêm sua preferência por opções, como a iniciativa COVAX, que preservem a arquitetura atual, em que a busca pelo lucro ocupa o centro do sistema sanitário mundial.

Para uma maior soberania sanitária

Um terceiro desafio reside nas capacidades nacionais de produção de medicamentos nos países em desenvolvimento8. Ainda que um país como a Índia tenha se tornado o primeiro fabricante mundial de medicamentos genéricos, notadamente antirretrovirais (80% da produção mundial), a maioria dos países mais pobres depende totalmente do mercado mundial para sua provisão de remédios. Essa situação é o produto da decadência/desmonte das políticas nacionais de apoio à fabricação de medicamentos que se seguiu às crises econômicas e financeiras dos anos 1980 e 1990. Ela deriva de uma doutrina que durante muito tempo prevaleceu nas organizações internacionais de desenvolvimento e, em particular na OMS, de acordo com a qual somente as cadeias de valor internacionais poderiam garantir a esses países a disponibilidade de medicamentos de qualidade a um preço viável.

O colapso dos circuitos de abastecimento que se dá com a covid-19, em particular em relação às drogas exportadas pela índia, contribui a uma tomada de consciência. Muitos dos responsáveis pelos sistemas sanitários no Sul Global dão-se conta da necessidade de avançar para uma forma de “soberania sanitária”, a partir do reinvestimento tanto nos sistemas nacionais de P&D, quanto na apropriação das tecnologias e nas capacidades de produção. Essa mudança inscreve-se numa nova reflexão sobre o desenvolvimento, iniciada há cerca de 15 anos e que traz à baila a ideia de “politica industrial”. A coordenação e o compartilhamento dos avanços tecnológicos em escala internacional deveriam ser associados aos esforços de construção das políticas nacionais que permitam reduzir a dependência dos países pobres em relação aos principais centros de produção mundial. O auxílio público ao desenvolvimento tem um papel importante nesse tema, com a condição de estar alinhado a uma estratégia nacional baseada num consenso político interno.

1A Coalizão pelas inovações em matéria de preparação às epidemias foi criada em 2017 para financiar a pesquisa sobre novas vacinas contra agentes infecciosos [emergentes].

2Assembleia mundial da Saúde (1990), Programa especial de pesquisa e de formação relacionada às doenças tropicais (TDR): Progressos realizados na pesquisa e transferência de tecnologia aos serviços nacionais de saúde.

3R. Brauman , « Maladies négligées et maladies oubliées », Conférence donnée lors du Forum de l’Université « Santé/Droits de l’homme », MSF, 6 février 2003.

4C. Baxerres, F. Eboko , « Politiques, acteurs et dynamiques à l’ère de la Global Health », Politique africaine, 2019, vol. 156, n° 4.

55. G. Velásquez, « Vers une recherche sans brevets », Le Monde diplomatique, avril 2013.

6Assemblée mondiale de la Santé, « Rapport du groupe de travail consultatif d’experts sur le financement et la coordination de la recherche-développement », 2012, Organisation mondiale de la Santé, Genève.

7« Members discuss intellectual property response to the Covid- 19 pandemic », 20 octobre 2020, OMC, www.wto.org

8F. Polet, « Covid-19 au Sud : face au nationalisme vaccinal, l’enjeu de la souveraineté sanitaire », 2020, www.cetri.be.

Fonte: Outras Palavras –
Por François Polet, no Centro Tricontinental (CETRI) | Tradução: Vitor Costa

Petição pública: CNS intensifica mobilização para garantir recursos para o SUS

O orçamento do governo federal para 2021 deve ser definido nas próximas semanas pelo Congresso Nacional. Diante disso, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) intensifica a mobilização junto a sociedade para garantir que o piso emergencial para o enfrentamento da pandemia seja mantido na Lei Orçamentária Anual (LOA). A petição pública “O SUS merece mais em 2021!” se aproxima da marca das 600 mil assinaturas e segue recebendo assinaturas até a data da votação. 

 

 

Sancionada no dia 31 de dezembro de 2020, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) teve perda de recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS) em relação a 2020. A mobilização do controle social também pretende garantir mais orçamento para a saúde por meio de emendas parlamentares. 

“É impossível fazer tudo o que precisa ser feito esse ano sem esses recursos extras. Precisamos garantir que os parlamentares analisem e votem a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021, definindo para o Ministério da Saúde um piso emergencial enquanto um orçamento mínimo no valor de R$ 168,7 bilhões”, destaca o presidente do CNS, Fernando Pigatto.

O orçamento mínimo citado por Pigatto corresponde ao montante da LOA 2020 adicionados os créditos extraordinários e as variações anuais do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e da população idosa. “Se esse recurso não existir, a situação da saúde do povo brasileiro vai ficar ainda pior. A vida do povo brasileiro está em jogo”, reforça o presidente do CNS

O Congresso Nacional instalou no dia 10 de fevereiro a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), formada por deputados e senadores, para analisar o Orçamento de 2021. A previsão é de que a votação final no Congresso Nacional ocorra em 24 de março. 

O prazo para que deputados e senadores apresentem emendas ao texto vai até 1º de março. Cada parlamentar poderá apresentar emendas individuais impositivas ao Orçamento no total de R$ 16.279.986, divisível em até 25 sugestões, todas de execução obrigatória.

Histórico 

No dia 6 de agosto, o CNS lançou a petição pública e em setembro fez a primeira entrega, com 52 mil assinaturas, ao Ministro da Saúde Eduardo Pazuello e à Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 na Câmara dos Deputados. No dia 15 de dezembro, o CNS entregou ao então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, um documento do CNS e da Frente Pela Vida em defesa do Orçamento adequado para o SUS em 2021. Até o dia 19 de fevereiro, a petição já somava mais de 584 mil assinaturas. 

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2021 retoma as regras da Emenda Constitucional (EC) 95/2016,  que congelou investimentos em saúde e demais áreas sociais até 2036, o que aprofunda o desfinanciamento progressivo do direito à saúde garantido na Constituição Federal de 1988.  

O CNS já demonstrou que houve perda de R$ 22,5 bilhões a partir de 2018 até 2020, quando as novas regras de cálculo do piso da EC 95/2016 passaram a valer. Os efeitos negativos da EC 95/2016 estão presentes no gasto em Saúde por pessoa, que caiu de R$ 594,00 (em 2017) para R$ 583,00 (em 2019). O cálculo em porcentagem da receita corrente líquida também caiu de 15,77% para 13,54%, e só estamos no terceiro ano posterior à aprovação deste dispositivo que vem prejudicando gravemente as políticas sociais.

Será ainda mais grave a situação de 2021 sem recursos suficientes para a aquisição de insumos e vacinas para toda a população brasileira e enfrentando o desabastecimento de oxigênio e de medicamentos em diversos estados. Há ainda a necessidade de atenuar a demanda reprimida de 2020, decorrente do adiamento de cirurgias eletivas e exames de maior complexidade, bem como das consequências da interrupção do tratamento de doenças crônicas.

Assine pela manutenção do piso emergencial no valor de R$ 168,7 bilhões para o SUS

Fonte: CNS

“Manaus está dizendo para o Brasil: ‘Cuidado, sou você amanhã'”, alerta Nicolelis

O neurocientista Miguel Nicolelis, um dos principais nomes da pesquisa científica do país e coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, criado para traçar estratégias de combate à covid-19, é contundente ao afirmar que o país está entrando na pior fase da pandemia e defende lockdown nacional imediato, e a criação imediata de um Comitê Nacional Emergencial de Manejo da Pandemia, independente do Ministério da Saúde.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Nicolelis afirma que prognósticos negativos feitos no fim do ano passado já se confirmaram logo nas primeiras semanas de 2021. Para ele, somente um lockdown nacional imediato e ações coordenadas entre os governantes de todas as regiões do país impediriam o Brasil de chegar a um cenário ainda mais trágico do que o vivido na primeira onda de proliferação do coronavírus. 

Com a quebra de recordes semanais no número de contaminações e taxas de internação ascendentes em todas as regiões, o Brasil está entrando na pior fase da pandemia. Neste contexto, o caos trágico vivido pela população de Manaus (AM) com a falta de oxigênio e de leitos de UTI pode, rapidamente, ser a realidade vivida em nível nacional.

“Quando se espalha isso para o país, gera-se um caos que nunca tivemos em nossa história. Por isso que estamos extremamente preocupados. Manaus está dizendo para o Brasil: ‘Cuidado, eu sou você amanhã’. Alertando a todos os prefeitos e governadores brasileiros que essa situação pode acontecer, sim, em qualquer lugar do país e já está começando a acontecer”, afirma Nicolelis.

O especialista advoga pela criação imediata de um Comitê Nacional Emergencial de Manejo da Pandemia, formado pelos governadores, pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de centralizar e unificar o enfrentamento ao vírus e lidar com todas as negociações diplomáticas e políticas necessárias para a aquisição de insumos e vacinas.

Para ele, não há dúvidas de que o Brasil deveria seguir o exemplo do Reino Unido e da Alemanha e adotar o lockdown nacional, já que o isolamento social é comprovadamente a medida mais eficaz para barrar a transmissão.

“Se tomarmos essa atitude e governantes, prefeitos, governadores ouvirem a ciência e os exemplos que funcionaram, inclusive no Brasil, ainda conseguimos reduzir o impacto dessa nova onda. Estamos na fase ascendente, ainda dá. Mas tem que acontecer para ontem”.

Confira a entrevista na íntegra.

No fim do ano passado, o senhor tinha falado sobre a equação brasileira: caso o Brasil não entrasse em um lockdown nacional, não daríamos conta de enterrar nossos mortos. Estamos próximos de encerrar o mês de janeiro e não tomamos medidas mais duras de combate à pandemia. O que os dados recentes nos mostram? Esse diagnóstico tende a se confirmar?
Miguel Nicolelis –
 Creio que ele já está se confirmando. Estamos vendo uma sincronização completa do país. Diferentemente da primeira onda, todos as regiões nesse momento estão tendo crescimento de casos, óbitos e taxas altamente preocupantes de internação, que é um fator fundamental para se levar em conta. Como os hospitais de todas as regiões brasileiras estão chegando à sua capacidade de limite. 

Apesar das tentativas de criar novamente leitos de UTI ou leito de enfermaria estarem sendo realizadas, continuamos a ter taxas crescentes em vários lugares. Temos já a repercussão do colapso de Manaus ocorrendo em outras cidades da região Norte e de outras regiões do Brasil.

Aqui mesmo, em São Paulo, tivemos municípios que ficaram sem oxigênio, tiveram todos os leitos ocupados. No sul de Minas Gerais, por exemplo, existem vários municípios que estão com taxas acima de 90% ou com 100% de ocupação.

Tanto nosso boletim do dia 18 de de dezembro quanto o do começo do ano confirmam as previsões que foram feitas.

É possível que esse crescimento nos leve para o cenário mais grave da pandemia, em condições nunca antes vistas? Estamos há duas semanas quebrando recordes em relação ao número de novos casos de covid-19. 
Exatamente. A minha preocupação e a do Comitê Científico é exatamente essa, que possamos estar entrando em uma segunda fase ainda pior que a primeiro. Por isso eu fiz o alerta nas minhas redes sociais e estou falando com interlocutores em todo o Brasil.

Veja a situação do Mato Grosso do Sul, que passou quase que ileso nos primeiros meses da pandemia e hoje olhamos para Campo Grande e vemos problemas seríssimos. A mesma coisa no interior do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, que na primeira onda tiveram alguns meses de atraso e pouparam o sistema hospitalar desses estados e municípios. E hoje vemos uma situação muito grave em Porto Alegre, em várias cidades de Santa Catarina, com a curva de mortes crescendo rapidamente.

E, ao mesmo tempo, reencontramos os crescimentos de casos no Nordeste que tinha tido uma queda importante por conta dos lockdowns que foram feitas nas grandes áreas metropolitanas. A única região do Brasil que fez lockdowns de uma maneira realmente bem organizada desde o início.

Outros fizeram depois, mas no começo foi o Nordeste que deu essa linha de atuação. E já se vê, com exceção do Maranhão, os outros oito estados tendo um crescimento muito grande de casos. Taxas de internação aumentando no interior e na capital, o que também é diferente da primeira onda, que começou na capital e levou três meses para se espalhar no interior.

Tudo isso é muito preocupante e leva os cientistas do Brasil a fazerem seus alertas.

Estamos falando, então, de um cenário de colapso da saúde nacional que pode ser seguido também por um colapso funerário?
Isso. Por isso nossa preocupação desses colapsos se espalharem pelo país todo. No momento em que você começa a não ter onde colocar pacientes graves e os pacientes começam a falecer em casa, nas ruas ou a caminho dos hospitais em ambulâncias, se perde o controle da situação.

E se evolui, como temos o grande risco em Manaus, de a qualquer momento termos uma capacidade ultrapassada de lidar com as vítimas, é uma coisa trágica. É muito duro pra gente falar isso. Fico extremamente condoído de ter que levantar essa questão e trazê-la a público.

Mas no momento em que se perde a mão de dar vazão, de não conseguir enterrar os mortos, porque não tem lugar, não tem gente e não tem recursos para isso, se gera outros tipos de infecção e outros tipos de crises concomitantes, paralelas, que vão só aumentar o problema.

Quando se espalha isso para o país, gera-se um caos que nunca tivemos em nossa história. Por isso que estamos extremamente preocupados. Manaus está dizendo para o Brasil: Cuidado, sou você amanhã. Alertando a todos os prefeitos e governadores brasileiros que essa situação pode acontecer sim em qualquer lugar do país e já está começando a acontecer.

Como avalia a resposta dada ao caos de Manaus, tanto pelo governo federal quanto pelo estadual?
Ela é inadequada, não leva em conta a gravidade do que aconteceu nessa cidade. É uma cidade enorme, no meio da floresta Amazônica, com dificuldades logísticas claras, que mostrou um cenário que pode se alastrar rapidamente.

Veja bem: todos os estados estão tentando ajudar Manaus recebendo pacientes, o que é algo que tem que ser feito porque essas pessoas não podem ficar abandonadas. Temos que ajudar nossos irmãos e irmãs da região Norte.

Mas, se começamos a ter colapsos de hospitais em outras regiões, para onde esses pacientes serão levados? Como lidar se os próprios estados que estão recebendo estão em situação de alerta e não têm vagas suficientes de UTI?

Veja o caso de Recife, de Pernambuco, onde as taxas de internação estão crescendo. Já passaram os limites que o Comitê Científico do Nordeste definiu desde maio do ano como necessários para o lockdown.

E os efeitos dos lockdowns foram ótimos. O de São Luiz foi muito bom, o de Fortaleza, da grande Recife, de João Pessoa também. Maranhão está até hoje com número baixo de casos e óbitos. Estamos falando de seis meses e Maranhão conseguiu segurar graças a um lockdown bem feito. Temos que levar isso em conta.

O cenário é trágico, grave, e pode virar trágico a nível nacional. Já é trágico com 212 mil mortos, é uma coisa inaudita, você não consegue nem acreditar quando lê.

Mas agora estamos correndo um risco de desencadear outros colapsos. Colapsos de insumos, funerário, sociais, econômicos, em decorrência da resposta inadequada ao primeiro colapso que é o do sistema de saúde.

Diante da atuação do governo federal, qual diferença fez a atuação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste no combate à pandemia na região?
Foi um dos primeiros comitês científicos a serem criados no país. Acredito que os efeitos foram claros. Daqui a poucos dias vamos ver que a região Nordeste vai ser ultrapassada pela região Sudeste em termos de casos por 100 mil habitantes e pela região Sul em termos de óbitos a cada 100 mil habitantes.

O que isso significa? Que a região Nordeste vai ser a melhor das cinco regiões brasileiras de dois indicadores essenciais de mensuração da pandemia. Eu credito parte dessa resposta positiva que ninguém esperaria no começo da pandemia, todo mundo falou que seria um desastre o que aconteceria no Nordeste por todo histórico que conhecemos, e na realidade o Nordeste está a poucos dias de ser a melhor região de manejo da pandemia.

Só que, como sempre falo pros meus alunos, pros amigos e colegas, não podemos sentar nos louros. Não podemos acreditar que, porque foi muito bem até agora, que não pode piorar rapidamente. Precisamos continuar fazendo o que a ciência preconiza.

O aumento dos índices de isolamento social, como está sendo feito na Grã-Bretanha, na Alemanha, em toda a Europa para combater a segunda onda, precisa voltar pro centro da agenda brasileira.

Mesmo que a gente consiga fazer uma vacinação em massa a partir de hoje, o que eu não acredito, levarão meses para que possamos ter uma resposta epidemiológica populacional com o número de casos caindo.

Não podemos arrefecer, não podemos deixar de fazer o que deu certo e sabemos que deu. Podemos provar numericamente.

Tudo isso precisa voltar para o centro da agenda política. Os cientistas tem consenso nisso. A situação brasileira está sendo analisada no mundo inteiro. A Universidade de Oxford, que é uma das mais respeitadas do mundo, concordou plenamente que o Brasil precisa de um lockdown nacional. Isso precisa voltar ao debate da agenda política. 

 

A imunização com as doses da CoronaVac foram iniciadas em todo o país. Como o senhor avalia o próximo período, tendo em vista a necessidade dos insumos importados e da postura do governo federal, não só na questão da aquisição das vacinas, mas como um todo? O processo fluirá bem ou terá ainda mais percalços?
Essas dificuldades de logística já eram do nosso conhecimento. Nós sabíamos que poderíamos enfrentar crises e por isso, desde o início, e agora com maior ênfase a partir dos dois últimos boletins, propusemos que todos os governadores deveriam se unir e criar um Comitê Nacional Emergencial de Manejo da Pandemia, independente do Ministério da Saúde, para lidar com todos esses problemas de insumos e negociações com outros países que de certa maneira foram ofendidos pelo governo federal e que hoje se sentem ressentidos do tratamento que tiveram, apesar de ajudar o Brasil continuamente.

Falo da China, que tem o poder de manter os insumos fluindo para o Brasil. E eu tenho certeza que os cientistas chineses e o governo quer ajudar, só que precisa lidar. Diplomaticamente é preciso ter um diálogo com esse governo que é vital para manter o fluxo de insumos na campanha de vacinação brasileira.

E para isso é preciso ter alguém que saiba fazer diplomacia e saiba lidar. Por isso sugerimos que os governadores teriam que criar um Comitê Nacional. Continuo batendo nessa tecla, porque sem isso não vamos conseguir equacionar a pandemia.

Dois dias atrás, o The New York Times fez um diagnóstico dos problemas que ocorreram nos Estados Unidos para estar o terror de hoje. Se você ler os cinco itens, é idêntico ao Brasil: falta de comando nacional, falta de mensagem única, a batalha de comunicação foi perdida porque não tinha um comando nacional para dizer o que tem que fazer,  o que é correto, o que é certo.

Falta de capacidade política de saber que a prioridade é a pandemia. Nos Estados Unidos, muitos comitês criados tinham mais pessoas da área de negócios do que cientistas. Isso aconteceu aqui também.

Tínhamos que estar ouvindo a comunidade científica diretamente em nível nacional. 

A venda de falsas terapias é outro item que causou drama nos Estados Unidos e aqui também, assim como a falta de uma mobilização sendo suficiente para o que estamos falando nesse momento, a campanha de vacinação.

Os Estados Unidos não se preparou e demorou para agir. E o Brasil também. Nós já devíamos ter um Plano Nacional de Imunização (PNI) consensual aprovado e aceito sem debate, sem nenhuma disputa. Deveria ter sido feito antes da vacina estar pronta. 

Devíamos ter apostado, como o Comitê Científico do Consórcio Nordeste recomendou, que todas as vacinas que forem aprovadas no Brasil com a fase 3 façam pare do arsenal. Isso é uma decisão clara que poderia ter sido feita meses atrás e ainda estamos debatendo essas coisas agora. 

O diagnóstico é claro, cristalino, não há dúvida do que foi feito errado. Só estou pedindo para que a gente não repita os mesmos erros pela segunda vez.

Muitos consideram que a aprovação do uso emergencial da vacina é o anúncio do fim da pandemia, o começo desse processo. Mas todo o cenário que o senhor traz nos mostra outro caminho, certo?

Primeiro é muito importante enfatizar que nenhum estado ou região isolado tem condição de sair da pandemia. Somos um país hiperconectado por vias rodoviárias, mar e aeroviária.

Não adianta o Nordeste estar muito bem e as regiões em volta explodindo. As pessoas vão migrar, levar novas variantes. É por isso que o Reino Unido agiu como um país e fechou, fechou o país inteiro. A Alemanha ontem, a primeira ministra, fez a mesma coisa. Ampliou o lockdown e não sair mais cedo.

Nem os estados e nem as regiões brasileiras são ilhas desconectadas do resto do país, por isso precisamos de uma ação nacional. Por isso tudo conflui para a mesma solução. Se já tivemos problemas enormes em uma primeira onda, imagine em uma segunda mais grave sem um comando nacional?

Toda resposta que eu der a você, preciso enfatizar que a solução passa pela criação de um comando nacional, mesmo que o Ministério da Saúde não queira. Os governadores têm poder suficiente para se reunir com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e criar essa forma de atuação e é o que nós precisamos.

O Brasil já deveria ter reativado os hospitais de campanha para combater essa “segunda onda” de contaminação? Não era o caso de os hospitais de campanha terem permanecidos abertos?
Muito provavelmente. Não estudei a fundo a dinâmica em diferentes lugares, mas muito provavelmente eles deveriam ter ficado abertos e eles têm que voltar em várias localidades. Veja o Rio de Janeiro, que nunca completou o cronograma de hospitais de campanha prometidos. Fez uma fração deles. 

Até dois dias atrás, o Rio de Janeiro estava com uma taxa de ocupação de UTI assustadora, com filas de espera. Em outros lugares onde os hospitais foram fechados, começamos a ter um refluxo de casos, e o sistema hospitalar estabelecido antes da pandemia não dá conta.

Tem um outro problema que ninguém está falando: acabou de sair na Europa alguns resultados e também nos Estados Unidos, que é o gigantesco número de casos de pacientes que tiveram covid, saíram do hospital e agora têm sequelas crônicas.

Para se ter uma ideia, na Grã-Bretanha, um terço dos pacientes que foram internados na primeira onda está voltando para os hospitais. E em um estudo com mais de 40 mil pessoas internadas na primeira onda versus 40 mil pessoas que não foram internadas, a mortalidade do grupo que foi internado é sete vezes maior do que a do grupo que não foi parar no hospital.

Estamos tendo uma tsunami, uma onda enorme de casos crônicos com sequelas gravíssimas — respiratórias, cardiovasculares, neurológicas — que aqui vão buscar auxílio no Sistema Único de Saúde (SUS).

Mas, ao mesmo tempo, estamos tendo a onda aguda de casos desse segundo repique que chega ao mesmo hospital em busca de um leito ou de uma UTI. 

Estamos dobrando, ou mais, multiplicando várias vezes a demanda por serviços hospitalares. Isso sem contar doenças comuns, pacientes que não podem operar, não podem fazer diálise ou quimioterapia.

É por isso que a situação, na minha opinião, é nesse momento mais grave. Só a vacinação não resolve. Vai demorar vários meses para diminuir as taxas de infecção.

No início da semana, a Fiocruz publicou um estudo retratando o caso de uma mulher de 29 anos que tinha contraído o coronavírus em março e agora — no fim do ano, depois de ir a uma confraternização em dezembro — foi reinfectada, mas pela nova variante localizada no Amazonas. Ela tinha os anticorpos contra o vírus, mas ainda assim foi infectada. O que isso nos mostra? Esse caso é simbólico do que pode acontecer em larga escala no Brasil? 
É mais um alerta que tem que ser levado em conta. É preocupante, não temos dados em grandes números, eu pelo menos não vi nenhum estudo epidemiológico claro, tanto da variante britânica, da sul-africana, quanto agora tem uma da Califórnia, que acabou de ser descoberta, e uma de Manaus.

São estudos de sequenciamento, acabaram de descobrir que são variantes, diferente das cepas que tínhamos circulando, mas não temos ainda o impacto claro delas. Então sempre tento falar sobre assuntos que têm estudos comprovados para podermos avaliar, mas é uma preocupação, sem dúvida nenhuma. 

Temos que ficar de olhos abertos. Por isso, em novembro passado, eu pedi publicamente que o espaço aéreo brasileiro fosse fechado para voos da Europa. A variante inglesa já estava se espalhando e ela é 70% mais infectante, transmite mais fácil.

Mas o vírus que está circulando no Brasil em larga escala, seja qual for a cepa, é o que está matando as pessoas já. 

Não temos um estudo decisivo imputando à nova variante o que aconteceu em Manaus e não acredito que foi ainda. Não tenho os dados.

Acredito que foi uma grande circulação pela falta do uso de máscara, da abertura das escolas, pela perda do isolamentos social. Essa é a primeira hipótese.

Claro que há estudos que a Fiocruz e outros grupos de pesquisa estão fazendo. Mas havia um estudo que saiu afirmando que Manaus tinha atingido um alto nível de porcentagem e que não ia acontecer mais, que a imunidade de rebanho tinha sido atingida, o que não é verdade. Só ver os números e o que aconteceu agora. Não precisa ser especialista.

E não é só Manaus. É Amapá, Rondônia… Cidades do interior com ocupação de UTIs crescendo de forma importante. Roraima, a mesma coisa. A região Norte está nos mostrando que a situação de gravidade está evoluindo.

Um outro exemplo é Ilhéus, uma cidade grande no sul da Bahia. Por causa das festas em Porto Seguro, naquela região próxima da costa, Trancoso, um ponto da elite brasileira, fez com que Ilhéus, há poucos dias, alcançasse uma taxa de ocupação próxima de 100%.

Uma cidade em volta que está recebendo o caso de toda a região porque o número de leitos de UTI em Porto Seguro e Trancoso, por exemplo, é quase nulo. Muito pequeno. Os casos migram para as regiões onde há leito de UTI. Estamos vendo esse movimento por todo o Nordeste. 

Considerando as mutações e as incertezas sobre elas, ainda temos tempo de reverter o caos que estamos vivendo? Se de fato um lockdown nacional fosse proclamado, um plano nacional de isolamento seria possível frear o avanço da pandemia?
Sim. Conseguimos fazer. A boa notícia é essa. Nos casos onde o lockdown ocorreu, ele funcionou. No mundo todo, inclusive no Brasil. Ainda dá tempo de frear e quebrar a transmissão do vírus rapidamente, principalmente nos lugares onde tem entroncamentos rodoviários, onde tem transmissão pela malha rodoviária e aeroviária.

O estado de São Paulo é um caso claro. O interior está com números altíssimos e vai confluir pra cidade.

A boa notícia é que já fizemos lockdowns com sucesso no Brasil, isolamento rígido, e eles funcionaram.

A outra boa notícia é que nós aprendemos com a primeira onda. Os nossos médicos aprenderam a tratar os casos graves. Estamos conseguindo ter uma redução, nem que pequena mas importante, da letalidade nos hospitais.

Mas isso tem que ser posto em prática com outras medidas. Não se ganha uma pandemia com leitos de UTI. Temos que ter, mas a transmissão não acaba ali. A transmissão tem que acabar na casa das pessoas, nas regiões de trabalho, aglomerados que ocorrem naturalmente por todas as atividades econômicas que voltaram a acontecer no Brasil, em certo lugares caóticos.

Mas a esperança é essa. Se tomarmos essa atitude e governantes, prefeitos, governadores ouvirem a ciência e os exemplos que funcionaram, inclusive no Brasil, ainda conseguimos reduzir o impacto dessa nova onda. Estamos na fase ascendente, ainda dá. Mas tem que acontecer para ontem.

A politização da gestão da crise e essa corrida pela vacina são elementos colocados como agravantes do cenário que encontramos hoje. Acredita que os políticos responsáveis por essa tragédia serão responsabilizados de alguma forma, nem que seja pelo que ficará registrado na história?
Posso te dar um exemplo histórico de 1918, da pandemia de Influenza, de gripe, que matou milhões de pessoas mundo afora. Em vários países do mundo, o registro histórico marcou pra sempre a carreira dos gestores que minimizaram, ignoraram ou não deram bola ou até, na época, porque os Estados Unidos estavam na 1ª Guerra Mundial, censuraram a disseminação das notícias sobre a pandemia da época.

Não tenho a menor dúvida de que com os meios de comunicação, com toda a capilaridade da internet e tudo o que temos em termo de disseminação de notícias, isso vai entrar para a história.

As pessoas que minimizaram essa crise, por inépcia ou incompetência, ou puro desejo de não ajudar porque querem contribuir para o caso, vão ter seus nomes escritos nas portas dos fundos da história e vão sim ser responsabilizados no futuro. E assim deveria ser no mundo todo.

Todo esse contexto trouxe à tona o debate sobre um possível impeachment de Bolsonaro, que voltou a ocupar a agenda política. Acredita que com a possibilidade desse afastamento, de fato, haveria uma mudança da curva da pandemia?
Meu objetivo é salvar vidas. Trabalho voluntariamente há dez meses, 24 horas por dia focado nisso. Larguei tudo que eu fazia porque o meu objetivo é salvar o maior número de vidas de brasileiros nessa pandemia.

O que for feito para melhorar a gestão nacional e o controle federal dessa pandemia, eu sou a favor. Temos que tomar pé da situação e agir com responsabilidade.

Eliminar o discurso de fake news, a ideia de que existem terapias preventivas. De tudo que tiver que ser feito para salvar vidas, eu sou favorável.

Evidentemente o Brasil tem uma pandemia e todo um pandemônio no país do ponto de vista institucional e político. Mas essa não é a minha seara, que é a científica. Eu tenho claro o que precisa ser feito para o Brasil sair dessa crise mais rapidamente possível.

A criação de uma comissão nacional, com apoio do Congresso, dos governadores e do Supremo Tribunal Federal seria o primeiro passo para começarmos a pensar a saída dessa crise. 

Fonte: Brasil de Fato

Carta ao povo brasileiro: Vacina para todos, Auxílio emergencial, Recursos para o SUS e Fora Bolsonaro

Fenafar e outras entidades divulgam carta em defesa da vacina para todos, pelo retorno do auxílio emergencial, por mais recursos para o Sistema Único de Saúde e pelo impeachment de Jair Bolsonaro. Leia na íntegra:

O Brasil iniciou o ano de 2021 submetido a uma dramática crise política, econômica, sanitária e social. Chegamos a 210 mil mortes por Covid-19 em meio a medidas frouxas de isolamento social, descoordenação entre as esferas de governo, desorganização, incompetência e boicote aberto do Governo Federal. Todos assistimos estarrecidos à negligência e à naturalização por parte de Bolsonaro e Pazuello diante das mortes evitáveis na cidade de Manaus por falta de cilindros de oxigênio.

Enquanto as campanhas de vacinação já se iniciavam no mundo no início de dezembro de 2020, o governo brasileiro insistia no “tratamento precoce” para a Covid através do uso de Hidroxicloquina, Ivermectina, Azitromicina etc. No entanto, é amplamente conhecido que as melhores evidências científicas desaconselham o uso dessas medicações contra a doença devido à sua ineficácia.

Após 1 mês de atraso do início da vacinação em nosso país, há uma grande insegurança se toda a população será vacinada. Com a disponibilidade imediata de apenas 6 milhões de doses da vacina Coronavac, a perspectiva de vacinar 2,8 milhões de pessoas (duas doses) na primeira fase cobriria apenas metade dos profissionais de saúde ou 0,5% dos idosos – que dirá para os demais grupos prioritários. Logo no Brasil, país com uma tradição centenária na produção de vacinas na Fiocruz e no Instituto Butantan, e com quase 50 anos do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Essa insuficiência de doses de maneira imediata é de responsabilidade do Ministério da Saúde e do presidente Jair Bolsonaro, o qual a todo momento demonstrou desprezo à ciência e colocou-se contrário à vacinação. Devido ao atraso nas negociações e ao voto do Brasil contra a quebra de patentes das vacinas na Organização Mundial do Comércio, o Governo Federal enfrenta dificuldades para importar doses e insumos da China e da Índia.

Graças ao Sistema Único de Saúde (SUS), patrimônio do povo brasileiro, milhares de vidas foram salvas. No entanto, trabalhadores da saúde que estiveram na linha de frente sofreram na pele a falta de equipamentos de proteção individual (EPI’s) e contratos de trabalho precários, torcendo para não ficarem doentes sem receber salário.

Além do seu subfinanciamento crônico, desde 2018 o SUS perdeu R$ 22,5 bilhões devido à Emenda Constitucional (EC) 95. Para o ano de 2021, não foram renovados os créditos extraordinários aprovados em 2020 durante a pandemia, restando ao Ministério da Saúde apenas R$ 123,8 bilhões. O Conselho Nacional de Saúde, por meio de petição pública, recomenda que o orçamento da saúde para este ano tenha um piso de R$ 168,7 bilhões.

Somado a isso, deterioram-se as condições de vida da população. Encerramos 2020 com 14 milhões de desempregados, 24,7% da população na linha da pobreza e 6,5% na extrema pobreza. Mesmo com o povo empobrecido, sem condições de se isolar em casa devido à pandemia, o Governo Federal cortou o auxílio emergencial de R$ 600,00.

Assim, temos diante de nós quatro importantes tarefas imediatas para enfrentar a crise atual:

  • Fortalecer a Campanha Nacional de Vacinação: Se depender apenas do Governo Federal, não serão realizadas campanhas publicitárias de massa para que a população se vacine. Além disso, é necessário que sejam disponibilizadas 450 milhões de doses para a vacinação de toda a população ao longo do ano de 2021;
  • Retorno do auxílio emergencial de R$ 600,00: O auxílio deve retornar de maneira imediata para amortecer os efeitos da crise sobre a vida dos brasileiros e para estimular medidas de isolamento social para conter a disseminação do coronavírus;
  • Garantir mais recursos para o SUS: Defendemos a revogação da EC 95, que poderia ser viabilizada por meio da PEC 36, tendo em vista a tributação dos super-ricos (IRPF lucros e dividendos). De imediato, a extensão do decreto de calamidade pública em 2021, aprovado no STF, impele a necessidade em flexibilizar as regras fiscais, como meio para evitar o recrudescimento da crise sanitária e social;
  • Impeachment de Jair Bolsonaro: A postura do presidente do Brasil diante da pandemia representa crime de responsabilidade e genocídio. Os ataques às instituições da República, como ao STF e ao Congresso Nacional, colocam a democracia em risco.É necessário que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, abra o processo de Impeachment de Bolsonaro. Devemos pressionar os 513 deputados federais do país a se posicionarem favoráveis à saída do mandatário do país.

21 de janeiro de 2021.

Assinam esta nota:

-Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres)
-Associação Brasileira de Médicos e Médicas pela Democracia (ABMMD)
-Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
-Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (ABRATO)
-Associação Brasileira Rede Unida
-Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)
– Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar)
-Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP)
-Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)

CNS pede que Ministério da Saúde retire publicações sobre tratamento precoce para Covid-19

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) encaminhou, na noite de terça-feira (19/1), o ofício nº 17/2021/SECNS/MS ao Ministério da Saúde pedindo a revogação de qualquer instrumento (nota técnica, nota informativa, orientações, protocolos ou ofícios) que incentive o uso de medicamentos para Covid-19, sem eficácia e seguranças comprovadas e aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

 

 

O presidente do CNS, Fernando Pigatto, destaca que desde o início da pandemia o Conselho tem se posicionado contrário à indicação de qualquer medicamento para tratamento da Covid-19 sem eficácia comprovada. “O que foi reafirmado pela Anvisa, em coletiva no último domingo (17/1), durante o anúncio das vacinas. Portanto, estamos orientando por ofício que sejam revogadas toda e qualquer publicação do MS que orientem o tratamento precoce”, destaca Pigatto. 

O documento leva em consideração a nota informativa nº 17/2020- SE/GAB/SE/MS com orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19, incluindo a indicação de dosagem de medicamentos como Difosfato de Cloroquina, Azitromicina e Sulfato de Hidroxicloroquina. 

A conselheira nacional de Saúde, Débora Melecchi, coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (Cictaf) do CNS, explica que até o momento não existe qualquer evidência científica de medicamentos para tratamento da Covid-19, precoce ou não. “Ao contrário disso, existem estudos comprovando que a cloroquina, a ivermectina e a azitromicina são completamente ineficazes para o tratamento da Covid-19, precoce ou em si”, explica a conselheira. 

Débora também ressalta que além de revogar as normativas é fundamental que o governo garanta o fomento financeiro, de contatos e resolva questões diplomáticas para garantir a chegada dos insumos farmacêuticos para que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Butantan produzam as vacinas necessárias para a população brasileira.

Distribuição de hidroxicloroquina 

O ofício cita que, em entrevista coletiva concedida na segunda-feira (18/01), o ministro Pazuello afirmou que o Ministério da Saúde (MS) não orienta “tratamento precoce”, tão pouco medicamentos off-label, sem validade clínica comprovada para tratamento da Covid-19, mas orienta sim o “atendimento precoce”, ou seja, o acolhimento em unidades de saúde aos pacientes desde os primeiros sintomas da doença.

No entanto, a distribuição do medicamento hidroxicloroquina aos Estados para o tratamento da Covid-19, fica explícita na resposta da Advocacia Geral da União (AGU) à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 756 do Supremo Tribunal Federal (STF). 

De acordo com a ADPF,  o Ministério da Saúde “deliberou pelo envio de uma comitiva à cidade de Manaus, logo após o início do ano de 2021, para que pudesse haver análise pormenorizada das providências a serem tomadas juntamente com os gestores estaduais e municipais recém-empossados”. E como conclusões apontou que “há deficiência na resolutividade da atenção primária, por não estarem utilizando as orientações de intervenção precoce para Covid-19, conforme orientações do MS”.

A ADPF nº 756 detalha: o  “envio pelo Ministério da Saúde de medicamentos para Covid em janeiro de 2021: 335.000 cápsulas de Oseltamivir; 120.000 comprimidos de Hidroxicloroquina”.

Riscos do uso da Cloroquina e Hidroxicloroquina 

No mês de maio de 2020, o CNS publicou uma nota alertando sobre os riscos do uso da Cloroquina e Hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. O Conselho se posicionou contrário ao documento do MS com orientações para tratamento medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19.   

Entre os argumentos, o colegiado destacou a ineficácia apontada pelas pesquisas do uso desses medicamentos em pacientes com Covid-19. “Na verdade, as pesquisas vêm demonstrando o surgimento de graves e fatais efeitos indesejáveis, incluindo problemas cardíacos. Aqui estamos nos referindo a publicações em revistas renomadas como a The New England Journal of Medicine, JAMA, The BMJ 1 e The BMJ 2”, detalhou o documento.

Também apontou que a prescrição nos casos leves da Covid-19, “pode levar a situações onde, caso desenvolva um efeito colateral grave, o paciente não tenha tempo de ser devidamente atendido, podendo evoluir para um óbito que seria evitado sem o uso do medicamento”.

Acesse aqui o ofício nº 17/2021/SECNS/MS

Fonte: SUSConecta – foto Getty Images/BBC News Brasil

Abrace a Vacina: lançada a campanha para incentivar a população a se vacinar

Com objetivo de disseminar entre a população informações sobre a segurança e eficácia do imunizante para à Covid-19, foi lançada nesta segunda-feira (18/1) a campanha Abrace A Vacina. Promovida pelos Direitos Já! Fórum pela Democracia e pela Frente pela Vida, a campanha já conta com a adesão de mais de 200 entidades. A Fenafa e o Conselho Nacional de Saúde (CNS), como membros da Frente Pela Vida, estãoentre os apoiadores da iniciativa.

 

 

A urgência para que a população seja informada pelo governo federal sobre a vacinação e o combate às fake news foram os principais desafios apontados no evento. 

O presidente do CNS, Fernando Pigatto, falou que a aprovação para uso emergencial das vacinas CoronaVac e AstraZeneca, no domingo (17/1), representa a vitória da ciência e da vida sobre o negacionismo genocida. No entanto, para que ela chegue para toda a população é preciso fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) . “Exigimos mais vacinas e já, para todos e todas. Nós, do CNS, abraçamos a vacina. Abrace a vacina você também!”. 

Pigatto reforçou também a mobilização pela garantia do orçamento emergencial neste ano, com a petição pública O SUS merece mais em 2021, que conta com cerca de 600 mil assinaturas. A decisão sobre o orçamento deve ocorrer em fevereiro, na volta do recesso parlamentar. 

Assine pela manutenção do orçamento do SUS em 2021

A presidenta da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo, que no ato virtual estava representando a coordenação da Frente Pela Vida, reforçou que a vacinação é um ato coletivo. “Essa pandemia tem nos ensinado que a saída não é individual, mas sim, coletiva. Se todos se vacinarem, todos vão ganhar. É um gesto de cidadania e de solidariedade”. 

O coordenador do Direitos Já!, Fernando Guimarães, falou sobre o objetivo de se alcançar a imunidade coletiva e, por isso, o grande desafio será informar aqueles que se mostram reticentes à vacina. “Temos que dialogar com todos os setores da sociedade, principalmente os que estão receosos com a vacinação por conta da influência das fake news. Vamos trazer informações técnicas, com a participação de artistas, esportistas, profissionais da saúde, religiosos entre outros”. 

Manifesto: Quem ama, vacina. Abrace essa ideia

Durante o lançamento foi lido o manifesto “Quem ama vacina, abrace essa ideia”. O documento destaca a experiência brasileira com o Plano Nacional de Vacinação. “O Brasil possui capacidade histórica de produzir vacinas, e sempre foi considerado referência mundial pelas diversas campanhas de imunização em todo o complexo território nacional”. O manifesto também ressalta a série de problemas de planejamento do governo federal e a importância do SUS, que tem dado a resposta necessária nesta pandemia, mesmo sofrendo constantes ataques de desmonte e desfinanciamento.

O ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão falou sobre a experiência acumulada no país nas grandes campanhas de vacinação. “Teremos vacinas, nós temos todas as condições de infraestrutura necessária para fazer diferente. E, para isso, esse movimento vai ser extremamente importante. Abraçar a Vacina, Vacina Já, para todos!”. 

O médico e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Gonzalo Vecina chamou a atenção para a urgência do governo federal de informar a população sobre a vacinação. De acordo com ele, não existiu nenhuma campanha de vacinação no Brasil, até hoje, que não foi precedida da informação oficial de esclarecimento. “Nós temos vacina? Temos! Sabemos vacinar? Sabemos vacinar! O que é que falta? Falta gente para vacinar. Temos que disseminar a notícia de que nós vamos vacinar”, destacou. 

O manifesto foi produzido pelo grupo técnico da campanha formado por Adriano Massuda, Lúcia Souto, Regiani Nunes, Mônica de Bolle, José Gomes Temporão, Helena Petta, Gulnar Azevedo, Fernando Pigatto, Eduardo Jorge e Anderson Marques.

Outras manifestações

O lançamento virtual contou com a presença de 36 convidados, entre artistas, profissionais da saúde e líderes religiosos. Confira algumas manifestações: 

“Tenha confiança no que diz a ciência e pesquisadores de todo o mundo. Tenha confiança na vacina. Que Deus nos ajude a vencer esta pandemia a partir da ciência e da fé, que inspira solidariedade”, arcebispo da arquidiocese de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo. 

“Com as vacinas, creio que Deus começa a transformar nosso pranto nacional em bênçãos. Deus e a ciência gostam de dançar juntos pela vida e pela saúde. É momento de agradecer: graças a Deus”, pastor batista da Comunidade Caverna, em São Paulo, Levi Araújo

“A única garantia que temos de acabar com a pandemia e o único tratamento preventivo que há contra a Covid chama-se VACINA”, economista. Pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University, Mônica de Bolle

“A ciência conseguiu em um curto espaço de tempo vacinas para enfrentar a pandemia mais grave da história recente. Mas não basta ter a vacina, a população precisa ir à unidade de saúde ser vacinada, e isso não é uma tarefa só do movimento sanitário”, médico sanitarista e professor do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Adriano Massuda.

“Vacina é amor, é saúde, é liberdade, é vida. Eu me protejo e te protejo”, presidente da Associação de Produtores Teatrais do Rio Eduardo Barata.

Fonte: SUSConectas

Fenafar e outras entidades lançam a campanha Abrace a Vacina

O Direitos Já! Fórum pela Democracia e a Frente pela Vida lançam a campanha “Abrace a Vacina” com o objetivo incentivar a população a se vacinar contra o novo coronavírus (Covid-19). A Federação Nacional dos Farmacêuticos integra a Frente pela Vida, está engajada na iniciativa, que também é endossada pelo Conselho Nacional de Saúde. O CNS convoca todas as entidades que integram o controle social da Saúde para participarem ativamente, assim como os membros dos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde. 

 

 

A campanha, que será lançada oficialmente no dia 18 de janeiro, às 15 horas, reunirá importantes organizações da sociedade civil, personalidades e especialistas em saúde pública. O grande desafio será informar setores da sociedade que se mostram reticentes à vacina, muitas vezes, influenciados pelas chamadas fake news.

A Covid-19, doença de altíssimo contágio, atingiu quase 90 milhões de pessoas em todo o planeta, com quase 2 milhões de mortes, segundo dados oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, são mais de 8 milhões de casos e mais de 205 mil mortos, atingindo o segundo lugar no ranking mundial de óbitos na pandemia. 

A campanha, criada voluntariamente pela sociedade civil, buscará unir organizações de todo o país em torno da grande resposta dada pela ciência para enfrentar a pandemia do século, a vacina. A ideia é incorporar cidadãos e cidadãs que abraçarão essa ideia em defesa da vida. Muitas dessas pessoas são formadoras de opinião em suas áreas de atuação e assumem esse ato de amor ao próximo.

“Vacinar-se é um ato solidário, de amor e de responsabilidade de todas e todos em prol da sociedade. Nós, do Conselho Nacional de Saúde, abraçamos a vacina e nos engajamos nessa campanha que defende o Sistema Único de Saúde e a vida de toda a população brasileira”, destaca o presidente do CNS, Fernando Pigatto.

Serão utilizados todos os meios e plataformas de comunicação com informações necessárias ao esclarecimento da população e divulgação das peças que serão produzidas com conteúdo criado por uma equipe técnica altamente capacitada que envolve médicos e outros profissionais da saúde, ex-ministros da saúde, pesquisadores e presidentes de entidades ligadas à área da saúde, além de comunicadores especializados.

Acompanhe ao vivo o evento de lançamento: https://youtu.be/lmnCM07rux8

Sobre o Direitos Já! Fórum pela Democracia:

O Direitos Já! Fórum pela Democracia é uma iniciativa da sociedade civil em defesa dos valores fundamentais expressos na Constituição Cidadã. Conta com 9 mil cidadãos, de todo o país, mobilizados em defesa da democracia, entre eles representantes de amplos setores da sociedade civil e, em caráter suprapartidário, diversas lideranças políticas do país.

Atua como observatório em defesa da democracia e dos seus princípios fundamentais, promovendo permanente articulação, diálogo e mobilização da sociedade.

Lançado oficialmente em setembro de 2019, o Direitos Já! é coordenado pelo sociólogo Fernando Guimarães. O grupo já promoveu vários debates presenciais e virtuais com participação de personalidades do Brasil e do exterior.

Sobre o Frente pela Vida:

A Frente pela Vida é fruto da articulação das entidades científicas da Saúde Coletiva e Bioética, Conselho Nacional de Saúde (CNS) e entidades nacionais da ciência, tecnologia, imprensa e educação superior e surgiu no cenário da sociedade civil para destacar o papel central do Sistema Único de Saúde (SUS) e das demais políticas públicas sociais na resposta à epidemia de Covid-19. Teve seu marco inicial a Marcha pela Vida, realizada em 9 de junho de 2020, quando mobilizou a adesão de mais de 600 organizações e culminou com a entrega do seu primeiro Manifesto à parlamentares. Na sequência, construiu coletivamente com demais entidades científicas da saúde uma proposta diante da falta de respostas efetivas do governo federal: o Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 e, em dezembro, lançou a campanha O Brasil Precisa do SUS. 

Da redação com SUS Conecta

Falta de coordenação dificulta estratégia de vacinação contra covid-19

Chefe do Departamento de Saúde Coletiva da UEL, Marselle Nobre de Carvalho, diz que eficiência de planos de imunização vai depender de fatores que variam conforme países, mas ausência de política centralizada é maior problema no Brasil.

 

 

Com os números da covid-19 novamente em alta no Brasil e a expectativa do início da vacinação ainda em janeiro, o país se depara com definições importantes diante da expectativa de volta à vida “normal” – que, passados dez meses desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia, deve ainda demorar mesmo com as imunizações. Vacinas de quais laboratórios serão usadas? Deve-se priorizar grupos de risco e profissionais de saúde para imunização em duas doses ou ampliar a população vacinada com a primeira dose? Haverá estratégia nacional ou é cada estado por si?

Para Marselle Nobre de Carvalho, chefe do Departamento de Saúde Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina (UEL), não há como dizer nesse momento qual estratégia é mais eficiente, porque a realidade de cada país vai variar conforme três fatores: disponibilidade dos imunizantes no mercado internacional, capacidade produtiva própria e logística (nesse quesito, o tamanho da população, é óbvio, tem grande influência). O certo é que, na opinião da especialista, o horizonte estaria mais claro se todo o processo tivesse coordenação integrada e nacional, o que não aconteceu em nenhuma etapa da pandemia.

É possível dizer qual das estratégias de vacinação contra a covid-19 é a mais eficiente?
No mundo todo, foram desenhadas cinco estratégias e as vacinações começaram em dezembro. Temos pouco mais de 50 países com processos em curso e já temos casos de países que começaram com uma estratégia de vacinação e mudaram, caso do Reino Unido. Não se trata de uma decisão simples de uma ou duas doses, há duas variáveis a serem consideradas: a capacidade de comprar essas doses, que é diferente entre os países, e a capacidade de produção dessas vacinas. Havia uma expectativa de produção global até o final desse ano de 2 bilhões de doses, sendo que o mundo tem 7 bilhões de habitantes.

Como está o Brasil nesses quesitos?
Já se fala que o Brasil pode se tornar um exportador de vacinas, pois o país tem uma grande capacidade instalada com o Butantan, a Fiocruz e outros laboratórios. A prioridade é o público interno, mas se houver excedente, o que deve ser difícil no primeiro momento, pode haver exportação. E além dessas duas variáveis que eu citei, há a questão importante da logística para garantir a distribuição dessas vacinas. Uma coisa é em Israel, que tem 9 milhões de habitantes; o Brasil tem 220 milhões. Países menores que o Brasil, como Argentina, Espanha e Costa Rica, têm priorizado grupos, por terem menos condições de comprar em volume maior, seja por não serem produtores, faltar disponibilidade no mercado global ou falta de poder de compra, ao invés de garantir a chamada vacinação universal.

Por essa capacidade produtiva que a senhora citou, o Brasil conseguiria fazer a imunização de forma mais rápida que outros países?
Conseguiria, se não tivéssemos um governo tão inábil. Teria de ser de forma escalonada, porque obviamente não haveria como fazer na velocidade que Israel está fazendo. A vantagem do Brasil é o sistema de saúde, parecido com o do Reino Unido. Lá, eles fariam a imunização da primeira dose em grupos prioritários e esperar 21 dias para a segunda dose. Isso mudou por várias questões, uma delas a necessidade de imunizar o maior número de pessoas o mais rapidamente possível diante da agressividade da nova variante. Vão ampliar a imunização em primeira dose, e a segunda ficou para um intervalo de 12 semanas. Ou seja, o país ganha tempo para comprar mais doses, de reforçar a estratégia usando o sistema púbico. O Brasil tem o SUS e o maior programa de imunização do mundo. Se nós usássemos a capilaridade do sistema, toda a estrutura de unidades de saúde, profissionais altamente qualificados e logística, teríamos condições de imunizar grande parte da população. O problema é que não temos coordenação central desde o começo da pandemia. Não podemos ter um planejamento com estratégias e datas de início diferentes por estado. Imagine São Paulo decidir aplicar a primeira dose para a população inteira, aí Paraná e Pará decidindo primeiro pelas duas doses (para grupos específicos), um começando com idosos e pessoas com comorbidades e o outro com profissionais de saúde. As pessoas circulam, não fechamos aeroportos, divisas entre estados, nada.

Então, voltando à pergunta inicial, realmente não há como saber qual seria a estratégia mais eficiente para o país…
Não dá para saber. Idealmente, se as vacinas fossem extremamente eficazes com a primeira dose, o que não é o caso, a estratégia de vacinar todo mundo em massa e aguardar o tempo da imunidade coletiva seria muito melhor. Nós só vamos saber na hora que os países adotarem estratégias diferentes e haver imunidade coletiva ou não, com redução de casos novos e internações ou não. Só saberemos com os novos capítulos dessa geopolítica das vacinas.

Fonte: Lume

As aranhas usam patas para ouvir? Por Renne Rodrigues e Marselle Nobre de Carvalho

Os farmacêuticos Renne Rodrigues e Marselle Nobre de Carvalho destacam neste artigo a importância da ciência e da pesquisa para o desenvolvimento de medicamentos e como o negacionismo pode trazer graves consequências para a vida das pessoas. Leia abaixo na íntegra.

Embora cruel, existe uma anedota que ilustra bem algumas situações. Conta a anedota que um menino desbravava o mundo da ciência. Certo dia, guiado pela ideia de que a aranha escuta pelas patas, decidiu fazer uma experiência, arrancando duas patas. O menino colocou-a no chão e disse para a aranha correr. Ela saiu correndo.

Como as aranhas têm cerca de quatro pares de patas, ele a pegou novamente e arrancou mais duas patas. Colocou-a no chão e mandou correr mais uma vez. Desengonçada, ela tentou fugir. Como sobravam patas, o menino pensou que ela ainda escutava. Então, arrancou as patas restantes, colocou-a no chão novamente e gritou: corre! Desta vez a aranha não correu e o menino concluiu que ela ouve pelas patas.

A ciência segue um longo caminho, com avanços e retrocessos, até que determinadas respostas possam ser consideradas válidas para a sociedade. O processo é, geralmente, lento e permite a reflexão. Quando se fala em testes de uso de medicamentos são necessários vários estudos com um mínimo de qualidade para que determinado produto ou tratamento seja aprovado. As agências internacionais não aprovam se não for comparado com placebo, placebo-ativo ou mesmo com o tratamento padrão disponível, o chamado grupo controle. 

Quando não há grupo controle corre-se o risco de o resultado seguir impressões dos autores e não a realidade. Um exemplo: uma amostra de 200 pacientes com gripe (influenza sazonal), com receita de uma maçã cortada em sete pedaços para ser ingerido um pedaço por dia durante sete dias. Ao final, é esperado que ao menos 120 ou 160 pacientes tenham total remissão dos sintomas, que um ou dois sejam internados e nenhum vá à óbito. 

O que se pode concluir desse experimento? Nada, mas o negacionista pode afirmar que a maçã cura gripe e falar que ela não mata. Na verdade, a gripe é causada por um vírus e tem remissão dos sintomas em cerca de sete dias e agrava-se em determinadas situações. E se esse raciocínio for usado para as terapias contra a Covid-19, que – como a gripe – é causada por um vírus?  

As evidências devem ser avaliadas à luz da ciência e não a partir da ingenuidade. Qualquer pesquisa que compare tratamentos para a Covid-19 (precoces ou hospitalares) precisa seguir normas éticas de pesquisa com seres humanos, analisada por cientistas da área de conhecimento e publicada por boas revistas científicas. É  importante analisar a produção científica como um todo e não se basear em um único estudo para tomar decisões clínicas. Por exemplo, existem artigos patrocinados pela indústria do tabaco que “indicam” os benefícios de fumar. O que isso quer dizer? Que são estudos falhos, porque existem 10.000 outros que comprovam o contrário. 

Esse processo é complexo e transferir para a população a responsabilidade de verificar a veracidade da informação científica é inadequado. Por isso, é necessário valorizar, cada vez mais, os relatórios técnicos de instituições comprometidas com a ciência, como Organização Mundial de Saúde, FIOCRUZ e Universidades, com destaque para a UEL, que tem realizado muitas pesquisas sobre o novo coronavírus e a Covid-19. 

A indicação e o uso de medicamentos para a Covid-19 devem se pautados em boas evidências científicas e estudos clínicos responsáveis. Esse processo deve ser comparado com um grupo adequado, balanceado e homogêneo, para evitar resultado sem valor científico. Que em 2021, consigamos ser um país melhor, mas para isso temos de escolher entre nos pautar pela ciência ou nas aranhas que usam as patas para ouvir.

*Renne Rodrigues é doutor em Saúde Coletiva (UEL), Marselle Nobre de Carvalho é doutora em Ciências Farmacêuticas (UnB). Ambos são farmacêuticos e professores do Departamento de Saúde Coletiva da UEL.