Bolsonaro veta indenização de R$ 50 mil a profissionais de saúde vitimados pela Covid-19

O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto de lei que previa pagamento de indenização de R$ 50 mil aos familiares de profissionais de saúde que atuaram no combate à pandemia provocada pelo novo coronavírus e morreram em decorrência da Covid-19. A proposta também concedia o benefício para os profissionais que ficarem permanentemente incapacitados após a infecção.

A indenização seria paga pelos cofres públicos federais a profissionais como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais, agentes comunitários, técnicos de laboratório e outros que atuam na área.

A mensagem de veto foi publicada nesta terça-feira (4) no Diário Oficial da União. O veto será analisado agora pelos deputados e senadores, em sessão conjunta a ser marcada. Os parlamentares poderão manter a decisão presidencial ou derrubá-la, tornando o projeto uma lei.

A proposta vetada tinha origem em projeto dos deputados Reginaldo Lopes (PT-MG) e Fernanda Melchionna (Psol-RS), aprovado no mês passado pela Câmara dos Deputados, com parecer do deputado Mauro Nazif (PSB-RO), e pelo Senado. O texto previa indenização de R$ 50 mil pela incapacitação ou óbito; a cobertura das despesas com funeral; e criava um adicional de, no mínimo, mais R$ 50 mil no caso de o profissional morto deixar dependentes com deficiência.

Para o presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, o veto é mais uma demonstração do total falta de compromisso deste governo com os trabalhadores e com a saúde pública. “Esse veto é mais um dos absurdos do presidente Bolsonaro. É a prova de que a política que o governo desenvolve é a da morte e não a da vida. É mais uma ação de total desrespeito com os profissionais que estão arriscando suas vidas para salvar a população. Vamos trabalhar para que o Congresso derrube esse veto desumano:, disse.

Cenário da pandemia é um dos piores do mundo

Na semana que o presidente veta o auxílio, o Brasil deve chegar à trágica marca de cem mil mortes pelo novo coronavírus. Em julho, o país liderou o ranking mundial, acumulando 32.919 vítimas fatais da pandemia. Também somos os dos países com mais mortes de profissionais de saúde. A categoria mais atingida é a enfermagem, que já perdeu ao menos 325 trabalhadores, segundo seu conselho federal.

Desde que o projeto do auxílio foi apresentado, o Ministério da Economia se manifestou contrariamente à sua aprovação do projeto, prevendo um impacto de R$ 1,7 bilhão a R$ 3,7 bilhões no orçamento da previdência social. O PL foi aprovado no último dia 14 e dependia da sanção presidencial.

Explicação

Bolsonaro afirmou que a legislação fiscal impede o pagamento da indenização. A lei que assegurou recursos para os estados e municípios enfrentarem o período de pandemia (Lei Complementar 173/20) proíbe a concessão de benefícios indenizatórios para agentes públicos.

O presidente também afirmou que o projeto não traz a estimativa dos gastos com a medida, como determina a emenda constitucional do teto de gastos (EC 95), e invade competência de outros entes federados.

Atestado médico

Por fim, o presidente informou que também decidiu vetar o dispositivo que dispensava o trabalhador de apresentar atestado médico, por conta da Covid-19, nos primeiros sete dias de afastamento do serviço.

Bolsonaro alegou que a redação aprovada pelos congressistas contém imprecisão técnica e está em desacordo com as regras para o período de isolamento social, previstas em portaria do Ministério da Saúde. O presidente lembrou que a medida anterior semelhante havia sido vetada por ele pelas mesmas razões.

Fonte: Da redação
Publicado em 04/08/2020

Estudo confirma ineficácia de hidroxicloroquina para tratamento de Covid-19

Maior estudo brasileiro do medicamento até o momento para medir a eficiência da hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 demonstrou, novamente, que o medicamento não tem efeito comprovado na melhora do quadro respiratório de quem tem o coronavírus e mostra maiores efeitos colaterais resultantes do fármaco.

 

 

O grupo, nomeado Coalizão COVID Brasil, conta com a participação do Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).

A pesquisa, que começou no dia 29 de março, foi realizada em 55 hospitais brasileiros, com 667 pacientes com quadros leves ou moderados, que precisavam de pouco ou nenhum oxigênio para a respiração. O estudo foi publicado nesta quinta-feira 23 na revista médica The New England Journal of Medicine.

Por meio de sorteio (ou randomização, como diz o termo científico), 217 pacientes receberam hidroxicloroquina, azitromicina e suporte clínico padrão; 221 apenas a hidroxicloroquina e o suporte clínico; e 227 não tomaram nenhum medicamento, recebendo apenas cuidados padrões.

Para analisar a eficácia do remédio, “a hidroxicloroquina foi usada durante 7 dias na dose de 400 mg a cada 12 horas e a azitromicina 500mg a cada 24h por 7 dias. O suporte clínico padrão foi de acordo com a equipe médica que assistia os pacientes, mas não poderia incluir hidroxicloroquina ou azitromicina.”, diz a nota de divulgação do estudo.

O resultado final crava que “a utilização de hidroxicloroquina ou azitromicina não promoveu melhoria na evolução clínica dos pacientes.”, e ainda acrescenta efeitos colaterais sentidos pelos pacientes que receberam o primeiro medicamento, que é comumente promovido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Tal análise se deve ao resultado final do status clínico de cada grupo analisado no final de 15 dias. Após esse período, já estavam em casa, sem limitações respiratórias, cerca de 69% dos pacientes que receberam hidroxicloroquina+azitromicina+suporte clínico; 64% dos que foram medicados com hidroxicloroquina+suporte clínico; e 68% dos que não tomaram nenhum dos dois antibióticos. A taxa de mortalidade foi aproximadamente de 3% em todos os grupos.

Foram percebidas alterações nos eletrocardiogramas e indicações de possíveis lesões hepáticas nos pacientes que receberam hidroxicloroquina, independente da combinação com a azitromicina, em comparação aos que tiveram suporte padrão sem medicamentos.

O estudo revelou os dados dos pacientes: a idade aproximada era de 50 anos, pouco mais da metade eram homens; 40% eram hipertensos, 21% diabéticos e 17%, obesos. Além disso, todos tinham sintomas de covid-19 há, no máximo, sete dias antes do início dos estudos.

Apesar de outros estudos também terem chegado à conclusão de que a cloroquina e suas variações não têm eficácia comprovada contra o coronavírus, os pesquisadores destacaram que os resultados não são aplicáveis a outras populações. “Para estes pacientes, é necessário aguardar estudos randomizados robustos em andamento.” Leia o release do estudo aqui.

O grupo tem, concomitantemente às análises feitas na eficácia da cloroquina, outras frentes de pesquisa sobre possíveis tratamentos da covid-19. Há mais estudos com a combinação hidroxicloroquina+azitromicina que envolvem casos mais graves, que necessitam de suporte respiratório, e que já têm 440 pacientes.

A outra avaliará a eficácia da dexametasona, medicamento anti-inflamatório, nos casos também graves de insuficiência respiratória com a utilização de ventilação mecânica. Nesta fase, são analisados 284 pacientes.

Fonte: Carta Capital
Publicado em 24/07/2020

O vírus rastreado. Pesquisa liderada por duas pesquisadoras é referência internacional

As pesquisadoras Jaqueline Goes e Ester Sabino lideram maior levantamento sobre o Sars-Cov-2 no Brasil. Ao todo, 102 cepas diferentes do vírus entraram no Brasil, mas só três delas se espalharam entre a população. Elas também foram responsáveis pelo sequenciamento do vírus que infectou o primeiro paciente no país diagnosticado por aqui, o que foi anunciado em 26 de fevereiro.

 

 

Elas chegaram a esta conclusão depois de sequenciar 427 amostras vindas de 21 dos 27 estados do país. É o maior sequenciamento brasileiro do vírus causador da pandemia já realizado até agora. O trabalho também identificou em 90% dos sequenciamentos uma mutação que pode ter um papel fundamental na maneira como ele se espalha.

“É uma mutação que apareceu na Itália e parece ter aumentado a capacidade de transmissão do vírus”, afirmou a médica Ester Sabino, líder brasileira do Cadde (Centro de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus), uma parceria entre o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, com a Universidade de Oxford, no Reino Unido.

O levantamento mostrou ainda que, em São Paulo, as transmissões se mantiveram estáveis — ou seja, a curva se manteve reta — nos últimos dois meses, desde que começaram as medidas de distanciamento social. Resta agora saber qual o impacto da gradual reabertura.

Além de contar em detalhes a história da pandemia no Brasil, os achados mostram como o vírus se comporta entre a nossa população e podem mostrar quais são as melhores maneiras de conter sua expansão. “Ainda tem muito para ser provado, mas a gente tem que continuar monitorando o vírus para ver se acontece algo que tem implicação nas coisas que fazemos, como diagnóstico e vacina”, diz Ester.

Uma maratona

O estudo é resultado de uma “maratona genética”. O termo é uma brincadeira que a pesquisadora Jaqueline Goes faz para descrever a maneira como ela e equipe trabalham para conseguir levantar o maior número de dados em um curto período de tempo. Ela foi deflagrada no início de março, depois do sequenciamento da primeira amostra de vírus, realizada em 48 horas, o que ganhou destaque pela rapidez.

Elas contam que o feito não é incomum entre a equipe e que elas já estavam preparadas para isso. Em janeiro, embora estivessem dedicadas a análises de um outro microorganismo que começava a fazer vítimas no Brasil, o arenavírus, causador de febre hemorrágica, já estavam em alerta.

Ester soube dos primeiros casos na virada do ano, pelo Twitter e por informes da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Fiquei bastante preocupada já no início porque o vírus estava se espalhando muito rapidamente. Muitos colegas achavam que ele não chegaria aqui, mas eu já estava assustada”, lembra.

Além de compartilhar da preocupação, Jaqueline tinha outra: conseguir os insumos necessários para fazer as testagens assim que os primeiros casos chegassem no país. Para isso, começou a fazer cotações e a encomendar os primers (testes) específicos para coronavírus. “Era Carnaval, as pessoas estavam na rua e eu fiquei apreensiva: será que vai chegar?”. Chegou.

“Quando decidimos continuar sequenciando, trabalhamos muito, ficamos noites no laboratório. Depois a equipe começou a demonstrar cansaço, não dava para manter a rotina de virar a noite, voltar para casa, dormir só um pouquinho. Então, diminuímos o ritmo, mas estabelecemos metas semanais. O trabalho que concluímos faz um rastreamento da epidemia em todo o país, mostra o comportamento do vírus e suas consequências para nossa população.”

Currículos de estrela

O desempenho da dupla ganhou um destaque que elas não esperavam. “Eu nunca dei tantas entrevistas na vida. Não esperava que seria assim”, diz Ester, que tem uma carreira de mais de três décadas cheia de passagens importantes. Ela se formou em medicina em 1984 e, em seguida, começou a carreira como pesquisadora, realizando estudos com HIV. Também realizou trabalhos com doença de Chagas e arbovírus, causadores de dengue, Chikungunya e Zika. Entre os anos 2015 e 2019, foi diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP.

É o trabalho com arbovírus que une Ester a Jaqueline, cuja carreira começou mais recentemente. Ela se formou em biomedicina em 2012. Durante o doutorado, concluído no ano passado, fez estágio na Universidade Birmingham, no Reino Unido, e desenvolveu protocolos de sequenciamento de genomas do vírus zika. Agora está desenvolvendo sua pesquisa de pós-doutorado. No Cadde, a dupla acompanha a evolução dos arbovírus. A urgência da pandemia acabou incluindo o Sars-Cov-2 no programa, que agora realiza também os testes com o vírus.

“Já tínhamos feito alguns trabalhos de relevância com a mesma tecnologia usada agora e com muito mais amostras. Cobrimos o surto de zika, por exemplo, no nordeste em 2016, o de febre amarela no sudeste, em 2017 e 2018. Mas a situação do coronavírus chamou atenção para a importância do nosso trabalho”, afirma Jaqueline.

Representatividade negra

O destaque do trabalho da dupla tem tido um efeito que vai além da ciência. Jaqueline, que é negra e nordestina, se tornou exemplo das lutas feminista e racial. “Inicialmente eu não tinha noção da força que isso tem em termos de representatividade”, diz ela, que confessa não estar mais dando conta de administrar seus perfis em redes sociais, tamanha quantidade de mensagens.

O assédio se intensificou nas últimas semanas, desde que o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, deflagrou manifestações em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Embora esteja acostumada a falar sobre o assunto no círculo social em que vive, entre familiares e amigos — “porque no Brasil ainda tem gente que insiste em dizer que não tem racismo” —, nos últimos tempos ela diz que tem preferido fazer um movimento diferente.

“Tenho tentado dar visibilidade a pessoas que eu acredito ter uma pauta muito mais teórica, com referências sobre isso, que é uma coisa que eu não consigo ter nesse momento”, diz. “Eu sei que tem pessoas que estudam racismo há muito tempo no Brasil, pessoas pretas que conhecem autores e autoras negras, que fizeram papel importante.”

Ainda assim, ela não guarda suas críticas e análises sobre o momento atual. “Não é uma atitude de branco salvador, que abre espaço na rede social para o preto falar, que vai mudar o Brasil. Precisamos passar por muita coisa ainda para conseguirmos alcançar, pelo menos, um nível de consciência da existência do racismo. É preciso ter representatividade, é preciso abrir oportunidade para as pessoas pretas ascenderem no país, porque, só aí, vamos mudar a estrutura social. Isso, sim, pode acabar com o estigma.”

Fonte: Universia – Leia a reportagem no original aqui.
Publicado em 16/06/2020

Acesso a medicamentos e tecnologias na Covid-19: do panorama global às perspectivas nacionais

Em artigo, o médico, pesquisador da Ensp/Fiocruz Jorge Bermudez aborda como o acesso a tecnologias, em particular medicamentos, sempre esteve na pauta dos debates sobre saúde e os eixos que a Organizção Mundial da Saúde tem apontado para orientar a adoção de políticas públicas no âmbito dos estados nacionais. Ele traz essa discussão para o contexto da pandemia e as perscpetivas atuais dessa questão.

 

 

O acesso a tecnologias, com ênfase em medicamentos, sempre esteve em pauta nos debates sobre saúde, ou, pelo menos, muito intensamente nas últimas duas décadas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem apontado quatro eixos fundamentais a esse respeito: a seleção racional e desenvolvimento de produtos; preços acessíveis a governos e consumidores; financiamento sustentável; e sistemas de abastecimento confiáveis, incluindo serviços públicos e privados.

Em que pesem diretrizes muito claras, as discussões sempre esbarraram nos dilemas do confronto entre saúde e comércio, enfrentando diversas barreiras ao acesso, entre as quais destacamos os preços elevados de produtos monopólicos, a segmentação de mercados, a falta de investimento em medicamentos para doenças relacionadas e perpetuadoras da pobreza e principalmente a dissintonia entre oferta e demanda.

Todos os problemas decorrentes das dificuldades em promover o acesso equitativo a tecnologias e romper as barreiras da iniquidade ficam mais evidentes em tempos de crise e mais ainda hoje, no enfrentamento da pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2.

Antes da deflagração da pandemia, a OMS já havia incluído a expansão do acesso a medicamentos como um dos dez desafios para esta década anunciados em janeiro de 2020, diante da constatação de que cerca de um terço da população mundial não tem esse acesso e de que o gasto com medicamentos é um dos maiores para os sistemas de saúde. Outras iniciativas relevantes e de caráter global incluem o relatório do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em acesso a medicamentos divulgado em setembro de 2016; o Relatório da Comissão Lancet sobre medicamentos essenciais para cobertura universal de saúde, também de 2016; e a discussão sobre acesso a medicamentos e vacinas na Assembleia Mundial da Saúde em 2019 (documento A72/17), aprovando o denominado road map para o período 2019-2023.

Em que pesem diretrizes muito claras da OMS, as discussões sempre esbarraram nos dilemas do confronto entre saúde e comércio, enfrentando diversas barreiras ao acesso, entre as quais destacamos os preços elevados de produtos monopólicos, a segmentação de mercados, a falta de investimento em medicamentos para doenças relacionadas e perpetuadoras da pobreza e principalmente a dissintonia entre oferta e demanda

Com a Declaração de Emergência em Saúde Pública de interesse internacional pela OMS, em 30 de janeiro de 2020, uma série de iniciativas de caráter internacional foi imediatamente deflagrada. Cabe destaque para a reunião de ministros da saúde do G-20, em 19 de abril; a Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovando a Resolução A/RES/74/270 versando sobre solidariedade global para lutar contra Covid-19 e a Resolução A/RES/74/274 que ressalta a cooperação internacional para assegurar o acesso a medicamentos, vacinas e equipamentos médicos para enfrentar a Covid-19 [ver aqui].

No âmbito da OMS, ressaltamos o lançamento da iniciativa ACT Accelerator (Access to Covid-19 Tools Accelerator) em 24 de abril, iniciativa estruturada pela OMS e líderes mundiais, contando com o apoio de mais de 40 países e tendo coletado mais de 8 bilhões de euros para o desenvolvimento e a produção de diagnósticos, medicamentos, tratamentos, testes e vacinas contra a Covid-19. Ainda no âmbito da OMS, a Assembleia Mundial da Saúde foi realizada pela primeira vez de maneira virtual durante os dias 18 e 19 de maio. O tema que dominou todas as discussões foi o enfrentamento à pandemia, sendo aprovada a Resolução WHA73.1 (Resposta a Covid-19). Essa resolução, além de reafirmar a relevância da Covid-19, que afeta desproporcionalmente países e populações pobres e mais vulneráveis, enfatiza a necessidade de se levar em consideração, identificar e prover opções no contexto do Acordo Trips da OMC e da Declaração de Doha sobre Trips e Saúde Pública, para impulsionar a capacidade de desenvolvimento, produção e distribuição necessários ao acesso equitativo e oportuno de produtos para combater a pandemia.

Adicionalmente, foi lançada, em 29 de maio, sob a liderança do presidente da Costa Rica e do diretor-geral da OMS, uma iniciativa complementar, o C-TAP (Covid-19 Technology Access Pool), objetivando que todas as vacinas, testes, diagnósticos, tratamentos e outras ferramentas na resposta ao coronavírus tem que estar disponíveis universalmente como bens públicos globais. Essa iniciativa é de caráter voluntário e fundamentado na solidariedade global, hoje contando com o apoio de mais de 35 países e constituindo uma plataforma tecnológica para o licenciamento voluntário de tecnologias.

Como fica evidenciado, há todo um movimento global intenso de solidariedade e busca de soluções para o enfrentamento da pandemia. Entretanto, temos que considerar que todos esses esforços têm que ser acompanhados de movimentos e compromissos nacionais capazes de interiorizar e incluir nos nossos marcos regulatórios as necessárias adequações ou até alterações legislativas. Por outro lado, iniciativas de caráter voluntário não necessariamente são universalizadas ou automaticamente atingem todas as populações mundiais. O confronto entre saúde e comércio tem sido cada vez mais evidente, mesmo nestes tempos de pandemia.

Como priorizar as necessidades mundiais na dualidade acesso x demanda diante da capacidade ou capacidades de produção vai ser sempre uma incógnita. Os sublicenciamentos e outras medidas de caráter voluntário não necessariamente cobrem aquelas populações mais necessitadas; o escopo geográfico proposto pela indústria detentora de patentes coloca a barreira da propriedade intelectual cada vez mais presente no dia a dia dos países, em especial naqueles de renda média.

Como fica evidenciado, há todo um movimento global intenso de solidariedade e busca de soluções para o enfrentamento da pandemia. Entretanto, todos esses esforços têm que ser acompanhados de movimentos e compromissos nacionais capazes de interiorizar e incluir nos nossos marcos regulatórios as necessárias adequações ou até alterações legislativas

O Brasil tem sido pródigo em contradições e em trilhar caminhos na contramão do mundo, com autoridades negando a gravidade da pandemia ou até promovendo aglomerações e relutando em seguir recomendações da OMS ou baseadas na Ciência, enquanto vemos uma curva ascendente e chegamos próximos ao milhão de casos e mais de 40 mil mortes, relaxando o isolamento e priorizando os negócios, na falsa dicotomia em que priorizar vidas com o distanciamento social acaba com a economia.

Mas o Brasil é maior do que seus governantes e temos tido propostas concretas que nos auxiliam na luta por assegurar a saúde como direito de todos e dever do Estado, conforme premissa de nossa Constituição.

Na defesa da saúde como direito, compartilhamos da luta por incluir uma PEC que assegure que o acesso a medicamentos seja considerado direito humano fundamental, proposta conduzida pela Frente Parlamentar em defesa da assistência farmacêutica, presidida pela deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA).

No que se refere a assegurar que todas as tecnologias utilizadas para o enfrentamento da emergência de saúde representada pela pandemia – sejam vacinas, medicamentos, diagnósticos, reagentes, dispositivos médicos, equipamentos de proteção individual, suprimentos e quaisquer outras tecnologias – tornem-se automaticamente objeto de concessão de licença compulsória por todo o período em que perdurar a situação de emergência de saúde pública, conforme já nos posicionamos em diversas oportunidades, louvamos o PL 1.462/2020, protocolado por 11 deputados de diversos partidos políticos no Congresso Nacional.

Em que pesem as restrições orçamentárias e o sufocamento das políticas públicas e do SUS impostas pela Emenda Constitucional 95/2016, esse mesmo SUS está sempre na linha de frente do combate à pandemia e na luta por melhores condições de saúde e de vida de nossas populações. Haveremos de resistir!

Jorge Bermudez é Médico, pesquisador da Ensp/Fiocruz; membro do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do Secretário-Geral das Nações Unidas.

Fonte: Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz
Publicado em 15/06/2020

Gilead: o Brasil excluído no enfrentamento da pandemia

A história se repete em ciclos! A farmacêutica americana Gilead, uma empresa predadora, exclui o Brasil de um potencial tratamento da Covid-19. Esperada por muitos, visto ceticamente por outros, essa postura tem, surpreendentemente, a ajuda de organizações brasileiras de indústria farmacêutica e propriedade intelectual. Leia no artigo de – por Jorge Bermudez e Achal Prabhala.

 

 

Em artigo recente, alertamos que qualquer tratamento potencial para a Covid-19, se fosse produto novo, protegido por patente, teria o acesso dificultado nos países de renda média – como já ocorre em outros casos, que levaram às licenças voluntárias para um pool de patentes de medicamentos. Essa dificuldade de acesso pode acontecer, apesar da solução multilateral do pool de patentes de tecnologias relacionadas à Covid-19 solicitado pela Costa Rica e atualmente sob o escrutínio da Organização Mundial da Saúde.

A trilha de senso humanitário da Gilead é bem conhecida. Como detentora da patente do sofosbuvir, o primeiro antiviral de ação direta licenciado (DAA), eficaz na cura da hepatite C, lançou o medicamento no final de 2013 ao custo de US$ 84 mil por tratamento (12 semanas ou 84 dias). Foi chamado, assim, de pílula de mil dólares. Após reclamações e falta de acessibilidade não apenas de países pobres, a Gilead anunciou em setembro de 2014 contratos de licenciamento com sete fabricantes de genéricos indianos, oferecendo um preço de acesso de US$ 900 por tratamento, em um escopo de 91 países de baixa e média renda, cobrindo quase 100 milhões de pessoas, mas excluindo 49 milhões em países de renda média (ver aqui e aqui).

Essa exclusão alcançou o Brasil, onde foi estabelecida uma negociação bilateral, trazendo o preço para cerca de US$ 6 mil por tratamento. Como as reivindicações de patentes da Gilead estavam em avaliação no INPI, escritório de patentes no Brasil, um acordo de cooperação técnica envolvendo a Fiocruz e um consórcio de empresas privadas nacionais desenvolveu a versão genérica do sofosbuvir. No entanto, as demandas judiciais da Gilead bloquearam a possibilidade de que essa versão mais barata e bioequivalente abastecesse o sistema nacional de saúde (SUS) (ver aqui).

Atualmente, o Brasil enfrenta o dilema de ter ou não acesso a um dos medicamentos em potencial que podem ser utilizados no tratamento do Covid-19, o Remdesivir da Gilead, um dos produtos submetidos a vários ensaios, incluindo o Solidarity Trial da OMS. O Remdesivir acaba de receber a Autorização de Uso Emergencial pelo FDA dos EUA para o tratamento da Covid-19, permitindo um uso mais amplo no tratamento de pacientes hospitalizados. Essa autorização, com base na gravidade da doença dos pacientes, foi anunciada pela Gilead em 1º de maio de 2020.

Considerando que a Gilead está registrando patentes de Remdesivir em quase 70 países para garantir o monopólio, eles acabaram de anunciar que assinaram o que chamam de “acordos de licenciamento voluntário não exclusivos, com cinco fabricantes de medicamentos genéricos baseados na Índia e no Paquistão, para expandir ainda mais o suprimento de Remdsivir”. A Cipla Ltd., Ferzsons Laboratories, Hétero Labs Ltd., Jubilant Lifesciences e Mylan estão autorizadas a fabricar Remdsivir para distribuição em 127 países com um escopo geográfico definido pela Gilead, principalmente de renda baixa e médio-baixa e estabelecendo seus próprios preços. Como previmos em nosso artigo recente, já mencionado, a menos que outras medidas sejam tomadas – caso de países como Canadá, Alemanha, Israel, Chile, Peru e Equador –, o Brasil pode ficar preso na armadilha da Gilead de exclusão do monopólio. Com essa visão, um grupo suprapartidário de deputados submeteu um projeto de lei ao Congresso (PL 1462/2020), alterando a atual Lei da Propriedade Industrial; o objetivo é propor licenças compulsórias automáticas para tecnologias relacionadas ao Covid-19, justificadas pela declaração nacional e/ou global de emergência de saúde devido à pandemia.

Atualmente, o Brasil enfrenta o dilema de ter ou não acesso a um dos medicamentos em potencial que podem ser utilizados no tratamento do Covid-19, o Remdesivir da Gilead

Pareceria que, no interesse de garantir o acesso e salvar vidas, seria naturalmente esperado discutir, aprovar e implementar essa proposta, apoiada pelo Conselho Nacional de Saúde e recebendo forte apoio internacional. No entanto, ficamos chocados ao ler as reações que se seguiram à apresentação do projeto de lei. A Interfarma, representação corporativa de empresas farmacêuticas multinacionais, reagiu listando os benefícios do arcabouço legal atual da propriedade intelectual no Brasil, promovendo a inovação e garantindo benefícios legais em diferentes segmentos industriais (ver aqui). Mencionando a alegação da IFPMA [Facts and Figures 2017] de que cada novo produto inovador no mercado corresponde ao investimento de um bilhão de dólares, 6 mil tentativas, 400 pesquisadores e uma média de dez anos, eles exortam a necessidade de proteger e incentivar a indústria farmacêutica para garantir o desenvolvimento de produtos e o bem-estar das pessoas. O posicionamento termina com a chamada para não enfraquecer o sistema da propriedade industrial e, portanto, não concordando com a proposta incluída no projeto de lei. Nada estranho, vindo deles.

A ABPI [Associação Brasileira de Propriedade Intelectual] veio com documento na mesma linha, concluindo que o projeto de lei, assim como os que o originaram, desconsidera a legislação vigente e os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, trazendo também insegurança. Esse artigo também não é uma surpresa.

Pareceria que, no interesse de garantir o acesso ao Remdesivir e salvar vidas, seria naturalmente esperado discutir, aprovar e implementar a proposta do PL 1462/2020, apoiado pelo Conselho Nacional de Saúde e recebendo forte apoio internacional. No entanto, ficamos chocados ao ler as reações que se seguiram à apresentação do projeto de lei

Por outro lado, uma nota técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão analisa o Projeto de Lei (PL 1462/2020), confronta os direitos individuais versus direitos coletivos, discute o Acordo Trips da OMC e os monopólios, a Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e a saúde pública, concluindo que, sem lugar a dúvidas, o PL 1462/2020 está em absoluta conformidade com nossa Constituição Federal, não apresenta disfunção com nossa atual Lei de Propriedade Industrial e está em conformidade com questões internacionais relacionadas a direitos de propriedade intelectual e suas interações com a saúde pública (ver aqui).

A surpresa, em termos, ficou por conta de uma Nota Técnica proveniente dos fabricantes privados nacionais, representados corporativamente pela FarmaBrasil, com argumentos frágeis e invocando organizações governamentais que ficariam encarregadas de lidar com uma visão estratégica da propriedade intelectual dentro da estrutura atual. A sentença final está se manifestando contrária a todos os projetos de lei propostos, alinhando-se, portanto, a outros opositores do licenciamento compulsório.

Devemos considerar que o atual governo está negando a seriedade da pandemia devida ao coronavírus. O presidente da FarmaBrasil fez parte recentemente de um grupo de 15 empresários que se uniram ao presidente da República em uma visita ao STF, em 7 de maio passado (ver aqui), que tinha como principal objetivo reclamar da necessidade de continuar o distanciamento social /confinamento, que atualmente é uma medida mundial para a contenção da pandemia, e defesa da abertura do comércio, ignorando o fato de o Brasil já contar com mais de 12.400 mortes e 178.000 casos da Covid-19.

A história se repete em ciclos! Quais serão as lições aprendidas no Brasil e repassadas para nossas futuras gerações? Uma história de dolorosa resistência, compromisso com salvar vidas e garantir o acesso a todos? Ou teremos a ganância se superpondo à necessidade, negando a pandemia e deixando muitos para trás?

*Jorge Bermudez é pesquisador sênior da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Ministério da Saúde, Brasil. Foi membro do Painel de Alto Nível do Secretário-Geral da ONU sobre Acesso a Medicamentos e atuou como diretor executivo da Unitaid, em Genebra, Suíça, entre 2007-2011.
**Achal Prabhala é membro da Fundação Shuttleworth e coordenador do projeto AccessIBSA, que faz campanhas para acesso a medicamentos na Índia, Brasil e África do Sul.

Fonte: Fiocruz
Publicado em 18/05/2020

Contra monopólios, CNS recomenda ampliação nacional da capacidade produtiva de medicamentos

Em documento destinado aos três poderes da União, CNS destaca que a importação de tecnologias e insumos pode sofrer restrições em função de monopólios.

 

 

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) recomendou nesta quarta (22/04) aos Poderes Executivo, Federal e estaduais, que aprovem linhas de crédito para a ampliação da capacidade tecnológica e produtiva dos laboratórios nacionais de medicamentos e insumos para o enfrentamento da pandemia.

documento, aprovado ad referendum, também recomenda a aprovação de linhas de crédito aos pequenos e médios empreendedores do ramo têxtil, para a produção de equipamentos individuais destinados à proteção da população.

O CNS considera que o enfrentamento à pandemia do Novo Coronavírus tem sido mais efetivo em países com referência política à soberania e ao desenvolvimento nacional, que atenderam às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), utilizando métodos como a testagem em massa, isolamento social e uso de máscaras pela população.

Também destaca que a importação de medicamentos, equipamentos, tecnologias, insumos e dispositivos médicos, pode sofrer restrições em função de monopólios legais, tais como as patentes e outros direitos de propriedade intelectual.

A recomendação, elaborada pela Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (Cictaf) do CNS, é destinada também ao Poder Legislativo, para que aprove com urgência o Projeto de Lei (PL) nº 1462/2020, que dispõe sobre a flexibilização das regras para o licenciamento compulsório de medicamentos, insumos e equipamentos médicos.

Já ao Poder Judiciário, o CNS recomenda que o Supremo Tribunal Federal (STF), decida em favor da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional (EC) 95, que congelou os investimentos em Saúde até o ano 2036 e, desde 2018, já causou o prejuízo de R$ 22 bilhões ao Sistema Único de Saúde (SUS).

LEIA A RECOMENDAÇÃO DO CNS NA ÍNTEGRA

Fonte: SUSConecta
Publicado em 23/04/2020

Entidades lançam carta em defesa da saúde coletiva e da bioética

A Fenafar e outras entidades publicam carta defendendo às orientações da Organização Mundial da Saúde para combater a Covid 19 e repudiam a postura do presidente Jair Bolsonaro. Leia na íntegra abaixo.

 

Carta das entidades de saúde coletiva e de bioética à população brasileira
Imprescindível o respeito aos direitos humanos e ao conhecimento científico na resposta urgente à Covid 19

Dando continuidade à nota publicada em 24 de março, as entidades signatárias desta carta vêm à público reforçar seu posicionamento contrário ao pronunciamento do Presidente da República em cadeia nacional de rádio e televisão e à fragilização reforçada no dia 25 de março pela equipe técnica do Ministério da Saúde, contrariando as adequadas medidas e recomendações inicialmente adotadas para o estágio atual da disseminação da Covid.

Como é de conhecimento geral, os primeiros casos da doença surgiram na América Latina com certo retardo em relação à China e aos países europeus. No Brasil, o primeiro caso ocorreu no dia 26 de fevereiro e, na Argentina, em 3 de março de 2020, quando a Covid-19 já se configurava como pandemia.

A Organização Mundial da Saúde vem traçando diretrizes de enfrentamento da doença a partir do momento em que foi caracterizada sua magnitude e relevância para todo o mundo. A estratégia de isolamento físico das pessoas, baseada em evidências científicas robustas, tem sido adotada na grande maioria dos países afetados. Em alguns casos, como Itália ou Espanha, tais medidas foram adotadas tardiamente, do que derivam as consequências dramáticas que vimos acompanhando pela imprensa e em publicações científicas internacionais.

Diferentes instituições governamentais, profissionais de saúde e pesquisadores apontam evidências científicas sobre a existência de grupos sociais mais vulneráveis à doença, tanto pela idade, pelas condições de trabalho (profissionais de saúde, de limpeza e trabalhadores do comércio de itens essenciais) quanto pelas condições socioeconômicas (por exemplo, desempregados, subempregados, em situação de rua, privados de liberdade). Neste último caso, mais que vulneráveis, são grupos vulnerados, ou seja, incapazes de se protegerem adequadamente do coronavírus pelas condições desfavoráveis de vida e pelo abandono social/institucional.

Dentre as várias ações que podem minimizar a vulnerabilidade da sociedade brasileira e a vulneração de diversos grupos sociais, e oferecer condições adequadas para o país enfrentar a pandemia estão: (a) o distanciamento físico imediato entre as pessoas para diminuir a velocidade de contágio; (b) a proteção do Estado, viabilizando alimentação e suporte financeiro imediato e adequado para atender às necessidades básicas das populações vulneradas; (c) a ampliação imediata do financiamento e das condições de funcionamento do SUS; (d) a garantia de equipamentos de proteção individual e de condições de trabalho para os profissionais de saúde e a todas e todos aqueles que necessitam estar nas vias públicas para os serviços essenciais; e (e) o estímulo e o financiamento imediato de condições para o desenvolvimento de pesquisas relativas à doença, nos diferentes âmbitos do conhecimento científico.

No entanto, em nome da economia brasileira e de interesses financeiros de alguns setores sociais, posicionamentos vêm sendo veiculados relativizando a necessidade do isolamento social como forma de controle do impacto da doença na sociedade. Assusta quando essa conduta negacionista à ciência e contrária às orientações de instituições sanitárias nacionais e internacionais é assumida pelo governo, conforme visto nos pronunciamentos recentes e reiterados do Presidente da República e do Ministro da Saúde. Vale enfatizar que para o enfrentamento da pandemia, o Brasil conta com a experiência dos erros e dos acertos das políticas públicas dos países nos quais a epidemia se iniciou antes e não pode se furtar a considerá-los na definição de suas ações.

Não há dúvida de que a crise econômica será uma das consequências da pandemia de Covid-19, uma vez que requer isolamento social para ser controlada. No atual cenário, o custo econômico é um dos aspectos a serem ponderados, porém de caráter secundário em relação ao custo social e o valor da vida humana que são prioritários. Esse é o preço a se pagar para que muitas vidas sejam salvas e para que no futuro a economia também possa ser recuperada. É preciso investir muito mais no Sistema Único de Saúde e nas universidades públicas que produzem ciência e tecnologia. É preciso produzir equipamentos para salvar vidas – mais respiradores, mais leitos; mais estratégias de proteção para os trabalhadores da saúde; mais profissionais de saúde no SUS; mais pesquisas em medicamentos e vacinas.

Ressaltamos que será necessário que nos unamos para exigir o necessário investimento em estratégias sociais para realmente reverter as imensas desigualdades sociais e a pobreza que ainda caracterizam a sociedade brasileira. Além disto, exigimos que o estado deverá proteger as pessoas que precisam continuar trabalhando durante a pandemia, em especial, os trabalhadores da saúde que expõem suas vidas para salvar outras vidas.

Reiteramos nosso repúdio à condução irresponsável do ocupante da cadeira de presidente em relação à saúde pública.

Exortamos as instituições da República a reagir em relação à flexibilização do isolamento ratificada pelo Ministério da Saúde e interromper esta irresponsabilidade, retornando as medidas de contenção cientificamente demonstradas para o adequado enfrentamento neste momento crítico da pandemia.

26 de março de 2020

Assinam esta carta as seguintes entidades:

Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Associação Brasileira de Enfermagem – ABEN
Associação Brasileira de Fisioterapia do Trabalho – ABRAFIT
Associação Brasileira de Ensino Odontológico  – ABENO
Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva – Abrasbuco
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
Associação Brasileira de Saúde Mental
Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais- ABRATO
Associação Brasileira de Nutrição – Asbran
Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais – ANPOCS
Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES
Conselho Federal de Seviço Social Cfess
Conselho Federal de Nutricionistas CFN
Federação Nacional dos Farmacêuticos Fenafar
Federação Nacional dos Enfermeiros FNE
Federação Nacional dos Nutricionistas FNN
Núcleo de Estudos em Sociologia, Filosofia e História das Ciências da Saúde – NESFHCS/UFSC
Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva – NUPEBISC/UFSC
Red Latinoamericana y del Caribe de Derechos Humanos y Salud Mental
Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados de São Paulo
Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional
Rede Unida
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
Sociedade Brasileira de História da Ciência – SBHC
Sociedade Brasileira de Sociologia – BSB
Sindicato dos Servidores do Sistema Nacional de Auditoria do Sus UNASUS SINDICAL

Coronavírus e a importância da soberania na produção e distribuição de medicamentos

“Nossa capacidade de resposta a emergências deixa clara a relevância da ciência e tecnologia e da soberania nacional na produção de medicamentos”

 

 

Por Jorge Bermudez* e Fabius Leineweber**

O alerta foi dado nos países centrais e na Índia. O New York Times anunciou, a partir de repórter na cidade indiana de Mumbai, que a epidemia de coronavírus afeta diretamente a capacidade produtiva da China e, consequentemente, a exportação de matérias-primas para as empresas produtoras genéricas na Índia.

Em audiência pública no Senado dos EUA, o diretor da agência norte-americana FDA declarou que um produto estava em risco de desabastecimento e que uma lista de outros 20 medicamentos estava sendo monitorada, produtos cujos fabricantes dependiam de importação da China para sua produção (ver aqui e aqui). Não há informação publicamente disponível sobre quais seriam esses produtos. Entretanto, foi noticiado que em pouco mais de um mês, a FDA está realizando contatos e avaliação com vistas a avaliar toda a cadeia de abastecimento de produtos provenientes de empresas na China.

Em nota oficial, a FDA informa que está monitorando toda a cadeia de abastecimento de medicamentos junto a mais de 180 fabricantes; a indústria de dispositivos médicos com 63 fabricantes que representam empresas baseadas na China; o abastecimento de biológicos e hemoderivados, incluindo terapia celular e gênica, sem relato de riscos de desabastecimentos destes; alimentos; e produtos veterinários, com 32 empresas que importam da China. A agência também propõe uma série de medidas destinadas a mitigar os riscos de desabastecimento.

No Reino Unido, desde 11 de fevereiro, o sistema de saúde britânico, NHS, solicitou análise de risco do impacto do coronavírus e retenção dos estoques de suprimentos médicos. Ressalta-se que estavam com estoques de medicamentos maiores que o normal devido ao Brexit. Na França, a legislação de seguridade social está mudando (aprovada em final de dezembro), incluindo uma exigência de estoque mínimo com multas (ver aqui). A Alemanha, por sua vez, está reforçando a notificação compulsória de desabastecimento (ver aqui).

O governo indiano acaba de proibir a exportação, inicialmente de 26 medicamentos, sem autorização governamental expressa. Essa ordem objetiva proteger o abastecimento interno para a população indiana, considerando que aproximadamente um quinto das exportações de medicamentos genéricos no mundo é proveniente das empresas da Índia. Entretanto, os produtores indianos importam da China muitas das matérias-primas – insumo farmacêutico ativo (IFA) – por causa dos preços competitivos. Entre os produtos relacionados na Índia com restrições à exportação, estão incluídos antimicrobianos (tinidazol, metronidazol, cloranfenicol, eritromicina, neomicina, clindamicina e ornidazol), acetaminofem, progesterona, aciclovir e as vitaminas B1, B6 e B12.

No setor farmacêutico como um todo, continuamos sendo um país dependente da importação de insumos e intermediários, quando não também de produto acabado

Apenas nos últimos dias, a imprensa no Brasil começou a noticiar o impacto que as importações da China pode gerar no nosso setor farmacêutico (ver aqui). Entretanto, em recente Edital, a Anvisa limitou-se a “convocar empresas a fornecerem informações sobre estoques dos produtos sujeitos à vigilância sanitária que podem ser utilizados como insumos essenciais para o enfrentamento ao novo Coronavírus”.

No setor farmacêutico como um todo, continuamos sendo um país dependente da importação de insumos e intermediários, quando não também de produto acabado. A balança comercial de produtos farmacêuticos apresentou déficit de R$ 5,9 bilhões, em 2018, e as importações são na maioria de insumos, em que a dependência de matéria-prima chega a 90%, principalmente proveniente da Índia, China e Alemanha (ver aqui).

Embora os riscos de desabastecimento de medicamentos ainda não sejam evidentes para nosso país, os exemplos das ações nos EUA e na Índia servem de alerta para o Brasil, sem alarmismo, estruturar e coordenar adequadamente nossa cadeia de fornecimento e capacidade produtiva pública e privada. O fortalecimento do SUS, e não seu sucateamento, deve ser a tônica a ser defendida, na contramão das medidas liberais que o governo federal vem implementando. Nossa capacidade de resposta a emergências, como o coronavírus, deixa clara a relevância de políticas sociais, da pesquisa, da ciência e tecnologia e da soberania nacional na produção de medicamentos.

O fato de a China ter sido capaz de construir um hospital em dez dias e mobilizar um enorme contingente de profissionais de saúde mostra a importância de políticas públicas que levaram décadas sendo estruturadas no Brasil. O SUS vai estar sempre como nossa linha de frente!

*Jorge Bermudez é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), membro do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do Secretário-geral das Nações Unidas.

**Fabius Leineweber é Tecnologista em Saúde Pública do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz).

Foto: Jorge Bermudez durante Encontro Regional Preparatório para 8º Simpósio Nacional de Ciência Tecnologia e Assistência Farmacêutica (8º SNCTAF), realizado em Recife, em setembro de 2018.

Fonte: Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz
Publicado em 09/03/2020

Plenária define Jornada de Lutas pelo direito à Saúde

Em um momento decisivo para a Saúde e para a garantia dos direitos sociais, a luta em defesa da Saúde pública e contra o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das principais pautas programação do Fórum Social das Resistências 2020, realizado em Porto Alegre. Na tarde da quarta-feira, 22, uma plenária dos movimentos em defesa do direito à saúde reuniu dezenas de organizações, e lançou o movimento Saúde é Direito de todos e todas! 

Com auditório lotado, os participantes dialogaram sobre as principais demandas da Saúde e deliberaram sobre o calendário de ações da Jornada de Lutas para 2020. O movimento é um dos desdobramentos da 16ª Conferência Nacional de Saúde e se apoia nas suas resoluções. “O intuito do movimento é transformar as resoluções em uma plataforma de mobilização social na defesa da saúde e do SUS, vinculadas à luta em defesa da democracia”, explica Ronald Ferreira dos Santos, presidente da Fenafar e um dos coordenadores do movimento.

De acordo com Fernando Pigatto, presidente do CNS, o objetivo da Jornada de lutas é fortalecer as demandas da população brasileira para a melhoria do SUS. “A grande participação aqui reforça o fato de a Saúde ser a maior preocupação do povo brasileiro. Temos um saldo muito positivo, não apenas de mobilização, mas de organização para um ano de muitos desafios que teremos na luta para garantir a Saúde como direito”.

Entre as principais pautas, os debatedores destacaram a luta pela revogação imediata da Emenda Constitucional 95/2016 – que congelou recursos em políticas sociais por 20 anos -, a privatização da Saúde, as mudanças no financiamento da Atenção Primária sem aval do controle social e as as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), que vão contra os princípios da Reforma Psiquiátria.

“Diante desse cenário, há uma tarefa grandiosa para nós, lutadores da Saúde pública. Uma tarefa para a qual precisamos reunir forças políticas, sindicais, entidades, movimentos sociais para garantirmos a pluralidade das ideias aqui colocadas, com a direção política da defesa e do fortalecimento da Saúde”, disse a conselheira nacional de saúde, representante da Conselho Federal de Assistência Social (CFESS), Elaine Pelaez, que também faz parte da coordenação do movimento.

Ronald Ferreira dos Santos, destacou a necessidade de “dialogar e envolver amplos setores populares no processo de defesa da saúde como direito”. Para isso, avalia, é fundamental conferir uma nova marca para esse movimento, com uma chamada que dialogue mais com a população. Saúde é direito de todos e todas! Temos que sublinhar o termo direito. São nossos direitos que estão sendo sistematicamente atacados. Há uma disputa de narrativa em curso e temos que enfatizar nossa posição: de que a cidadania pressupõe um Estado em que as pessoas são portadoras de direitos. A Saúde pode estabelecer esse diálogo.

Para isso vamos utilizar todas as oportunidades de ação, como no caso do 8 de março (Dia Internacional da Mulher), 07 de abril (Dia Mundial da Saúde), 01 de maio (Dia do Trabalhador), em especial na semana do dia 07 de abril, quando foi aprovada uma séria de ações junto à universidade, parlamento etc.

Políticas fragilizadas em várias áreas

Vitória Davi, conselheira nacional de saúde representante da União Nacional dos Estudantes (UNE), relacionou os erros do Ministério da Educação (MEC) na publicação das notas do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com o desmonte do SUS.

“A UNE e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) estão atuando para garantir que os jovens que tiveram suas notas prejudicadas no Enem consigam a correção. Fazem agora com o Enem o que estão fazendo com o SUS há muito tempo”, criticou. Segundo ela, os gestores públicos cada vez mais estão “descredibilizando o SUS e agora tentam descredibilizar uma prova tão importante para milhões de jovens brasileiros”.

Semana da Saúde e Eleições 2020

Entre as principais atividades para 2020, ficou definida que a Semana Nacional de Saúde será realizada de 2 a 7 de abril, com diversas ações conjuntas nos territórios, unindo conselhos municipais, estaduais e entidades. Também ficou definida, por se tratar de um ano eleitoral, a busca pelo diálogo com futuros(as) gestores(as) comprometidos(as) com a Saúde como direito humano.

“É um momento decisivo importante para a luta do povo e precisamos trazer as nossas reflexões e criar um movimento em torno dessas ações”, destacou o ex-presidente do CNS, representante da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Ronald dos Santos.

Apresentação de resultados

De acordo com o relatório do CNS, em 2018, o foco da Semana Nacional de Saúde foi a luta contra o congelamento dos investimentos públicos em Saúde, que culminou num grande ato para entrega de um abaixo-assinado no Supremo Tribunal Federal (STF), em abril.

Já em 2019, ano da 16ª Conferência, o foco foi a potencialização, na Semana da Saúde, da realização das Conferências Municipais de Saúde. Participaram da Plenária Nacional da Saúde conselheiros e conselheiras nacionais, estaduais e municipais de saúde, lideranças, representantes de entidades, frentes e partidos políticos.

Na avaliação do presidente da Fenafar, a plenária foi extremamente vitoriosa. “A Fenafar participa da coordenação deste movimento. Dia 20 de fevereiro tem o indicativo de fazer uma atividade no dia Internacional da Justiça Social, tem indicativos de lutas contra a LGBTfobia, agenda de moradia. A pauta A saúde é direito de todas, tem que ter como referência essa luta. Milhões de brasileiros mobilizados”.

Da redação com Susconecta
Publicado em 24/01/2020

 

Vacina é tão importante quanto o aleitamento materno: não pode ser negada à criança e ao adolescente

A Comissão de Seguridade da Câmara aprovou por unanimidade o Projeto de Lei Nº 3.842/2019, de autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB/BA), que pune a conduta de quem divulgar ou propagar, por qualquer meio, notícias falsas sobre as vacinas componentes de programas públicos de imunização.

 

 

A proposta também pune quem se omitir ou se opor, sem justa causa fundamentada, à aplicação das vacinas previstas nos programas públicos de imunização em criança ou adolescente submetido ao seu poder familiar, ou tutelado.

Segundo estudo da ONG Avaaz em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), sete em cada dez brasileiros acreditam em alguma fake news sobre vacinação. O estudo mostra também que 21 milhões de brasileiros não se vacinaram ou não vacinaram uma criança por desinformação, como medo de efeitos colaterais propagados por notícias falsas.

“Essa campanha contra a vacinação é algo muito sério. São muitas fake news disseminadas sobre os riscos da vacinação. A saúde pública sempre asseverou eventuais riscos ou efeitos indesejáveis de uma vacina ou outra, mas dentro de um percentual estatístico mínimo diante dos benefícios da imunização humana. Extinguimos praticamente a poliomielite. Acredito que a imunização é tão importante como a defesa do aleitamento materno e precisa ser fortalecida no Brasil”, disse Alice durante a votação da matéria.

O projeto segue agora para apreciação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e depois seguirá para o Plenário da Câmara.

Fonte: Alice Portugal
Publicado em 06/12/2019