CTB faz história em encontro que fortalece laços de solidariedade da classe trabalhadora mundial

Durante quatro dias, a cidade de Durban, na África do Sul, tornou-se a capital internacional do sindicalismo classista. Cerca de 1,5 mil trabalhadores e trabalhadoras, provenientes de 111 países, estiveram reunidos no Centro Internacional de Convenções, sede do 17º congresso da Federação Sindical Mundial.

 

Sob a inspiração da Cosatu, maior central sul-africana e com forte tradição de luta contra a opressão racial, o Apartheid, e pelos direitos dos trabalhadores, o encontro teve três dias de intervenções vindas dos quatro cantos do planeta, em que 112 oradores compartilharam suas crises, sua realidade, suas lutas, desafios, conquistas.

O denominador comum de todos os discursos, fossem eles proferidos pelo dirigente do Sri Lanka, da França, da Colômbia, da China, da África do Sul ou da Turquia, era sempre a construção de uma rede de solidariedade classista e unitária diante das ofensivas capitalista e imperialista, cada vez mais fortes.

Outros temas de destaque foram a violência policial nos EUA contra pobres e negros, a tragédia política e humanitária na Síria, a denúncia de prisões e perseguição política e sindical a trabalhadores na Guatemala, no País Basco, na Venezuela, em Honduras, entre outras nações, e as duras críticas, repetidas por muitos oradores, ao sistema financeiro mundial.

CTB, a luta é pra valer!

O golpe sofrido no Brasil – e suas consequências – foi condenado pelo presidente da CTB, Adilson Araújo, e pela combativa delegação da CTB, a maior de sua história. Formada por professores, metalúrgicos, bancários, marítimos, profissionais da saúde, a equipe marcou posição com palavras de ordem, faixas e panfletos informativos, condenando as arbitrariedades praticadas pela gestão golpista de Michel Temer.

Além da denúncia e do repúdio, os dirigentes apresentaram desdobramentos do golpe na tentativa de desmonte dos direitos trabalhistas no país. Ao longo de toda a sua permanência no congresso, o visual da CTB e o grito de Fora, Temer! cumpriu seu papel e enviou aos presentes o seu recado sobre o que se passa no Brasil.

No alto, parte da delegação durante caminhada para estádio de Currie Fountain e, acima, Araújo e George Mavrikos durante a conferência

Era comum participantes estrangeiros se aproximarem solidários para repetir Fora, Temer!, com um sinal de positivo. A CTB também formulou uma moção de repúdio à ofensiva reacionária em curso em toda a América Latina, destacando a criação de um novo modelo de golpe, que é forjado com apoio de setores do governo, do Judiciário e da grande mídia.

Marilene Betros, dirigente da CTB, também propôs mudanças no texto da Plataforma de Ação 2016-2020, agenda programatica da FSM para os próximos anos, no que dizia respeito às mulheres, dando mais ênfase às políticas e campanhas de combate à violência de gênero e ao feminicídio.

Mugabe gera protestos

Um encontro de dimensões continentais, no entanto, naturalmente acolhe divergências entre seus membros. E não são poucas. Gerou protestos a defesa ao presidente Robert Mugabe feita pelo dirigente do Zimbábue, que denunciou as sanções impostas pelo Reino Unido e pelos EUA ao país africano.

Aos 92 anos, Mugabe está no poder há três décadas, em seu sétimo governo consecutivo, eleito por voto indireto. Diversas delegações presentes na audiência protestaram, com grito de dictator! (ditador!).

Do Brasil, além da CTB participaram do congresso representantes das centrais sindicais Intersindical, CGTB e CSB. O presidente da CGTB, Ubiraci Dantas de Oliveira, levou uma sonora vaia durante o seu discurso ao criticar a presidenta Dilma Rousseff e questionar o golpe no país.

O próprio secretário geral da FSM, Georges Mavrikos, se pronunciaria pouco depois, frisando que a federação reconhece e se posiciona contra o golpe jurídico-institucional de que o Brasil foi vítima.

Eleição

Como previsto, Mavrikos foi reeleito para a função de secretário geral da organização. No total, 356 delegados votaram pela permanência do dirigente grego, mas 21 optaram por Aloise Mboubine, do Gabão, único candidato concorrente.

A segunda candidatura surpreendeu a maioria dos delegados presentes, já que a expectativa era de chapa única – a delegação francesa, a qual Mboubine pertence, fez um pedido público de desculpas pela decisão do colega, que não foi apoiada pelo restante da delegação.

Para Nivaldo Santana, vice-presidente da CTB, a segunda candidatura tem de ser tratada com naturalidade. “Acredito que isto legitimou ainda mais a vitória de Mavrikos”, diz Santana, destacando que esta edição do congresso teve como meta a ampliação da representatividade da FSM e a sua atualização política.

“Estas são medidas importantes para o fortalecimento da FSM, atraindo novos segmentos e aumentando sua pluralidade”, analisa, destacando que este deverá ser um dos importantes desafios e uma grande contribuição de seu colega e dirigente da CTB, Divanilton Pereira, recém-eleito para o conselho presidencial da federação (leia matéria aqui).

Para a CTB, é fundamental a compreensão que o movimento sindical classista adquiriu sobre a necessidade de fortalecer cada vez mais os laços de solidariedade e a unidade da classe trabalhadora.

“Isto nos permitirá somar no sindicalismo e contribuir na construção de uma agenda comum, de uma agenda que condene a crise e que efetivamente crie condições para que a gente possa enfrentar o drama em que vivem milhões de trabalhadores de todo o mundo”, diz Araújo.

Fonte: CTB

“Serra quer destruir Mercosul”, diz dirigente da CTB em Cúpula Social do bloco

Um dos representantes brasileiros na Cúpula Social do Mercosul, o presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, Augusto Vasconcelos, afirmou no evento que “o governo interino de Temer trabalha para esvaziar o bloco, visando uma aproximação subalterna, principalmente com os EUA.

O Ministro Serra pretende resgatar algo similar a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), verdadeira ameaça para nossa economia, pois geraria uma disputa extremamente desigual entre produtos brasileiros e norte-americanos, destruindo empresas nacionais e empregos no Brasil. Essa turma é entreguista e não tem compromisso com a pátria”.

As intenções do novo chanceler vão de encontro às resoluções aprovadas no último Congresso da Fenafar, que apontam para o fortalecimento das iniciativas de integração latino-americanas, como o Mercosul, a Celac e a Unasul. 

Na opinião de Vasconcelos, que representa a CTB na reunião, o Mercosul, além de um projeto de integração que nos fortalece para negociar com o mundo, é extremamente viável. “O Mercosul é rentável economicamente para o Brasil, inclusive porque a maior parte de nossas exportações no bloco são de produtos manufaturados, a exemplo de automóveis e celulares. Precisamos aprofundar os laços com os países da região.”

O evento, que ocanteceu nos dias 30/06 e 01 de julho, reuniu representantes da sociedade eleitos em cada um dos países e irá tratar de temas como educação, saúde, tributos, democracia, trabalho e cultura. “Nessa Cúpula Social, iremos denunciar o golpe contra os trabalhadores em curso no Brasil e construir um amplo movimento em defesa da democracia na região. A cada dia cresce a solidariedade internacional aos brasileiros, vítimas de um governo ilegítimo que quer atacar direitos sociais”, afirmou Vasconcelos.

É bom lembrar que, desde que assumiu o Ministério das Relações Exteriores, José Serra tem demonstrado forte posicionamento no sentido de derrubar a resolução 32, de 2000, do Mercosul, para flexibilizar acordos tarifários livres com outros países fora do eixo. Intenção reforçada pelo presidente provisório Michel Temer.

Atualmente, a decisão impede que os participantes façam acordos com taxas inferiores à TEC (Tarifa Externa Comum) estabelecida pelo Mercosul. Para os economistas, a revogação pode significar o fim do bloco.

Da redação com CTB

CTB faz atuação de peso na 105ª Conferência da OIT e consolida denúncia do golpe brasileiro

Entre os dias 27 de maio e 12 de junho, a Organização Internacional do Trabalho realizou em Genebra, Suiça, a 105ª Conferência Internacional do Trabalho, reunindo organizações sindicais, patronais e governos de todo o mundo para discutir as questões do trabalho. A CTB esteve presente com uma delegação de peso, e ao longo das duas semanas de atividade atuou para defender os interesses dos trabalhadores brasileiros e denunciar o golpe de Estado que removeu a presidenta Dilma Rousseff do poder.

 

O secretário adjunto de Relações Internacionais da CTB, José Adilson Pereira, disse em seu relatório que a participação da Central pode ser considerada um sucesso. “A CTB atingiu o objetivo esperado na Conferência. Tivemos uma delegação igual a das outras centrais, em tamanho e competência técnica, fizemos um discurso em plenário da UIS Transporte e distribuímos material da CTB na Conferência sobre o golpe no Brasil”, escreveu. Para Pereira, a atuação enfática em defesa da democracia no Brasil não foi ignorada pela nova bancada do governo, que já sofre intervenção do governo golpista de Michel Temer: “Já observamos uma postura diferente do Governo Federal na condução dos trabalhos e na posição política nos assuntos da Conferência, interferindo claramente na posição dos membros da Bancada do Governo. Teremos, com certeza, mudanças para as próximas Conferências, se o Governo Temer continuar”.

Os mais de 160 países reunidos na Conferência participaram dos vários fóruns para estreitar relações e compartilhar experiências nos dilemas trabalhistas em uma sociedade cada vez mais globalizada, em que o fluxo de capital e trabalho passa a ignorar fronteiras e legislações locais. Entre os grupos de destaque, os diálogos entre os BRICS, as relações sul-sul, e o fórum da Comunidade Sindical dos Países de Língua Portuguesa foram os focos de atuação da central. A CTB atuou também para fortalecer a participação da FSM e acompanhar toda a sua programação.

Um dos momentos mais comentados ocorreu ainda no início das reuniões, quando um diplomata brasileiro tomou a fala para se defender a legalidade do governo Temer. Sua fala, feita a pedido do ministro interino de Relações Exteriores, José Serra, provocou reações de denúncia ao golpe de Estado por mais de 100 delegações dos países presentes. A presidente da sessão, Cecilia Mulindeti-Kamanga, retirou o direito de fala do diplomata.

Pereira foi também protagonista de outro momento de destaque para a central, quando discursou em plenário sobre as questões dos trabalhadores representados pela UIS Transporte. Em seu discurso, disponível abaixo na íntegra, ele aproveita para falar do golpe no Brasil e conclamar os colegas sindicalistas a posicionarem-se em favor da continuidade da democracia no Brasil:

 

 

Outro momento importante foi o discurso do Secretário Geral da FSM durante a Sessão Plenária do dia 6 de junho. O líder da Federação Sindical Mundial fez a denúncia ao golpe no Brasil e entrou em conflito com o governo brasileiro, que pediu direito de resposta.

Pereira enfatizou ainda que a participação da CTB na delegação tripartite brasileira ocorreu apenas pelo papel oficial do de representação do Estado brasileiro na conferência, sem deferências ao governo golpista que momentaneamente o ocupa. Neste sentido, a CTB realizou grande mobilização no momento do discurso do ministro interino do Trabalho, Ronaldo Nogueira, contra o golpe no Brasil.

Os trabalhos foram de intenso conflito entre as bancadas dos trabalhadores e dos empregadores, pois havia pouca disposição para acordos que criassem novos instrumentos de debate por parte dos empresários. Os pontos fundamentais debatidos foram o de ampliação da governança governamental nas cadeias produtivas, a melhor definição de responsabilidades solidárias das empresas e a promoção de boas práticas apresentadas, para servirem como exemplo a serem seguidos.

09/10 – Mesa Redonda Internacional para debater a legislação das patentes

No dia 09 de outubro acontece a Mesa Redonda Internacional para debater a legislação das patentes, em Brasília, DF

 

Mais recentes de

10/11 – Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador

04/12 – 7º Simpósio Nacional de Assistência Farmacêutica – local a definir

06/12 – Reunião do CR – Fenafar – Local a definir

30/10 – Exposição 40 anos da Fenafar no Congresso Nacional

17/10 – I Congresso nacional da Farmácia – CRF/SP, Fenafar, Anfarmag e Sinfar/SP

 

Itens relacionados (por tag)

24/04 – Caravana de Saúde e Educação à Cuba

15/04 – Reunião da Mesa Diretora do CNS

10/04 – Seminário Internacional de Integração Latino Americano – CNTU – SP/SP

09/04 – Reunião do CNS 05/04 – Comemoração dos 175 anos da Escola de Farmácia de Ouro Preto

Ministro da Saúde prepara projeto para beneficiar planos de saúde

O projeto é contestado por especialistas em saúde para quem o ministério deveria se concentrar no combate à Covid-19

 

 

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que o ministério está estudando a possibilidade de criar modelo de compartilhamento de dados entre planos de saúde. O objetivo seria aumentar a concorrência no segmento de saúde complementar, como é o caso das instituições financeiras por meio do Open Banking.

A ideia por trás do ‘Open Health’, como o projeto de Queiroga foi batizado, é que as operadoras de planos de saúde privados possam oferecer produtos diferenciados aos clientes. Segundo ele, o projeto foi bem recebido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), e o governo estuda editar uma medida provisória (MP) para implantar o sistema.

“Saúde aberta”

“Em conversa com Campos Neto [presidente do Banco Central], dissemos: vamos criar uma ‘saúde aberta’, disse o ministro. Eufemismo para engendrar projetos privatizantes. Nesse momento, o que os brasileiros precisam é o Estado presente para oferecer suporte eficaz às grandes dificuldades de povo.

“Por que não usamos uma plataforma como ‘open banking’ para facilitar a portabilidade? Você sabe quanto tempo leva hoje a portabilidade (para um beneficiário mudar de um plano de saúde para outro)? Cerca de 90 dias”, indagou Queiroga.

“Então imagine em uma plataforma como essa onde você coloca seu CPF, seu plano aparece lá e alguns outros planos combinam com o seu perfil e você clica em cima [na tela do seu celular] e muda”, disse Queiroga ao jornal Valor Econômico.

A plataforma coletaria registros de pacientes e métricas adicionais de saúde, que seriam compartilhadas com as operadoras para oferecer “planos personalizados”, com preços mais baixos para quem usa menos o sistema de saúde, disse o ministro.

Além disso, de acordo com Queiroga, a adoção do modelo também reduzirá a carga sobre o sistema público de saúde, uma vez que muitas pessoas terão “acesso fácil” a cuidados de saúde adicionais.

Interesses empresariais

“Não tem cabimento o ministro Queiroga tentar agradar o setor empresarial em plena nova onda da pandemia, em meio à falta de testes de covid na rede privada, escândalo de operadora acusada pela CPI do Senado Federal, e previsão de mais um aumento das mensalidades dos planos de saúde acima da inflação. O titular da pasta da Saúde, que deveria estar à frente da condução de respostas ao recrudescimento de casos de Covid-19, registra, assim, mais um malogro de sua gestão”, repudia nota dos especialistas do GEPS (Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde), da USP, e do GPDES (Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde), da UFRJ.

“Ao prever a circulação livre de dados dos pacientes entre as operadoras, a medida tem dois propósitos explícitos: 1) permitir a seleção de risco, para que as empresas possam escolher aquelas pessoas que não tem nenhuma doença; e 2) facilitar a venda de planos “customizados”, de menor cobertura, baseados no histórico passado do paciente, sem considerar a imprevisibilidade futura das necessidades de saúde das pessoas”, prossegue o texto.

O texto dos especialistas conclui apontando: “No lugar de atender interesses de empresários da saúde em ano de eleição, o ministro Marcelo Queiroga devia, no momento, é se ocupar com a vacinação de crianças e coordenar efetivamente os esforços para o controle da nova onda de Covid-19 que ameaça colapsar o sistema de saúde mais uma vez”.

Fonte: HP
Foto: Ministro Queiroga durante depoimento na CPI da Covid (Foto: Jefferson Rudy / Agência Senado)
Publicado em 24/01/2022

Molnupiravir para Covid-19: expandindo o acesso ou ampliando a exclusão?

A busca por medicamentos vem sendo efetuada de maneira frenética desde o início da pandemia de Covid-19, doença que já registrou 245 milhões de casos (ver aqui) e quase 5 milhões de mortes (ver aqui) no mundo e por isso já é considerada a pior tragédia sanitária e humanitária de todos os tempos.  Medicamentos antigos são reposicionados e  novos medicamentos vêm sendo  submetidos a ensaios pré-clínicos e clínicos nos países. Leia no artigo de Jorge Bermudez e Luana Bermudez*

 

 

A esperança de vacinar toda a população mundial se encontra ameaçada pelo “apartheid das vacinas” e o nacionalismo exacerbado dos países de alta renda; daí a necessidade de contar com tratamentos eficazes para evitar casos graves e óbitos.

Quase um ano após o início da vacinação contra Covid-19 no mundo, mais de 6 bilhões de doses já foram aplicadas. Quando observamos a distribuição dessas doses, salta aos olhos a evidente desigualdade de acesso às vacinas. Enquanto países de alta renda já estão aplicando terceiras doses como reforço e vacinando crianças e adolescentes, países de baixa renda ainda estão começando a vacinar os profissionais de saúde (ver aqui).

Em agosto de 2021, os diretores do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Mundial do Comércio (OMC) publicaram um comunicado conjunto (ver aqui) instando os países e a indústria farmacêutica a se comprometerem para alcançar a meta de vacinação de 10% da população de todos os países até setembro, 40% até o fim de 2021 e 70% até o fim de 2022. No fim de outubro de 2021, sabemos que diversos países não atingiram a meta de 10% de suas populações vacinadas e de acordo com projeções, muitos deles, em sua maioria no continente africano, não serão capazes de cumprir a segunda meta de 40% da população com pelo menos uma dose até o fim desse ano (ver aqui).

É inaceitável que tantas promessas de solidariedade e diversas iniciativas internacionais de promoção de acesso a tratamentos e vacinas de Covid-19 tenham sido bloqueadas pela ganância de uma minoria.

Muitos produtos foram testados e descartados quanto à possibilidade de serem utilizados no tratamento da Covid-19, incluindo anticorpos monoclonais e policlonais, produtos utilizados em oncologia, antivirais, entre outros.

Mais recentemente, foi anunciado que em diversos modelos pré-clínicos, o molnupiravir seria um potente análogo de ribonucleosídeo que inibe a replicação do SARS-COV-2 e suas variantes. O medicamento tem a vantagem de ser administrado por via oral e está sendo investigado também o seu potencial profilático para uso pós-exposição, em pessoas, por exemplo, que coabitam com alguém já diagnosticado. Embora visto como uma possibilidade de utilização, foi anunciado que o tratamento tem que ter início precoce, entretanto o custo do tratamento, estimado em 700 dólares, se coloca como uma barreira ao acesso.

No dia 27 de outubro de 2021 foi anunciado de maneira ampla que estava sendo implementado um acordo de licenciamento voluntário entre a empresa Merck, detentora das patentes do molnupiravir, com a iniciativa Medicines Patent Pool (MPP) . Esse acordo prevê que a MPP possa sublicenciar produtores em diversos países para suprir o medicamento num escopo geográfico de 105 países de baixa e média renda. Não é a primeira vez que, no caso dos licenciamentos voluntários, o detentor da patente define o escopo geográfico e permanentemente exclui os países de renda média alta. Na Região das Américas, somente os seguintes países foram incorporados nesse acordo: Belize, Bolívia, Cuba, Dominica, El Salvador, Guatemala, Guiana, Haití, Honduras, Jamaica, Nicaragua, Paraguai, Saint Lucia, Saint Vincent and the Grenadines, Suriname e Venezuela.

Temos mencionado anteriormente que, da mesma maneira que se manifesta o confronto entre Saúde Pública x interesses comerciais, ou que se explicitam as incoerências entre os direitos individuais, a Saúde Pública, as leis internacionais sobre direitos humanos e as regras do comércio (ver aqui), em geral os acordos voluntários não levam em consideração a carga de doenças, mas apenas a classificação de países por nível de renda. Temos discutido também que os mecanismos voluntários efetivamente podem ter resultados positivos, mas não são suficientes para quebrar os monopólios e assegurar a possibilidade de expansão da produção e acesso universal. Os licenciamentos compulsórios, conhecidos como “quebra de patentes”,  sao mecanismos complementares que representam o direito dos países de utilizar e produzir medicamentos para fins de saúde pública, assegurando o acesso a tecnologias e a sustentabilidade das políticas públicas.

A publicação do acordo pela MPP gerou diversas opiniões; por um lado cabe destacar a transparência do acordo, que é a primeira licença para uma tecnologia relacionada à Covid-19 publicada em sua totalidade (ver aqui). Essa transparência não foi vista, por exemplo, nos diversos acordos assinados para a aquisição e produção de vacinas contra Covid-19. James Love, diretor do Knowledge Ecology International (KEI), considera esse o melhor acordo que qualquer empresa fez até o momento para licenciamento de sua propriedade intelectual durante a pandemia e destaca que a área licenciada é grande o suficiente para induzir uma entrada eficiente de genéricos e economias de escala (ver aqui).

Esse acordo certamente representa um passo importante na promoção do acesso a possíveis tratamentos para Covid-19, e muitos defendem que  outras empresas com licenciamento de tratamentos promissor​​es (ver aqui) deveriam seguir o exemplo da Merck. No entanto, cabe destacar que, como de costume em licenciamentos voluntários, este acordo apresenta limitações importantes. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) ressalta que esta licença exclui quase metade da população mundial, incluindo países de renda média-alta com capacidade de produção, como é o caso do Brasil e da China. Além disso, criticam também uma cláusula no contrato de rescisão caso alguma empresa sublicenciada pela Medicines Patent Pool (MPP), uma organização de saúde pública apoiada pelas Nações Unidas, exerça seu direito de contestação de patentes. Essa é a primeira vez que uma cláusula desse tipo é incluída em um acordo da MPP, e de acordo com o Conselho Diretor da organização, não há nenhuma intenção de exercer este direito (ver aqui).

Assim, muitos consideram que esta licença voluntária mantém o modus operandi da indústria farmacêutica e defendem que a Merck deveria conceder uma licença global ao molnupiravir sem restrições geográficas e que a Universidade Emory, que desenvolveu o medicamento com importante financiamento do governo dos Estados Unidos, retire suas reivindicações de patentes.

Lembramos ainda que, no relatório do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em acesso a medicamentos, foi ressaltado de maneira clara que a pesquisa financiada com recursos públicos deve gerar conhecimento aberto, amplamente acessível ao público. As universidades e instituições de pesquisa que recebem financiamento público devem, portanto, priorizar objetivos de saúde pública e não recebimento de recursos como resultados de suas práticas de patenteamento e licenciamento. Com essa finalidade, são propostos mecanismos de incentivos e as instituições devem adotar políticas e abordagens que catalisem a inovação e criem modelos flexíveis, para permitir o avanço da pesquisa biomédica e a geração de conhecimento para benefício público.

Lamentamos que a divulgação dos termos do acordo entre a Merck e a MPP, embora com todas as manifestações positivas pela transparência e divulgação pública na íntegra, possa estar nos trazendo novamente para um novo “apartheid”, em se tratando de um mecanismo voluntário que exclui países de renda média alta, mas que não necessariamente tem condições de arcar com preços estabelecidos em carater de monopólio. Tendo quase a metade da população mundial excluída do licenciamento voluntário da Merck, que não leva em consideração a carga de doenças nem critérios epidemiológicos. A solidariedade que se buscou e preconizou no início da pandemia com relação às vacinas como bens públicos globais não resistiu aos anseios das empresas farmacêuticas de manter seus monopólios e se recusarem, na sua maioria, a transferir tecnologia como uma das formas de expandir o acesso.

O Brasil mais uma vez mostra progredir no caminho certo, graças à solidez de suas instituições públicas, em que pese as restrições orçamentárias-financeiras e o teto de gastos públicos gerado pela EC-95. A Fundação Oswaldo Cruz, que já está entregando ao SUS cerca de 120 milhões de doses da vacina, fruto da parceria com AstraZeneca, anunciou que se encontra dialogando com a empresa Merck para a definição de modelo de cooperação que permita a produção nacional do molnupiravir e o acesso ao produto no SUS, considerando os estudos globais de fase 3 em andamento e o potencial envolvimento em estudos futuros.

Temos que fortalecer nossas referências para assegurar o acesso universal da população brasileira às tecnologias em saúde. Em nível global temos como meta alcançar  os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, com a premissa de não deixar ninguém para trás. No âmbito nacional, temos a obrigação de insistir na saúde como direito de todos e dever do Estado, como consta o artigo 196 de nossa Constituição Federal. Para isso, precisamos fortalecer nosso complexo econômico e industrial da saúde e lutar pelo acesso a medicamentos como um direito de todos, inserido na política de saúde e no próprio SUS, patrimônio do povo brasileiro.

*Jorge Bermudez é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e pesquisador-parceiro do CEE; Luana Bermudez é assessora da Presidência da Fiocruz e membro da UAEM Brasil (Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais).

Fonte: CEE – Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz
Publicado em 28/10/2021

Controle de preços dos medicamentos é responsabilidade sanitária

De modo geral, os preços são livres no Brasil. Uma das exceções são os medicamentos, que têm preços regulados desde o início deste século porque, de acordo com o IBGE, representam parcela relevante do gasto familiar e seu uso racional salva vidas. Controlar seus preços é responsabilidade sanitária, portanto.

Os países que possuem sistemas de saúde universais contam com mecanismos para regular os preços dos medicamentos. Com a tendência global de alta nos preços, esses mecanismos de controle estão sendo aperfeiçoados como ocorre atualmente na Alemanha, Canadá, França, Reino Unido, entre outros. A Organização Mundial da Saúde recomenda a regulação de preços de medicamentos com o objetivo de garantir o acesso equitativo aos mesmos pelos usuários e sistemas de saúde. Considera fundamental – também – que seja garantido o estímulo à inovação, ao mesmo tempo em que se garantam preços justos para esse insumo tão essencial.

Entre nós, lamentavelmente, está sendo construída uma proposta que fragiliza a regulação de preços de medicamentos. Caso seja posta em prática, terá impacto negativo para as famílias, governo e saúde suplementar. Acaba de ser formalizada a “Consulta Pública SEAE nº 02/2021 – Critérios para Precificação de Medicamentos” oriunda do Ministério da Economia, que carece de uma fundamentação técnica da análise de impacto regulatório e que implicará em aumentos de preço.

Atualmente, o controle de preços é realizado pela Câmara de Regulação de Preços de Medicamentos (CMED), presidida pelo Ministério da Saúde e com secretaria executiva sediada na ANVISA. Tudo indica que na nova proposta quem passará a dar as cartas é o Ministério da Economia. Portanto, os preços saem da órbita sanitária para a órbita econômica. Qual o sentido dessa mudança?

É, sem dúvida, positivo estimular a capacidade inovativa da indústria farmacêutica brasileira, intenção aparente do texto apresentado, que pretende bonificar os preços de medicamentos que apresentem “inovações incrementais”. Porém, além de uma definição frouxa dessas “inovações”, a consulta carece de argumentos técnicos que calibrem a bonificação.

Não há qualquer razão para que a Secretaria Executiva saia da esfera de competência da saúde (ANVISA) onde se desenvolve um trabalho técnico sério para o Ministério da Economia. De resto, as dificuldades de inovação na nossa indústria estão em outro lugar que não o controle de preços realizado pela CMED. Ao fim e ao cabo, a aprovação dessas mudanças resultará em aumento das margens de lucro das empresas, às custas do aumento de preços.

É fundamental manter o controle de preços na esfera sanitária, com vistas a garantir o equilíbrio entre o estímulo à inovação, competitividade e a garantia do acesso e da sustentabilidade do SUS. Quando um destes pilares é retirado, quem sofre é a população. Exigimos a suspensão da Consulta e a abertura de amplo processo de discussão.

*Assinam esse artigo:

Rosana Onocko Campos, presidente da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Lúcia Souto, presidente do Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Erika Aragão, presidente da  Abres – Associação Brasileira de Economia da Saúde
Túlio Franco, coordenador geral da Associação Rede Unida
Dirceu Greco, presidente da SBB – Sociedade Brasileira de Bioética
Marilena Lazzarini, presidente do Conselho do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Lenir Santos, presidente do Idisa – Instituto de Direito Sanitário Aplicado
Valéria Santos Bezerra, presidente da SBRAFH – Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde
Ronald Ferreira dos Santos, presidente da FENAFAR – Federação Nacional  dos Farmacêuticos
Zeliete L. L. Zambon, presidente da SBMFC –  Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade

Artigo publicado no portal do jornal Folha de S. Paulo em 25/08/2021 – acesse aqui a publicação original.

Frente Pela Vida: uma construção necessária e cidadã

“Quando começamos esse movimento, colocamos pilares extremamente atuais e necessários ainda hoje. Passou-se mais de um ano, e seguimos nesse trabalho de muita união”, ressaltou Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco na abertura de uma Ágora Abrasco especial, dedicada a avaliar a construção da Frente Pela Vida e seus futuros desafios. A atividade foi realizada em 7 de julho e reuniu dirigentes da atual gestão da Abrasco, candidatos à nova diretoria e diretores e militantes de entidades integrantes e entusiastas da Frente.

A exibição do vídeo de convocação “Quem respira em 2020?” e leitura do Manifesto da Marcha Pela Vida abriram a sessão, coordenada por Gulnar. A primeira fala foi de Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

“[A Frente] Foi um movimento que permitiu agregar muitas entidades da sociedade civil, todas em torno da luta pela vida”, disse ressaltando o papel cumprido pelo “Plano Nacional de Enfrentamento da Pandemia de Covid-19“, redigido pelas entidades da Saúde ligadas à Frente. Lançado em julho de 2020, o PEP-Covid-19 foi apresentado a todos os poderes da República e à sociedade civil, servindo de referência para ações de diversas prefeituras e serviços de saúde.

Clemente Ganz, representante do Fórum das Centrais Sindicaisdestacou que, no atual momento da conjuntura nacional, a sociedade civil foi convocada a se posicionar energicamente e promover acordos entre seus diferentes segmentos dentro do debate público. “É fundamental que tenhamos nossa cultura política constituída por essas redes, articulações, frentes, fóruns e movimentos que, assim como a Frente Pela Vida, procuram agregar, tanto pela resistência como pela ação propositiva e qualificada”, definiu o sociólogo. A área da educação foi representada por Geovana Lunardi Mendes.

“Nunca havíamos passado por essa situação de um sistema educacional mundial fechado do dia para noite. Depois do primeiro imobilismo, foram as pessoas da saúde que nos chamaram para pensar em respostas”, apontou a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), ressaltando a parceria estabelecida entre os campos da saúde e educação, com a publicação do “Manifesto Ocupar Escolas, Proteger Pessoas e Valorizar a Educação“, em outubro e novembro de 2020; e a entrada da área da Assistência Social, consolidada no documento “Saúde, Educação e Assistência Social em defesa da Vida e da Democracia”, lançado em abril de 2021.

O controle social também destacou a importância da iniciativa diante do cenário de imobilismo e negacionismo. “Se não tivéssemos a Frente Pela Vida seria bem mais difícil. Essa iniciativa foi fundamental, um espaço para atuação da socidade civil do Conselho”, ressalta Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde”, disse Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Após as explanações, o debate contou com as participações de militantes e dirigentes das entidades que compõem a Frente, e parceiros entusiastas, como Nésio Fernandes de Medeiros, representante do Conass; Tulio Franco, coordenador da Rede Unida; Erika Aragão, presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES); Ronald dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar); Lúcia Souto, presidente do Cebes; Dirceu Grecco, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB); Denise Herdy, representante da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) Ensino da Medicina (Abem); Ricardo Heizelman, representante da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e Lígia Giovanella, coordenadora da Rede APS.

Assista à sessão na íntegra:

Fonte: SUSConecta
Foto: Reproduçõ

“Há países que só terão vacina em 2023. Não é justo!”, diz Jorge Bermudez

Em debate promovido pelo Conselho Nacional de Saúde, pesquisadores e organizações defenderam a adoção do licenciamento compulsório para produção de vacinas. Para o CNS, quebrar o monopólio da indústria sobre as tecnologias em Saúde pode salvar muitas vidas. Para isso, é necessário pressão da socieadade, do parlamento e do governo federal.

Para facilitar o acesso às tecnologias relacionadas à Covid-19 e salvar vidas, é necessário que haja a Licença Compulsória, popularmente conhecida como “Quebra de Patentes”. É o que defende o Conselho Nacional de Saúde (CNS) em suas recomendações. O órgão responsável pelo controle social do Sistema Único de Saúde (SUS) reafirmou o posicionamento durante live sobre o tema, ocorrida nesta quarta (26/05). Para isso, o Congresso Nacional, com apoio do governo federal, precisa aprovar Projetos de Lei (PL) que agilizem o processo diante da emergência sanitária e contra o monopólio das vacinas, que tem causado muitas mortes.

Jorge Bermudez, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), lembrou dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento afirma a necessidade de promover o acesso a medicamentos e vacinas seguros e acessíveis para todos no mundo. O pesquisador também citou o Acordo Trips da Organização Mundial do Comércio (OMC), que obriga 164 países a reconhecerem patentes adotando “padrões mínimos e flexibilidades quando necessário”. Segundo ele, o país que mais promove licenças compulsórias no mundo são os Estados Unidos.

Experiência única de quebra de patentes no Brasil

Jorge Bermudez trouxe à tona a única experiência de quebra de patentes no Brasil, em 2007,  com o antirretroviral efavirenz, fundamental para pessoas que vivem com HIV/Aids no país. “Vivíamos o Governo Lula, com o ministro da Saúde José Temporão. Havia uma unidade no governo que permitiu a licença por meio de um decreto, reduzindo o preço unitário de 5 dólares para 1 dólar por unidade, por dois anos. Depois, passamos a produzir pela Farmanguinhos, da Fiocruz”, felicitou.

A deputada federal Alice Portugal, afirmou que “a pandemia mostrou a extrema concentração de grandes nações e empresas sobre as tecnologias da saúde. 80% dos medicamentos consumidos no Brasil são formulados no exterior. Isso nos coloca num grau de dependência inimaginável pra uma nação que deveria ser soberana”, criticou.

Países como Alemanha, Canadá, Chile e Equador já estão facilitando licenças relacionadas à Covid-19. “Tecnologias devem ser consideradas bens públicos globais”, completou Bermudez. De acordo com o pesquisador, os países de baixa renda, que compõem quase metade da população no mundo, “só tem 17% das vacinas. A brecha é muito grande. Há países que só vão ter vacina em 2023. Isso não é justo!”.

Projetos de Lei

No parlamento brasileiro, tramitam hoje sete projetos diferentes oriundos do Senado e da Câmara dos Deputados. Dentre eles, o Projeto de Lei n° 1462/2021, apoiado pelo CNS e endossado por diferentes parlamentares de partidos considerados de esquerda e de direita. No Senado, o PL nº 12/2021 – já aprovado na casa – requer a Quebra de Patentes para as tecnologias da Covid-19 no Brasil. Agora o projeto segue para ser discutido também entre deputados federais.

Contraponto

Nelson Mussolini, conselheiro nacional de saúde representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), defendeu que não haja licença compulsória no Brasil. “Precisamos ter as patentes. Foi a Lei de Patentes que possibilitou a indústria a produzir produtos genéricos, ampliando o acesso à saúde. Me preocupam soluções simples para problemas complexos. Não é com uma caneta que vai se resolver a pandemia. Muita gente imagina que, no dia seguinte à quebra de patentes, as fábricas brasileiras vão produzir as vacinas necessárias. Não é isso. É demagógico, isso não resolve os problemas”.

Segundo o conselheiro, há produtos que não têm patentes e que mesmo assim não são fabricados, ainda que haja a necessidade.  “Por que não cuidarmos dos problemas que existem com medicamentos oncológicos ou para sífilis?”, questionou. Mussolini afirmou que, através de negociações, é possível ampliar as vacinas, como ocorreu com o Instituto Butantan e laboratórios estrangeiros.

Dirceu Greco, da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) disse que “todos somos defensores do SUS e contra a pandemia. É necessário lutarmos juntos contra essas iniquidades. A crise de vacina é apenas uma no meio de tantas outras que foram escancaradas. A proposta é de renúncia das patentes, abertura dos direitos autorais e que todas as informações [sobre tecnologias da Saúde] sejam divulgadas”.

Em resposta a Mussolini, ele disse. “Não é para produzir amanhã, mas [com a abertura] poderemos sim estruturar em tempo curto a produção de vacinas e outros produtos contra a Covid-19”. A live foi mediada pelo conselheiro nacional de saúde Moysés Toniolo, representante da Articulação Brasileira de Luta Contra a Aids (Anaids). Atendendo aos padrões vigentes de acessibilidade, a live foi interpretada em Língua Brsileira de Sinais (Libras).

Conheça as ações do CNS contra a Covid-19

Fonte:SUSConecta. Foto: Poder 360

Dia histórico contra o monopólio da Big Pharma no Brasil

Senado aprova PL que permite quebra temporária de patentes na saúde. No Supremo, Dias Toffoli vota contra dispositivo que emperra genéricos

 

 

Por 55 votos a 19, o Senado aprovou ontem um projeto que permite a quebra temporária de patentes de vacinas contra a covid-19, além de testes diagnósticos e medicamentos como o remdesivir. Pelo texto, as licenças compulsórias poderão ser concedidas quando o titular da patente “não atender às necessidades de emergência nacional ou de interesse público” ou de estado de calamidade pública nacional. Só poderá desfrutar delas quem tiver “efetivo interesse e capacidade econômica para realizar a exploração”. Em contrapartida, os laboratórios titulares vão receber uma remuneração, cujo valor vai variar dependendo da licença, de sua duração, dos investimentos necessários à sua exploração, dos custos de produção e da venda do produto no mercado.

O governo federal pressionou contra a aprovação desde sempre, e a matéria sofreu várias mudanças desde a última vez que falamos dela, aqui. Os projetos de lei originais eram o 12/2021, do senador Paulo Paim (PT-RS) e o 1.171/2021, assinado por Otto Alencar (PSD/BA), Esperidião Amin (PP/SC) e Kátia Abreu (PP/TO). Eles foram apensados e o texto aprovado foi o do relator, senador Nelsinho Trad (PSD-MS).

No início, a proposta de Paim era dispensar o Brasil de cumprir durante a pandemia algumas exigências adotadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) no acordo TRIPS, que regula os direitos de propriedade intelectual no mundo. Esse era um dos problemas apontados pelo governo para tentar impedir a aprovação: o argumento era o de que nesse caso o acordo inteiro teria que ser denunciado, o que traria insegurança jurídica para outros detentores de patentes, mesmo fora da área da saúde. Trad retirou essa previsão, por considerar que “não é possível suspender por meio de legislação federal, ainda que parcialmente, partes de um tratado internacional ratificado pelo Brasil”.

Em vez disso, o substitutivo muda a Lei de Patentes, incrementando um artigo que já previa a possibilidade de licenciamento compulsório em caso de emergência nacional, mesmo respeitando o TRIPS. Como se sabe, a prerrogativa da licença compulsória, prevista na Lei de Patentes, já foi usada antes. Foi por meio dela que o governo Lula quebrou a patente do efavirenz, usado no tratamento da Aids.

Agora, ficou estabelecido que deve haver duas etapas para o processo. Primeiro, o poder público tem 30 dias para publicar a lista de patentes que poderão ser quebradas –, instituições de ensino e pesquisa, além de entidades da sociedade civil, deverão ser consultadas para a elaboração dessa lista, que deve ser constantemente atualizada. De início, ela deve conter necessariamente as patentes ou pedidos de patentes associados às vacinas contra a covid-19, os ingredientes ativos e insumos, além do medicamento remdesivir, Se os laboratórios titulares não repassarem sua tecnologia, ocorre a quebra de patentes propriamente dita – mas a decisão final cabe ao Executivo.

Ainda do outro lado

Mesmo depois de o projeto ter sido modificado para não mexer com o acordo TRIPS, o governo federal continuou dando o contra. “Quebrar patentes vai colocar o Brasil na mesma situação que nós vivemos nos anos 1980, em que a América Latina, o Brasil, eram países tidos como não cumpridores de acordos, moratórias. E isso prejudicou e muito a nossa história e o nosso desenvolvimento, o enriquecimento do nosso povo”, disse o vice-líder do governo Carlos Viana (PSD-MG), forçando a barra e afirmando que a proposta pode levar à “destruição”. Ele continua dizendo que a proposta “desrespeita acordos internacionais”.

A fala se alinha à da indústria. A CNI classificou como positiva a não-violação do TRIPS, mas avaliou que o projeto é “ineficaz” e não vai ajudar a aumentar a oferta de vacinas no país. “Até o momento, nenhum dos apoiadores do projeto explica quais são as dificuldades de utilizarmos a legislação vigente, que já permitiu o licenciamento compulsório em outras ocasiões. Os apoiadores do projeto também não indicam quais são as patentes que são obstáculos para que a indústria local produza as doses. Quais são as vacinas que pretendemos produzir com esse projeto? A aprovação do PL pode prejudicar as parcerias existentes? Temos tecnologia, know-how, insumos, para produzir essas vacinas imediatamente e de forma independente? Quem irá produzir?”, questiona a entidade, no Estadão.

Bom, a proposta só prevê a concessão de patentes quando houver “condições objetivas de mercado, capacitação tecnológica e de investimentos para sua produção no Brasil”, o que deveria minimizar essa preocupação.

O texto segue para a Câmara.

Vitória também no Supremo

E ontem foi um dia importante para quem luta contra as barreiras que a propriedade intelectual impõem ao direito à saúde porque além do Senado, o STF também avançou na direção da racionalização das patentes. No caso, a discussão é sobre a constitucionalidade de um dispositivo da Lei de Propriedade Industrial que acaba estendendo o monopólio dos produtos para além do prazo de 20 anos, caso haja demora do INPI em analisar os pedidos. Em um longo voto, com 77 páginas, que deve terminar de ler somente na próxima semana, o ministro Dias Toffoli indicou que é contra o artigo 40. Para apoiar seu argumento, ele citou um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que mostra que, entre 2008 e 2014, quase todos os pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos se valeram desse artigo. “O prazo das patentes sempre estará condicionado a uma variável absolutamente aleatória, a gaveta”, disse Toffoli.

O ministro do STF adiantou que é favorável à modulação dos efeitos da decisão, o que livraria as patentes já concedidas com o prazo estendido de caírem. Mas a ótima notícia é que ele defende que isso não pode valer para a saúde: produtos, processos farmacêuticos, equipamentos ou materiais de uso em saúde teriam, assim, o prazo limitado aos 20 anos do pedido de registro.

A Procuradoria-Geral da República, que propôs o processo, indica que a decisão pode afetar patentes ligadas ao enfrentamento da covid-19. Dados prestados pelo INPI apontam que existem nove patentes em vigor há mais de 20 anos com indicação de possível uso no tratamento da doença.

O INPI também informou que conta com 143.815 processos pendentes. “Dentre os pedidos pendentes, os que aguardam concessão há mais de dez anos, no caso de invenção, ou de oito anos, no caso de modelo de utilidade, totalizam nada menos do que 8.837”, destaca o voto de Toffoli. Nesse sentido, o ministro também propõe a contratação de servidores para fazer frente à demanda do órgão.

O resultado final do julgamento dependerá da posição da maioria da Corte, que votará na próxima semana.

Fonte: Outras Palavras, por Maíra Mathias e Raquel Torres
Publicado em 30/04/2021