Teto de Gastos: entidades lançam apelo público e entregam documento ao STF

Coalizão que reúne 192 organizações e redes de sociedade civil, Conselhos Nacionais de Direitos, entidades sindicais e instituições acadêmicas das várias áreas sociais, lança Apelo Público aos Ministros do Supremo Tribunal Federal pelo fim da Emenda do Teto de Gastos (EC 95/2016) e protocolou quinta-feira (7/5) no STF documento que analisa os efeitos da Emenda no enfrentamento da pandemia e no cenário pós-pandemia. 

 

 

O documento será ainda enviado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).

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Conhecida como Emenda do Teto de Gastos, a EC 95 foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, durante o governo de Michel Temer, e é considerada pela ONU a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta ao acarretar cortes de gastos sociais e ambientais. A Ministra Rosa Weber é a relatora das seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade que pedem o fim da Emenda.

No dia 18 de março, a Coalizão Direitos Valem Mais apresentou à Ministra Rosa Weber um pedido de suspensão imediata da Emenda. A Ministra reagiu apresentando um pedido de informações ao governo federal no âmbito da ADI 5715 sobre o impacto da EC95 no enfrentamento da COVID-19. O documento protocolado quinta-feira pela Coalizão, elaborado por um grupo de pesquisadoras e pesquisadores de várias áreas sociais, não somente responde com dados rigorosos às perguntas da Ministra, mas apresenta: uma profunda análise dos efeitos do Teto de Gastos (EC95/16) em diversas áreas; argumentos jurídicos, sociais e econômicos pelo fim da Emenda; e alternativas concretas para que o Estado brasileiro supere o quadro de acentuado subfinanciamento das políticas públicas que tanto fragilizou a “imunidade” do país no enfrentamento da COVID-19.

Além dos dados, o documento traz relatos de casos de violação de direitos de indivíduos e coletivos, que revelam o imenso sofrimento gerado à população em decorrência da combinação do desmantelamento das políticas sociais e da profunda crise econômica com a chegada da pandemia.

Apelo Público ao STF

No Apelo Público aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, as instituições chamam a atenção para o cenário pós-pandemia, marcado pela perspectiva de uma brutal recessão econômica global.

Destacam que o fim da Emenda Constitucional 95 representa a possibilidade de ampliar as chances de lidar com as suas consequências, aumentando as chances de sobrevivência de grande parte da população frente à doença, à fome e à miséria que crescem vertiginosamente, afetando principalmente a população pobre, negra, indígena e do campo:

“Significa retomar o projeto Constituinte e o caminho rumo ao fortalecimento da capacidade do Estado e das políticas públicas de garantir direitos; melhorar as precárias condições de vida da gigantesca maioria da população; enfrentar as profundas e históricas desigualdades brasileiras; diminuir a drenagem de recursos públicos das políticas sociais para setores financeiros; e preparar o país para o contexto de aceleradas mudanças climáticas e de riscos de novas pandemias globais como alertado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).”

O Apelo Público ressalta a importância do investimento em políticas sociais e ambientais como forma de dinamizar a economia. Em vários países e blocos econômicos do mundo, o aumento do gasto social está colocado como o caminho para fortalecer a economia em um contexto de profunda crise global. Destaca que existem alternativas de regras fiscais – as chamadas regras fiscais de segunda geração – que mantêm a responsabilidade fiscal, mas que também promovem responsabilidade e justiça social.

Nesse contexto de tantas ameaças, a Coalizão destaca a urgência de que o STF se posicione firmemente pelo fim da EC95. As organizações apelam que o STF suspenda imediatamente a Emenda e julgue as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) reconhecendo sua plena inconstitucionalidade e superando a cisão entre direitos constitucionais e economia.

Baixe o apelo público aqui!

EC95: a destruição de um país

  • Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 estabeleceu a redução do gasto público em educação, saúde, assistência e em outras políticas sociais por vinte anos, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra.
  • Devido aos seus efeitos drásticos, a Emenda é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam seu fim imediato pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.
  • Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc/Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA, entre muitos outros, vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos.
  • Em agosto de 2018, sete relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.
  • Ainda em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. O relatório preliminar da CIDH manifestou grande preocupação com o fato de o país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.
  • Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.
  • Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem as desigualdades e constituem motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, considerada uma medida anticíclica.

Pelo fim do Teto de Gastos

Fonte: SUSConecta
Publicado em 12/05/2020

Linha de chegada pode ser para poucos

O mundo inteiro está em busca de algum medicamento, vacina ou tratamento para que possamos combater de vez a Covid-19. Mas é possível que, quando vier, essa descoberta não seja disponibilizada para a maioria dos 7,7 bilhões de pessoas da população mundo, se não enfrentarmos outra batalha, que é a da patente.

 

 

Há quase um mês, no dia 2 de abril, foi protocolado na Câmara Federal o Projeto de Lei 1462/2020, suprapartidário, que propõe licença compulsória nos casos decorrentes de declaração de emergência de saúde pública de importância nacional ou internacional. Ao longo desse tempo e, mais particularmente, nesta semana, entidades como Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Grupo de Trabalho sobre a propriedade intelectual (GTPI), entre outras,  se mobilizam para que o projeto entre em pauta o quanto antes.

O projeto propõe que toda e qualquer descoberta, seja de medicamentos, insumos ou outras ferramentas importantes para o combate à pandemia, tenha a licença compulsória –  popularmente conhecida como “quebra de patente”. Isso significa uma suspensão temporária do direito de exclusividade do titular da patente, permitindo a produção, uso, venda ou importação do produto ou processo por um terceiro, desde que ele tenha sido colocado no mercado. Para que isso ocorra, é necessário um trâmite específico – declarar interesse público, abrir e esgotar negociações e emitir um decreto presidencial fazem parte desse processo. O projeto que tramita no parlamento brasileiro prevê, no entanto, que esse trâmite seja encurtado em casos de contextos pandêmicos como o atual. Para fazer valer, o  texto propõe que, com a declaração de emergência de saúde pública de importância internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ou declaração de emergência de saúde pública de importância nacional pelas autoridades nacionais competentes, o licenciamento passaria a valer até o fim do enfrentamento do estado de crise.

Logo após a apresentação do PL, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou, no dia 7 de abril, a moção de Apoio nº3, que alega que a “disponibilidade de medicamentos, equipamentos, tecnologias, insumos, dispositivos médicos pode sofrer restrições em função de monopólios legais, patentes e direitos de propriedade intelectual que geram monopólios (legais ou não) e que patentes podem limitar a importação, o desenvolvimento, a produção e fundamentalmente, o acesso a tais tecnologias, pois permitem a apenas uma empresa impor preços elevados e inacessíveis para milhões de pessoas”. O que o CNS denuncia em sua moção é que um laboratório que obtém a patente de um remédio pode cobrar o preço que quiser, determinando, pelas regras de mercado, onde ele quer ou não que este medicamento tenha um acesso mais ampliado, independentemente da necessidade. E, se isso acontecer com a  Covid-19, não será a primeira vez que a falta de medicamentos pode mudar de vez o rumo da história. Casos como medicamentos para HIV e Hepatite C são simbólicos dessa situação.

O professor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) Jorge Bermudez lembra que esse episódio não é novo. “Em um caso mais recente, tivemos um medicamento sob detenção da Roche que ajudaria no combate à Influenza. O laboratório sub-licenciou o medicamento para algumas companhias e cobrou o preço que quis. O que pode acontecer hoje é que teremos avanço na descoberta de alguns produtos, mas ninguém terá a capacidade de produzir em semanas ou meses. E aquilo que é desenvolvido no hemisfério norte pode ficar por lá e, se chegar por aqui, será muito tempo depois”, avalia e acrescenta: “Mas, o mais grave é que qualquer produto novo pode ter patente e, em consequência, monopólio. E isso pode não se tornar acessível a todos os países. Por isso vários países já estão defendendo que, enquanto durar a pandemia, produtos relacionados ao enfrentamento da Covid-19 não tenham proteção patentária”.

Paulo Villardi, do Grupo de Trabalho sobre a propriedade intelectual (GTPI), ressalta que as pesquisas sobre a família do coronavírus foram tiradas de portfólios de diversos laboratórios que hoje estão nessa corrida pela descoberta da cura ou da prevenção. “Existe uma não priorização dessa pesquisa, que levou a esse quadro. O fato é que ocorre a priorização das doenças que mais atingem os países do norte global, como hipertensão, diabetes e câncer, que geram maior lucro”, afirma e detalha: “As empresas não investem muito em pesquisa e desenvolvimento. É mais em marketing. O que a gente tem hoje é a pesquisa de segundo uso [quando a substância é desenvolvida com um objetivo e é testada em outras soluções]. É o caso da hidroxicloroquina e do atazanavir. Todos esses medicamentos não foram desenvolvidos para a Covid-19. Eles têm outros usos farmacêuticos. Estão sob patentes e [os laboratórios] estão pedindo a [patente] de segundo uso, ampliando ainda mais o tempo de validade de suas restrições”.

Segundo o pesquisador do GTPI, o atual modelo de inovação em saúde é baseado no monopólio. As grandes empresas pesquisam moléculas e substâncias que podem ser eficazes e seguras para tratar doenças, mas buscando ser detentoras únicas sobre qualquer parte do processo de desenvolvimento e do produto final. “Isso faz com que não haja nenhum tipo de colaboração, nenhum tipo de troca entre pesquisadores da área, o que atrasa e muito o desenvolvimento de tecnologia em saúde”.

Para o advogado e especialista em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Matheus Falcão, o projeto de lei é o caminho mais adequado para que o país tenha maior alcance aos medicamentos. “É uma preocupação porque o preço dos medicamentos pode não dar acessibilidade [da população ao remédio]. Por isso reivindicamos a aprovação do projeto de lei. A licença compulsória é de fato a medida mais adequada, pois promove maior sustentabilidade na oferta, queda de preços e equidade no acesso a nível local e global”, afirma.

Outras experiências

Há pouco mais de uma semana o laboratório Gilead anunciou que o antiviral remdesivir reduziu o tempo de internação por Covid-19, segundo resultados preliminares de um estudo. Simultaneamente à produção deste estudo, o laboratório solicitou patente da substância em 70 países, incluindo o Brasil. “Isso é a forma de assegurar que eles tenham o monopólio, caso esse produto seja comprovado como efetivo”, avalia Bermudez. O mesmo laboratório é responsável pelo grande embate da substância sofosbuvir, responsável pela cura da Hepatite C, que obtém licença voluntária, – aquela que é concedida pelo laboratório  em alguns países com status de renda baixa -, mas que naqueles que não se encaixam essa exceção, como é o caso do Brasil, a mesma substância custa até dez vezes a mais. “O laboratório elegeu os países com quem quis sub-licenciar e aqueles que não estavam na lista ficaram de fora e pagam valores exorbitantes”, completa o pesquisador.

Para evitar que isso aconteça no caso da Covid-19, países como Israel, Alemanha, Colômbia, Canadá, Chile e Equador anteciparam suas iniciativas e já determinaram licença compulsória para descobertas relacionadas a esta pandemia.

Na busca do melhor tratamento para a Covid-19, a Organização Mundial da Saúde articulou o projeto ‘Solidariedade’, do qual participam 17 instituições brasileiras, coordenadas pela Fiocruz. Na plataforma, há 75 projetos em andamento, a maioria ainda na fase de testes em animais, sendo cinco em fases iniciais de testes em humanos. “Há uma articulação intensa em setores públicos para descoberta [do medicamento], por isso é importante que esse PL seja aprovado. Caso essa descoberta seja feita pelo setor público, seria todo um trabalho de pesquisa que depois teria um entrave para tornar essa substância acessível à população se ela for de algum farmacêutica detentora da patente”, avalia Matheus. A OMS tem a pauta de acesso a medicamentos como uma de suas metas, além de ser tema de um Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em Acesso a Medicamentos. Esta temática consta também na Agenda 2030 para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por solicitação da Costa Rica, a Organização está também estudando a criação de um pool de patentes de tecnologia Covid-19, em que laboratórios pudessem suspender seus monopólios para uso público global.

Em 2006, o Brasil já utilizou o mecanismo de licença compulsória, para retirar o monopólio de preços decorrente do Efavirenz, utilizado na resposta ao HIV/Aids. Por meio dessa iniciativa, o país pode conceder acesso a um número maior pessoas infectadas pelo vírus. “Com a licença compulsória conseguiu-se importar [o medicamento] por um preço mais baixo da Índia e, em paralelo, trabalhou-se com a capacidade de produção no país, fazendo com que em dois anos essa substância passasse a ser produzida internamente, por Farmanguinhos, da Fiocruz, o que resultou numa economia de milhões aos cofres públicos e a preservação de muito mais vidas”.

Pedro Villardi relembra que, diferentemente do Brasil, que não reconhecia a patente, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, a África do Sul não conseguiu atuar de maneira massiva no enfrentamento às consequências da falta de acesso ao medicamento. “O país viu uma geração ser dizimada porque as pessoas não conseguiam comprar individualmente nem tinha um programa nacional de distribuição que fosse possível frente aos preços utilizados pelas grandes farmacêuticas internacionais. A gente fala que existe um genocídio da indústria farmacêutica que soma dez milhões de mortes no início da epidemia da HIV e AIDS desnecessárias. Existiam os medicamentos, mas eles não chegaram às pessoas que precisaram dele”, denuncia.

Soberania nacional e acesso a medicamentos

Bermudez defende que o licenciamento compulsório traz também uma discussão sobre soberania nacional. “É a questão do acesso. Porque, na verdade, quando a gente aborda os medicamentos, há uma disputa entre política social e política comercial. Por um lado, visa-se ao lucro e, por outro, a população precisa ter acesso ao medicamento. É uma questão de equidade e de direitos humanos. Isso  a indústria nunca olha, o que lhe interessa é a lucratividade, a rentabilidade. Tanto que as pesquisas direcionadas às doenças ditas negligenciadas, que atingem às populações vulneráveis, não interessam à indústria, porque não são rentáveis.  É aí que vem o papel do setor público [que deve] se estruturar melhor e fazer”, afirma. De acordo com sua avaliação é necessário assegurar que produtos que sejam essenciais ao Brasil possam ter respostas internas de pesquisa e de produção. “Por mais contraditório que possa parecer, o que mais vem sendo sucateado pelo governo é o que está atendendo às demandas do Brasil”, avalia, referindo-se às instituições públicas de pesquisa e ensino.

Outra iniciativa que vai ao encontro à avaliação do pesquisador é a da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que emitiu um decreto sobre a liberação voluntária de patente para qualquer pesquisa realizada pela universidade que possa ser utilizada tendo em vista a relação com a pandemia.

Ainda em âmbito nacional, Bermudez destaca uma discussão no âmbito da Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica, relançada em setembro de 2019, sobre a elaboração de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) assegurando que o acesso a medicamentos seja considerado um direito fundamental. Mas para isso, diz, é preciso derrubar a Emenda Constitucional 95, que institui um teto de gastos para o governo federal. “Ela é incompatível com a incorporação de novos produtos e com o aumento da oferta de medicamentos pelo SUS”, resume.

Pedro Villardi acredita que as plataformas de pesquisa aberta trazem mais fruto para humanidade do que as de monopólio. “A colaboração é muito mais profícua do que a competição. Além disso, a gente tem que pensar na distância tecnológica que existe entre o Brasil e outros países desenvolvidos. A apropriação tecnológica favorece muito mais países que têm um patamar tecnológico mais elevado do que o Brasil. No nosso caso, a disponibilização de tecnologia para domínio público é muito mais benéfica para a ciência brasileira porque pode explorar tecnologias, tentar fazer engenharia reversa, inovação  incremental, do que uma grande descoberta”, avalia. E completa: “O importante é preservar o domínio público. Se a gente for pensar em soberania, quanto menos patente e mais domínio público, mais soberano o país será no campo da ciência e tecnologia”.

Fonte: Fiocruz
Publicado em 11/05/2020

Coronavírus: o Congresso precisa agir imediatamente para o Brasil ter acesso aos tratamentos da covid-19

Neste momento em que o Brasil enfrenta a pandemia da covid-19, é difícil imaginar como as coisas poderiam piorar. Mais de 8,5 mil pessoas já morreram, e o número de novas infecções continua a subir. Enquanto isso, o presidente Bolsonaro se recusa a levar a crise a sério e está lutando contra seu próprio governo. Leia o artigo de Jorge Bermudez*, Achal Prabhala**

Ele se opôs aos planos de parar a economia, demitiu o ministro da Saúde e colocou cidadãos em perigo, incentivando aglomerações públicas. A renúncia explosiva do seu ministro da Justiça, Sergio Moro, levou a pedidos de impeachment. Neste momento, o Supremo Tribunal Federal aprovou uma investigação contra Bolsonaro por várias violações, inclusive obstrução de justiça.

Leia também:  Fenafar pressiona deputados pela aprovação de projeto que flexibiliza patentes de medicamentos

Mesmo com todo esse caos, é razoável esperar que a crise sanitária arrefeça quando os tratamentos surgirem. Mas a crise, infelizmente, pode só piorar para o Brasil quando finalmente tivermos medicamentos e vacinas para a covid-19 – a menos que o Congresso Nacional aja imediatamente.

A maior parte dos tratamentos potenciais para o novo coronavírus e todas as vacinas em desenvolvimento serão lançadas no mercado por grandes empresas farmacêuticas que detêm o poder de monopólio sobre elas, por meio de patentes – que são monopólios temporários concedidos pela legislação nacional. E esse poder resultará em uma situação ultrajante: no meio de uma crise global de saúde, um punhado de empresas nos EUA e na Europa decidirá se devemos viver ou morrer.

Certamente, o problema não é apenas do Brasil. Nas últimas três décadas, milhões de pessoas de países pobres morreram porque não tinham como pagar medicamentos necessários para viver. Mas, como um país de “renda média” em uma longa recessão, o Brasil enfrenta uma ameaça inédita e imediata: a incapacidade do Sistema Único de Saúde, o SUS, de realizar seu trabalho e manter as pessoas vivas.

Em 2016, a Emenda Constitucional 95, conhecida como o teto de gastos, congelou os orçamentos federais por 20 anos, inclusive para a saúde pública. Nesse ambiente de austeridade, sem espaço para se movimentar, à medida que o SUS se esforça para acomodar as crescentes demandas de saúde, o custo absurdo dos medicamentos protegidos por monopólio tem o potencial de quebrar o sistema. Embora essa ameaça esteja mais explícita na atual pandemia da covid-19, na verdade, os medicamentos em situação de monopólio ameaçam a viabilidade do SUS já há três décadas. Dois casos se destacam.

Em 1996, o Brasil fez história ao prover tratamento universal para HIV e aids, tornando-se o primeiro país em desenvolvimento a tomar essa iniciativa. Menos notório é o fato que essa vitória quase foi minada pelos preços dos medicamentos em situação de monopólio.

Do coquetel de medicamentos necessários para tratar o HIV e a aids, alguns estavam sendo fabricados em laboratórios no Brasil, como Farmanguinhos, o produtor estatal de medicamentos localizado na Fiocruz, em Jacarepaguá e Manguinhos, no Rio de Janeiro. Mas outros medicamentos estavam disponíveis apenas sob monopólio de grandes empresas farmacêuticas, e os preços inviabilizavam o programa de tratamento do HIV e aids.

O Brasil, então, ameaçou emitir licenças compulsórias, o que teria suspendido as patentes e permitido uma produção local mais barata. As corporações cederam e baixaram seus preços. Em 2007, o programa de tratamento para HIV e aids foi novamente ameaçado pelo preço de monopólio da Merck para o efavirenz, um medicamento essencial para o programa. Quando a Merck se recusou a baixar os preços, o então presidente Lula emitiu uma licença compulsória por recomendação de seu ministro da Saúde, José Gomes Temporão. O resultado, nos cinco anos seguintes, foi que o SUS economizou quase R$ 500 milhões em gastos ao adquirir versões genéricas do efavirenz para uso no país.

Por outro lado, a experiência do Brasil com o sofosbuvir, o primeiro tratamento eficaz para a hepatite C, é trágica. Quando o medicamento chegou ao mercado em 2013, prometia ser a tábua de salvação para milhões de brasileiros que sofrem dessa doença debilitante, fatal e sem cura. Havia apenas um problema: o ciclo completo de sofosbuvir custava US$ 84 mil nos EUA, e a gigante farmacêutica Gilead detinha o monopólio do medicamento. A Gilead ofereceu um desconto ao SUS, mas a US$ 6 mil por ciclo – o preço ainda era 60 vezes mais do que a versão genérica mais barata do medicamento. Após uma longa discussão sobre a validade das patentes da Gilead – elas foram contestadas várias vezes –, a empresa acabou vencendo e imediatamente aumentou o preço do medicamento em 1.421% – é isso mesmo, 1.421%. Como resultado, nos últimos seis anos, o SUS só teve condições de tratar ínfimos 14% dos 700 mil de brasileiros com a doença, com a consequente morte de vários milhares deles.

Qual é a relevância disso? Considere o medicamento antiviral remdesivir, também comercializado pela Gilead e originalmente destinado ao ebola. A Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos dos EUA, o FDA, aprovou o remdesivir para uso contra a doença causada pela covid-19 – é o primeiro tratamento a ser aprovado. A Gilead possui várias patentes para o remdesivir em 70 países ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Esses monopólios de patentes valem até 2038.

No meio de uma crise global de saúde, um punhado de empresas nos EUA e na Europa decidirá se devemos viver ou morrer.

Além de uma declaração vaga sobre o acesso, a Gilead não se comprometeu a tornar este medicamento acessível ou disponível em quantidade suficiente. Em vez disso, no início de março, a Gilead nos EUA buscou incentivos de status de “medicamento órfão” para o uso do remdesivir contra a covid-19, o que lhes daria monopólios adicionais e benefícios fiscais de US$ 40 milhões. A palavra “órfão” na designação se refere a doenças raras que afetam menos de 200 mil pessoas. Mais de 3,7 milhões de pessoas foram infectadas pela covid-19. Quando esse dado foi apontado, a Gilead voltou atrás.

Recapitulando: no atual andar da carruagem, nos próximos 18 anos, nosso único acesso ao único tratamento existente para a covid-19 dependerá inteiramente da compaixão de uma grande empresa farmacêutica multinacional que não demonstrou nenhum sinal de compaixão até agora.

Dispomos de duas maneiras para sair da armadilha do monopólio. A primeira é uma solução multilateral, que depende que a proposta da Organização Mundial da Saúde, a OMS, se concretize. Solicitada pela Costa Rica, a OMS está explorando a criação de um “pool de patentes” de tecnologia covid-19 – um mecanismo pelo qual os produtores monopolistas de equipamentos de proteção, testes, medicamentos e vacinas possam suspender voluntariamente seus monopólios para uso público global. A proposta vem ganhando força.

No entanto, o status de renda média do Brasil (uma categoria sem sentido, que confunde as necessidades da maioria pobre com a riqueza de uma minoria rica) fez com que o Brasil fosse excluído de um acordo semelhante oferecido pelo pool de patentes de medicamentos, cujos benefícios se estendem apenas a países pobres, independentemente de onde a doença que eles estão tentando eliminar seja predominante. Essa nova solução global de pool de patentes só funcionará se incluir explicitamente países de renda média como o Brasil.

A segunda maneira é uma solução nacional. Neste momento, uma afirmação de soberania é a única solução garantida. Países tão diversos como Canadá, Alemanha, Israel, Chile, Peru e Equador tomaram medidas rápidas nas últimas semanas, suspendendo patentes importantes ou promulgando legislação para suspender todos os monopólios de tecnologias relacionadas à pandemia da covid-19. O Brasil deve se juntar a eles.

No mês passado, um grupo multipartidário de 11 deputados apresentou um projeto de lei no Congresso propondo uma emenda à Lei da Propriedade Industrial. A proposta, PL 1462/2020, baseia-se nas disposições existentes na lei brasileira de patentes para combater a crise. O projeto daria ao governo o poder de agir imediatamente nesta pandemia (assim como em qualquer outra emergência de saúde) para suspender monopólios que afetem a vida de seus cidadãos, seja em equipamentos e testes, seja em medicamentos e vacinas. O Conselho Nacional de Saúde, o CNS, imediatamente publicou uma moção apoiando o projeto, seguido por um grande número de expressões de apoio internacional. No entanto, apesar de haver um pedido enviado ao Congresso para debater o projeto com urgência, as audiências ainda não começaram.

Pedro Villardi, do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, o GTPI, uma das organizações da sociedade civil que defendeu o projeto, explicou seu objetivo: “O objetivo é aumentar as opções de compra do governo, com a agilidade de distribuição que uma emergência de saúde exige.” Observando o atraso, ele acrescentou: “A aprovação deste projeto é urgente. Precisamos garantir a máxima capacidade de resposta para salvar vidas. Qualquer atraso ou preço alto em tempos como esse são inconcebíveis.”

Este é um momento para solidariedade, um tempo de cooperação e cuidado. Para sobreviver à pandemia da covid-19, o Brasil deve tomar medidas decisivas para proteger o SUS. Podemos garantir nosso futuro aprendendo com o passado. Quando enfrentamos os monopólios dos medicamentos, salvamos vidas, economizamos recursos monetários, e melhoramos a saúde humana e financeira do país. Porém, quando sucumbimos às empresas farmacêuticas, perdemos vidas e danificamos o tecido que nos faz uma sociedade. A longo prazo, há muito mais que podemos fazer para salvar nosso SUS. No curto prazo, temos uma pandemia e um caminho que nos leva a sair dela. Temos que trilhá-lo.

*Jorge Bermudez é pesquisador sênior da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele foi membro do Painel de Alto Nível do Secretário-Geral da ONU sobre Acesso a Medicamentos e atuou como diretor-executivo da Unitaid em Genebra, Suíça, entre 2007-2011.

**Achal Prabhala é pesquisador e bolsista da Shuttleworth Foundation e coordenador do projeto AccessIBSA, que faz campanhas para acesso a medicamentos na Índia, Brasil e África do Sul.

Fonte: The Intercept Brasil
Publicado em 08/05/2020

Site mapeia problemas nas redes pública e privada de Saúde

Mau atendimento, falta de remédios e médicos, discriminação, longas esperas por cirurgias ou transferências, reajustes abusivos e negativas de planos de saúde. Esses e outros problemas agora estão sendo mapeados em uma plataforma colaborativa batizada de Radar da Saúde, projeto idealizado pelo farmacêutico Leandro Farias. A Federação Nacional dos Farmacêuticos firmou parceria com o projeto, para compartilhar informações de saúde e divulgar ações conjuntas.

O site, no ar há cerca de um mês, funciona como um “disque-denúncia” do setor, recebendo reclamações de pacientes e funcionários de unidades públicas e privadas de todo o país. A ideia é gerar estatísticas sobre as principais deficiências do sistema de saúde e cobrar melhorias.

O usuário também pode indicar se precisa ou não de assessoria jurídica, serviço que a ONG Movimento Chega de Descaso, que criou a plataforma, já presta há cinco anos gratuitamente, junto de auxílio social e psicológico.

“A população está muito descrente no Estado e nas ouvidorias privadas e acaba não denunciando, então parece que está tudo bem, quando na verdade não está. É muito importante ter uma base de dados pública”, afirma o farmacêutico Leandro Farias, idealizador do projeto.

As informações ainda serão úteis, diz ele, para a imprensa e para que a ONG cobre políticas públicas em audiências e mesas de debate no Congresso Nacional, por exemplo. “É mais efetivo mostrar dados do que fatos isolados”, ressalta.

No site Radar da Saúde, a pessoa deve assinalar qual é o tipo de denúncia, em qual unidade ocorreu, se possui plano privado e se já fez a reclamação em outros órgãos. Em seguida, pode contar sua história e adicionar opcionalmente fotos e informações pessoais.

Um dos usuários relatou, por exemplo, que seu familiar de 80 anos estava há mais de três dias sedado e entubado em uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) no Rio de Janeiro sem conseguir transferência, apesar de uma liminar da Justiça.

Outro, também anônimo, contou que teve que levar sua mãe com uma crise de dor abdominal para a cidade de São Paulo porque um hospital privado de Amparo (SP) não possuía aparelhos para exames nem médicos disponíveis naquele dia.

“No hospital do convênio dela, fizeram um exame e detectaram um apêndice muito infeccionado, ele estava quase rompendo. Foi internada e passou por cirurgia de emergência. Duas semanas internada. Em Amparo ela provavelmente teria morrido de apendicite”, escreveu.

Foi por ter passado por uma situação parecida que Leandro Farias decidiu criar o Movimento Chega de Descaso. Em 2014, ele viu sua mulher, Ana Carolina Cassino, morrer aos 23 anos de sepse (infecção generalizada) após esperar 28 horas por uma cirurgia de apendicite.

Ele conta que, mesmo relatando fortes dores a ponto de não conseguir andar nem ficar de pé, ela recebeu a classificação de “cor amarela” (não grave) na unidade de pronto-atendimento da Unimed, na Barra da Tijuca, na zona oeste carioca.

Esperou uma hora para ser atendida, mais quatro horas para a apendicite aguda ser confirmada por exames e outras cinco horas e meia para a transferência para um hospital. Como não havia médico, porém, a cirurgia foi adiada para a tarde do dia seguinte.

Pouco antes da operação, ela teve uma queda brusca de pressão e desmaiou. Voltou após reanimação, mas piorou com a cirurgia. Saiu de lá entubada e direto para o CTI (Centro de Terapia Intensiva). Morreu naquela madrugada, por choque séptico.

Desde então ele toca o projeto, recebendo a ajuda de cerca de 15 voluntários de múltiplas profissões, como advogados, administradores e médicos. Todos moram na cidade do Rio, por isso quem pede ajuda em outros locais do país é atendido apenas virtualmente.

O projeto se sustenta por doações e editais —que não foram suficientes para a ONG manter o aluguel de uma sede. A criação do site Radar da Saúde, por exemplo, foi financiado pela organização filantrópica BrazilFoundation.

Hoje, Leandro diz que ainda aguarda o julgamento de uma ação criminal contra os médicos envolvidos no caso de sua mulher, mas já teve decisões favoráveis contra o cirurgião no Cremerj (Conselho Regional de Medicina) e contra o plano na esfera cível e na ANS (Agência Nacional de Saúde). Algumas ainda aguardam recursos.

Fonte: Folha de S.Paulo
Publicado em 06/05/2020

Covid-19: CNS solicita ao Ministério da Saúde um plano de apoio às pessoas com doenças crônicas e patologias

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou, ad referendum, uma recomendação para o Ministério da Saúde apresentar medidas de proteção e planos de apoio às pessoas com doenças crônicas e patologias. O objetivo é reduzir o risco de desenvolvimento de comorbidades e óbitos, durante a pandemia do Novo Coronavírus.

 

 

O documento considera informações de periódicos científicos nacionais e internacionais sobre a infecção por Covid-19 em pessoas doenças crônicas e outras patologias, que podem representar em torno de 25% a 50% dos pacientes infectados e apresentam maiores taxas de mortalidade devido à dificuldade de recuperação dos sintomas graves dessas pessoas.

As estratégias de proteção à saúde devem ser voltadas às pessoas com HIV/Aids, câncer, celíacos, hanseníase, lúpus, doença falciforme, esclerose múltipla, doenças reumáticas, alzheimer, síndrome de down, Transtorno do Espectro Autista (TEA), diabetes, cardiopatas, transplantados, doenças raras, entre outras.

“Configura-se como uma população com grau de vulnerabilidade extremo para desenvolver quadros graves de Covid-19”, avalia o conselheiro nacional de saúde e representante da mesa diretora do CNS, Moyses Toniolo, que coordena a Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Patologias (Ciaspp) do CNS.

A recomendação, elaborada pela Ciaspp, solicita o fornecimento ampliado e alternativas para o acesso de medicamentos de uso contínuo destas pessoas, assim como demais itens necessários para manutenção da vida durante o período de isolamento social, o que contribuirá para a manutenção delas em isolamento domiciliar protetivo.

A recomendação destaca ainda que esta população específica deve ter prioridade na vacinação contra a gripe, fortalecendo a vigilância epidemiológica e as ações de cuidado durante a epidemia, com base no potencial risco existente.

“Essa recomendação visa obter maior apoio para o correto manejo e atendimento clínico e farmacêutico destas pessoas, com vistas a manter boas condições de saúde em tempos de isolamento social, bem como colaborar para reduzir prováveis óbitos potenciais”, conclui Moyses.

As entidades que compõem a Ciaspp estão atentas para monitorar denúncias relacionadas aos principais grupos de pessoas com doenças crônicas e, se necessário, acionar os conselhos estaduais e municipais de saúde, as entidades e fóruns de patologias nos estados e municípios em suas ações locais.

LEIA A RECOMENDAÇÃO NA ÍNTEGRA

Fonte: CNS
Publicado em 06/05/2020

Coronavírus expõe fragilidade das farmacêuticas, que receberam menor investimento da década sob Bolsonaro

Estímulo do BNDES e do MInistério da Ciência e Tecnologia caiu 63% ano passado, aumentando dependência brasileira com medicamentos importados; modelo está em xeque por conta da pandemia da covid-19.

 

 

Por Diego Junqueira, Repórter Brasil

O entusiasmo do presidente Jair Bolsonaro em torno da cloroquina – remédio antimalárico em teste contra a covid-19 – contrasta com a redução do estímulo à indústria farmacêutica durante seu primeiro ano de mandato.

Os investimentos federais em produção e pesquisa farmacêutica no setor privado caíram 63% em 2019, segundo levantamento da Repórter Brasil junto aos dois principais financiadores públicos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e a Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

No ano passado, o investimento total dos dois órgãos no setor foi de R$ 306 milhões, ante R$ 840 milhões em 2018. É o índice mais baixo de investimentos desde 2009. Desde 2004, quando o governo federal definiu a saúde como área prioritária de investimento industrial e ampliou as linhas de financiamento, os recursos aplicados nas farmacêuticas chegaram a R$ 8,66 bilhões – média de R$ 541 milhões por ano. Os dados consideram somente os valores liberados e não incluem recursos empregados pelo Ministério da Saúde em laboratórios públicos.

Enquanto caem os investimentos públicos no setor, crescem os gastos com a importação de remédios, vacinas e insumos farmacêuticos [matéria-prima para a produção de remédios]. A balança comercial atingiu em 2018 e 2019 recorde negativo histórico de US$ 6,9 bilhões, segundo o Ministério da Economia. Foram US$ 8,1 bilhões em importações e US$ 1,2 bilhão em exportações no ano passado.

Os números revelam o alto grau de dependência externa tanto de medicamentos prontos como de matéria-prima farmacêutica, afirma Paulo Henrique de Almeida Rodrigues, professor do Instituto de Medicinal Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). O Brasil hoje importa 90% dos ingredientes básicos usados na fabricação, principalmente da China e da Índia.

“Até a década de 1990, o Brasil tinha produção local, mas as empresas foram extintas e não houve substituição. O país ficou extremamente vulnerável à importação de insumos”, afirma Rodrigues.

A crise do novo coronavírus deixa evidente a fragilidade da indústria nacional. Com o isolamento social na China (em fevereiro) e na Índia (em vigor), houve queda nos dois países na produção de insumos farmacêuticos, que são disputados também por empresas da Europa e dos Estados Unidos. Há ainda dificuldades logísticas, já que o transporte é feito principalmente por voos de passageiros, que enfrentam redução drástica.

Os dois principais produtos em falta hoje são a cloroquina e a hidroxicloroquina. A Índia, uma das maiores fabricantes do mundo, proibiu em março a venda desses e outros insumos utilizados no combate à covid-19. Outras classes de remédios também estão ameaçadas. A agência europeia de medicamentos afirmou que o continente tem baixo estoque e risco de desabastecimento de anestesias e antibióticos usados para tratar o novo coronavírus. A Repórter Brasil mostrou no último dia 3 que a produção de remédios já está mais cara no Brasil, e que os preços tendem a subir.

“Uma crise como a do coronavírus, em que há dificuldade para importar produtos farmacêuticos, mostra as nossas carências em saúde”, diz a economista Julia Paranhos, pesquisadora da UFRJ. Além da redução de investimento nas empresas, ela aponta queda no incentivo à pesquisa em tecnologia e inovação. “Isso tudo vai contra as políticas que vinham sendo implementadas no Brasil, que tinham objetivo de fortalecer essa indústria e diminuir a dependência externa”.

“Até o momento, não vimos medidas de estímulo do governo para o Complexo industrial da Saúde. Deveríamos estar neste momento incentivando a produção local desses medicamentos para reduzir nossa dependência”, afirma Débora Melecchi, coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde.

Questionado, o Ministério da Saúde não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Política de inovação

Alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral, o BNDES foi quem mais cortou verbas. Foram aplicados R$ 87,5 milhões em 2019, ante R$ 370 milhões em 2018. É o menor valor investido pelo banco no setor farmacêutico desde 2001 (R$ 52 milhões). O BNDES Profarma, programa criado pelo banco em 2004 para estimular a indústria, foi extinto em 2016. O departamento responsável pelo setor também foi desfeito e incorporado a outras áreas do banco.

O BNDES diz que o investimento caiu em 2019 pois o ano passado representou “o fim de um ciclo de investimento para o início de um novo”. “Esses ciclos costumam ter duração de três a quatro anos e são renovados à medida que a capacidade produtiva atinge seu ápice”, diz o banco, em nota enviada à Repórter Brasil. O BNDES diz que as operações aprovadas em 2019 aumentaram quatro vezes em relação a 2018 e que o desembolso voltou a crescer em 2020 (leia a nota completa).

Na Finep, os valores liberados em 2019 somaram R$ 219 milhões, queda de 53% ante os R$ 470 milhões investidos no ano anterior. A maior parte do investimento foi para o programa de inovação da Hypera Pharma (R$ 111 milhões). A fabricante de genéricos (ex-Hypermarcas) é a que mais recebeu recursos públicos nos últimos 16 anos: R$ 1,6 bilhão. Procurada, a Finep diz que segue apoiando o setor farmacêutico e disponibilizando as linhas de crédito previstas. “Eventuais aumentos e reduções de valores apoiados refletem a demanda por recursos pela própria indústria”, diz a financiadora, em nota.

Além de investir menos, o governo federal reduziu a compra de medicamentos por meio do programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), a principal política de inovação do setor. Criada em 2008 pelo Ministério da Saúde, ela busca estimular a alta tecnologia em laboratórios públicos e privados e incentivar a produção nacional de matéria-prima farmacêutica.

Em 2019, o Ministério da Saúde comprou R$ 1,6 bilhão de medicamentos via PDP – queda de 52% ante o gasto de R$ 3,4 bilhões em 2018. A média anual de 2011 a 2018 foi de R$ 2,6 bilhões.

O ministério também suspendeu no ano passado 19 das 85 PDPs vigentes – alegando atraso nos projetos, falha na entrega dos produtos e determinação do Tribunal de Contas da União.

Um das parcerias atingidas foi a da farmacêutica Libbs com o Instituto Butantan para desenvolvimento do trastuzumabe, medicação de alto custo para câncer de mama que esteve em falta no SUS em 2018 e 2019. A diretora de relações institucionais da Libbs, Márcia Bueno, diz que a decisão obrigou a empresa a reduzir investimentos no desenvolvimento da ampola, que é atualmente o remédio de maior gasto no país.

“Sempre há risco de perda [dos investimentos públicos] quando há descontinuidade”, afirma Luiz Marinho, coordenador da Alfob (associação brasileira de laboratórios públicos).

Para Ogari Pacheco, do laboratório Cristália, o programa de PDPs passou por um “freio de arrumação” na atual gestão. Ele aposta na liberação das parcerias suspensas até o final do ano. O Cristália detém o maior número de projetos (21), sendo 4 deles atualmente suspensos pelo ministério.

“Não saberia dizer se é uma redução da demanda das empresas ou do repasse do governo, mas a Finep e o BNDES continuam solicitando projetos porque há capital para investimento”, afirma Sérgio Frangioni, presidente da Blanver e presidente da associação nacional das indústrias de química fina (Abifina). “Desde 2009 já foram vários ministros e vários questionamentos, mas a PDP é um modelo de negócio de sucesso na maioria dos casos”, diz ele. Sua empresa também foi afetada com a suspensão da PDP envolvendo o sofosbuvir, medicamento para hepatite C envolvido em disputa judicial. “Esperávamos algumas demandas do Ministério da Saúde que não vieram. Tivemos que demitir 25% dos funcionários”, afirma.

Dos genéricos às PDPs

A Lei dos Genéricos e a criação da Anvisa, em 1999, foram os primeiros impulsos para remontar a indústria farmacêutica nacional, já que exigiu das empresas novas certificações e padrões de qualidade na fabricação de medicamentos.

O resultado foi um salto no mercado de genéricos, que passou de 9% para 35% das unidades comercializadas no país, entre 2004 e 2017. A participação de mercado das empresas nacionais também cresceu no período, de 33% para 55%.

Em faturamento, contudo, os genéricos correspondem hoje a apenas 14% das vendas. E aí está outro gargalo da indústria brasileira, já que as empresas estrangeiras lideram com folga o mercado de produtos novos (protegidos por patentes) e biológicos (de alta tecnologia).

Em 2008, o governo federal inaugurou uma nova fase de investimentos no setor com a criação das PDPs. “A política de genéricos deu musculatura para a indústria brasileira, mas não era direcionada à inovação”, afirma o pesquisador da Fiocruz Carlos Gadelha, ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (2011-2015) e um dos criadores das PDPs.

A ideia foi unir a política industrial às necessidades de saúde, direcionando os investimentos do BNDES e da Finep para a fabricação de insumos farmacêuticos e medicamentos importantes para o SUS.

Nas PDPs, empresas estrangeiras transferem a tecnologia de fabricação de um remédio para empresas privadas brasileiras e laboratórios públicos. Algumas parcerias envolvem apenas companhias nacionais. A contrapartida do Ministério da Saúde é comprar o remédio da empresa privada durante o período de transferência de tecnologia.

Entre 2011 e 2018, o ministério adquiriu R$ 20,7 bilhões de medicamentos por meio das PDPs – as compras ocorrem sem necessidade de licitação. A economia estimada aos cofres públicos é de R$ 7,1 bilhões, segundo a pasta.

Entre os produtos que ficaram mais baratos com as PDPs estão remédios para tratamento de câncer (imatinibe e everolimo), HIV (tenofovir), transtornos mentais (olanzapina, clozapina e quetiapina) e para pacientes transplantados (tacrolimo).

Apesar dos resultados, a política de PDPs vive um cenário de “insegurança” desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O principal receio é a não continuidade da política e a dúvida de que o Ministério da Saúde seguirá comprando os produtos. Marco Dacal, diretor da fábrica de biotecnológicos da Libbs, afirma que desde 2016 tem visitado seus parceiros internacionais ao menos três vezes por ano para tratar do programa das PDPs.

Dos oito projetos da Libbs, dois foram suspensos pelo ministério, mesmo após o grupo empresarial ter investido R$ 250 milhões na construção de uma fábrica de alta tecnologia na grande São Paulo – que também contou com empréstimos públicos (R$ 532 milhões do BNDES e R$ 169 milhões da Finep). “Isso aqui é fruto das PDPs”, diz a diretora Márcia Bueno a respeito da nova fábrica em Embu das Artes (SP), a primeira do Brasil a produzir os avançados anticorpos monoclonais, usados contra câncer, doenças autoimunes e outras enfermidades.

Bueno também mostra preocupação com a queda na compra de medicamentos por meio do programa. A Libbs começou a produzir em 2019 o rituximabe, remédio para câncer no sistema linfático usado no tratamento da ex-presidente Dilma e dos atores Edson Celulari e Reynaldo Gianecchini. O Ministério da Saúde, no entanto, ainda não garantiu sua contrapartida. “Estamos esperando o governo anunciar a compra”, diz ela.

Segundo Gadelha, da Fiocruz, “investir em inovação tem risco”, já que nem sempre os resultados são alcançados no tempo que se espera. Ele avalia, porém, que as PDPs estão alcançando seus objetivos, embora o ambiente de incerteza “paralise o investimento”. “Dar continuidade e estabilidade ao programa são fundamentais para que o Brasil não perca todo o investimento que já foi realizado”.

Fonte: Repórter Brasil
Publicado em 27/04/2020

“Somente em último caso, estudantes em formação devem atuar na linha de frente de combate ao Covid-19”, afirma CNS

Ministérios da Saúde e Educação devem acionar antes a Força Nacional do SUS ou priorizar profissionais com aprovação em concursos prévios, recomenda CNS.

 

 

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) afirmou nesta segunda (20/04) que a participação de estudantes em formação na área da Saúde para atuarem na linha de frente de combate ao Covid-19 deve ser, indiscutivelmente, a última medida para suprir a necessidade de força de trabalho assistencial em Saúde neste momento de pandemia.

A orientação faz parte da recomendação nº 24/2020 do CNS, após o chamamento feito pelo Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação (MEC) para estudantes do 5º e 6º ano dos cursos de Medicina e do último ano dos cursos de Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia auxiliarem no atendimento aos doentes infectados pelo Novo Coronavírus.

Este chamamento segue a Portaria nº 356/2020 do MEC e a Portaria nº 492/2020, do MS, que instituem a ação estratégica O Brasil Conta Comigo. Com ela, os alunos poderão atuar em unidades de Atenção Primária à Saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPA), estabelecimentos da rede hospitalar e estabelecimentos de Saúde voltados ao atendimento dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, das comunidades remanescentes de quilombos e das comunidades ribeirinhas.

No entanto, a falta de informações consistentes sobre como tais ações serão formalizadas, executadas e efetivamente orientadas e supervisionadas, tanto por docentes das universidades, como por supervisores, é uma preocupação da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho (Cirhth) do CNS, que tem acompanhado estas medidas.

“Entendemos que os estudantes podem desenvolver outras ações, como ajudar na organização dos atendimentos junto aos serviços de saúde, em ações de orientação ou junto às Universidades na produção de materiais que possam ajudar nesse combate como estão fazendo estudantes de Farmácia na produção de álcool em gel a 70%. Ou seja, existem outras atividades que eles podem exercer, na linha de frente do combate, que não estão vinculadas à assistência direta”, afirma a conselheira nacional de saúde e coordenadora-adjunta da Cirhth, Manuelle Matias, que representa a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) no CNS.

Outras alternativas

A recomendação do CNS destaca que os estudantes são “aprendizes em formação e que, nessa condição, ainda estão desenvolvendo seus conhecimentos científicos, habilidades e atitudes para a atuação profissional, sendo de responsabilidade das instituições de ensino e dos serviços a garantia de adequada orientação docente, acompanhamento efetivo pelos preceptores dos serviços e supervisão da coordenação de ensino”.

Dessa forma, segundo o CNS, o chamamento dos alunos em formação deve ocorrer somente após esgotados todos os esforços de chamamento de profissionais com aprovação em concursos prévios, processos seletivos emergenciais de contratação, suplentes de concursos das diferentes esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) ou setor privado de Saúde. Outras opções de convocatória são os profissionais formados que ainda não estejam inseridos no mercado de trabalho e profissionais em programas de residência médica ou em área profissional da Saúde.

“Não somos contra, mas entendemos que o chamamento a estudantes deve ser o último recurso a ser acionado para o combate ao Covid-19. Devem ser chamados os profissionais aprovados em concursos e seleções públicas e aproveitada a potência de atuação da Força Nacional de Saúde”, afirma Manuelle. “Essa ação voluntária não pode ser vista como uma alternativa de mão de obra barata, mas como uma contribuição e retorno social deste estudante para o SUS”.

Adesão facultativa

O Conselho destaca ainda que a adesão dos alunos deve ser facultativa e pactuada entre as Instituições de Ensino Superior (IES), de acordo com as realidades locais, e que os estudantes que aceitarem aderir ao programa devem ter a garantia de todos os Equipamentos de Proteção Individual (EPI), recomendados em cada tipo de ambiente de trabalho, além e apoio clínico e psicológico.

A recomendação do CNS é destinada aos ministérios da Saúde e da Educação, secretarias estaduais e municipais de Saúde, entidades nacionais dos estudantes universitários da área da Saúde, conselhos de Saúde dos estados, municípios e do Distrito Federal. É direcionada também aos conselhos estaduais, municipais e nacional da Educação, às entidades nacionais de trabalhadores da área da Saúde e às instituições de ensino públicas e privadas.

LEIA A RECOMENDAÇÃO NA ÍNTEGRA

Fonte: CNS
Publicado em 20/04/2020

Plataforma virtual auxilia profissionais de saúde no uso correto de EPIs em meio à pandemia de Covid-19

Criado por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, o EPISaúde reúne textos, imagens e vídeos que ensinam passo a passo como utilizar equipamentos de proteção individual para evitar a infecção.

 

 

Trabalhando diariamente para tratar os pacientes de Covid-19 durante a pandemia, milhares de profissionais de saúde ao redor do mundo, inclusive no Brasil, também acabaram sendo infectados pelo vírus. Uma das razões é o uso incorreto de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Para auxiliar esses profissionais, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) desenvolveram a plataforma EPISaúde, que ensina a correta manutenção, uso e descarte desses equipamentos.

Os responsáveis pelo projeto são especializados em biossegurança e atuam no Laboratório de Biossegurança de Nível 3+ (NB3+) no Departamento de Microbiologia do ICB. Segundo a professora Ana Marcia de Sá Guimarães, coordenadora do laboratório e uma das criadoras do site, o meio digital foi a estratégia encontrada para alcançar mais profissionais e facilitar o acesso a esse conhecimento. As informações são disponibilizadas em textos, vídeos, fotos e ilustrações.

O site possui uma página dedicada a cada tipo de EPI: máscaras N95 ou PFF-2; máscara cirúrgica; avental descartável; luvas não estéreis; óculos de proteção; protetor/visor facial; botas e propés; e macacão. Cada item inclui um texto objetivo sobre como utilizar o equipamento, seguido de vídeos ou ilustrações demonstrando como colocá-lo e como retirá-lo. Além disso, o site disponibiliza informações sobre a paramentação e retirada de vestimentas completas de proteção.

Erros comuns – Há também uma página que demonstra os erros mais frequentes no uso dos EPIs, como posicionamento incorreto de máscara, uso de brincos e anéis, segurar a luva com a outra mão sem luva e manusear objetos pessoais com luva. Segundo Guimarães, a retirada do equipamento também requer muita atenção. “É um momento crítico, em que o profissional de saúde já está cansado e um erro pode resultar em sua infecção”.

A pesquisadora Tatiana Ometto, também responsável pelo projeto, chama atenção para outro erro grave cometido pelos profissionais de saúde. “Tem sido muito comum a utilização de forma equivocada dos materiais, inclusive o compartilhamento de equipamentos que são para uso individual. E aí está um grande risco de infecção. Mesmo quando não há escassez de material, por falta de conhecimento ou treinamento, muitos profissionais acabam menosprezando os cuidados no momento de colocar e retirar os EPIs da forma correta. Deveriam ser os momentos de maior atenção, pois negligenciá-los acaba prejudicando demais a saúde do operador e das pessoas que ele entra em contato”.

Diante dessas questões, as cientistas ressaltam que os profissionais devem ser frequentemente treinados sobre o uso correto, manutenção e descarte de EPIs. Durante esses treinamentos, um dos procedimentos mais importantes é o teste de vedação de máscaras N95. “Cada pessoa tem um formato de rosto e isso pode mudar quando emagrecemos ou engordamos. É preciso testar todo ano para verificar se determinado tamanho de máscara ainda funciona, se ela está realmente vedada”, diz Tatiana Ometto.

Canal de comunicação – Além do conteúdo, a equipe disponibilizou um formulário no site onde os profissionais de saúde podem entrar em contato diretamente com os pesquisadores para solucionar dúvidas e enviar críticas, relatos ou sugestões, podendo ou não se identificar. “O usuário só precisa responder se trabalha em um hospital público ou privado, ou ambos setores, a sua formação e o cargo. Esperamos que esse formulário também sirva como avaliação da situação do uso de EPIs no Brasil”, explicam as pesquisadoras.

A construção do site, design e ilustrações só foi possível com a colaboração de cinco profissionais especialistas em tecnologia da informação, design e marketing, que atenderam ao pedido dos pesquisadores em redes sociais e se dispuseram a ajudar. “Somos extremamente gratos a todos esses profissionais que doaram seu tempo e conhecimento para a iniciativa”, diz Ana Marcia Guimarães. A equipe também está desenvolvendo um aplicativo para ampliar a acessibilidade do conteúdo.

Fonte: ICB-USP
Publicado em 20/04/2020

Combate à pandemia: entidades pedem à ONU ação contra EC 95, que vem sufocando SUS

Restrição orçamentária já tirou do SUS R$ 22 bilhões que poderiam estar sendo aplicados para ações contra a pandemia do Covid-19. Dados do CNS subsidiaram o pedido.

 

 

No mesmo dia em que Nelson Teich foi anunciado novo ministro da Saúde, 43 organizações, fóruns, redes, plataformas da sociedade civil, conselhos de direitos e instituições de pesquisa acadêmica da sociedade civil brasileira enviaram um comunicado que pede apoio da Organização das Nações Unidas para Revogação da Emenda Constitucional 95/2016. Dados do Conselho Nacional de Saúde (CNS) subsidiaram o pedido, enviado na quinta (16/04).

O documento foi destinado a relatores especiais do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a comissionados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), alertando para os riscos da manutenção em vigor da Emenda Constitucional 95, que impôs um teto de gastos para as áreas sociais no país. Conforme estudo do CNS, a previsão de prejuízo até 2036, quando terminará a vigência da mudança constitucional, chega a R$ 400 bilhões.

O documento também exige “informações do governo brasileiro sobre o investimento público em saúde para controle da pandemia da Covid-19”, além de pedir a informações sobre a “disponibilidade de recursos e os dados desagregados sobre pessoas afetadas pela doença, considerando variáveis de raça, cor, gênero, renda, idade e localização geográfica”.

Cenário de pandemia exige revogação

“A motivação tem caráter emergencial pois a pandemia de COVID-19 (coronavírus) coloca em risco o funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde) e, devido à suspensão das aulas nas redes de ensino público e a impossibilidade de oferecer merendas, expõe milhares de crianças e adolescentes à miséria e à fome”, diz o documento.

Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGL), Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Geledés Instituto da Mulher Negra, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Oxfam Brasil e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) são alguns dos nomes que assinam o documento.

Leia na íntegra o comunicado enviado à ONU