Veto à quebra de patentes: um veto de joelhos?

Leia abaixo artigo assinado pelo presidente da Fenafar,  Ronald Ferreira dos Santos*, pelo pesquisador da ENSP/Fiocruz Jorge Bermudez**, e pela deputada Alice Portugal ***sobre  o possível veto de Bolsonaro ao projeto de lei aprovado no Congresso para quebrar a patente de vacinas do Covid-19.

 

 

Desde 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou a pandemia de covid-19, já estava claro que haveria  confronto entre saúde e comércio, entre direitos individuais, interesses coletivos, saúde pública, direitos humanos e regras do comércio.

Naquele dia, o mundo tinha 118 mil casos de infecção pelo novo coronavírus em 114 países e  4.291 pessoas já haviam morrido por causa da doença.

Nesse sábado, 28 de agosto, o mundo registra 216.748.018 casos e 4.507.840 óbitos.

No Brasil, já são 20.728.605 casos e 579.010 mortes.

A pandemia só potencializou as desigualdades no planeta e aqui. 

Enquanto países centrais iniciam a vacinação de crianças e adolescentes e se discute uma terceira dose em idosos, nas pessoas fazendo tratamento com imunossupressores e nas portadoras de comorbidades, países mais pobres sequer receberam vacinas para imunizar os trabalhadores de saúde que atuam na linha de frente.

É um verdadeiro “apartheid”.

Neste momento o mundo inteiro acompanha a aprovação no Brasil do projeto de lei 12/2021.

O PL 12/2021 altera a Lei de Propriedade Industrial  e dispõe sobre licenças compulsórias — “quebra de patentes” — nos casos de declaração de emergência nacional ou internacional ou de interesse público, ou no reconhecimento de estado de calamidade pública de interesse nacional.

Ou seja, ele pode ajudar a eliminar as barreiras de propriedade intelectual com relação a tecnologias que venham a ser consideradas adequadas para o confronto com a pandemia, sejam essas tecnologias medicamentos, vacinas, diagnósticos.

Apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), foi aprovado com estrondosa maioria no Congresso Nacional.

No Senado, foi aprovado inicialmente com 76 votos a favor e 19 contrários.

Na Câmara dos Deputados junto outros 13 PLs apensados, o projeto foi aprovado por esmagadora maioria: 425 votos favoráveis e apenas 15 contrários.

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Como sofreu alterações na Câmara, o projeto teve que passar por nova votação no Senado.

Por 61 votos favoráveis e 13 contrários, o plenário do Senado aprovou o substitutivo apresentado pela Câmara dos Deputados ao PL 12/2021.

Daí, o projeto seguiu para sanção presidencial.

Com votações tão favoráveis, a expectativa é de que fosse logo sancionado, o que ajudaria o Brasil a recuperar  perante ao mundo a visão de um País comprometido com a saúde como direito, visão diferente do negacionismo que o governo tanto tenta expressar.

Nos prazos previstos em lei, a sanção presidencial é aguardada para esta próxima semana.

Mas alertamos para possíveis manobras engendradas nos meandros do “Gabinete do Ódio” para justificar o veto, sucumbindo a pressões externas.

No mesmo dia em que, nos EUA, empresários pressionavam o presidente Joe Biden para manifestar sua inconformidade com as alterações legislativas em discussão no Brasil, a empresa norte-americana Pfizer informava que vai anunciar ao lado do presidente Bolsonaro a sua decisão de iniciar a produção de vacinas contra covid no Brasil, em cooperação com a Eurofarma.

Dupla sinalização: 1) o setor privado também quer intervir no Brasil com uma capacidade produtiva de 100 milhões de doses anuais; 2) tem a intenção de exportar para países da nossa região.

Comentários nos bastidores e declarações de componentes do atual governo têm revelado que a aprovação do PL 12/2021 e a suspensão de direitos de propriedade intelectual não agradam aos ministérios da Saúde, Economia e Relações Exteriores, falando do liberalismo e do culto ao rigor da legislação no Brasil.

O que nos leva a pensar que podem estar sendo preparadas as condições para a não promulgação de um projeto de lei que pode avançar no direito à saúde.

Um veto presidencial à “quebra de patentes” seria um veto de joelhos.

Demonstração inequívoca de que o governo sucumbiu às pressões externas.

Mais uma mostra do furor do ultraliberalismo em que o Brasil se encontra mergulhado, relegando a último plano o compromisso com a melhoria das condições de saúde e de vida da nossa população.

Vade retro!

*Ronald Ferreira dos Santos é presidente da Fenafar.

**Jorge Bermudez, pesquisador da ENSP/Fiocruz

***Alice Portugal, deputada federal PCdoB/BA 

A grave situação da saúde no Brasil: é preciso interromper o desfinanciamento do SUS

Leia abaixo artigo de Ronald Ferreira dos Santos* e Francisco R. Funcia** sobre a pandemia no Brasil e o desfinanciamento do Sistema Único de Saúde.

 

 

O Brasil vive há mais de um ano uma grave crise – sanitária, econômica, social, ambiental e política – exigindo de toda sociedade, especialmente de governantes e representantes do povo, a busca do exercício pleno de cidadania e das liberdades democráticas, diante da violenta emergência humanitária. Em um contexto de afronta à dignidade humana, no qual a proteção social da população não foi garantida, em que se morre de fome ou de Covid-19, a sociedade civil organizada é quem tem canalizado as ações populares de solidariedade: quem tem fome, tem pressa. O País ainda é hoje o epicentro da pandemia da Covid-19 na América Latina, já caracterizada como sindemia.

Apesar da tendência de queda, ainda temos uma alta taxa de transmissão da doença, o terceiro maior número de casos no mundo e a maior taxa diária de mortes, mesmo sem considerar a subnotificação. Além disso, alertam-se os riscos da variante Delta já em circulação no país, comprovadamente mais transmissível e potencialmente mais grave. Destacamos os impactos da vacinação na diminuição de casos e mortes, no entanto, não podemos naturalizar essa estabilização e/ou queda com os altos números ainda apresentados. Vivemos uma situação de gravíssima emergência de saúde pública, com milhões de pessoas infectadas e a lamentável perda de centenas de milhares de vidas.

É imprescindível e urgente ampliar a aquisição das vacinas, fortalecer as campanhas de vacinação, além das demais medidas não-farmacológicas: uso de máscaras, restrição de circulação e mobilidade, oferecendo as condições concretas para dar à população o direito ao exercício do isolamento/distanciamento social, garantindo sua proteção e segurança, com auxílio emergencial digno. O Ministério da Saúde não tem investido na necessária testagem em massa da população como medida de vigilância e detecção de casos e contactantes.

Se é verdade que a convivência com o novo coronavírus representou uma ruptura com o modelo de relacionamento social e de desenvolvimento das atividades econômicas, não é menos verdade que, no Brasil, o descaso do governo federal para com as condições de vida do conjunto da população brasileira ficou evidenciado, especialmente em relação a maioria que sofre com a desigualdade social e de renda ampliada no país nos últimos anos e, importante destacar, anteriormente às necessidades de enfrentamento da Covid-19 – como decorrência da política econômica baseada na austeridade fiscal.

O processo de desfinanciamento do Sistema Único de Saúde, definido pelos especialistas como sendo a redução dos recursos orçamentários e financeiros federais, que já eram insuficientes, para o cumprimento do mandamento constitucional de que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, teve na Emenda Constitucional 95/2016 a comprovação de que a política econômica baseada na austeridade fiscal fragilizou estruturalmente o nosso sistema de saúde tanto para garantir a universalidade e a integralidade dessas ações e serviços, como para o enfrentamento da pandemia a partir de fevereiro de 2020 (ver a esse respeito alerta preliminar de especialistas feito em março de 2020, disponível em https://www.abrasco.org.br/site/noticias/mudar-a-politica-economica-e-fortalecer-o-sus-para-evitar-o-caos/46220/).

Adotando como referência alguns estudos realizados por especialistas [1] em Economia da Saúde, inclusive para a Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS), deixaram de ser alocados no financiamento federal do SUS cerca de R$ 22,5 bilhões até a programação orçamentária inicial de 2020 (antes da Covid-19), enquanto as despesas per capita caíram de R$ 595,00 em 2017 para R$ 583,00 em 2019 (em valores reais a preços de 2019).

Vale lembrar que a possibilidade concreta dessa redução ocorrer foi alertada pelo Conselho Nacional de Saúde quando da tramitação das PEC’s na Câmara e no Senado (que resultaram na aprovação da EC 95 em dezembro de 2016), pois congelar por 20 anos o piso federal do SUS no valor desse piso de 2017 em conjunto com o estabelecimento de um teto de despesas primárias no valor de 2016, ambos atualizados somente pela variação anual da inflação, era regramento que desconsiderava tanto o crescimento populacional de 0,8% ao ano, como o custo crescente (como decorrência do desenvolvimento tecnológico dos equipamentos e dos medicamentos) para o atendimento das necessidades de saúde de uma população que tem envelhecido nos últimos anos, com projeção de atingir 1/3 do total para a faixa acima de 60 anos a partir de 2040/2050, segundo o IBGE.

Nessa perspectiva, a entrada do novo coronavírus no Brasil em fevereiro de 2020 aprofundou a crise econômica e agravou a situação da saúde pública no Brasil, diante da falta de coordenação nacional para o enfrentamento da pandemia, que por sua vez foi responsável pelo aumento de casos e de mortes evitáveis por Covid-19, tanto em 2020, como em 2021.

O desrespeito às recomendações e resoluções do Conselho Nacional de Saúde antes e durante essa pandemia, aliado à falta de planejamento articulado na Comissão Intergestores Tripartite, impossibilitou a antecipação de problemas evitáveis em prejuízo das condições de vida da população, o que dificultou ainda mais o nosso sistema de saúde nas ações para enfrentar o coronavírus, expresso na lentidão de uso dos recursos orçamentários em 2020, tanto nas ações diretas do MS, como nas transferências fundo a fundo para Estados, DF e municípios (que ocorreu concentradamente somente em agosto/2020 e, depois, no final do ano), inclusive para a compra de vacinas e de insumos para fabricação nacional, como está revelando a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado.

Mas, o pior, a irresponsabilidade sanitária está tendo prosseguimento em 2021, que foi iniciado sem um centavo programado no orçamento do MS para enfrentamento da Covid-19, bem como sem nenhum objetivo e meta para esse fim na revisão do Plano Nacional de Saúde 2020-2023, que foi submetida e reprovada pelo CNS no 1° semestre de 2021. E continuará em 2022, com recursos insuficientes para o atendimento das necessidades de saúde da população, inclusive para vacinas e para as demais ações de enfrentamento da Covid-19, no Projeto de Lei Orçamentária da União para 2022 encaminhado ao Congresso Nacional no final de agosto passado.

Os recursos orçamentários para o enfrentamento da Covid-19 estão sendo viabilizados em 2021 por meio de abertura de créditos extraordinários insuficientes e a “conta-gotas” (ver a esse respeito estudo disponível em https://www.ie.ufrj.br/images/IE/grupos/GESP/gespnota202101.pdf ), evidenciando mais uma vez a inexistência tanto de uma coordenação nacional, como de um processo de planejamento integrado tripartite, cujas consequências gravíssimas para a população ocorreram no primeiro quadrimestre de 2021, com a falta de oxigênio em Manaus e de leitos de UTI por todo o Brasil, além dos equipamentos, materiais e medicamentos para essas internações. Novamente, mais casos e mortes evitáveis ocorreram pelo Brasil.

Mas, a omissão do governo federal ficou mais uma vez evidenciada quando foram reduzidas em 63% para os municípios e 17% para os estados as transferências do Fundo Nacional de Saúde para o enfrentamento da Covid-19 no primeiro quadrimestre de 2021 (ver estudo disponível em http://idisa.org.br/domingueira/domingueira-n-25-julho-2021). É oportuno destacar que os municípios brasileiros aumentaram nos últimos 20 anos sua participação no financiamento do SUS, sendo responsáveis atualmente por cerca de 32% de tudo que se gasta com saúde no Brasil, aplicando em média cerca de 25% da receita base de cálculo para essa apuração (muito acima do piso constitucional-legal de 15%), diferentemente do governo federal que reduziu sua participação no mesmo período para 42%, mesmo tendo disponível nos cofres federais o equivalente a 57% da receita disponível total oriunda do valor arrecadado pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

A homenagem que podemos fazer para as mais de 570 mil vítimas da COVID-19 é FORTALECER E APERFEIÇOAR O SUS E REMONTAR O COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE. Uma das principais conquistas do povo brasileiro o Sistema Único de Saúde, que estabeleceu saúde como Direito e responsabilidade do Estado, com seu caráter universal, integral, público e gratuito, que atua na promoção, proteção e recuperação da saúde deve ser fortalecido e sua implementação aperfeiçoada a fim superar os desafios a ele impostos e garantir sua gestão pública, democrática e participativa, focada nas necessidades de saúde do povo.

A Emenda (in)Constitucional 95 viabilizou o afastamento do Poder Executivo Federal de suas obrigações de garantir os direitos de cidadania ao impor até 2036 o teto de despesas primárias nos níveis de 2016 (portanto, não há teto para as despesas com pagamento de juros e amortização da dívida) e o piso no nível do “subsolo” para a saúde e educação – está congelado no valor dos respectivos pisos de 2017. Esse é o principal motivo que justifica a revogação da EC 95 e a retomada da luta para que a União aplique, no mínimo, 10% das suas receitas correntes brutas, rompendo com o crônico subfinanciamento e o recente desfinanciamento, sendo que o primeiro passo para isso já foi dado com a aprovação em primeiro turno da PEC01-D-2015 pela Câmara dos Deputados.

Outro passo importante poderia ser dado pelo Senado Federal com a aprovação da PEC 36-2020, que revoga o teto de gastos e o congelamento do piso da saúde, que seriam substituídos por outros critérios vinculados ao processo de planejamento do Estado brasileiro, inclusive com regras de transição para esse fim.

Com isso, seriam então garantidos os recursos financeiros para: promover a atenção primária (Estratégia da Saúde da Família), a vigilância em saúde, a assistência farmacêutica, a estruturação hospitalar em todos os níveis de atenção, a descentralização regional e municipal, garantindo acesso universal e resolutividade. Valorizar o Trabalho em Saúde, que com os insumos estratégicos é quem produz de fato do direito à saúde, constituir e investir na Carreira do SUS, no trabalho em equipe multiprofissional, na educação permanente, no aperfeiçoamento, na especialização e formação em saúde em serviço e comunidade, para garantir o vínculo entre a população, as equipes de saúde e o SUS. Fortalecer a comunicação em saúde para as comunidades, garantindo amplo acesso à internet nos territórios, efetivar ações de promoção e cuidados integrais em saúde mental, nas famílias, empresas e comunidades, promover a proteção aos vulneráveis e a equidade em saúde, apoiar a Saúde da Mulher e redobrar os cuidados materno-infantil, garantir a Saúde Bucal, fortalecer atenção integral à saúde dos trabalhadores/as e garantir a participação da comunidade no controle social do SUS.

Além disso, para garantir a eficácia e eficiência do SUS, é necessário promover os investimentos estratégicos no desenvolvimento e ampliação do complexo econômico industrial da saúde, destinados a garantir a produção de Imunobiológicos, vacinas, equipamentos, medicamentos, ingredientes farmacêuticos ativos, intermediários de síntese, além da construção de plataformas tecnológicas, baseadas no domínio da biotecnologia moderna, na engenharia genética e na bioprospecção da flora e fauna de forma sustentável, garantindo às indústrias nacionais, farmacêuticas, farmoquímicas, biotecnológicas e de equipamentos, sejam públicas ou privadas, as condições necessárias para a produção nacional dos insumos estratégicos para a saúde, economizando divisas e garantindo a verticalização da produção interna e a nossa autossuficiência nacional neste setor vital da economia e da vida.

O SUS estabeleceu a Saúde como direito, e com o advento da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), em 2004, o medicamento passou a ser um insumo garantidor desse direito.

Assim, mais do que responsabilizar criminalmente aqueles que buscam lucrar ou beneficiar-se politicamente de forma vil, inescrupulosa e negacionista da demanda por um “remédio” através do incentivo ao uso incorreto de medicamentos contra a Covid-19, a sociedade brasileira precisa reforçar os mecanismos que a protegem da tirania na política e da ganância do mercado, que desconsideram e desprezam as necessidades e bem estar das pessoas, a ciência e a vida, que passa pelo fortalecimento do SUS e a submissão dos setores complementares e suplementares, na sua regulação e planejamento, incluindo a farmácia que, a partir de 2014, passou à condição de uma unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva.

Superar a dependência internacional e vulnerabilidade nacional com a integração da saúde, economia, meio ambiente inovação e produção é uma necessidade do século XXI.

[1] Destacamos para este texto as contribuições, publicadas de forma individual ou coletiva, dos pesquisadores Bruno Moretti, Carlos Ocke-Reis, Erika Aragão, Francisco R. Funcia e Rodrigo Benevides.

*Ronald dos Santos, Farmacêutico Mestre em Farmácia pela UFSC, Farmacêutico do Centro de Informações Toxicológicas de Santa Catarina, Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos, Membro da Direção Nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil -CTB

**Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP. Professor dos Cursos de Economia e Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES).

Controle de preços dos medicamentos é responsabilidade sanitária

De modo geral, os preços são livres no Brasil. Uma das exceções são os medicamentos, que têm preços regulados desde o início deste século porque, de acordo com o IBGE, representam parcela relevante do gasto familiar e seu uso racional salva vidas. Controlar seus preços é responsabilidade sanitária, portanto.

Os países que possuem sistemas de saúde universais contam com mecanismos para regular os preços dos medicamentos. Com a tendência global de alta nos preços, esses mecanismos de controle estão sendo aperfeiçoados como ocorre atualmente na Alemanha, Canadá, França, Reino Unido, entre outros. A Organização Mundial da Saúde recomenda a regulação de preços de medicamentos com o objetivo de garantir o acesso equitativo aos mesmos pelos usuários e sistemas de saúde. Considera fundamental – também – que seja garantido o estímulo à inovação, ao mesmo tempo em que se garantam preços justos para esse insumo tão essencial.

Entre nós, lamentavelmente, está sendo construída uma proposta que fragiliza a regulação de preços de medicamentos. Caso seja posta em prática, terá impacto negativo para as famílias, governo e saúde suplementar. Acaba de ser formalizada a “Consulta Pública SEAE nº 02/2021 – Critérios para Precificação de Medicamentos” oriunda do Ministério da Economia, que carece de uma fundamentação técnica da análise de impacto regulatório e que implicará em aumentos de preço.

Atualmente, o controle de preços é realizado pela Câmara de Regulação de Preços de Medicamentos (CMED), presidida pelo Ministério da Saúde e com secretaria executiva sediada na ANVISA. Tudo indica que na nova proposta quem passará a dar as cartas é o Ministério da Economia. Portanto, os preços saem da órbita sanitária para a órbita econômica. Qual o sentido dessa mudança?

É, sem dúvida, positivo estimular a capacidade inovativa da indústria farmacêutica brasileira, intenção aparente do texto apresentado, que pretende bonificar os preços de medicamentos que apresentem “inovações incrementais”. Porém, além de uma definição frouxa dessas “inovações”, a consulta carece de argumentos técnicos que calibrem a bonificação.

Não há qualquer razão para que a Secretaria Executiva saia da esfera de competência da saúde (ANVISA) onde se desenvolve um trabalho técnico sério para o Ministério da Economia. De resto, as dificuldades de inovação na nossa indústria estão em outro lugar que não o controle de preços realizado pela CMED. Ao fim e ao cabo, a aprovação dessas mudanças resultará em aumento das margens de lucro das empresas, às custas do aumento de preços.

É fundamental manter o controle de preços na esfera sanitária, com vistas a garantir o equilíbrio entre o estímulo à inovação, competitividade e a garantia do acesso e da sustentabilidade do SUS. Quando um destes pilares é retirado, quem sofre é a população. Exigimos a suspensão da Consulta e a abertura de amplo processo de discussão.

*Assinam esse artigo:

Rosana Onocko Campos, presidente da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Lúcia Souto, presidente do Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Erika Aragão, presidente da  Abres – Associação Brasileira de Economia da Saúde
Túlio Franco, coordenador geral da Associação Rede Unida
Dirceu Greco, presidente da SBB – Sociedade Brasileira de Bioética
Marilena Lazzarini, presidente do Conselho do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Lenir Santos, presidente do Idisa – Instituto de Direito Sanitário Aplicado
Valéria Santos Bezerra, presidente da SBRAFH – Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde
Ronald Ferreira dos Santos, presidente da FENAFAR – Federação Nacional  dos Farmacêuticos
Zeliete L. L. Zambon, presidente da SBMFC –  Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade

Artigo publicado no portal do jornal Folha de S. Paulo em 25/08/2021 – acesse aqui a publicação original.

Assistência Farmacêutica: CNS realizará seminário online sobre acesso a medicamentos para populações negligenciadas

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) vai realizar no dia 30 de agosto, de 13h30 às 18h, o seminário online intitulado: Perspectivas e desafios: acesso a medicamentos para populações negligenciadas e patologias desassistidas pela Assistência Farmacêutica. O objetivo é aprofundar o debate sobre o tema de significativa importância para a gestão participativa do SUS. O evento ocorrerá mediante inscrições via formulário.

A iniciativa é das Comissões Intersetoriais de Atenção à Saúde das Pessoas Com Patologias (Ciaspp) e de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (Cictaf), do CNS, que estão desenvolvendo Seminários Integrados que tratam de temas de interesse da Assistência Farmacêutica.

Ao longo da tarde, ministrarão o seminário a pesquisadoora Fabiola Sulpino, do Instituto de Pesquisa Econômica Aploicada (Ipea); Francisco Viegas, representante do Drugs for Neglected Diseases Initiative (DNDI); Luiz Marinho, representante da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob); e Rafael Santana, professor do Departamento de Farmácia da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB).

O evento é voltado a conselheiras(os), membros das Comissões Intersetoriais do CNS, movimentos sociais/sindicais, dentre outros públicos interessados. As inscrições serão validadas até as 12h do dia 29 de agosto de 2021. Após preenchimento do formulário, o CNS enviará por e-mail a confirmação da sua participação.

INSCRIÇÕES ABERTAS

Contextos e antecedentes

Considerando as abordagens no campo das políticas farmacêuticas e na garantia de acesso à saúde pelas populações vulneráveis, a Cictaf e Ciaspp, no dia 28 de julho, realizou a a aula: SUS para todos? Avanços e desafios nas Política Farmacêuticas para doenças da Pobreza, ministrada pelo Professor Doutor Rafael Santana, disponível no canal do youtube do CNS

Na presente aula, foi abordada a temática sobre a Agenda de produção estratégica de medicamentos para populações negligenciadas e patologias desassistidas pela Assistência Farmacêutica. O Professor Rafael apresentou cinco barreiras de acesso a medicamentos no Brasil: 1. Pesquisa Clínica; 2. Registro e Incorporação; 3. Produção de Medicamentos; 4. Financiamento de Medicamentos; 5. Qualificação do Acesso.

Mais informações

O quê: Seminário online Perspectivas e desafios: acesso a medicamentos para populações negligenciadas e patologias desassistidas pela Assistência Farmacêutica

Quando: 30 de agosto, de 13h30 às 18h.

Como: Via inscrição mediante formulário

Informações: (61) 3315-2150/ 3821 (procurar técnicos da Ciaspp e Cictaf)

Fonte: SUSConecta / Foto: ICTQ

Para Propaganda Falsa tem Remédio

Artigo discute a emergência em se aprofundar um debate na sociedade sobre a regulamentação da propaganda de medicamentos. A pandemia e a disseminação de publicidade em torno de remédios para o tratamento precoce de Covid-19 ampliaram a necessidade de se discutir os impactos e perigos à saúde que a publicidade de remédios sem eficácia comprada podem trazer. Leia abaixo:

 Debora Raymundo Melecchi [1]
Maria Eugênia Carvalhaes Cury[2]
Maria Eufrásia de Oliveira Lima[3]
Ronald Ferreira dos Santos[4]
Alice Portugal[5]

A recente manifestação de membros da CPI da Covid-19, sobre um possível  pedido de indiciamento do Presidente da República por curandeirismo e charlatanismo, em decorrência de sua reiterada defesa do uso de medicamentos com comprovada ineficácia no tratamento da COVID-19, reacende o debate sobre a propaganda de medicamentos no Brasil. Além disso, o depoimento de Jailson Batista,[6]  diretor da farmacêutica Vitamedic, uma das principais produtoras de ivermectina no Brasil, quando admitiu que a empresa patrocinou publicidade feita pela associação “Médicos pela vida”, no valor de R$ 717 mil reais, do tratamento precoce contra COVID-19, conhecido como kit covid e que incluía a ivermectina, sem efetividade contra a doença, fortalece a necessidade de ampliação deste debate junto à sociedade. 

E em plena crise sanitária, social e econômica, nos vemos diante de um projeto político nacional que atua, com intencionalidade, contra as vidas. O incentivo ao uso incorreto de medicamentos para a COVID19, se traduziu em ampliação de produção de cloroquina, nota orientadora de seu uso por parte do Ministério da Saúde,[7] propaganda por parte do Presidente da República, além da ausência de campanhas esclarecedoras sobre os riscos da automedicação. 

Embora a propaganda de medicamentos no Brasil seja lícita, é fundamental registrar  que trata-se de uma atividade que está sujeita a regras específicas, conforme previsto na Constituição Federal em seu art. 220 – parágrafo 4º. Afinal, os medicamentos não são bens de consumo comuns, e sim, bens de saúde, fundamentais para o tratamento de doenças e prevenção de agravos, como as vacinas. O Estado Brasileiro, ao regular a propaganda de medicamentos, exerce a sua função de mediador de assimetrias de informação e de interesses entre o produtor dos mesmos e os consumidores.  (BRASIL,1988)

O direito à liberdade, e livre iniciativa da indústria de medicamentos em disseminar informações sobre os seus produtos, não pode estar acima da garantia à população do seu direito à saúde, expresso na redução de riscos no uso inadequado de medicamentos. 

A obra “Vendendo Saúde: A História da Propaganda de Medicamentos no Brasil” de Eduardo Bueno e Paula Taitelbaum, editada pela Anvisa em 2008, traz uma importante análise sobre o direito à saúde expresso no contexto de Estado social em que se enquadra a Constituição de 1988, onde  é possível perceber que a saúde está vinculada a vários outros temas e, por isto, transcende ao expresso na seção da saúde da Constituição (no artigo 196). Assim, para interpretar a proteção à saúde é necessário atentar para todo o contexto constitucional. Essa análise nos convida a refletir que o direito à “dignidade da pessoa humana”, expresso no artigo primeiro da CF, tem primazia e orienta os demais valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, dos direitos individuais e da ordem econômica.

Por isso, o que temos acompanhado em relação à propaganda de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19, atenta contra a saúde e à dignidade das pessoas, e caracteriza-se como propaganda abusiva, na medida em que explora o medo em relação a pandemia e induz as pessoas a se comportarem de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde. Também trata-se de propaganda enganosa, quando emite informação falsa e induz o consumidor ao erro de se achar protegido do vírus e abandonar os cuidados de proteção, expondo-se à infecção.

A constatação dos riscos relacionados ao uso inadequado de medicamentos pode ser observada pelos dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) que demonstram que os medicamentos ocupam o primeiro lugar entre os agentes causadores de intoxicações e o segundo nos registros de morte por intoxicação. No ano de 2016 foram notificados 32311 casos de intoxicação por medicamentos, correspondendo a 33,17% do total de todos os registros)[8].

A luta pela promoção do Uso Racional de Medicamentos passa, também, pela atenção às práticas relacionadas à propaganda desses produtos. A Resolução RDC/ ANVISA n°96/2008, define propaganda como o conjunto de técnicas utilizadas com objetivo de divulgar conhecimentos e/ou promover adesão a princípios, idéias ou teorias, visando exercer influência sobre o público através de ações que objetivem promover determinado medicamento com fins comerciais, exercendo impacto nas práticas terapêuticas e no comportamento das pessoas em relação ao uso.(BRASIL,2008)

Segundo a página do CEE-Fiocruz, em matéria publicada em agosto de 2017, a “Exposição a medicamentos sem eficácia comprovada, risco de submissão a tratamentos inadequados, suscetibilidade a efeitos colaterais e ao agravamento de quadros clínicos são possibilidades criadas pela preponderância do viés publicitário e mercadológico no cuidado com a saúde”[9].

A preocupação com os malefícios da propaganda de medicamentos no Brasil tem sido uma pauta central dos farmacêuticos e farmacêuticas por meio da atuação da Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar.

Em 2005, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Federação Nacional de Farmacêuticos (Fenafar) e a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) fizeram uma parceria com o objetivo de reduzir os efeitos do mau uso de medicamentos. Assim, iniciaram uma ação conjunta para coibir a propaganda de medicamentos, que resultou na realização de quatro seminários regionais  e o fechamento com o  Seminário Nacional Sobre Propaganda e Uso Racional de Medicamentos, que aprofundou o debate sobre medidas para proibir a propaganda de medicamentos nos meios de comunicação e também para regular a divulgação de folhetos promocionais além da formulação de um plano de ação nacional para a inserção do Uso Racional de Medicamentos nas práticas dos profissionais prescritores e dispensadores, e que ganhou materialidade em uma série de processos no setor público e privado que envolvem o uso de medicamentos.

Nestes processos, os papéis dos profissionais de saúde, gestores, prestadores de serviço e meios de comunicação são  estratégicos para a promoção do uso racional de medicamentos ao cumprir o seu fazer, no atendimento às necessidades e bem estar das pessoas. 

O SUS estabeleceu a Saúde como direito, e com o advento da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), em 2004, o medicamento passou a ser  um insumo garantidor desse direito. Assim,   mais do que responsabilizar criminalmente aqueles que buscam lucrar ou beneficiar-se politicamente de forma vil, inescrupulosa e negacionista da demanda por um “remédio” para a COVID19, a sociedade brasileira precisa reforçar os mecanismos que a protegem da tirania na política, e da ganância do mercado, que desconsideram e desprezam  as necessidades e bem estar das pessoas, a ciência e a vida, que passa pelo fortalecimento do SUS e a submissão dos setores complementares e suplementares, na sua regulação e planejamento, incluindo a farmácia, que a partir de 2014, passou a condição de uma unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva (Brasil,2014)).     

Formulações acerca do uso racional de medicamentos estão sendo oferecidas à sociedade brasileira quase ao mesmo tempo das formulações das diretrizes assistenciais e gerenciais de como garantir o funcionamento do SUS, público, universal e integral. É necessário reunir forças técnicas e políticas para que as diferentes atividades econômicas da saúde atendam de fato ao interesse público e não a manutenção ou ampliação de poderes e lucros. 

E definitivamente não é apenas discurso, mas inúmeras iniciativas, se já implementadas, poderiam ter evitado as nefastas consequências ao povo brasileiro. A CPI do senado têm evidenciado esta questão que se traduz na necessidade de concretizar ações, tais como: o desenvolvimento de campanhas de conscientização da população e ação conjunta dos gestores públicos para utilização dos seus órgãos de comunicação para a promoção do uso racional de medicamentos; estímulo à aproximação das categorias de prescritores e dispensadores; conduta médica, farmacêutica e da equipe de saúde  baseada nos princípios da ética, da saúde e em evidências; ação do parlamento com  projetos de lei que fortaleçam a Assistência Farmacêutica como direito; retomada de debates amplos sobre a propaganda de medicamentos, com a participação do controle social do SUS.

Fundamental seguirmos somando forças e amplitude para que se tenha garantida o direito dos cidadãos à assistência farmacêutica e o respeito ao uso racional de medicamentos como instrumento essencial no contrapondo a má publicidade de medicamentos e remédios e na defesa das vidas, da ciência e da democracia.

Autores 

[1] Farmacêutica, Presidenta do Sindicato dos Farmacêuticos do Rio Grando do Sul, Diretora da Federação Nacional dos Farmacêuticos e Conselheira Nacional de Saúde

[2] Farmacêutica, Mestre em Educação pela Unicamp 

[3] Tecnóloga de Administração em Recursos Humanos, Assessora Sindical na Federação Nacional dos Farmacêuticos 

[4] Farmacêutico, Mestre em Saúde Pública pela UFSC, Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos 

[5] Farmacêutica, Deputada Federal PCdoB-BA 

Referências

Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. Brasília, 1988. 11.ago.2021Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao >.

Brasil, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, RESOLUÇÃO-RDC Nº 96, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2008 – Dispõe sobre a propaganda, publicidade, informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos , Brasília,2008,. 11.ago.2021 . Disponível:<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2008/rdc0096_17_12_2008.html>

Brasil, Presidência da República, Casa Civil, Lei. N. 13.021 de 08 de agosto de 2014.  Dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. Brasília, 2014. 11.ago.2021. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13021.htm

Bueno, Eduardo e Taitelbaum,  Paula, –  Vendendo Saúde: A História da Propaganda de Medicamentos no Brasil, 2008,Ed. Anvisa, Brasíla – 11.ago.2021 Disponível: <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/educacao-e-pesquisa/publicacoes-sobre-educacao-e-pesquisa/vendendo-saude-a-historia-da-propaganda-de-medicamentos-no-brasil.pdf/view.>  

[6] À CPI, diretor de farmacêutica diz que não vendeu ivermectina ao governo – Jailson Batista confirmou que Vitamedic pagou R $717 mil em campanha que apoiava ‘tratamento precoce’, com medicamentos sem eficácia comprovada . Disponível em : https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/08/11/cpi-da-covid-ao-vivo-diretor-da-vitamedic-jailton-batista-depoe-aos-senadores

[7] Orientações do Ministério da Saúde para tratamento medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19 – Retirado do site em março de 2021.

[8] Fonte: MS / FIOCRUZ / SINITOX – Disponível em (https://sinitox.icict.fiocruz.br/sites/sinitox.icict.fiocruz.br/files//Brasil6_9.pdf

[9] Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz -CEE/Fiocruz. Perigosa e alienante, a publicação de medicamentos,na análise de especialistas. 22.ago.2017. Disponível em https://cee.fiocruz.br/?q=node/638>

Covid-19: o mundo em um ‘apartheid de vacinas’

Em artigo assinado por Luana Bermudez e Jorge Bermudez destacam como o monopólio de medicamentos, particularmente o das vacinas, protegidos por patentes para as grandes indústrias farmacêuticas aprofunda desigualdades estruturais. No caso da pandemia de Covid-19, a patente sobre as vacinas gera gargalos de aquisição e distribuição, aprofundando a crise sanitária internacional. Leia abaixo:

Em maio de 2021, no Fórum de Paz em Paris, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que o mundo não estava “sob risco de um apartheid de vacinas, mas que o mundo já estava no apartheid de vacinas”. Ele foi além, denunciando que os países de renda alta, responsáveis por 15% da população mundial, detinham 45% das vacinas no mundo e que os países de baixa e média-baixa renda, responsáveis por quase metade da população mundial, detinham apenas 17%. Ele ainda afirmou que, embora 63 milhões de doses de vacinas, houvessem sido enviadas a 124 países, isso correspondia a apenas 0,5% da população desses países.

Na mesma semana, o presidente dos EUA afirmou que estaria compartilhando 80 milhões de doses com países pobres nas semanas seguintes, mais do que qualquer outro país. Entretanto, isso representava apenas 13% das vacinas produzidas no país. Na verdade, 80 milhões de doses para uma população mundial de quase 8 bilhões de habitantes cobrem apenas 1% dessa população, se fossem distribuídos equitativamente.

É inacreditável, e inaceitável, verificar que, transcorridos quase 18 meses da declaração de emergência de caráter internacional, as propostas de solidariedade buscadas inicialmente e que foram debatidas em todos os grandes foros mundiais, hoje praticamente ecoam no vazio. Se os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030, revendo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, colocaram como chamada “não deixar ninguém para trás”, a pandemia nos levou mais de 4 milhões de pessoas, em meio a mais de 200 milhões de casos de Covid-19. Muitas dessas mortes poderiam ser evitadas por diversos motivos. Não nos referimos ao início da pandemia, mas aos tempos atuais em que as mortes evitáveis ficam muito evidentes e a desigualdade é gritante.

No meio de 2020, o secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, já afirmava que o mundo havia chegado a um ponto de ruptura em relação às desigualdades. Durante a Conferência Anual Nelson Mandela, realizada em julho de 2020, Guterres teceu severas críticas ao comportamento dos países desenvolvidos na resposta à pandemia, destacando que o legado do colonialismo ainda tem consequências nas relações globais de poder, que estes estão investindo somente em sua própria sobrevivência e falharam em apoiar os países em desenvolvimento em tempos tão difíceis.

Guterres também comparou a Covid-19 com um raio-x, expondo as falácias e revelando as fraturas no frágil esqueleto da nossa sociedade: “A mentira de que o livre mercado pode oferecer acesso a saúde para todos, a ficção de que o trabalho de cuidado não remunerado não é trabalho, a ilusão de que vivemos num mundo pós-racista, o mito de que estamos todos no mesmo barco. Porque, embora todos estejamos flutuando no mesmo mar, é claro que alguns de nós estão em super iates, enquanto outros estão agarrados aos escombros flutuantes”.

Para onde foram as promessas de solidariedade, de tecnologias e vacinas relacionadas com a pandemia como bens públicos globais, propostas no início da pandemia? Tantas iniciativas, tão bem formuladas, em especial, no âmbito da OMS, como ACT-accelerator, C-TAP, COVAX, não receberam o apoio nem os recursos necessários para seus objetivos e sofreram com subfinanciamento (ver aqui e aqui).

Hoje, a desigualdade fica muito mais evidente. Na União Africana, que inclui 55 países e 1,2 bilhão de habitantes, apesar da adesão ao Consórcio Covax para receber vacinas, países como Burundi e Eritreia ainda não estavam sem nenhuma dose de vacina até poucos dias atrás. Enquanto países da África ainda precisam vacinar os trabalhadores de saúde da linha de frente de combate à pandemia, países centrais já estão vacinando adolescentes e crianças e começam a discutir a aplicação de uma terceira dose ou dose de reforço, em flagrante expressão de iniquidade, desigualdade e falta de solidariedade.

O negacionismo que vimos em diversos países do mundo, como no exemplo da Tanzânia, aliado ao nacionalismo exacerbado que vimos em países centrais, vem levando a uma distribuição desigual de vacinas e relegando países periféricos a uma espera até 2022, ou mesmo 2023, para acesso aos imunizantes necessários à cobertura de suas populações.

Entre as lições que esperávamos ao enfrentar a pandemia de Covid-19, a solidariedade se colocava sempre como imperativo, com necessidade de implementar medidas restritivas de contenção, mas, ao mesmo tempo, gerando as condições para a manutenção de conquistas sociais sem, em nenhum momento, aceitar a geração cada vez maior de desemprego, subemprego e emprego informal – condições agravadas pelo negacionismo explícito de autoridades, em diversos países e segmentos da sociedade.

Estudos mostram que as fábricas podem adaptar suas plantas e entregar vacinas prontas em menos de seis meses se tiverem acesso às tecnologias e know-how para a produção

A necessidade de garantir acesso da população a tecnologias relacionadas com o enfrentamento da pandemia levou a que, no mundo inteiro, fossem elaboradas, discutidas e publicizadas propostas para acelerar esse objetivo. Diversos países implementaram alterações em seus marcos regulatórios de propriedade intelectual, com o objetivo de facilitar a emissão de licenças compulsórias, na linha de pensamento de que o licenciamento voluntário não se constitui em mecanismo suficiente para evitar monopólios e preços elevados das tecnologias.

Denuncias recentes apontam que, em que pese terem sido financiadas com recursos públicos, as companhias farmacêuticas, aproveitando seus monopólios, estão cobrando preços excessivos, estimando-se que diversos países estejam pagando valores entre quatro e 24 vezes mais do que seriam os preços de custo.

Tomando como ponto de partida a reprogramação da iniciativa de BioNTech em Marburg, na Alemanha, que readaptou uma fábrica de produtos oncológicos para a fabricação de vacinas de m-RNA no prazo de seis meses, com a capacidade de produção de milhões de doses semanalmente, é proposto um esforço global articulado para a produção em massa dessa vacina para atender o mundo. Estudos mostram que as fábricas podem adaptar suas plantas e entregar vacinas prontas em menos de seis meses se tiverem acesso às tecnologias e know-how para a produção das vacinas contra Covid-19. Assim, países em desenvolvimento teriam plenas condições para frear o avanço da pandemia e acabar com as mortes evitáveis. Estima-se que se isso fosse realizado, entre 1.000 e 1.500 mortes poderiam ser evitadas diariamente somente no Brasil.

Outro movimento relevante de solidariedade que já mencionamos (ver aqui) foi a iniciativa da Índia e África do Sul na Organização Mundial do Comércio (OMC), propondo a suspensão temporária dos direitos de propriedade intelectual das tecnologias relacionadas com a pandemia, mas que vem sendo bloqueada por um grupo menor de países de renda alta, impedindo a possibilidade de remover patentes, temporariamente, para fazer frente à pandemia de maneira mais equânime, quebrando os monopólios e a imposição de preços elevados.

Em junho de 2021, os diretores da OMS, OMC, FMI e Banco Mundial publicaram posicionamentos conjuntos, antecedendo a reunião do G7, destacando que a pandemia não terminaria até que todos tivessem acesso à vacinas. Eles apresentaram proposta  desenvolvida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pedindo financiamento de US$ 50 bilhões por parte desses países, com o objetivo de garantir 11 bilhões de doses de vacinas para atingir a vacinação de no mínimo 40% da população de todos os países, até o fim de 2021, e de 60%, no primeiro semestre de 2022, além de medidas de contenção em locais com baixa cobertura vacinal. Além do benefício inestimável de salvar vidas, a proposta destaca que esse investimento acabaria com a pandemia mais rapidamente, aceleraria a recuperação econômica e geraria cerca de US$ 9 trilhões em produção global adicional, até 2025.

Porém, a resposta do G7 foi a promessa de doação conjunta de 1 bilhão de doses, muito aquém dos 11 bilhões solicitados pela OMS, e um plano de resposta em cem dias a uma futura pandemia. Não fizeram menção aos US$ 50 bilhões, nem à discussão sobre suspensão temporária de direitos de propriedade intelectual bloqueada na OMC. Cabe destacar que esse pequeno grupo de países detém 60% da riqueza e 35% do PIB mundial, com cerca de 10% da população global, sendo, porém, responsáveis por 50% das doses de vacina contra Covid-19 contratadas até o momento.

Fica evidente que, apesar de transparecerem solidariedade, esses países estão apenas perpetuando a iniquidade e a injustiça social global. É necessário radicalizar a solidariedade, em defesa da vida. Assim como a África se mobiliza na formação de um consórcio para a produção local de vacinas na África do Sul, os países em desenvolvimento têm capacidade de produção que pode e deve ser potencializada ao máximo.

O Brasil deu um passo à frente com a aprovação, inicialmente no Senado e em seguida na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 12/2021, originalmente do Senador Paulo Paim, que estabelece as bases para aprovação de licenciamento compulsório com maior rapidez, e atendendo a situação excepcional que a pandemia representa. Ainda temos muito para avançar na garantia de acesso a todas as tecnologias que possam ser utilizadas contra a Covid-19.

Consideramos necessário que se revise a política restritiva no Brasil, que as áreas sociais sejam adequadamente financiadas, que se assegure a nossa soberania produtiva e sanitária e se apoie o fortalecimento do nosso Sistema Único de Saúde, patrimônio da sociedade e exemplo para o mundo, cumprindo o preceito constitucional de “saúde como direito de todos e dever do Estado”!

*Luana Bermudez, assessora da Presidência da Fiocruz, doutoranda da Ensp/Fiocruz e integrante da UAEM Brasil (Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais);
**Jorge Bermudez, pesquisador em Saúde Pública da Ensp/Fiocruz e pesquisador parceiro do CEE-Fiocruz

Fonte: CIEE-Fiocruz / Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Covid: o pequeno passo do Congresso contra as patentes

Tramitando desde o início do ano, foi finalmente aprovado nesta quarta-feira, 11/08, no Senado Federal, o PL 12/21, que prevê a concessão de licença compulsória para produção, no país, de vacinas e outros insumos que sejam protegidos por patentes, enquanto durar a pandemia. Falta, agora, a sanção de Bolsonaro. Por não promover transferência de tecnologia, medida não terá efeito prático imediato.

Chamada sem muita precisão de “quebra” de patentes, a medida na verdade não anula os direitos de propriedade. O licenciamento compulsório suspende temporariamente, em situações emergenciais, alguns efeitos da propriedade intelectual e, na prática, permite que o objeto protegido por uma patente – nesse caso, as vacinas e outros medicamentos e insumos usados no combate á covid-19 – possam ser produzidos por outros. 

Cai, assim, o direito de exclusividade dos laboratórios sobre a produção de vacinas. Ou seja: as farmacêuticas não podem mais impedir que entrem concorrentes na produção dos imunizantes. Os donos das patentes, no entanto, continuam podendo produzir e vender a tecnologia, além de receberem royalties de quem utilizar o licenciamento compulsório. 

A medida, que, como se pode imaginar, não agrada em nada às grandes farmacêuticas, é prevista no próprio Acordo Trips, tratado internacional instituído em 1994 e que deve ser obedecido por todos os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).  A proposta conta com apoio de militantes pelo direito à saúde e acesso a medicamentos, como a organização Médicos sem Fronteiras, que consideram a medida fundamental para combater a desigualdade na distribuição e acesso a vacinas na pandemia. 

No contexto internacional, a OMS tem sido firme defensora da suspensão de alguns dos efeitos do Acordo Trips para garantir a equidade de cobertura vacinal. O diretor-geral da entidade, Tedros Ghebreyesus, caracteriza o cenário como um “apartheid de vacinas”. Ele tem sistematicamente denunciado a desigualdade no acesso a imunizantes e chegou a dizer que a decisão sobre “compartilhar ou não” é um teste de caráter. 

Leia mais: Covid-19: o mundo em um “aparheid de vacinas”.

Desde o ano passado, algumas iniciativas importantes no sentido de democratizar a produção de vacinas estão em curso, como a protagonizada por Índia e África do Sul na OMC, que conta com a adesão de mais de 100 países. Os novos termos permitiriam que mais laboratórios, universidades e atores diversos se somassem à produção de vacinas e insumos. Mas, em função das férias de agosto do órgão, só deve voltar a ser discutida na segunda semana de setembro. 

Mesmo os maiores defensores do licenciamento compulsório de patentes farmacêuticas na pandemia, concordam que medidas como essa não resolverão de uma hora para a outra o problema de países que não estão conseguindo vacinar minimamente suas populações.

Neste sentido, a Fenafar ao longo de sua história, sempre colocou como tema prioritários de luta em defesa do direito à saúde a discussão sobre as patentes no Brasil. Inclusive com o ingresso da ADI 4234 no STF contra o instituto das Patentes Pipeline  (que ainda guarda julgamento) e nos somando à campanhas nacionais e internacionais em defesa da quebra de medicamentos, tema que a entidade chamou a atenção desde os primeiros momentos da pandemia.

Vacinas “estragando”, uma revolta!

Nesse cenário, é difícil sentir outra coisa que não revolta ao ler reportagens como a do Washington Post (republicada no Estadão) afirmando que milhões de doses de imunizantes em países de alta renda estão em vias de expirar, sem que os governos se disponham a enviar as caixas para o exterior. 

É preciso lembrar, claro, que perdas são comuns e esperadas em qualquer campanha de vacinação, e acontecem pelos mais variados motivos – desde frascos que se quebram no manuseio até panes em refrigeradores. Mas vacinas vencidas nessa longa e desigual pandemia são um problema bem grave. E não há dados exatos – a matéria traz apenas estimativas, com base no que já se sabe sobre algumas cidades ou países. “Não há ninguém que monitore as doses expiradas sistematicamente”, diz Prashant Yadav, especialista em cadeias de suprimentos de saúde do Center for Global Development.

Além das perdas em nações ricas – estima-se que só a Carolina do Norte, nos Estados Unidos, tenha 800 mil doses a vencer em breve –, há outra questão: segundo a OMS, quase meio milhão de doses já venceu no na África na semana passada. O motivo: a maior parte dos imunizantes chega ao continente com uma data de validade já muito curta, devido a atrasos nos embarques. A Libéria, por exemplo, teve apenas duas semanas para distribuir dezenas de milhares de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca. Não deu. “Simplesmente não tínhamos tempo suficiente”, disse a ministra da Saúde do país, Wilhemina Jallah. Isso reforça que, se as doações são feitas em cima do laço, há pouca chance de aproveitá-las.

Da redação com OutraSaúde

Campanha Proteger o Trabalhador e a Trabalhadora é Proteger o Brasil (2ª Edição)

A Campanha Proteger o Trabalhador e a Trabalhadora é Proteger o Brasil (2ª Edição), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), é um espaço de compartilhamento de experiências, divulgação informações corretas, combate fake news, e tem o objetivo de dar visibilidade ao trabalho e amplitude à voz dos trabalhadores e das trabalhadoras que estão no enfrentamento à pandemia.

Trabalhadores(as) da saúde, estudantes e docentes mobilizados nas iniciativas emergenciais de combate à Covid-19, gestores(as) e usuários(as) do Sistema Único de Saúde (SUS), integrantes do controle social da saúde e demais interessados podem contribuir com os objetivos da campanha por meio de suas experiências e depoimentos.

A ideia é acolher as angústias, os sofrimentos e as alegrias vividos em seus locais de trabalho, além de ser um canal de denúncia sobre os problemas vividos no dia a dia, como assédio, falta de equipamentos e tecnologias adequadas, jornada de trabalho excessiva e outros fatores que podem levar ao esgotamento físico e emocional e adoecimento psicológico destes profissionais.

Para isso, a campanha reúne vídeos, cards, fotos e narrativas do cotidiano do trabalho dos profissionais da saúde. Os materiais estão sendo compartilhados nas redes sociais do CNS.

Entre as ações da campanha, está também a implementação de um conjunto de estratégias de educação permanente para esclarecer e alertar estas pessoas sobre as recomendações de proteção à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras que estão envolvidos no combate do coronavírus.

Trabalhador(a) da saúde, participe da Campanha do CNS

1. Siga as páginas do CNS no Instagram e Facebook

2. Curta e compartilhe os cards e vídeos do CNS nas redes sociais

3. Publique no seu perfil no Instagram um breve depoimento contando um pouco do seu cotidiano no trabalho. E lembre de marcar o CNS – conselhonacionaldesaude.cns

#CNS #SUS #conselhonacionaldesaude #protegeratrabalhadora #protegerotrabalhador #trabalhadoresdasaúde

DIA NACIONAL DE SAÚDE: EM DEFESA DA VIDA, DO SUS E DA DEMOCRACIA! FRENTE PELA VIDA

Frente pela Vida divulga Manifesto em defesa da Vida, do SUS e da Democracia. Neste 05 de agosto, Dia Nacional da Saúde, representantes das organizações que compõem a frente entregarão o manifesto a autoridades. Leia abaixo na íntegra:

MANIFESTO DIA NACIONAL DA SAÚDE: EM DEFESA DA VIDA, DO SUS E DA DEMOCRACIA!

O Brasil vive há mais de um ano uma grave crise – sanitária, econômica, social, ambiental e política – exigindo de toda sociedade, especialmente de governantes e representantes do povo, a busca do exercício pleno de cidadania e das liberdades democráticas, diante da violenta emergência humanitária. Em um contexto de afronta à dignidade humana, no qual a proteção social da população não foi garantida, em que se morre de fome ou de covid-19, a sociedade civil organizada é quem tem canalizado as ações populares de solidariedade: quem tem fome, tem pressa.

O País ainda é hoje o epicentro da pandemia da COVID-19 na América Latina, já caracterizada como sindemia. Apesar da tendência de queda, ainda temos uma alta taxa de transmissão da doença, o terceiro maior número de casos no mundo e a maior taxa diária de mortes, mesmo sem considerar a subnotificação. Além disso, alertam-se os riscos da variante Delta já em circulação no país, comprovadamente mais transmissível e potencialmente mais grave. Destacamos os impactos da vacinação na diminuição de casos e mortes, no entanto, não podemos naturalizar essa estabilização e/ou queda com os altos números ainda apresentados. Vivemos uma situação de gravíssima emergência de saúde pública, com milhões de pessoas infectadas e a lamentável perda de centenas de milhares de vidas.

É imprescindível e urgente ampliar a aquisição das vacinas, fortalecer as campanhas de vacinação, além das demais medidas não-farmacológicas: uso de máscaras, restrição de circulação e mobilidade, oferecendo as condições concretas para dar à população o direito ao exercício do isolamento/distanciamento social, garantindo sua proteção e segurança, com auxílio emergencial digno. O Ministério da Saúde não tem investido na necessária testagem em massa da população como medida de vigilância e detecção de casos e contactantes.

Diante disso, nesse 05 de agosto, Dia Nacional de Saúde, convocamos as entidades que compõem a Frente pela Vida e todos os setores da sociedade brasileira à DEFESA DA VIDA, DO SUS E DA DEMOCRACIA, e reafirmamos nossos pilares:

  • O direito à vida é o bem mais relevante e inalienável da pessoa humana, sem distinção de qualquer natureza;
  • As medidas de prevenção e controle no enfrentamento da pandemia da COVID-19 devem ser estabelecidas com base científica e rigorosamente seguidas a partir de planejamento articulado entre os governos federal, estadual e municipal;
  • O Sistema Único de Saúde – SUS é instrumento essencial para preservar vidas garantindo – mesmo desfinanciado – o acesso universal e integral à saúde com equidade;
  • A revogação da Emenda Constitucional 95 é urgente e deve ser imediata, além da disponibilização de mais recursos para o SUS e todas as políticas sociais: saúde é o direito a ter direitos;
  • A solidariedade, em especial para com os grupos mais vulnerabilizados da população, é um princípio primordial para uma sociedade mais justa, sustentável e fraterna;
  • É imprescindível para a vida no Planeta a preservação do meio ambiente e da biodiversidade, garantindo a todos uma vida ecologicamente equilibrada e sustentável;
  • A democracia e o respeito à Constituição são fundamentais para assegurar os direitos individuais e sociais, bem como para proporcionar condições dignas de vida para todas e todos brasileiras e brasileiros.

FRENTE PELA VIDA

05 de agosto de 2021

 Foto: Mídia Ninja

NOTA PÚBLICA: CNS repudia possível extinção do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) está solicitando formalmente informações ao Ministério da Saúde a cerca de uma possível extinção do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (DAF/MS), com divisão de suas atividades em outras secretarias. O CNS também pede uma audiência com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para tratar deste assunto.

Caso a mudança ocorra, o DAF não estaria mais na estrutura da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), o que pode representar ameaças ao direito ao acesso racional aos medicamentos. Dado o papel histórico e exitoso do DAF, além de sua potencialidade, sua extinção ou fracionamento em outras secretarias, atinge o papel estratégico do SUS em seu papel norteador na condução de políticas setoriais ligadas ao medicamento.

A diretora de Organização Sindical da Fenafar e membro do Conselho Nacional de Saúde, Débora Raimundo Melecchi, falou sobre a extinção do Departamento. Assista:

 

A criação da SCTIE, em 2003, correspondeu ao atendimento de uma necessidade da área de Ciência e Tecnologia (C&T), expressa no relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986 (PAIM, 2008), prevista na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde (nº 8.080/1990), e retomada em 1994, na I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde (CNCTIS), e nas Conferências Nacionais de Saúde (CNS) – 10a, 11a e 12a.

Dentre os núcleos que compõem a SCTIE está o Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF), que tem como um dos principais objetivos dar consequência ao que determina a Política Nacional de Assistência Farmacêutica – PNAF (Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 338/2004). Além disso, objetiva também ampliar o acesso a medicamentos seguros e efetivos e promover o uso racional dos medicamentos contribuindo para a integralidade e resolutividade das ações de saúde no SUS, por intermédio de programas, projetos e ações.

O departamento é responsável não só pela aquisição dos medicamentos e insumos do SUS, como também, pela elaboração e atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME e do Formulário Terapêutico Nacional – FTN, assim como pela participação no processo de elaboração e atualização dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT.

Atua ainda em projetos de avaliação, incorporação e gestão de medicamentos, insumos e tecnologias em saúde de forma articulada com os demais departamentos que compõem a SCTIE, a fim de subsidiar as decisões políticas que impactam na qualidade de vida das pessoas.

De acordo com a PNAF, a Assistência Farmacêutica (AF) deve ser entendida como política pública norteadora para a formulação de políticas setoriais, tendo como alguns dos seus eixos estratégicos a garantia do acesso, à manutenção e a qualificação dos serviços da AF na rede pública de saúde, o desenvolvimento científico e tecnológico e a qualificação de recursos humanos, bem como a descentralização das ações, visando o uso racional dos medicamentos (BRASIL, 2004).

Tendo o medicamento como um insumo estratégico para a garantia do direito à saúde, a Política Nacional de Assistência Farmacêutica proporcionou um dos principais conceitos do sistema de saúde que o Brasil contratou, que é o conceito da integralidade. Vários outros princípios da lógica desta atividade econômica “saúde” do Brasil, foram contratadas a partir da Constituição de 1988 e são importantes. Mas, a lógica da integralidade, que tem no debate do acesso às tecnologias, do acesso à Assistência Farmacêutica uma ação fundamental, foi destacada na avaliação aqui apresentada como a principal contribuição da Política Nacional de Assistência Farmacêutica para a saúde da população brasileira.

Portanto, a PNAF articulada e organizada através do DAF/SCTIE/MS é um marco político de avanços e direitos no SUS, e não pode retroceder. Neste contexto, o Conselho Nacional de Saúde vem manifestar seu repúdio, e conclamar a sociedade para que faça o mesmo, a qualquer alteração neste Departamento, por entender que esta não é meramente uma ação administrativa, mas que coloca em risco um direito da sociedade.

30 de julho de 2021
Conselho Nacional de Saúde