A PEC 241 em 10 perguntas e respostas, por Laura Carvalho*

A professora do departamento de Economia da FEA-USP participou na última terça-feira (11) de audiência pública no Senado sobre a PEC 241. Com base na apresentação que fez, ela publicou em seu Facebook 10 perguntas e respostas que mostram os retrocessos que a PEC 241 trará para o país caso seja aprovada. Veja abaixo:

1. A PEC serve para estabilizar a dívida pública?

Não. A crise fiscal brasileira é sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC. O problema é que as receitas também cresceram muito menos — 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.

A falta de receitas é explicada pela própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele as despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas, e serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação. A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.

A PEC também desvia o foco do debate sobre a origem da nossa alta taxa de juros — que explica uma parte muito maior do crescimento da dívida, já que refere-se apenas às despesas primárias federais. Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados à própria taxa SELIC, por exemplo — uma jabuticaba brasileira.

A PEC é frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das despesas pela inflaçã o do ano anterior. Com a inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o governo Golpista que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária para controlar a dívida.

2. A PEC é necessária no combate à inflação?

Também não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da inflação do ano passado foi causada pelo reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia elétrica…). Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.

3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?

O que estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não contribui em nada para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?

Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.

4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?

Para melhorar a eficiência é necessário vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos. A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido. Tais conflitos costumam ser vencidos pelos que têm maior poder econômico e político. Alguns setores podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.

5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?

Não, estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.

O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.

Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer…

6. Essa regra obteve sucesso em outros países?

Nenhum país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua Constituição.

7. Essa regra aumenta a transparência?

Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.

O país já tem instrumentos de fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.

8. A regra protege os mais pobres?

Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real — mesmo se a economia estiver crescendo.

O sistema político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.

9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?

Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?

10. É a única alternativa?

Não. Há muitas outras, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.

* Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC).

Fonte: Página da Laura Carvalho no Facebook

Senado realiza debate que questiona eficácia da PEC 241

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) debateu na terça-feira (11) os efeitos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que tem o objetivo de estabelecer um teto nos gastos e investimentos públicos pelos próximos 20 anos. Pela proposta, os valores orçamentários despendidos pelo governo federal ficam sujeitos a um limite referente ao ano anterior, corrigido pela inflação. A PEC foi aprovada na segunda-feira (10), em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, e deve chegar para análise do Senado ainda no mês de outubro.

Pela tese defendida pela economista Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), a atual crise fiscal por que passa o país estaria mais diretamente relacionada a uma forte queda na arrecadação, aprofundada desde o ano passado, do que por uma suposta “gastança desenfreada” por parte do governo federal.

De acordo com Laura Carvalho, a PEC 241 pode, a curto prazo, até mesmo deteriorar ainda mais as contas públicas, uma vez que os índices de inflação anual têm apresentado trajetória de diminuição, buscando atingir as metas estabelecidas pelo Banco Central. Para a economista, a proposta promoveria, na realidade, um ajuste a médio e longo prazo, baseado numa redução drástica do papel do Estado.

O problema, argumenta a economista, é que mesmo esse ajuste (de longo prazo) não garante a diminuição das dívidas do setor público num futuro, uma vez que não traz qualquer sinalização relacionada ao aumento de arrecadação, políticas de juros ou retomada do crescimento econômico.

Ela ainda acrescenta que a PEC, caso aprovada, fará com que o Brasil “ande na contramão do mundo”, sendo o único país a incluir um dispositivo como este na Constituição. “Não estamos em colapso iminente, nem as agências de classificação de risco apontam isso. A crise cambial que vivemos na década de 90 foi muito mais grave. E hoje o mundo todo vem apostando mais em seus mercados internos na busca de superação da crise”, reforçou.

Para Laura Carvalho, a superação da crise fiscal passa pela retomada do crescimento, o que, no seu entender, não está garantida pela PEC 241. Ela também discorda da tese do “colapso iminente”, caso a proposta não seja aprovada, pois a dívida é interna, em moeda nacional e as reservas internacionais superam a dívida em dólar.

” Se seguirmos o que vem sendo feito ao redor do mundo, é possível melhorarmos a condição fiscal. Mas é necessário revermos muitas desonerações concedidas nos últimos anos e dinamizarmos o mercado interno —acrescentou, defendendo que esta dinamização é possível por meio de investimentos públicos e outros gastos com ‘efeito multiplicador'”, avalia.

Reforma da Previdência

A economista reconhece que as despesas sociais, como as relacionadas à Previdência, de fato, têm crescido acima do produto interno bruto (PIB), o que no seu entender, também não seria “um fenômeno recente”. No entanto, ela refuta a tese de que essa seria uma das principais razões do atual rombo, reforçando que ele estaria mais relacionado à queda brusca nas receitas.

“Em qualquer país do mundo, se você projeta o sistema previdenciário em longo prazo, ele se torna insustentável. Isso se dá, entre outras razões, pelo próprio aumento da expectativa de vida”, esclareceu. Laura considera que o pior momento para esse tipo de “raciocínio e conta” se dá no momento atual brasileiro, de recessão profunda.

Para ela, “não tem sentido” realizar esse tipo de cálculo num momento de queda nas contribuições, tornando “inviável” a medição do deficit. A economista reconhece que as discussões sobre a reforma na Previdência são “válidas”, devido a suas “distorções”, mas não acredita que a reforma contribuiria para melhorar o desajuste fiscal, num cenário de médio prazo. ” Existem direitos adquiridos, e sempre que se fala no assunto um monte de gente corre para se aposentar. A curto prazo, pode até piorar a situação”, afirmou.

Carvalho ainda apresentou gráficos e números oficiais mais recentes demonstrando que os gastos com pessoal foram, na prática, “congelados” durante a gestão de Dilma Rousseff (de 2011 a 2015), e o investimento público até caiu durante o período. O que reforçaria seu diagnóstico de que o atual rombo foi provocado justamente pela brusca desaceleração econômica, e não pelo aumento de gastos. Presidindo a sessão, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) lembrou que Dilma aumentou o superavit primário até 2013.

A economista também criticou o governo de Michel Temer por, no seu entender, “jogar todas as fichas” na retomada dos investimentos privados, lembrando que as empresas nacionais estão “superendividadas”, e o atual cenário recessivo também não contribui para que haja um boom em investimentos externos. Também aponta que, a longo prazo, a PEC 241 será “desastrosa” para os setores de saúde e educação.

Parcialidade do mercado financeiro

Em sua fala, o cientista político Jessé de Souza, da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirmou que houve um “sequestro” da esfera pública por parte de setores da sociedade brasileira, em grande parte fruto do controle da mídia por esses setores, fazendo com que o debate econômico em sua quase totalidade seja conduzido pelo mercado financeiro. Ele também percebe “amplos setores” da política e do Parlamento como também “subservientes” a estes interesses.

“Hoje 90% do debate econômico na mídia e na imprensa nacional se dá pela análise de funcionários do mercado financeiro. Esta rearticulação está ligada também ao desprestígio do Parlamento, que passa a ser apenas uma instância ratificadora dessas medidas”, reiterou.

Para ele essa situação é levada ao “paroxismo” pela PEC 241, que caso seja aprovada em 2º turno pela Câmara e depois pelo Senado, fará com que na prática o sistema representativo fruto de processos eleitorais abra mão durante 20 anos de uma de suas principais prerrogativas, que é a discussão mais aprofundada e detalhada sobre o orçamento.

“A ausência de pluralidade de interpretações e análises na esfera pública é característica típica de regimes autoritários. Acredito que vivemos isso hoje. A aprovação de uma proposta como essa só é possível em quadros assim”, afirmou o cientista político, para quem o processo relativo à PEC 241 vem se dando por parte do governo e da mídia com base na “distorção sistemática da realidade, fraudes, mentiras e lavagem cerebral”.

Ele também vê na PEC, ao sacrificar áreas no seu entender ainda muito precárias como educação e saúde, o objetivo de perpetuar um modelo de sociedade construído historicamente na desigualdade social e no abandono dos mais pobres à sua própria sorte.

Também presente à audiência, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) espera que o Senado modifique a proposta.

“Não há uma medida sequer do governo que busque o ajuste fiscal no andar de cima da sociedade. Ainda sofremos a conseqüência de uma reforma tributária extremamente regressiva feita em 1995. Só aqui e na Estônia existe isenção sobre distribuição de lucros e dividendos, e os 70 mil mais ricos pagam apenas 6% de imposto de renda”, exemplificou Lindbergh.

Ele ainda se disse perplexo com o fato do Brasil aumentar as taxas de juros num quadro de queda do PIB beirando os 8% nos últimos 2 anos, e também considera “assustadora” a queda nos gastos per capta em saúde que a PEC 241 provocará nos próximos 20 anos. A senadora Lídice da Mata (PSB-BA) também lamentou os efeitos da PEC para a área.

Fonte: Agência Senado

Deputados congelam verbas da saúde e educação por 20 anos

Após banquete oferecido por Temer, deputados aprovaram om 366 votos a favor e 111 contra, arrocho fiscal proposto pelo governo Temer em primeira votação na Câmara

 

Aniversariante de outubro, a Constituição de 1988 faz do Brasil um Estado de bem-estar social. Saúde gratuita para todos, educação pública como um dever dos governantes, assistência social aos necessitados. Uma realidade longe de ser alcançada e que, em uma primeira votação, os deputados acabam de deixar vinte anos mais distante.

A proposta do governo Michel Temer de alterar a Constituição para congelar, por duas décadas, os investimentos em saúde e educação, entre outros gastos públicos, foi aprovada nesta segunda-feira 10 na Câmara. Após um banquete oferecido a deputados pelo presidente na véspera, 366 votaram a favor da chamada PEC 241, 58 acima do necessário.

Uma surpresa de última hora acrescentou ainda o salário mínimo como item sujeito a congelamentos por duas décadas, sem aumentos reais.

Para ser aprovada de vez na Câmara, a medida ainda precisa passar por uma segunda votação, o que deve ocorrer nos próximos dias. Depois segue para o Senado, onde também será submetida a duas apreciações em plenário. O governo espera liquidar todo esse processo ainda neste ano, prenúncio de uma correria legislativa incomum.

Antes do início da votação, a Câmara derrubou a exigência regimental de um intervalo de duas sessões da Casa para a deliberação da PEC em primeiro turno, o que permitiu a análise da proposta nesta segunda-feira 10. A comissão especial que analisou a matéria tinha aprovado o texto apenas na quinta-feira 6, daí a necessidade da chamada “quebra de interstício” para garantir a votação plenária nesta segunda.

PCdoB e PT chegaram a entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para barrar a votação, mas o relator, ministro Luís Roberto Barroso, negou o pedido de liminar. Embora tenha reconhecido que a PEC provocará perdas para áreas da administração pública, Barroso argumentou que a proposta não ofende a Constituição. “Há risco de setores mais vulneráveis e menos representados politicamente perderem a disputa por recursos escassos. Porém, está não é uma questão constitucional, mas política”, afirmou em sua decisão.

Durante 20 anos, diz a proposta, todas as despesas públicas serão corrigidas de um orçamento para o outro apenas com base na inflação do ano anterior. Não haverá aumentos reais. Desse modo, crê o governo, o pagamento da dívida pública não correrá perigo, os investimentos privados na economia voltarão e o crescimento virá a reboque.

PEC 241

Para tornar o texto mais palatável aos parlamentares, receosos da impopularidade da medida, o relator, Darcício Perondi (PMDB-RS), havia feito uma alteração: no caso específico de saúde e educação, o congelamento começará só em 2018, último ano de mandato de Michel Temer. Com isso, espera-se que a população não sinta muito os efeitos em escolas e hospitais a tempo de punir seus representantes nas urnas na eleição de 2018. A propósito: na campanha de 2014, Temer doou 50 mil reais à candidatura de Perondi.

Saúde e educação, segundo pesquisas, são duas das áreas mais problemáticas e demandadas pela população. No fim de 2015, o Ibope pesquisou as prioridades dos brasileiros para 2016. A saúde liderava o ranking. Melhorar a qualidade da educação vinha em quinto. Os dois setores precisariam, portanto, de mais dinheiro, com reajustes de verba acima da inflação.

O orçamento das duas áreas é da ordem de 100 bilhões de reais por ano. Um valor atingido graças a aumentos reais. Em 2002, a saúde tinha cerca de 55 bilhões anuais e a educação, perto de 30 bilhões de reais. Nesse mesmo período, o País ganhou 30 milhões de habitantes e atingiu uma população de 200 milhões.

Dois pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a farmacêutica Fabiola Sulpino Vieira e o economista Rodrigo Pucci Sá e Benevides, ambos especialistas em saúde coletiva, fizeram as contas e concluíram: o gasto público per capita com saúde no Brasil é um dos menores entre países que possuem sistema universal do tipo SUS e mesmo em uma comparação com vizinhos sem modelo semelhante.

Em 2013, o setor público brasileiro investiu 591 dólares por habitante. O Reino Unido, inspiração do SUS, 2,7 mil dólares e a França, outra nação com sistema universal, 3,3 mil. Argentina e Chile, onde não há direito universal à saúde, aplicaram 1,1 mil e 795 dólares, respectivamente.

Segundo uma nota divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no fim de setembro, a perda acumulada em 20 anos para a saúde seria de 654 bilhões de reais, em um cenário de crescimento do PIB de 2% ao ano. De acordo com uma projeção realizada por consultores legislativos da Câmara, a perda acumulada até 2025 seria de 331 bilhões de reais.

Temporão

Em entrevista a CartaCapital, José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde do governo Lula, afirma que a PEC é uma “condenação de morte” para milhares de brasileiros. “Estamos falando de fechamento de leitos hospitalares, de encerramento de serviços de saúde, de demissões de profissionais, de redução do acesso, de aumento da demora no atendimento.”

Temporão lembra ainda que apenas 48% das despesas totais com saúde são públicas, enquanto o restante corresponde a gastos do setor privado. “No Brasil, o governo gasta pouco e o ônus do financiamento recai sobre as famílias. A PEC 241 só agrava essa situação. Para ter um parâmetro de comparação, na Inglaterra, que também tem um sistema de saúde universal, 85% do gasto total é público.”

O avanço da educação no século XXI, escasso para as necessidades dos brasileiros e da economia, não se repetirá, com o congelamento de verba. As matrículas em universidades pularam de 3 milhões para 7 milhões entre 2001 e 2013, embaladas pela criação instituições federais (18) e de bolsas (Prouni).

No ensino profissional, as inscrições em estabelecimentos federais subiram de 315 mil em 2001 para 784 mil em 2014. O orçamento da rede de escolas técnicas saltou de 850 milhões de reais em 2003 para 10 bilhões em 2015, descontada a inflação. Dados, todos, do Ministério da Educação.

No fim de 2015, um consultor do Senado, o doutor em economia Marcos Mendes, analisou o orçamento federal da educação nos dez anos entre 2004 e 2014. Concluiu que a área “foi bastante privilegiada”, a despontar como campeã de alta de investimento quando se olha o valor direcionado a ela no total das receitas do governo, “um saldo nada desprezível de 130%”. Se o congelamento já existisse, a expansão teria sido à metade, estima o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap.

Ribeiro

Consultores da Câmara estimaram em agosto que a área perderá 45 bilhões de reais até 2025 com o limite do aumento de gastos. Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma, a proposta inviabiliza o cumprimento da meta de universalizar o atendimento das crianças e adolescentes até 2020, como prevê o Plano Nacional de Educação.

“Com a manutenção dos gastos no atual nível, como propõe a PEC 241, não será possível nem sequer incluir todos os brasileiros com 4 a 17 anos na escola, muito menos com professores competentes e bem formados. O investimento seria insuficiente. ”

Fonte: Carta Capital

Vídeo: Entenda em 5 minutos a PEC 241

Vídeo mostra de forma didática porque a PEC 241 não é uma boa medida para a população brasileira e quais os problemas do “teto de gastos” para o governo que afetaria áreas essenciais como saúde e educação que seriam severamente prejudicadas.

Veja:

Conselheiros do CNS iniciam vigília cívica contra PEC 241

Representantes das entidades que compõem o Conselho Nacional de Saúde (CNS) iniciaram na sexta-feira (07/10) uma vigília cívica nacional contra a PEC 241/2016. A proposta, que aguarda votação no plenário da Câmara dos Deputados, congela os investimentos em saúde e educação pelos próximos 20 anos.

 

Os conselheiros também organizam para os dias 10 e 11 de outubro, a partir das 10h, visita aos 511 gabinetes dos parlamentares, se posicionando contra a PEC da Morte, prevista para ser votada em primeiro turno na segunda-feira (10).

A mobilização ainda acontecerá em todos os aeroportos, com representantes do Conselho para recepcionar os parlamentares e pressionar que votem contra a proposta. Os conselheiros também se somam às demais entidades que estão convocando manifestações para a próxima semana.

Fonte: SUSConectas

Deputados ignoram danos à população e aprovam PEC 241

Comissão especial encerra os trabalhos com aprovação de proposta de emenda à Constituição que acaba com os direitos sociais. Matéria segue para o Plenário da Câmara. Por 23 votos a 7, a comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/16, que congela por 20 anos o investimento em áreas cruciais para o povo brasileiro, aprovou o relatório do deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) na tarde desta quinta-feira (6).

Foram sete horas de falas contrárias e favoráveis à proposta e bate-boca entre parlamentares da base e manifestantes, até que a maioria conseguiu levar adiante a votação da matéria. Agora, a análise da PEC segue para Plenário, onde deve ser apreciada já na próxima segunda-feira (10), conforme anunciado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O texto foi enviado por Michel Temer, logo que assumiu interinamente a Presidência da República, com a promessa de limitar os gastos públicos e tirar o país do “vermelho”, como brada a recém-lançada campanha golpista. Na prática, no entanto, a PEC 241 interfere na gestão dos próximos cinco presidentes e acaba com políticas públicas importantes para a população.

Para a presidente nacional do PCdoB, deputada Luciana Santos (PE), o texto desconstitui as bases do modelo de cidadania criado em 1988 com a Constituição Federal e limita a capacidade de o Estado agir em prol da construção de um modelo de desenvolvimento, com distribuição de renda.

“A PEC 241 é a expressão mais cruel do governo golpista contra o povo. Quando a situação do país não está boa, o papel do Estado precisa aumentar e não diminuir. Hoje, por exemplo, as despesas com saúde e educação possuem critérios específicos de proteção, mas perderão as garantias atuais e apenas a correção inflacionária sobreviverá. E, como o limite é total, qualquer recurso a mais que for direcionado para essas áreas implicará cortes em outros programas”, aponta a parlamentar.

Em um voto em separado, a deputada afirma ainda que a proposta inverte a lógica constitucional, pois onde há obrigação de gastos mínimos haverá um teto, um máximo de gasto. “Esses limites, até 2037, restringirão os programas de governo e a vontade do povo, expressa nas ruas e nas urnas, pelos próximos cinco mandatos presidenciais. Mesmo que a economia cresça e permita, e o Estado tenha capacidade para melhorar as condições de vida da sociedade, o teto vai impedir qualquer avanço social e ainda vai obrigar a desconstituição dos direitos existentes. Além de atentar contra os direitos sociais e a prestação dos serviços públicos, o modelo inviabiliza saídas ou a construção de um projeto de desenvolvimento pautados na política fiscal ou na econômica”, descreve o texto.

Para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo, de acordo com estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), se a regra da PEC estivesse valendo desde 2002, a saúde teria perdido R$ 295,9 bilhões até 2015. Já a educação teria um prejuízo de R$ 377,7 bilhões no mesmo período.

O diretor de Documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Antônio Augusto de Queiroz (Toninho), defende um esforço de mobilização da sociedade contra as reformas do governo federal, em particular contra a PEC 241. “A população precisa ser alertada sobre o veneno embutido nas propostas”, afirma.

Para Toninho a PEC 241 é “uma medida perversa, que congela o gasto público por 20 anos. Sem recompor a defasagem, as contas públicas extrapolam e para resolver a equação eu tenho de cortar direitos”. Para o dirigente do Diap, “a PEC 241 é o gatilho que dispara as demais reformas”, inclusive a trabalhista.

Já o economista da Unicamp Pedro Rossi avalia que a PEC 241 é “uma austeridade contratada para 20 anos”, o que irá prejudicar muito o crescimento brasileiro. Segundo ele, a nova regra fiscal acirra o conflito distributivo dentro do Orçamento e impõe um projeto de Estado mínimo ao país, que não foi referendado em um processo eleitoral. Para ele, se a medida for aprovada, “será o enterro das pretensões civilizatórias” do país – “o golpe dentro do golpe”.

O economista critica ainda o fato de o projeto não incluir uma cláusula que permita a violação das regras, sob certas condições. “Não tem uma cláusula de escape, o que é raro nos regimes fiscais no mundo inteiro. Ou seja, se acontecer mais uma crise fenomenal internacional, o que a gente vai fazer? Nada. Vai ficar amarrado numa PEC. A gente vai cortar gastos. Ou seja, do ponto de vista macroeconômico, ela tem problemas gravíssimos”, apontou.

Na sua avaliação, o projeto retira o poder do Executivo, do Congresso e da sociedade de moldar o tamanho do orçamento público e deve ter resultados nocivos para os mais pobres. “Só é possível realocar [os recursos] dentro do orçamento. Isso vai provocar um enorme acirramento do conflito distributivo dentro do orçamento. Vai reduzir muito o orçamento disponível e, evidentemente, quem tiver mais força política, vai conseguir um pedaço maior. E a população mais vulnerável, que não tem articulação política, pode sair prejudicada desse processo”, previu.

De acordo com o economista, a proposta vai muito além de um mero ajuste fiscal, ao propor mudanças que alteram os destinos do país e tratam dos rumos do projeto nacional. “E é um projeto completamente incompatível com o projeto da Constituição de 1988”, acrescenta.

Para ele, a proposta impõe uma “redução brutal do estado e revisa a ideia de que o Estado tem deveres com a população e que a população tem direitos sociais”. O professor defende, então, que a discussão da matéria precisa passar por um pleito eleitoral. “Se a população decidir por isso, que seja implementado. Mas eu desconfio que esse projeto não passaria num pleito eleitoral”.

O embate agora segue no Plenário da Câmara. Para ser aprovada, a PEC 241 precisa de, pelo menos, 308 votos favoráveis, em dois turnos.

Da redação com agências

Ato contra PEC 241 reúne centenas de manifestantes na Câmara dos Deputados

Entidades sindicais, movimentos sociais e parlamentares lotaram nesta quarta-feira (5) o auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados num ato de protesto contra a PEC 241/2016, projeto que congela investimentos públicos em áreas estratégicas como Educação, Saúde, Transporte Público e demais áreas sociais. A proposta, encaminhada ao Congresso por Michel Temer, pode ser votada ainda esta semana pela Casa.

“PEC 241 nada mais é do que tirar o povo do orçamento”, disse a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), em seu discurso no ato.

Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Federação Nacional dos Farmacêuticos, Ronald Ferreira, “uma vez aprovada, essa PEC vai significar menos Samu, menos cirurgia oncológica, menos Saúde da Família. A aprovação dessa PEC vai significar a morte. Por isso devemos batizar a 241 como a PEC da morte. Não podemos admitir que o principal contrato com o povo brasileiro, que foi a Constituição de 1988, seja rasgado”.

O presidente da Fenafar ainda convocou a sociedade à mobilização. “Por isso, é fundamental que todas as organizações, de forma mais ampla possível, mobilizem o povo brasileiro no sentido de dizer não à PEC da morte”.

Na terça-feira (4), um relatório favorável à proposta foi apresentado pelo relator, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), enquanto o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciava a votação da PEC para a segunda-feira (10).

Um acordo entre a relatoria e o governo alterou o início do congelamento dos recursos de saúde e educação, que começaria em 2017, para 2018, com o intuito de

diminuir a resistência entre os parlamentares.

“Essa PEC não pode passar, temos que denunciar deputados e senadores que apóiam esse projeto do governo golpista que quer entregar nosso País para a privatização, terceirização e para os interesses norte-americanos. Então estamos aqui neste ato unificado para tentar sensibilizar a população a acordar para as ameaças desse projeto”, afirmou João Paulo Ribeiro (JP), Secretário do Serviço Público e dos Trabalhadores Públicos da CTB.

Carmen Lúcia, representante da União Brasileira de Mulheres (UBM) no CNS, diz que o congelamento de gastos públicos com Saúde por 20 anos “significa também que não podemos criar um serviço novo porque esse dinheiro não cresce. Então, isso é um retrocesso sem tamanho, não vamos poder dar conta dos serviços que a área demanda porque não vamos atender nem aos serviços existentes quanto mais instituir novos. A população aumenta e o dinheiro não”.

Ao discursar em nome da CTB, Aldemir Caetano destacou – “Tudo aquilo que estava sendo construído à luz da democracia, à luz do desenvolvimento, à luz dos direitos sociais está agora sendo detido. E o grande exemplo disso é a PEC 241, aliada a uma série de projetos que estão no parlamento”.

Da redação com informações da CTB e SUSConecta

Temer, a PEC 241 e a entrega irrestrita ao neoliberalismo*

Reportagem de Renan Truffi publicada na revista Carta Capital mostra que, de acordo com a PEC 241, o Orçamento para gastos públicos será condicionado pelo crescimento da inflação. 

 

No último mês, Cristina (o nome é fictício, mas a cidadã é de carne e osso) recebeu uma carta do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Ela tem direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo.

A razão é um filho, de 22 anos, que desenvolveu microcefalia durante a gestação e tem dificuldades motoras e cognitivas, devido a patologias no cérebro, como a displasia cortical e uma anomalia que impede a migração neuronal.

De acordo com a correspondência, Cristina terá de passar por um novo processo de averiguação de seu benefício. Seis anos após conseguir o auxílio, ela tem de apresentar novamente todos os documentos necessários para provar que seu filho não fala, não anda e usa fraldas. E precisa do BPC, destinado a idosos e pessoas com deficiência e sem condições de trabalhar.

Assim como Cristina, outros 4,2 milhões de brasileiros que recebem o benefício terão de passar até novembro pela revisão determinada pelo governo Temer. Mais do que uma simples verificação, espera-se economizar pelo menos 800 milhões de reais com benefícios a serem descontinuados.

A medida é apenas um dos passos de uma ação maior destinada a reduzir o tamanho do Estado brasileiro. Pilar dessa política a sustentar o governo é a Proposta de Emenda Constitucional 241/2016, também chamada de PEC do Teto de Gastos.

Tratada como prioridade máxima pelo Palácio do Planalto, a PEC tem como objetivo colocar um limite para as despesas primárias dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para cada exercício, pelos próximos 20 anos. Na prática, significa que o governo só poderá gastar até um determinado valor em itens relevantes como pessoal, saúde, educação, transferência de renda e Previdência, entre outros.

É a proposta que garante governabilidade a Temer no Congresso. Juntamente com a reforma da Previdência, que pretende mudar as regras para a concessão de aposentadorias, o ajuste das contas públicas é tido como uma das principais razões da aliança entre PMDB e PSDB no governo.

Por conta disso, o tema tem sido tratado com urgência pelos interlocutores do presidente. Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a PEC deve ser votada até o fim de outubro.

O interesse do PSDB pela aprovação da pauta explicita o caráter da proposta, perfeitamente afinada com a política de austeridade. De acordo com o texto da PEC, o Orçamento para os gastos públicos de cada ano será definido pelo crescimento da inflação do ano anterior. Portanto, deixa de ser vinculado à Receita ou ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Isso quer dizer que, mais do que impedir o governo de gastar valores superiores ao que arrecada, a proposta impede aumento de gastos em áreas sensíveis mesmo que o País se torne mais rico. Tal é a principal regra e, segundo o texto, só poderia ser revista por iniciativa exclusiva do presidente da República após dez anos, em 2026.

O prazo final do ajuste se completaria somente em 2036, após mais de dois mandatos presidenciais completos. Conclusão: o Novo Regime Fiscal retira da sociedade e do Parlamento a prerrogativa de moldar o tamanho do Orçamento, definido agora pela inflação.

Ao colocar um limite para os gastos da União pelas próximas duas décadas, independentemente dos governos que possam vir a ser eleitos ou de uma melhora da situação econômica, a proposta basicamente institucionaliza um ajuste fiscal permanente.

“O objetivo é reduzir o tamanho do Estado, é uma austeridade contratada por 20 anos”, explica o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pedro Linhares Rossi. Cálculos feitos com base na regra proposta pelo Planalto corroboram os seus argumentos. O professor da Unicamp analisou os gastos com despesas primárias para os próximos anos num cenário de crescimento do PIB de 2,5% ao ano, a partir de 2018. Os números mostram que, com a PEC 241, os gastos do PIB com esse tipo de despesa cairiam dos atuais 19% do PIB para cerca de 12% 2036.

Rossi explica que isso tornaria o Estado muito menor que a economia brasileira, o que impediria uma intervenção governamental em uma situação de crise financeira. “A PEC vai retirar do Estado aa possibilidade de fazer frente a crises. Não há uma cláusula de escape nessa PEC, coisa rara nos regimes fiscais no mundo todo. Ou seja, se acontecer mais uma crise fenomenal internacional o que nós vamos fazer? Nada”, conclui.

Cabeça por trás da proposta, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Justificativa: a raiz do problema fiscal do Brasil é, segundo ele, o crescimento elevado do gasto público, que seria incompatível com o crescimento da Receita.

“No período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a Receita evoluiu apenas 14,5%”, diz o texto que integra a PEC, assinado por Meirelles e Dyogo Henrique de Oliveira, atual ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão.

A tese de descontrole das contas públicas tem gerado muitos questionamentos. Segundo o Departamento Intersindical de Estudos Econômicos (Dieese), a observação dos dados referentes a receitas e despesas contradiz essa afirmação.

“As despesas primárias, como se disse, tiveram um comportamento compatível com o aumento das receitas até 2012”, diz a Nota Técnica 161, elaborada pela instituição em setembro, sobre os impactos da PEC 241. Para o Dieese, o descompasso dos gastos começa de forma mais profunda com o ajuste fiscal implementado pelo ex-ministro Joaquim Levy, ainda sob o comando de Dilma Rousseff, justamente quando a União cortou gastos e o Estado deixou de contribuir com a economia.

A consequência foi que a receita despencou e os gastos continuaram no mesmo patamar. “O problema fiscal está associado à estagnação econômica de 2014, seguida pela crise, e ao ajuste recessivo adotado em 2015.” Foi nessa época que “as receitas se deprimiram, comprometendo o equilíbrio fiscal”, diz o texto.

Em outras palavras, segundo o Dieese, o aprofundamento da recessão fiscal no País é, em parte, responsabilidade do próprio ajuste, que agora se apresenta como solução para a economia ao aviar a mesma receita: corte de gastos.

O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a uma conclusão parecida recentemente. Em maio, três economistas da instituição publicaram um artigo dizendo que políticas neoliberais podem gerar efeitos nocivos para a economia de países em desenvolvimento. Por exemplo, aumentar a desigualdade.

Ao falar em neoliberalismo, o FMI refere-se às medidas de austeridade. “Os benefícios de algumas políticas que são uma parte importante da agenda neoliberal parecem ter sido um pouco exagerados. Em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura”, confessa o Fundo.

“Mesmo que o crescimento seja o único ou principal objetivo da agenda neoliberal, os defensores dessa agenda devem prestar atenção nos efeitos de distribuição”, complementa.

Enquanto o FMI alerta para a importância da distribuição de renda, o governo Temer tenta apagar esse termo da trajetória brasileira para os próximos anos. A pedido do presidente, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional alterou o texto que trazia os objetivos do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017, ao traçar as metas e prioridades da gestão pública federal e orientar a Lei Orçamentária anual.

Foram retirados os termos que comprometiam a administração pública federal a assegurar “distribuição de renda”, o “fortalecimento dos programas sociais”, bem como a execução de “políticas sociais redistributivas”.

O texto que embasa a PEC 241, assinado por Meirelles e Oliveira, ainda diz que conter o aumento do gasto público vai contribuir para a diminuição do crescimento da dívida pública brasileira. “Vinte anos é o tempo que consideramos necessário para transformar as instituições fiscais por meio de reformas que garantam que a dívida pública permaneça em patamar seguro”, afirmam os ministros. Segundo dados do Banco Central, a dívida pública brasileira chegou, em 2015, ao nível de 66,2% do PIB.

O governo ignora, no entanto, que não existe unanimidade sobre o que é um patamar seguro para a dívida pública no mundo. Há, sim, vários países com uma dívida menor do que a brasileira: Argentina (56% do PIB em 2015) e Chile (14% do PIB), entre eles.

Contudo, mesmo países mais desenvolvidos possuem dívidas substancialmente maiores, como é o caso da Espanha (99%), EUA (106%), e o mais extremo, o Japão, que tem uma dívida de 248% do valor de seu Produto Interno Bruto.

Apesar das críticas, o Japão preferiu uma política de expansão monetária à austeridade imposta na Europa. “Não há um número mágico a partir do qual a relação dívida pública/PIB torna-se problemática. A dívida brasileira é tão grande? Qual é o parâmetro para a definição de grande? Na verdade, os economistas não se arriscam a definir um parâmetro ótimo para dívida pública, simplesmente porque ele não existe”, afirma documento lançado em agosto deste ano sobre a austeridade e a política fiscal no Brasil, por instituições como a Fundação Friedrich Ebert Stiftung e a Fórum21.

É o que defende o economista Felipe Rezende, Ph.D. e professor assistente do Departamento de Economia do Hobart e William Smith Colleges, em Nova York. Ele foi um dos convocados pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal a debater sobre o assunto, no fim de agosto, em uma sessão com integrantes do governo Temer.

“Esse tipo de debate foi realizado em outros países que também passaram por um aumento muito forte dos déficits públicos e da dívida pública. Nos países onde essa tentativa de ajuste fiscal foi feita, falharam em promover a recuperação econômica em todos eles. O ajuste fiscal, onde foi implementado, não gerou recuperação econômica”, defendeu Rezende na ocasião, diante da equipe econômica do governo.

Na opinião do economista, o governo Temer comete um “erro gravíssimo” no diagnóstico das razões da crise econômica brasileira. A explicação para a solvência vem de outro lado. “Esta não é uma crise do setor público, e sim do setor privado. Eu finalizei um trabalho este ano sobre a situação das empresas do setor privado no Brasil. O estudo mostra haver uma deterioração do balanço dessas companhias desde 2007”, alerta.

“As empresas privadas no Brasil tiveram uma posição de endividamento líquido tão significativa que esse processo foi revertido e colocou pressão sobre os déficits públicos. Como esperado em momentos como esses, hoje o Brasil tem uma crise de solvência do setor privado. É uma crise diferente das anteriores.”

O debate promovido pelo Senado sobre o assunto provocou reações na Casa. “A proposta é tão anormal que nenhum economista ou professor universitário com credibilidade se atreveu a defendê-la”, ironizou, em discurso no Plenário, o senador Roberto Requião (PMDB-PR).

“No dia 16 de agosto, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado debateu o assunto. Meirelles mandou dois funcionários de segundo escalão para defender a proposta. Confrontados pelos professores convidados a fazer uma análise séria do assunto, exibiram a grande fragilidade da PEC 241 e da visão econômica do chefe”, disse.

Requião ainda chamou a PEC 241 de “aberração” e disse que congelar os gastos públicos pode levar o País ao caos político e econômico. “Essa proposta tão absurda serve para mostrar o grau de anormalidade política e institucional em que vive hoje o País.”

Alvos: saúde e educação

Além de um diagnóstico errado, a equipe econômica de Meirelles deposita todo o sucesso da proposta na oneração de áreas como educação e saúde. Ao anunciar a limitação de gastos, em meados de junho, ao lado de Temer, o ministro da Fazenda classificou-a de “dura” e admitiu que o foco era conter as despesas com saúde e educação, ambas vinculadas à evolução da arrecadação federal.

O próprio texto da PEC explicita esse objetivo. Como a ideia é colocar um teto de gastos para a saúde e a educação, a proposta suspende, pelo mesmo período de 20 anos, a aplicação mínima definida pela Constituição Federal nas duas áreas.

Esse montante passa a ser calculado com a mesma regra que limita as despesas públicas, com correção pela inflação do ano anterior. Dessa forma, as despesas gastas em saúde e educação deixam de estar vinculadas às Receitas.

Isso revela a falta de sincronia ou interesse do governo Temer com o programa aprovado nas urnas em 2014 e com os reais interesses da sociedade brasileira. Uma pesquisa do Ibope, realizada em 2014 a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostra que a saúde, a segurança pública e a educação são, em ordem decrescente, os temas que deveriam ser tratados como prioridade pelo governo federal, na opinião de eleitores.

Para se ter uma ideia do peso dessas mudanças na prática, o Dieese fez uma simulação para comparar os gastos que efetivamente foram empenhados em saúde e educação nos últimos anos com os montantes que teriam sido transferidos, caso a PEC 241 tivesse sido implantada no passado. A conclusão é de que “os gastos teriam sido significativamente menores”.

No caso da educação, se a PEC estivesse valendo desde 2006, a redução do valor destinado para a área seria de 55%, no período. Já em relação às despesas com saúde, a redução seria de 33%. Em relação ao montante de recursos, a perda na educação, entre 2006 e 2015, teria sido de 384 bilhões de reais e, na saúde, de 290 bilhões. Esse valor corresponde a quase 120 vezes o custo do Programa Mais Médicos.

Outro órgão que analisou o tema foi o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em Nota Técnica, publicada neste mês, os técnicos da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) desenharam um cenário crítico que a PEC 241 pode causar no Sistema Único de Saúde (SUS).

Contrariando, inclusive, o presidente do Ipea, Ernesto Lozardo, amigo de Temer e defensor da proposta publicamente, o estudo mostra que a limitação dos gastos impactará negativamente no financiamento e na garantia do direito à saúde no Brasil.

Mais que isso, o Ipea acentua que o gasto com saúde tem efeito multiplicador no PIB e não o contrário, como tenta argumentar a equipe econômica de Meirelles. “No Brasil, o valor adicionado bruto das atividades de saúde foi responsável por 6,5% do PIB em 2013. No mesmo ano, a atividade de saúde pública teve participação de 2,3% do PIB (Brasil, 2015). Nesse contexto, o gasto público com saúde coloca-se como importante propulsor do crescimento econômico”, dizem os técnicos.

“O efeito multiplicador do gasto com saúde no País foi calculado em 1,7, ou seja, para um aumento do gasto com saúde de 1 real, o aumento esperado do PIB seria de 1,70 real.”

O economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colunista de CartaCapital João Sicsú fez um cálculo parecido com o do Dieese, mas projetado para os próximos anos. Partindo de um cenário de estagnação da economia brasileira, com a PEC 241 em vigor, haverá uma queda real de 6% no gasto per capita com educação e saúde no País.

Diante desse cenário, parlamentares de oposição preparam um mandado de segurança contra a proposta no Supremo Tribunal Federal. O eixo central é que a PEC 241 atenta contra cláusulas pétreas da Constituição, como a de separação dos Poderes.

Além disso, interfere no Orçamento de outros Poderes, como o Judiciário. Com uma redução tão drástica nos recursos de despesas primárias, a proposta também pode levar, por consequência, a um achatamento dos programas sociais, em detrimento de outros.

O economista Pedro Linhares Rossi resume: “É uma catástrofe, isso refaz o pacto social. O que acontece hoje é uma demonstração de força. Eu acho difícil isso passar. Eu não acredito na aprovação desse texto por piores que sejam os nossos parlamentes. Mas essa PEC é demonstração de força política do mercado, é feita para o mercado, e para beneficiar uma elite que não quer pagar imposto”.

*Uma versão desta reportagem foi publicada originalmente na edição 921 de CartaCapital, com o título “O Brasil a descoberto”.

Contrariando Temer, estudo mostra que investir em saúde dá lucro

Um estudo da Universidade Harvard patrocinado pelo governo canadense mostra que a política de priorizar a saúde das crianças nos países em desenvolvimento acaba retornando todo o dinheiro investido com lucro nos próximos 20 anos.

 

Por Rogério Tuma*

São 300% de lucro, por aumento de produtividade da população, e não o fazer pode causar um impacto, por exemplo, no Brasil, de até 10 pontos negativos no PIB, no mesmo período.

O estudo faz parte de um programa canadense de saúde pública chamado “Grandes Desafios Canadá: Salvando Cérebros”.

Em um país onde o investimento do governo é decidido com base no retorno aos bolsos dos governantes será difícil de um investimento para uma década acontecer. Porém, o estudo feito pelo professor Günther Fink e publicado na revista American Journal of Clinical Nutrition mostra que o mundo em desenvolvimento perde 176,8 bilhões de dólares, todo ano, em redução de produtividade por atraso nas carreiras profissionais das crianças quando crescem.

O estudo mostra que nos países de baixa ou média renda, onde há pouco investimento na saúde e consequente baixo desenvolvimento físico e cognitivo das crianças, há uma perda reflexa de quase 70 milhões de anos de educação, se somados anualmente todos os nascidos vivos desses países. Perto de 30% das crianças entre 3 e 4 anos nesses países não atingem o mínimo de desenvolvimento cognitivo e físico esperado. O abismo só se alarga.

Vários estudos mostram que o valor necessário por criança para ter um desenvolvimento adequado nos primeiros anos de vida é de100 dólares, aproximadamente. O trabalho canadense considerou conservadoramente que esse investimento poderia prevenir apenas 20% do atraso de desenvolvimento e sugeriu que o retorno por produtividade nas décadas seguintes fosse de 3:1. Sem levar em conta os ganhos de qualidade de vida e saúde durante toda a existência dessas crianças.

O custo anual na América Latina do atraso no desenvolvimento infantil é de 47 bilhões de dólares, apenas no Brasil é de 11,5 bilhões de dólares. Se considerarmos um investimento anual de 4 bilhões de dólares em ações para o desenvolvimento infantil, e o aumento de produtividade quando esse cidadão cresce, entra no mercado de trabalho aos 20 anos e se aposenta aos 60, o retorno aos cofres públicos do investimento é de 12 bilhões de dólares ao ano. Um retorno de 3 dólares para cada dólar investido!

O programa canadense Saving Brains desenvolve projetos que facilitam o desenvolvimento infantil. Foram investidos 41 milhões de dólares em 107 programas de inovação que atendem mais de 20 mil crianças em risco. O impacto dessas intervenções e seu uso como modelo serão analisados nos próximos anos.

Esse tipo de estudo mostra como nossa responsabilidade com as próximas gerações é gigantesca e afeta a todos nós. Políticas de saúde de longo prazo raramente são vistas no Brasil, pois não trazem voto e pouco dinheiro se pode roubar. Mas, se percebermos que nossos filhos não apenas precisam sobreviver, mas também florescer, poderemos em um futuro próximo mudar um destino que agora se apresenta tão sombrio.

*Médico neurologista.

Fonte: Carta Capital

CNS recebe ministro interino e conhece abismo entre propostas

O distanciamento de agendas entre o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e o ministro interino da Saúde, Ricardo Barros, ficou evidenciado nesta quinta-feira (07) durante reunião do Pleno do Conselho. Pautas como o ajuste fiscal, que enfraquece demasiadamente o Sistema Único de Saúde (SUS), e a pulverização aérea com agrotóxicos em áreas urbanas mostraram o abismo entre as duas partes.

 

Estudo realizado pela Comissão de Financiamento e Orçamento (Cofin) do CNS mostra que a PEC 241/2016, que estabelece teto de gastos para a saúde, levaria ao subfinanciamento na ordem de bilhões de reais. A preocupação dos conselheiros com esta agenda é tão grande que a PEC está sendo considerada a “morte do SUS”. “A PEC 241 joga por terra uma luta de 30 anos”, afirmou Renato Almeida de Barros, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS). “Nós estamos preocupados, principalmente, com a população mais vulnerável”, disse Tathiane Araújo, da Rede Trans Brasil, representante do movimento LGBT.

Outra proposta duramente criticada pelos conselheiros é a lei sancionada recentemente pelo presidente interino Michel Temer que autoriza a pulverização aérea com agrotóxicos em áreas urbanas. Membro do CNS, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou nota sobre o tema. “O agrotóxico será pulverizado diretamente sobre regiões habitadas, atingindo residências, escolas, creches, hospitais, clubes de esporte, feiras, comércio de rua e ambientes naturais, meios aquáticos como lagos e lagoas, além de centrais de fornecimento de água para consumo humano. Atingirá, ainda, indistintamente, pessoas em trânsito, incluindo aquelas mais vulneráveis como crianças de colo, gestantes, idosos e moradores de rua”, alertou a nota.

A falta de medicamentos para doenças crônicas, degenerativas e raras, além da falta de soros e vacinas na rede pública, também foi exposta e criticada na presença do ministro interino. O problema foi levantado pela conselheira Lorena Baia de Alencar, representante no Conselho Federal de Farmácia (CFF), que criticou o fato de o Ministério da Saúde desvalorizar os farmacêuticos. “Em declaração à imprensa, o ministro disse que era preferível que um médico cubano atuasse em regiões onde profissionais brasileiros não quisessem estar, do que ter um farmacêutico ou benzedeira atendendo a população”, lembrou.

Poucas palavras

Apesar de todas as críticas estarem amparadas em dados técnicos e relacionadas diretamente ao SUS, o ministro interino Ricardo Barros preferiu classificar o debate como “político”. Para ele, as preocupações elencadas quanto ao subfinanciamento do SUS, principalmente no caso da PEC 241/2016, não são verdadeiras. “A PEC não vai prejudicar a população”, limitou-se a dizer, ressaltando que não iria aceitar uma discussão exclusividade sobre o SUS. Barros disse, ainda, que não é o ministro do SUS, mas sim o ministro da Saúde.

Mediador do debate, o presidente do CNS, Ronald Ferreira dos Santos, afirmou que a reunião do Pleno é um espaço democrático onde se discute as estratégias do setor. “A legitimidade do controle social se dá pela possibilidade de diferentes posições acerca do SUS se apresentarem e serem confrontadas. O respeito ao processo legítimo e democrático, que se materializa através das conferências de saúde e do funcionamento ordinário dos Conselhos, lhe dá autoridade de órgão máximo de deliberação do Sistema de Saúde Brasileiro”, concluiu.

Fonte: SUSConecta