Plano de saúde popular é uma afronta à constituição

A proposta de se ter planos populares de saúde acessíveis é contrária ao SUS e uma afronta à Constituição Federal que diz que é um dever do Estado e direito de todo o cidadão ter acesso à saúde. Os únicos beneficiados com a proposta são os planos de saúde que acharam essa saída para recuperar clientes que foram perdidos, nos últimos anos, em função da crise.

 

Contudo, esses planos para serem mais baratos vão oferecer muito menos que os convencionais. Já existe toda uma crítica sobre o que os planos convencionais realmente oferecem ou sobre a demora que levam para prestar atendimento. A população critica a qualidade dos serviços que os planos têm oferecido. Provável que esses planos populares ofereçam ainda menos serviços com qualidade pior.

Reforçamos assim a luta que sempre defendemos de que precisamos ter mais dinheiro para a saúde. A ideia do ministro interino da saúde de que precisamos reduzir o atendimento porque não tem financiamento é inadmissível. Sabemos que recursos existem só que não estão sendo alocados para a saúde, e sim, para pagamentos da dívida, sem contar os recursos desviados. Precisamos, cada vez mais, lutar para conseguir os recursos necessários para a saúde e também qualificar mais a gestão para que se utilize melhor os recursos que se dispõe.

O SUS precisa de recursos suficientes e uma gestão adequada para poder atender bem a população e cumprir com o que a Constituição preconiza.

Célia Chaves é tesoureira da Fenafar, presidenta do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, e diretora do Sindifars.

Publicado em 15/08/2016

Plano Nacional de Saúde prevê fortalecimento de laboratório públicos

O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Santos, levou aos participantes do 1º Encontro Nacional do Complexo Industrial e Inovação em Saúde dois objetivos importantes do Plano Nacional de Saúde para o segmento: a ampliação do acesso da população a medicamentos e a expansão da produção nacional de tecnologias estratégicas para o Sistema Único de Saúde (SUS). As duas diretrizes fortalecem os laboratórios públicos farmacêuticos do Brasil.

 

Organizado pela Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob), o encontro reuniu representantes de vários órgãos públicos para discutir estratégias que possam levar ao fortalecimento da produção de medicamentos nos laboratórios públicos do Brasil. Ronald Santos, que é farmacêutico, afirmou que as diretrizes do Plano Nacional de Saúde nasceram de debates que envolveram milhares de brasileiros, como a 15ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em dezembro de 2015. “Já temos um debate maduro sobre o tema. O próprio plano mostra o caminho a ser seguido. O desenvolvimento científico e tecnológico tem abrangência nacional e se desenvolve em consonância com a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde. O caminho já existe”, disse.

>> Conheça o Plano Nacional de Saúde 2016/2019 aprovado pelo CNS.

De acordo com o Plano Nacional de Saúde, gestores precisam promover a produção e a disseminação do conhecimento científico e tecnológico, análises de situação e inovação em saúde, além da expansão da produção nacional de tecnologias estratégicas para o SUS. O outro ponto importante do documento é o que prevê a ampliação do acesso da população a medicamentos e a qualificação da assistência farmacêutica.

Para o presidente da Alfob, Paulo Mayoga, o encontro possibilitou a percepção de que mesmo com diferenças há convergência em diversas questões, como a necessidade de reafirmar a importância das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo no âmbito do Complexo Industrial da Saúde. “O fortalecimento da rede de laboratórios públicos oficiais amplia a perspectiva do setor, projetando seu papel na agenda estratégica da saúde. Cabe a esta rede, em conjunto com o Ministério, definir as vocações e as premissas necessárias à política dessas parcerias”, afirmou.

Fonte: SUSConecta

Excluindo o povo do orçamento público, por Flávio Tonelli Vaz*

O governo golpista enviou ao Congresso Nacional um projeto central para sua ação política: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar a expansão das despesas orçamentárias. Na fachada, a PEC 241/2016 cria um novo regime fiscal, que abrange as despesas de todos os poderes da União e dos órgãos com autonomia administrativa e financeira.

 

A cada um deles será fixado um limite anual e individualizado para a despesa. Na realidade, a proposta de mudança constitucional desconstitui as bases do modelo de cidadania criado em 1988 e limita a capacidade estatal de agir em prol da construção de um modelo de desenvolvimento, com distribuição de renda.

Para cada ano, esses limites serão as despesas do ano anterior corrigidas pelo IPCA, do IBGE. Há algumas exceções previstas,1 mas fundamentalmente esse modelo impõe um extremado grau de limitação dos governos nos próximos vinte anos. Se aprovado, não há como manter os direitos sociais existentes; não há como atender às demandas pela ampliação ou melhoria dos serviços públicos; não há como prover infraestrutura. Cria-se uma reserva de mercado: somente o setor privado poderá atender a todas as necessidades que não forem cobertas dentro dos rasos limites.

Hoje, por exemplo, as despesas com saúde e educação possuem critérios específicos de proteção, mas perderão as garantias atuais e apenas a correção inflacionária sobreviverá. E, como o limite é total, qualquer recurso a mais que for direcionado para essas áreas implicará cortes em outros programas. Esse modelo inverte a lógica constitucional: onde há obrigação de gastos mínimos haverá um teto, um máximo de gasto.

Esses limites, até 2037,2 restringirão os programas de governo e a vontade do povo, expressa nas ruas e nas urnas, pelos próximos cinco mandatos presidenciais. Mesmo que a economia cresça e permita, e o Estado tenha capacidade para melhorar as condições de vida da sociedade, o teto vai impedir esse avanço social. Além de atentar contra os direitos sociais e a prestação dos serviços públicos, o modelo inviabiliza saídas ou a construção de um projeto de desenvolvimento pautados na política fiscal ou na econômica, sem importar os custos orçamentários.

Para que se possa acompanhar o tamanho dessa restrição, entre 2005 e 2015, as receitas do governo federal cresceram 155%, e o PIB, 172%. Nesse mesmo intervalo, se as despesas estivessem limitadas pela inflação, elas teriam sido corrigidas em 77%. Para onde teria sido dirigida toda essa diferença? Impedido de ser utilizado em saúde, educação, segurança, defesa, agricultura, desenvolvimento, infraestrutura, o montante seria destinado ou para os gastos financeiros ou para aumentar o lucro das empresas, pela diminuição dos tributos.

Adeus, educação pública

Hoje devem ser aplicados pelo menos 18% da receita líquida de impostos em manutenção e desenvolvimento da educação. E há ainda outras obrigações em relação à educação básica (no Fundeb, no mínimo 10% do que é aplicado pelo conjunto dos fundos estaduais). Tendo como limite a inflação, será impossível cumprir esses mandamentos e menos ainda o compromisso do Plano Nacional de Educação (PNE) de aplicar 10% do PIB nos programas educacionais. Hoje investimos pouco mais de 6,6%.

A meta do PNE é ousada, mas corresponde ao papel idealizado para a educação no projeto de desenvolvimento nacional. E, como fonte complementar de recursos, a legislação do petróleo foi alterada para determinar a aplicação de 75% dos recursos de royalties, participação especial e em receitas públicas dos contratos realizados posteriormente a dezembro de 2012. E ainda, até que se cumpram essas metas do PNE, a educação deve receber 50% dos recursos do Fundo Social, vinculado à exploração do pré-sal. No modelo atual, parte da riqueza pública do pré-sal precisa ser aplicada na educação, construindo um novo futuro. Pois não é que esse governo quer mudar as regras do pré-sal e diminuir os gastos com educação? Que Brasil esse governo quer construir?

A Tabela 1 avalia o que teria ocorrido com as verbas da educação – sem considerar os orçamentos estaduais e municipais – se esses limites vigorassem desde 2005. As perdas teriam sido astronômicas! Depois dessas restrições aplicadas por apenas uma década, a educação, em 2015, receberia menos de R$ 25 bilhões. Isso é aproximadamente um quarto do orçamento real efetivamente realizado no ano passado. Ao longo dessa década, o setor teria perdido R$ 350 bilhões. Impossível pensar no conjunto das consequências para a sociedade, mas podemos perceber que teria sido negada toda a expansão da rede de ensino e das vagas que se verificou, da creche à pós-graduação.

Efeitos para a seguridade: involução

A Constituição prevê que a seguridade social é um “conjunto integrado de ações […] destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A PEC 241 quer transformar a seguridade em um sistema para garantir superávits primários. Além de uma inversão total do mandamento do constituinte, é uma involução civilizatória.

Na Previdência Social, limitar o reajuste apenas à correção da inflação exigirá a adoção de muitas medidas redutoras de direitos. Uma delas é a garantia da correção inflacionária para manter o valor de compra dos benefícios. Manter esse direito já representaria esgotar o limite de expansão dessa despesa. Então, ou os reajustes serão menores do que a inflação, ou será necessário ampliar carências e exigências para diminuir drasticamente o acesso a novos benefícios, fazendo que o quantitativo destes fique equivalente ao de cessados por falecimento ou outras causas de encerramento do direito.

A população brasileira cresce e o número de idosos também. Nas próximas duas décadas, a quantidade de pessoas com mais de 60 anos crescerá de 23,9 milhões para 47,6 milhões (3,5% ao ano). Nenhuma reforma justa permitirá manter inalterado o número de beneficiários. Estabelecer idade mínima ou aumentar o tempo de contribuição será insuficiente para esse resultado. Somente uma reforma que torne inalcançável o direito poderia satisfazer essa estabilidade. As novas exigências precisarão, na prática, quase que excluir do trabalhador seu direito previdenciário. Pode-se esquecer o modelo atual, que reduz a maior parte da miséria para a população de idade mais avançada.

E não é só. A garantia do salário mínimo como piso do valor dos benefícios combinado com as valorizações reais do mínimo ampliam os gastos previdenciários. Esses aumentos reais custam R$ 2,1 bilhões para cada R$ 10 concedidos (pelos parâmetros de 2016). Assim, limitar as despesas à inflação significa o fim a política de valorização do salário mínimo ou de sua vinculação como piso de valor de benefícios. A julgar pela natureza da reforma, será o fim de ambas as garantias. O mesmo deve ocorrer em relação aos benefícios do FAT (seguro-desemprego e abono salarial). Não por outro motivo, uma proposta já anunciada pelo governo é acabar com o abono salarial, um benefício distribuído aos trabalhadores de menor renda em nosso país.

Na saúde, limitar os recursos à reposição inflacionária agravará o quadro de subfinanciamento. Se o valor é, do ponto de vista real, constante e há aumento populacional, o montante per capita aplicado no setor será cada vez menor.

Muitas das transferências da saúde realizadas do governo federal para estados e municípios têm a população como critério direto; para outras, essa referência é indireta. Nos próximos vinte anos, a população aumentará de 206,1 milhões para 226,9 milhões, segundo estimativas do IBGE. São 10,1% de crescimento. Como o gasto total estará limitado ao aumento de preços, será preciso escolher entre garantir a correção da inflação ou ajustar as despesas de acordo com o crescimento populacional.

Além disso, a proposta revoga duas medidas que determinam o crescimento do volume de recursos a ser aplicado em saúde. O primeiro é a vinculação dos gastos mínimos à receita corrente, que deverá crescer até atingir o percentual de 15%. O segundo é a aplicação de recursos dos royalties de exploração das riquezas do pré-sal. São medidas adotadas para diminuir o subfinanciamento do setor. Se aprovada a emenda de limitação das despesas, nem a recuperação da economia nem as riquezas produzidas com a exploração do pré-sal ampliarão os recursos para a saúde.

Essa redução é a negação da saúde como direito de todos e dever do Estado. Representa uma rápida precarização dos serviços de saúde, uma afronta a princípios como o da universalidade da cobertura e do atendimento. Se a cobertura e o atendimento do SUS serão inferiores às exigências e aos patamares reclamados pela sociedade, essa PEC realiza o sonho das operadoras de planos de saúde complementar. Negar o atendimento público em um serviço incontornável é criar uma reserva de mercado para o setor privado de saúde.

Em um exercício similar ao realizado para a educação, a PEC, aplicada nos últimos dez anos, teria reduzido o orçamento da saúde em 2015 em quase 40%. Em vez dos R$ 100 bilhões aplicados, teriam sido gastos menos de R$ 60 bilhões, como mostra a Tabela 2.

Na assistência social não será diferente – as mudanças também desconstroem a cidadania. O teto de gastos, e não a necessidade das pessoas, será o parâmetro definidor da ação estatal. E, da mesma forma que na Previdência, os benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) não poderão continuar referenciados no salário mínimo. Nos últimos dez anos, o volume de pessoas que recebem esses benefícios cresceu de 2,8 milhões para 4,4 milhões – 58% a mais. As regras não mudaram nem a população cresceu nessa proporção. No entanto, mais de 2 milhões de famílias alcançaram melhores patamares de cidadania porque esse direito não lhes foi negado.

Com a limitação de despesas, como serão tratadas as famílias com crianças com microcefalia? Esse é apenas um dos múltiplos eventos que podem expandir o público-alvo desses programas, mesmo sem nenhuma mudança nas regras. Elas têm direito à cobertura do benefício da Loas para famílias com pessoas com deficiência. Como proceder diante da limitação de despesas? O caminho será impor restrições ao acesso.

Outra inversão se dará no Bolsa Família. Hoje os governos praticam a busca ativa, procurando os segmentos sociais que têm direito aos benefícios. Com o limite, é muito provável que o governo federal recompense os municípios que diminuírem os beneficiados, não que os busquem.

Assim, a aprovação desse limite de despesas exige muitas outras reformas. O governo golpista está apenas iniciando mais uma perversa jornada de desestruturação dos direitos sociais e de desconstrução da capacidade de o Estado intervir na economia.

O Gráfico apresenta uma simulação para os próximos anos para o conjunto dos gastos federais. Reproduzindo a proposta, à saúde e à educação fica assegurada a correção das despesas pela inflação. Em relação à Previdência, o cenário é de que haja uma reforma tão dura que consiga manter os gastos em relação ao PIB.

Se tudo der certo e a economia voltar a crescer em uma média anual de 2%, os gastos com saúde e educação cairão de 1,7% de hoje para 1,1%, em vinte anos. Mas o que ocorre com as demais despesas públicas, para as quais não há nenhuma garantia, é uma grande redução. Dos atuais 8,5% do PIB, restarão apenas 3,5%. Compõem esse conjunto despesas com agricultura, assistência social, trabalho, poderes, administração e despesas de pessoal, todos os subsídios do transporte, energia, segurança e defesa, reforma agrária, saneamento e gestão ambiental, habitação, urbanização e mobilidade urbana, cultura, ciência e tecnologia, direitos de cidadania, entre outros.

A título de conclusão, pelo menos outros três pontos precisam ser ressaltados.

Primeiro, o governo golpista insiste em fazer os ajustes pela redução de direitos e pela restrição dos serviços públicos prestados à sociedade. Esses gastos representam a maior parte das despesas primárias, que estão sendo todas limitadas. Por sua vez, os gastos financeiros não sofrem nenhuma restrição. Essa opção condena os segmentos sociais mais desprotegidos. São os que mais vão perder direitos e os maiores prejudicados pelas restrições impostas às políticas públicas.

Segundo, o governo ignora medidas que poderiam resultar em maior justiça social, especialmente no campo tributário. Foram afastadas as soluções como a taxação de grandes fortunas ou das maiores heranças. Perde-se a oportunidade de acertar as contas com segmentos sociais e econômicos que ganham muito, sempre, mesmo com a crise, e estão submetidos à menor carga tributária direta, aquela que incide sobre patrimônio e rendas.

Terceiro, os gastos financeiros – e não os direitos das pessoas – representam o maior gargalo das contas públicas. A dívida pública brasileira não é grande comparada com a dos demais países, mas a conta de juros é desproporcional. O Brasil paga as maiores taxas de juros do mundo. Somente nessa conta, em 2013, foram R$ 248,9 bilhões; em 2014, R$ 311,4 bilhões; e, em 2015, ela cresceu 61%, para R$ 501,8 bilhões. Mesmo em relação ao PIB, esses números passaram de 4,83%, em 2013, para 8,50%, em 2015. No ano passado, a despesa com juros superou aquelas com benefícios previdenciários, por exemplo, que foi de R$ 436,1 bilhões. Esse governo, porém, elege como prioridade cortar os direitos dos trabalhadores para manter intocável a felicidade dos rentistas.

O governo golpista enviou ao Congresso Nacional um projeto central para sua ação política: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar a expansão das despesas orçamentárias. Na fachada, a PEC 241/2016 cria um novo regime fiscal, que abrange as despesas de todos os poderes da União e dos órgãos com autonomia administrativa e financeira.

 

A cada um deles será fixado um limite anual e individualizado para a despesa. Na realidade, a proposta de mudança constitucional desconstitui as bases do modelo de cidadania criado em 1988 e limita a capacidade estatal de agir em prol da construção de um modelo de desenvolvimento, com distribuição de renda.

Para cada ano, esses limites serão as despesas do ano anterior corrigidas pelo IPCA, do IBGE. Há algumas exceções previstas,1 mas fundamentalmente esse modelo impõe um extremado grau de limitação dos governos nos próximos vinte anos. Se aprovado, não há como manter os direitos sociais existentes; não há como atender às demandas pela ampliação ou melhoria dos serviços públicos; não há como prover infraestrutura. Cria-se uma reserva de mercado: somente o setor privado poderá atender a todas as necessidades que não forem cobertas dentro dos rasos limites.

Hoje, por exemplo, as despesas com saúde e educação possuem critérios específicos de proteção, mas perderão as garantias atuais e apenas a correção inflacionária sobreviverá. E, como o limite é total, qualquer recurso a mais que for direcionado para essas áreas implicará cortes em outros programas. Esse modelo inverte a lógica constitucional: onde há obrigação de gastos mínimos haverá um teto, um máximo de gasto.

Esses limites, até 2037,2 restringirão os programas de governo e a vontade do povo, expressa nas ruas e nas urnas, pelos próximos cinco mandatos presidenciais. Mesmo que a economia cresça e permita, e o Estado tenha capacidade para melhorar as condições de vida da sociedade, o teto vai impedir esse avanço social. Além de atentar contra os direitos sociais e a prestação dos serviços públicos, o modelo inviabiliza saídas ou a construção de um projeto de desenvolvimento pautados na política fiscal ou na econômica, sem importar os custos orçamentários.

Para que se possa acompanhar o tamanho dessa restrição, entre 2005 e 2015, as receitas do governo federal cresceram 155%, e o PIB, 172%. Nesse mesmo intervalo, se as despesas estivessem limitadas pela inflação, elas teriam sido corrigidas em 77%. Para onde teria sido dirigida toda essa diferença? Impedido de ser utilizado em saúde, educação, segurança, defesa, agricultura, desenvolvimento, infraestrutura, o montante seria destinado ou para os gastos financeiros ou para aumentar o lucro das empresas, pela diminuição dos tributos.

Adeus, educação pública

Hoje devem ser aplicados pelo menos 18% da receita líquida de impostos em manutenção e desenvolvimento da educação. E há ainda outras obrigações em relação à educação básica (no Fundeb, no mínimo 10% do que é aplicado pelo conjunto dos fundos estaduais). Tendo como limite a inflação, será impossível cumprir esses mandamentos e menos ainda o compromisso do Plano Nacional de Educação (PNE) de aplicar 10% do PIB nos programas educacionais. Hoje investimos pouco mais de 6,6%.

A meta do PNE é ousada, mas corresponde ao papel idealizado para a educação no projeto de desenvolvimento nacional. E, como fonte complementar de recursos, a legislação do petróleo foi alterada para determinar a aplicação de 75% dos recursos de royalties, participação especial e em receitas públicas dos contratos realizados posteriormente a dezembro de 2012. E ainda, até que se cumpram essas metas do PNE, a educação deve receber 50% dos recursos do Fundo Social, vinculado à exploração do pré-sal. No modelo atual, parte da riqueza pública do pré-sal precisa ser aplicada na educação, construindo um novo futuro. Pois não é que esse governo quer mudar as regras do pré-sal e diminuir os gastos com educação? Que Brasil esse governo quer construir?

A Tabela 1 avalia o que teria ocorrido com as verbas da educação – sem considerar os orçamentos estaduais e municipais – se esses limites vigorassem desde 2005. As perdas teriam sido astronômicas! Depois dessas restrições aplicadas por apenas uma década, a educação, em 2015, receberia menos de R$ 25 bilhões. Isso é aproximadamente um quarto do orçamento real efetivamente realizado no ano passado. Ao longo dessa década, o setor teria perdido R$ 350 bilhões. Impossível pensar no conjunto das consequências para a sociedade, mas podemos perceber que teria sido negada toda a expansão da rede de ensino e das vagas que se verificou, da creche à pós-graduação.

Efeitos para a seguridade: involução

A Constituição prevê que a seguridade social é um “conjunto integrado de ações […] destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A PEC 241 quer transformar a seguridade em um sistema para garantir superávits primários. Além de uma inversão total do mandamento do constituinte, é uma involução civilizatória.

Na Previdência Social, limitar o reajuste apenas à correção da inflação exigirá a adoção de muitas medidas redutoras de direitos. Uma delas é a garantia da correção inflacionária para manter o valor de compra dos benefícios. Manter esse direito já representaria esgotar o limite de expansão dessa despesa. Então, ou os reajustes serão menores do que a inflação, ou será necessário ampliar carências e exigências para diminuir drasticamente o acesso a novos benefícios, fazendo que o quantitativo destes fique equivalente ao de cessados por falecimento ou outras causas de encerramento do direito.

A população brasileira cresce e o número de idosos também. Nas próximas duas décadas, a quantidade de pessoas com mais de 60 anos crescerá de 23,9 milhões para 47,6 milhões (3,5% ao ano). Nenhuma reforma justa permitirá manter inalterado o número de beneficiários. Estabelecer idade mínima ou aumentar o tempo de contribuição será insuficiente para esse resultado. Somente uma reforma que torne inalcançável o direito poderia satisfazer essa estabilidade. As novas exigências precisarão, na prática, quase que excluir do trabalhador seu direito previdenciário. Pode-se esquecer o modelo atual, que reduz a maior parte da miséria para a população de idade mais avançada.

E não é só. A garantia do salário mínimo como piso do valor dos benefícios combinado com as valorizações reais do mínimo ampliam os gastos previdenciários. Esses aumentos reais custam R$ 2,1 bilhões para cada R$ 10 concedidos (pelos parâmetros de 2016). Assim, limitar as despesas à inflação significa o fim a política de valorização do salário mínimo ou de sua vinculação como piso de valor de benefícios. A julgar pela natureza da reforma, será o fim de ambas as garantias. O mesmo deve ocorrer em relação aos benefícios do FAT (seguro-desemprego e abono salarial). Não por outro motivo, uma proposta já anunciada pelo governo é acabar com o abono salarial, um benefício distribuído aos trabalhadores de menor renda em nosso país.

Na saúde, limitar os recursos à reposição inflacionária agravará o quadro de subfinanciamento. Se o valor é, do ponto de vista real, constante e há aumento populacional, o montante per capita aplicado no setor será cada vez menor.

Muitas das transferências da saúde realizadas do governo federal para estados e municípios têm a população como critério direto; para outras, essa referência é indireta. Nos próximos vinte anos, a população aumentará de 206,1 milhões para 226,9 milhões, segundo estimativas do IBGE. São 10,1% de crescimento. Como o gasto total estará limitado ao aumento de preços, será preciso escolher entre garantir a correção da inflação ou ajustar as despesas de acordo com o crescimento populacional.

Além disso, a proposta revoga duas medidas que determinam o crescimento do volume de recursos a ser aplicado em saúde. O primeiro é a vinculação dos gastos mínimos à receita corrente, que deverá crescer até atingir o percentual de 15%. O segundo é a aplicação de recursos dos royalties de exploração das riquezas do pré-sal. São medidas adotadas para diminuir o subfinanciamento do setor. Se aprovada a emenda de limitação das despesas, nem a recuperação da economia nem as riquezas produzidas com a exploração do pré-sal ampliarão os recursos para a saúde.

Essa redução é a negação da saúde como direito de todos e dever do Estado. Representa uma rápida precarização dos serviços de saúde, uma afronta a princípios como o da universalidade da cobertura e do atendimento. Se a cobertura e o atendimento do SUS serão inferiores às exigências e aos patamares reclamados pela sociedade, essa PEC realiza o sonho das operadoras de planos de saúde complementar. Negar o atendimento público em um serviço incontornável é criar uma reserva de mercado para o setor privado de saúde.

Em um exercício similar ao realizado para a educação, a PEC, aplicada nos últimos dez anos, teria reduzido o orçamento da saúde em 2015 em quase 40%. Em vez dos R$ 100 bilhões aplicados, teriam sido gastos menos de R$ 60 bilhões, como mostra a Tabela 2.

Na assistência social não será diferente – as mudanças também desconstroem a cidadania. O teto de gastos, e não a necessidade das pessoas, será o parâmetro definidor da ação estatal. E, da mesma forma que na Previdência, os benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) não poderão continuar referenciados no salário mínimo. Nos últimos dez anos, o volume de pessoas que recebem esses benefícios cresceu de 2,8 milhões para 4,4 milhões – 58% a mais. As regras não mudaram nem a população cresceu nessa proporção. No entanto, mais de 2 milhões de famílias alcançaram melhores patamares de cidadania porque esse direito não lhes foi negado.

Com a limitação de despesas, como serão tratadas as famílias com crianças com microcefalia? Esse é apenas um dos múltiplos eventos que podem expandir o público-alvo desses programas, mesmo sem nenhuma mudança nas regras. Elas têm direito à cobertura do benefício da Loas para famílias com pessoas com deficiência. Como proceder diante da limitação de despesas? O caminho será impor restrições ao acesso.

Outra inversão se dará no Bolsa Família. Hoje os governos praticam a busca ativa, procurando os segmentos sociais que têm direito aos benefícios. Com o limite, é muito provável que o governo federal recompense os municípios que diminuírem os beneficiados, não que os busquem.

Assim, a aprovação desse limite de despesas exige muitas outras reformas. O governo golpista está apenas iniciando mais uma perversa jornada de desestruturação dos direitos sociais e de desconstrução da capacidade de o Estado intervir na economia.

O Gráfico apresenta uma simulação para os próximos anos para o conjunto dos gastos federais. Reproduzindo a proposta, à saúde e à educação fica assegurada a correção das despesas pela inflação. Em relação à Previdência, o cenário é de que haja uma reforma tão dura que consiga manter os gastos em relação ao PIB.

Se tudo der certo e a economia voltar a crescer em uma média anual de 2%, os gastos com saúde e educação cairão de 1,7% de hoje para 1,1%, em vinte anos. Mas o que ocorre com as demais despesas públicas, para as quais não há nenhuma garantia, é uma grande redução. Dos atuais 8,5% do PIB, restarão apenas 3,5%. Compõem esse conjunto despesas com agricultura, assistência social, trabalho, poderes, administração e despesas de pessoal, todos os subsídios do transporte, energia, segurança e defesa, reforma agrária, saneamento e gestão ambiental, habitação, urbanização e mobilidade urbana, cultura, ciência e tecnologia, direitos de cidadania, entre outros.

A título de conclusão, pelo menos outros três pontos precisam ser ressaltados.

Primeiro, o governo golpista insiste em fazer os ajustes pela redução de direitos e pela restrição dos serviços públicos prestados à sociedade. Esses gastos representam a maior parte das despesas primárias, que estão sendo todas limitadas. Por sua vez, os gastos financeiros não sofrem nenhuma restrição. Essa opção condena os segmentos sociais mais desprotegidos. São os que mais vão perder direitos e os maiores prejudicados pelas restrições impostas às políticas públicas.

Segundo, o governo ignora medidas que poderiam resultar em maior justiça social, especialmente no campo tributário. Foram afastadas as soluções como a taxação de grandes fortunas ou das maiores heranças. Perde-se a oportunidade de acertar as contas com segmentos sociais e econômicos que ganham muito, sempre, mesmo com a crise, e estão submetidos à menor carga tributária direta, aquela que incide sobre patrimônio e rendas.

Terceiro, os gastos financeiros – e não os direitos das pessoas – representam o maior gargalo das contas públicas. A dívida pública brasileira não é grande comparada com a dos demais países, mas a conta de juros é desproporcional. O Brasil paga as maiores taxas de juros do mundo. Somente nessa conta, em 2013, foram R$ 248,9 bilhões; em 2014, R$ 311,4 bilhões; e, em 2015, ela cresceu 61%, para R$ 501,8 bilhões. Mesmo em relação ao PIB, esses números passaram de 4,83%, em 2013, para 8,50%, em 2015. No ano passado, a despesa com juros superou aquelas com benefícios previdenciários, por exemplo, que foi de R$ 436,1 bilhões. Esse governo, porém, elege como prioridade cortar os direitos dos trabalhadores para manter intocável a felicidade dos rentistas.

Priorizando os planos privados de saúde, Temer atropela instituições

O grupo de trabalho constituído pelo ministro interino da Saúde, Ricardo Barros, integrado por representantes das operadoras de saúde privada, já deve ter traçado as diretrizes para os chamados planos populares, defendidos pelo governo provisório de Michel Temer como estratégia para desafogar o SUS. A desconfiança é do professor da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina Coletiva (Abrasco), Mário Scheffer.

 

“Fazer esse grupo e propor esses planos, na verdade, é proposta das empresas, e é uma questão toda ela errada. O ministério passou por cima de todo mundo; nem a ANS foi consultada. É bem provável que já haja uma proposta pronta”, diz Scheffer.

O ministro interino publicou portaria no Diário Oficial da União na última sexta-feira (5) criando um grupo de trabalho para discutir a criação desses planos. Entre os integrantes, representantes do próprio Ministério, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSEG).

O Conselho Nacional de Saúde, que tem uma câmara com vários representantes para discutir a saúde suplementar, não é mencionado. E a ANS afirmou em nota ter sido surpreendida pela medida, conforme nota divulgada pela agência reguladora.

Esses planos baratos, de cobertura reduzida, não são novidade no país e não são bem aceitos pela população. De acordo com Scheffer, em geral oferecem atendimento ambulatorial, com consultas e exames simples, ao custo médio de R$ 100 mensais para a faixa etária em torno dos 35 anos, com menos exigências de acompanhamento do que na terceira idade. “As pessoas não compram por que sabem que não oferecem nada de cobertura e vão ter de acabar indo pro SUS”.

Embora pouco se saiba sobre esses planos, Scheffer enxerga na proposta um retorno ao tempo anterior à regulação do setor. Um período em que a cesta de cobertura era mínima, excluindo desde tratamentos caros, como atendimento a doentes de câncer e de aids, até mais baratos, como fisioterapia.

Mau negócio para os usuários que pagarão por planos com cobertura reduzida, para o SUS, que continuará custeando tratamentos e procedimentos mais caros e complexos, e os médicos também deverão ser prejudicados. Com a maior parte de sua clientela formada por usuários de planos de saúde, a categoria é mal remunerada pelas consultas. Na mesma sexta-feira, o Conselho Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira de Pediatria se manifestaram contrários à proposta do governo.

Fonte: Rede Brasil Atual

Em evento da FAO sobre nutrição, Ronald destaca luta pelo direito à alimentação

Nesta quinta-feira (4), representantes de vários países participaram, no Rio de Janeiro, do evento Nutrição para o Crescimento, promovido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, foi um dos palestrantes representando o Conselho Nacional de Saúde.

 

Está é a segunda edição do evento que ocorreu pela primeira vez na Olimpíada de Londres, em 2012. A iniciativa foi criada para apoiar as políticas de nutrição que levem ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2 e 3 (erradicação da fome e garantia de vida saudável), além do enfrentamento da má nutrição no mundo.

Os participantes do evento defenderam mais investimentos em políticas públicas de combate à obesidade infantil e à má nutrição e o engajamento de governos e sociedade no cumprimento das metas e compromissos globais de nutrição.

A diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margareth Chan, disse que a entidade tem trabalhado para combater a má nutrição em todo o mundo e lamentou que, nos dias atuais, uma parte da população mundial sofra com a fome e outros enfrentem o sobrepeso ou a obesidade. No Brasil, cerca de 7% da população sofre de desnutrição e 20% de obesidade.

O presidente da Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos, também chamou a atenção para este duplo problema que precisa ser enfrentado. “No mundo de hoje, onde a subnutrição e a obesidade caminham de mãos dadas, ou melhor, são dois lados da mesma moeda, fruto de uma transição de padrão alimentar de substituição crescente de comida de verdade por produtos comestíveis ultraprocessados, não podemos mais tratar desse tema abordando somente um dos aspectos da subnutrição. As medidas”. E lembrou que, apesar de o Brasil ter saído, em 2014, do mapa da fome da ONU, ainda “enfrenta o desafio de combater as doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. Essa situação é uma consequência de mudanças no sistema alimentar, incluindo alterações nos modos de produzir e de comer, favorecidas por políticas que privilegiam a produção de alimentos em monoculturas, com concentração de terras e uso intensivo de agrotóxicos e sementes transgênicas e que incentivam o consumo de produtos alimentícios ultraprocessados por meio de agressivas estratégias de marketing com preços cada vez menores e disponíveis em todos os lugares”. (Leia abaixo a íntegra da fala do presidente do CNS)

Segundo o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano, a participação da sociedade no combate às doenças relacionadas com a má nutrição e a obesidade é fundamental. “A sociedade civil, o setor privado, o governo [precisam discutir], mas é uma decisão da sociedade, e tem que ser amparada em uma política de Estado, uma política duradoura.”

“Apesar de reduções significativas nos últimos 10 anos, 38% das crianças com menos de 5 anos em Ruanda apresentam atrofia física. Todos os países no mundo são afetados por uma ou mais formas de desnutrição, seja por subnutrição, obesidade ou deficiência de micronutrientes. A desnutrição resulta em uma enorme perda de potencial humano e econômico. Ao contrário, investimentos em nutrição podem alavancar o PIB de um país em mais de 12%, afirma Manasseh Wandera, Diretor Executivo da Sociedade para a Saúde da Família em Ruanda.

“Os países gastam menos de 1% de seus orçamentos em nutrição e financiamentos de doadores representam menos de 1% da ajuda humanitária oficial”, salienta Roberto Cabrera, CEO da Save the Children Guatemala.

João Diniz, Diretor Executivo da Visão Mundial Brasil, ressalta o progresso feito pelo Brasil em diminuir drasticamente a desnutrição nos últimos 20 anos através do engajamento da sociedade civil, das estruturas intersetoriais do governo, e de programas sociais inovadores baseados em dados e evidência.

“Mais rápido. Maior. Mais forte. Este é o mote do Movimento Olímpico. Líderes globais devem assumir compromissos olímpicos para acabar com a fome e a desnutrição. As ações políticas precisam ser mais rápidas se quisermos que o segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável seja alcançado até 2030. As ambições políticas precisam ser maiores e contextualizadas para metas de nutrição específicas por país. Políticas públicas nacionais e multi setoriais precisam ser mais fortes para garantir que medidas apropriadas sejam implementadas e alcancem os mais vulneráveis”, diz Milo Stanojevich, Diretor Executivo da CARE Peru.

“Compromissos Olímpicos para acabar com a fome e a desnutrição no mundo precisam ser um legado deste evento que acontece hoje, na véspera dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro”, argumenta Odete Fumo da Helen Keller International, Moçambique.

A sociedade civil participante do evento Nutrição para o Crescimento convocou os governos brasileiro, inglês e japonês a desempenharem um papel de liderança na garantia da realização de uma reunião de cúpula histórica entre chefes de estado em 2017, no contexto da Década de Ação para Nutrição das Nações Unidas, na qual os líderes globais firmem compromissos mais rápidos, maiores e mais fortes.

Integra da intervenção de Ronald Ferreira dos Santos

É uma satisfação muito grande estar aqui hoje representando a sociedade civil, representando mais de 96 entidades que participam do Conselho Nacional de Saúde, essa experiência fundamental que mostra a importância da democracia participativa e da possibilidade de o povo definir de forma direta as políticas de saúde a serem implementadas no país; e, também, de estar aqui hoje, por coincidência, na vésperas da abertura dos Jogos Olímpicos, num dia 05 de agosto, que no Brasil é o Dia Nacional de Saúde, em homenagem ao maior sanitarista que este país já teve, Osvaldo Cruz.

Nos últimos anos, o Brasil tem avançado consideravelmente na adoção de políticas públicas na área da alimentação e nutrição. O Programa de alimentação escolar brasileiro é um exemplo que deve ser destacado. É uma política pública de proporções gigantescas que aborda o tema da alimentação adequada e saudável não somente do ponto de vista de nutrientes, mas de sistemas alimentares e de cadeias produtivas que buscam privilegiar a agricultura familiar e sustentável. O Brasil é um dos poucos países a reconhecer o Direito Humano à Alimentação adequada no mundo. Isso não é pouca coisa. A Guia Alimentar para a População Brasileira, lançada em 2014 é considerada um marco numa forma de abordagem de alimentação e nutrição que enxerga muito além dos nutrientes. Valoriza a cultura alimentar, a produção local, limpa e sustentável, a forma de comer e promover a comida de verdade. É uma revolução no campo da alimentação e nutrição. Convido todos os presentes a conhecer essa publicação que é a base do que o Brasil entende como alimentação de qualidade e sustentável. A Guia Alimentar para população brasileira não é para especialistas, é para todos, sabiamente abandona o viés de foco em nutrientes para focar em graus de processamento. A grande beleza está na sua simplicidade até para reconhecer o que é o melhor para nos alimentarmos bem. A importância do cozinhar a partir de ingredientes in natura e culinários, ressalta a importância de criar ou reconstruir sistemas alimentares e cadeias produtivas mais curtos e sustentáveis, onde produzir alimentos in natura, frescos e sem agredir a terra, o solo, a água e o ar, seja valorizado e lucrativo para o agricultor.

No mundo de hoje, onde a subnutrição e a obesidade caminham de mãos dadas, ou melhor, são dois lados da mesma moeda, fruto de uma transição de padrão alimentar de substituição crescente de comida de verdade por produtos comestíveis ultraprocessados, não podemos mais tratar desse tema abordando somente um dos aspectos da subnutrição. As medidas.

A preocupação com a alimentação cresce cada vez mais no Brasil e no mundo por causa do aumento das doenças relacionadas a hábitos alimentares não saudáveis. Felizmente, a alimentação brasileira ainda é composta em sua maioria por comida de verdade, porém é cada vez mais frequente o consumo excessivo de produtos alimentícios ultraprocessados como refrigerantes, biscoitos, salgadinhos, comida congelada, etc e a redução do consumo de alimentos in natura ou minimamente processados que fazem parte da cultura alimentar brasileira.

O Brasil saiu do mapa da fome em 2014, porém enfrenta o desafio de combater as doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. Essa situação é uma consequência de mudanças no sistema alimentar, incluindo alterações nos modos de produzir e de comer, favorecidas por políticas que privilegiam a produção de alimentos em monoculturas, com concentração de terras e uso intensivo de agrotóxicos e sementes transgênicas e que incentivam o consumo de produtos alimentícios ultraprocessados por meio de agressivas estratégias de marketing com preços cada vez menores e disponíveis em todos os lugares.

Ainda são muitos os obstáculos a serem superados para que possamos efetivar a garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável e do direito à saúde. Um pequeno grupo de empresas transnacionais do agronegócio e do setor alimentício concentram grande influência política e econômica sobre as dinâmicas alimentares, estimulando a substituição dos alimentos que fazem parte da cultura alimentar brasileira e colocando em risco a soberania alimentar. O resultado é a restrição da autonomia da população em relação à sua alimentação, o distanciamento das pessoas da cidade e do campo e a culpabilização dos indivíduos pelas más escolhas alimentares.

Se nossa intenção de fato é enxergar e agir sobre os obstáculos a garantia de nossos direitos, precisamos lidar com a raiz do problema e transformar nossos sistemas alimentares, facilitando o acesso ao que nos faz bem e dificultando o acesso as coisas que nos fazem mal e que estão adoecendo a população.

Taxação de produtos nocivos, restrição de marketing para crianças e uma rotulagem que seja fácil de compreender é um primeiro passo nessa direção. Somar isso ao fomento da produção de alimentos saudáveis e que nos fazem bem é o caminho a percorrer.

Temos que tomar cuidado com soluções tecnológicas que lidam somente com os sintomas do problema que nós mesmos criamos e que temos condições de resolver.

Por fim, é importante lembrar, que no caso da alimentação e nutrição soluções que podem ser boas para alguns países não necessariamente serão as melhores em outros contextos sociais. Em muitos países do mundo ainda consumimos mais comida de verdade do que ultraprocessados (caso do Brasil, outros países latino americanos, países da Ásia, entre outros). Portanto o foco não pode e nem deve ser em reformulação de produtos ultraprocessados e sim em defender e manter nossa comida de verdade e tradições culturais alimentares. Simplesmente não podemos deixar meia dúzia de empresas transnacionais continuarem transformando nosso modo de comer.

O caminho é longo, mas é possível, temos alguns exemplos que devem ser olhados de perto no Brasil, portanto parabenizo a iniciativa de abordar os múltiplos aspectos da mánutrição para que tenhamos condições de lidar com as causas, como um bom exemplo poderíamos repensar os patrocinadores das próximas Olimpíadas.

Da redação

Conselho se posiciona contra PLDO 2017, que atenta contra o SUS

O governo interino tentará aprovar no Congresso Nacional o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2017. A proposta, que antecipa dispositivo da PEC 241/2016, pretende definir um limite para despesas primárias – exceto para as financeiras como os juros da dívida – aplicando um teto para investimentos em saúde e educação. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) é contrário a qualquer tentativa de se enfraquecer o Sistema Único de Saúde (SUS).

 

De acordo com estudo realizado pelo Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão sobre o Financiamento do SUS (GTIF/SUS), a regra quebra qualquer vínculo do gasto público com a distribuição de renda e o crescimento da riqueza nacional, conforme texto substitutivo encaminhado pelo governo interino por meio de ofício em 07/07/2016. Além de um atentado contra o SUS, a proposta contida no PLDO é inconstitucional, uma vez que incorpora dispositivos que só poderiam ser alterados por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Veja estudo sobre o PLDO 2017.

A PEC 241/2016 já é alvo de ações do CNS desde que foi protocolada. Ao estabelecer um teto para gastos em saúde, o governo interino coloca em risco programas amparados hoje pelo SUS e o atendimento universal do sistema. Além disso, segundo o GTIF/SUS, a proposta não considera o crescimento populacional, de modo que ao fixar as despesas em ASPS em 2016 – corrigindo-as tão somente pela variação do IPCA – reduzirá o gasto público per capita. Se aprovada, a PEC 241 levará ao seguinte cenário: a União aplicará, em 2017, praticamente o mesmo valor que injetou no SUS em 2015 (R$ 100,1 bilhões).

Por esses motivos, o CNS se posiciona contrário ao dispositivo do PLDO que estipula teto de investimento em saúde. Se aprovada, a proposta levará ao desmonte da seguridade social e do SUS, prejudicando o atendimento das necessidades de saúde da população brasileira. “Não podemos permitir que a população mais carente, que precisa da seguridade social do nosso país, sofra com esse tipo de proposta. Precisamos reagir”, afirma Ronald Santos, presidente do CNS.

Fonte: SUSConecta

Ato Médico sai da pauta do Senado

A Senadora Lúcia Vânia, autora do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 350/2014 retirado a proposta da pauta de tramitação nesta segunda-feira, dia 1º de agosto. Segundo a assessoria da senadora, o projeto não deverá mais ser apresentado este ano.

 

Uma enquete sobre o tema foi publicada pelo Senado no portal e-cidadania, perguntado se as pessoas eram favoráveis ou contrárias ao ato médeico. Até 01 de agosto o projeto foi rejeitado por mais de 114 mil pessoas, outras 76 mil se manifestaram a favor do Ato Médico. A baixa aceitação e as manifestações contra a propostas motivaram a Senadora a retirar o projeto.

Uma proposta semelhante já havia sido debatida e vetada pela presidenta Dilma Rousseff em 2013. O tema, polêmico, é visto com muita restrição pela sociedade e por vários setores profissionais que atuam na área da Saúde. A Fenafar desde o surgimento da discussão se posicionou contra os aspectos do Ato Médico que interferem no exercício de outras profissões e acabam, inclusive, debilitando os serviços de Saúde.

Da redação com agências

Os impactos da PEC 241 do governo interino Temer na Saúde e Educação

Nos últimos dias, movimentos sociais, especialistas e acadêmicos alertaram para uma das medidas que pode trazer maior impacto do governo interino de Michel Temer em investimentos sociais: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, encaminhado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao Congresso Nacional antes do recesso parlamentar.

 

É uma tentativa de modificar os critérios para destinação de verbas à saúde e à educação, alterando os mínimos constitucionais. Por meio da PEC 241, o governo pretende congelar os gastos públicos por 20 anos, diminuindo o engessamento na relação entre receitas e despesas.

Hoje, pela Constituição, a União tem que destinar, pelo menos, 18% de tudo que arrecada com impostos, exceto as contribuições, à Educação e os governos estaduais devem repassar 25% da arrecadação. Na Saúde, o governo federal tem de aplicar, no mínimo, 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) em 2016. O número subiria até chegar a 15% em 2020. Estados e municípios repassam 12% e 15% da receita, respectivamente.

Se aprovada, a nova norma substituiria completamente a que existe hoje e o piso de recursos para essas áreas deixaria de ser vinculado à Receita Corrente Líquida (RCL), sendo corrigido apenas pela inflação. A base do cálculo seria de 2016, ano de baixa arrecadação em função da crise. Com isso, o governo reduzirá gradualmente os montantes destinados à Saúde e Educação.

Apesar de negar que a mudança afetará as pastas, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Carlos Hamilton, admitiu que o objetivo do governo é a desvinculação do mínimo à Receita, sendo ajustado apenas pela inflação.

O texto que está desde a última semana no Congresso já gerou mobilizações. Parlamentares da Câmara e do Senado retomaram as atividades da frente parlamentar mista em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). O setor, conforme cálculo de especialistas, pode sofrer uma redução de R$ 12 bilhões nos próximos dois anos.

O líder da minoria no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), chegou a colocar as previsões na caneta: em uma estimativa sobre o que seria observado no país se a PEC do teto dos gastos tivesse sido aprovada em 2006, “o orçamento da Saúde, que foi de R$ 102 bilhões, seria de R$ 65 bilhões, o orçamento da Educação, que foi de R$ 103 bilhões, seria de R$ 31 bilhões e o salário mínimo, que hoje é de R$ 880, seria R$ 550”, contou.

No início do mês, especialistas da saúde, representantes de movimentos sociais e professores universitários debateram o conteúdo da PEC, em audiência da Comissão de Direitos Humanos do Senado. Protestando contra as ameaças que a medida pode gerar e cortes no SUS, criticaram a proposta como um retrocesso e alertaram para a tendência de a levar ao aumento da pobreza no Brasil.

Se para a minoria e movimentos sociais e de defesa, a PEC é interpretada como o segundo golpe de Estado pelo governo interino, por outro lado, a grande base de apoio contingenciada por Michel Temer mantem-se unida e insistente para aprovar o projeto no segundo semestre deste ano.

Fonte: Vermelho/GNN

Conselho Nacional de Saúde lança o Manifesto em defesa do SUS

Em reunião realizada nos dias 06 e 07 de julho, o CNS aprovou manifesto em Defesa do Sistema Único de Saúde, no qual destaca a história de luta para que o Brasil consagrasse a saúde como direito. Leia abaixo:

 

MANIFESTO EM DEFESA DO SUS

Nesses 28 anos, o povo brasileiro pode sentir-se cidadão na pátria em que escolheu viver. Foram precisos 500 anos. A Constituição de 88 foi a primeira a definir direitos e garantias fundamentais, ao lado dos direitos sociais, cláusulas pétreas. Nesses anos, mesmo a duras penas, a sociedade sentiu-se mais participante e cidadã e passou a gozar das garantias individuais e direitos sociais. Além do mais a Constituição, depois de anos de secura democrática, escolheu na sua arquitetura, tratar primeiro dos direitos humanos numa escolha clara de que o bem estar das pessoas vem em primeiro lugar.

Conquistas que humanizam, diminuem as desigualdades e garantem dignidade não podem retroceder. A liberdade, segurança, igualdade e solidariedade são valores que vieram para ficar; o direito à saúde é um deles e se concretizou por meio da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual vem sendo ameaçado em seus fundamentos por medidas que diminuem ainda mais o já escasso financiamento.

Em pleno século XXI é impensável não permitir à pessoa acesso aos bens e conhecimentos que evitem ou aliviem o sofrimento humano. Adoecer por causas evitáveis ou não poder acessar serviços que recuperem a saúde é inadmissível.

O direito à saúde não permite o seu descumprimento e medidas fiscais e econômicas que reduzam a capacidade do Estado de garanti-lo, causando mortes, sofrimento e doenças são formas indiretas de sua asfixia.

A PEC 241, de 2016, que pretende congelar gastos públicos por 20 anos, sem nem levar em conta o crescimento e o envelhecimento populacional, descumprirá a Constituição pela via fiscal, se aprovada. O legislador constitucional, como medida de segurança, garantiu recursos públicos mínimos para a saúde. Por isso a vinculação de recursos não pode ser tida como fonte de ineficiência na aplicação de recursos, muito menos como fonte de problemas fiscais, como diz a exposição de motivos da PEC.

A tentativa de ajustar as contas públicas é sempre pela via do constrangimento dos direitos sociais porque os governantes nunca enfrentam os desacertos das contas públicas pela via da revisão estrutural do modelo econômico-fiscal que impõem reforma tributária, revisão de desonerações empresárias que se perpetuam sem avaliação de seu custo-beneficio e outras medidas que não apenas a de constranger os direitos do cidadão em relação à seguridade social e educação.

A redução de recursos federais para o financiamento do SUS atingirá Estados e Municípios, pois cerca de 2/3 das despesas do Ministério da Saúde são transferências fundo a fundo para atenção básica, média e alta complexidade, assistência farmacêutica, vigilância epidemiológica e sanitária, entre outras.

A saúde sofrerá um abalo sem precedentes com a aprovação da PEC 241 e causará aumento de doença e morte, afrontando o art. 196 da Constituição que determina a adoção de políticas públicas que evitem o agravo à saúde e garantam acesso a serviços de para sua recuperação, direito reconhecido pelo STF em diversas decisões e no recente julgamento liminar da ADI 5501 MC/DF. Ora, nenhum ajuste poderá ferir o direito a políticas sociais e econômicas de garantia do direito à saúde (art. 196) e na Constituição não pode haver antinomia jurídica.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados a PEC 01/2015, já aprovada em primeiro turno por 402 votos favoráveis e apenas um contrário no mês de março/2016, que estabelece o aumento escalonado dos percentuais alocados para o financiamento do SUS, iniciando com 14,8% da RCL (correspondente à aplicação ocorrida em 2015) até atingir após sete anos 19,4% da RCL, conforme proposto pelo movimento nacional “Saúde+10”.

PEC 01/2015 visa recompor minimamente os recursos da saúde os quais serão atingidos pela PEC 241 que pretende eternizar a restrição de direitos pela via do “transitório” de 20 anos!

Não se pode admitir retrocesso em direito fundamental por ferir o exercício da cidadania, não sendo crível que pessoas adoeçam e morram neste século do conhecimento e avanço técnico-científico por falta de acesso a serviços públicos de saúde garantidos pela Constituição.

A dignidade humana e a solidariedade, preconizadas pela Constituição como fundamentos da República, estarão violadas se se retrair o financiamento da saúde pública em nome do ajuste fiscal. Não se acalma o mercado com desassossego da população, uma vez que motivo primeiro e último do Estado é a garantia de bem estar de sua população. Ajuste fiscal que desajusta o direito e a vida das pessoas não pode ser sustentado por representantes do povo que tem o dever de garanti-lo.

Aprovado no Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Ducentésima Octogésima Terceira Reunião Ordinária, realizada nos dias 06, 07 e 08 de julho de 2016.

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

Baixe o manifesto aqui!

Fonte: SUSConecta