Projeto Integra promove oficina para conselheiras e conselheiros nacionais de saúde. Atividade já percorreu 8 estados brasileiros.
Assistência Farmacêutica é Direito à Saúde e poucas legislações no mundo tratam o acesso aos medicamentos como parte deste direito. A partir dessa premissa, conselheiras e conselheiros nacionais de saúde participaram nesta sexta-feira (12/09) da Formação de Conselheiros de Saúde Direito à Assistência Farmacêutica: Protagonismo do Controle Social. A iniciativa é promovida pelo Projeto Integra – Vigilância em Saúde e Assistência Farmacêutica, Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde.
O Integra é um projeto de formação de lideranças e mobilização social, promovido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) em conjunto com o Instituto Escola Nacional dos Farmacêuticos (ENFar), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (SECTICS) e conta com o apoio da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
A oficina, voltada para conselheiras e conselheiros nacionais de saúde, teve como objetivo principal aprofundar a compreensão sobre a AF e o papel do Controle Social nesse processo. A formação abordou temas centrais como a história da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (Pnaf), a seleção e incorporação de novos medicamentos e o recorrente problema do desabastecimento.
A oficina propôs, por exemplo, a criação de Comissões Intersetoriais de Assistência Farmacêutica nos conselhos estaduais, dada a complexidade do tema. A ideia é que os conselheiros se tornem uma referência para a sociedade, ajudando a combater a desinformação e a cobrar por um financiamento mais justo e equitativo.
Para os participantes foi consenso o entendimento de que a qualificação do debate é essencial para que o SUS não seja visto apenas como um “comprador de medicamentos”, mas como um sistema que garante o tratamento completo — que inclui não só o acesso ao medicamento, mas o seu uso correto, com acompanhamento e foco nos resultados esperados para o paciente.
Silvana Nair Leite, conselheira nacional de saúde e integrante da ENFar que conduziu as atividades da oficina, ressaltou que o acesso a medicamentos é um elemento essencial para o cuidado em saúde. “A grande maioria dos processos de atenção à saúde inclui o uso de algum medicamento”, afirmou. Apesar da importância, o financiamento da AF enfrenta desafios significativos. A Pnaf é uma política pública que lida com um mercado global, poderoso e altamente rentável. O setor farmacêutico, por sua influência, pode colocar o Sistema Único de Saúde (SUS) como “refém do mercado”, segundo a conselheira.
- Autonomia e Descentralização
O Brasil já teve um modelo de assistência farmacêutica centralizado. Na década de 1970, a Central de Medicamentos distribuía os mesmos “pacotes” de medicamentos para todo o país, ignorando as necessidades específicas de cada região. Somente no final da década de 1990, mais de dez anos após a descentralização do SUS, a assistência farmacêutica começou a seguir essa nova lógica.
A importância de o país buscar maior autonomia e capacidade de produção própria de tecnologias e medicamentos, para evitar a dependência do mercado externo e garantir o direito de acesso da população, também foi destaque no encontro. Para as conselheiras e conselheiros nacionais de saúde, é essencial promover uma reflexão-ação sobre o investimento para além do financiamento, a partir da perspectiva de quanto investimento é necessário para justamente assegurar o direito de acesso a medicamentos, bem como investir em tecnologia, que nesta área, significa ter essa capacidade de autonomia, ou seja, como o Brasil pode se estruturar para dar conta desse direito.
- Desabastecimento de medicamentos
Durante a formação, a atividade em grupo sobre desabastecimento de medicamentos trouxe reflexões importantes sobre o direito à assistência farmacêutica e o papel do controle social. Entre os pontos levantados, destacaram-se desafios relacionados à alta do dólar, à dolarização dos insumos e à concentração do mercado em poucos monopólios. A lógica de priorizar medicamentos de baixa complexidade e alto volume de vendas, voltada exclusivamente ao lucro, leva muitas empresas a abandonarem a produção de medicamentos essenciais, deixando a população desabastecida. Além disso, laboratórios frequentemente alegam inviabilidade de mercado ou prejuízo, mas sem apresentar dados transparentes que permitam a verificação dessas afirmações, enquanto estratégias de marketing seguem embutidas no preço final dos remédios.
- Falhas estruturais
O grupo também apontou falhas estruturais que agravam o problema, como a falta de planejamento e programação adequada, além da ausência de informações acessíveis sobre a lista de medicamentos estratégicos em produção. Situações inesperadas, como desastres ambientais, podem intensificar ainda mais o desabastecimento. Para os participantes, é fundamental que o controle social tenha acesso às reais causas da falta de medicamentos, de modo a garantir que usuários e conselheiros possam cobrar soluções, propor alternativas e reforçar o protagonismo da sociedade na defesa do direito à saúde e na fiscalização das políticas de assistência farmacêutica. Nesse sentido, destacaram a importância de expandir a criação de comissões de assistência farmacêutica nos conselhos, fortalecendo a atuação do controle social.
A presidenta do CNS, Fernanda Magano, ressaltou a importância do Projeto Integra de formação sobre assistência farmacêutica, destacando seu alcance e impacto ao longo das diferentes etapas. Para ela, a iniciativa se mostra cada vez mais necessária por aproximar os conselhos estaduais de saúde das atividades realizadas em assembleias legislativas em todo o país. Essa articulação, afirmou, fortalece tanto a atuação do controle social quanto a construção de parcerias no legislativo, ampliando a visibilidade do direito ao cuidado e à assistência farmacêutica.
“A beleza desse processo é que ele amplia a perspectiva do diálogo intersetorial e reforça, nas bases do controle social, a compreensão da pauta da saúde e da assistência farmacêutica”. Segundo ela, essa articulação é essencial para costurar avanços, melhorar as condições de vida da população e assegurar o acesso universal a medicamentos.
Débora Melecchi, conselheira nacional de saúde pela Fenafar, destacou que a assistência farmacêutica deve ser compreendida como uma pauta transversal, presente em diversas agendas do controle social. Ela ressaltou a importância do trabalho conjunto das comissões intersetoriais do controle social, lembrando experiências de integração que abriram caminhos para debater desde a medicalização da classe trabalhadora até a relevância da atenção básica.
Para ela, ampliar essa formação não é apenas importante para os participantes da renovação da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (Cictaf), mas é uma necessidade do dia a dia. “Com esse intuito, de fato, de levar a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (Pnaf), de levar a ciência e a tecnologia para os territórios, para que elas realmente se materializem e com o protagonismo do controle social, como deve ser.”
Melecchi ressaltou que iniciativas como o Integra não apenas qualificam a formação, mas também consolidam uma rede de diálogo entre ciência, tecnologia e saúde, capaz de fortalecer a política de assistência farmacêutica em todo o país.
Natália Ribeiro e Elisângela Cordeiro
Conselho Nacional de Saúde
Saúde e Vigilância Sanitária
Fonte: CNS