Confira a entrevista que o presidente da Fenafar e do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos, concedeu ou Outra Saúde ao final do Abrascão 2018. Ele afirmou à jornalista Raquel Torres que se não houver resistência à agenda que está sendo imposta, a consequência serão mortes.
Em quase todo movimento social, em quase todo ato nas ruas, saúde é uma palavra que está na boca do povo. Mas, nos anos 1980, um projeto de sistema de saúde público, gratuito e universal conseguiu sair dessas bocas direto para a Constituição, dando origem ao SUS que temos hoje.
Um dos momentos mais marcantes dessa história foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que aconteceu em 1986 e, pela primeira vez, incluiu os usuários nas discussões. Teve até um personagem na novela das oito chamando o povo para participar dela — e ele foi mesmo, em peso. Era para ela ser restrita aos delegados representando gestores, trabalhadores e usuários, mas foram chegando ônibus com gente de todo canto, e o encontro precisou dar um jeito de integrar 500 pessoas a mais. Dessa Conferência saiu, escrito a milhares de mãos, o documento que deu origem ao SUS.
Na semana passada, durante o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, no Rio, o Conselho Nacional de Saúde fez um grande lançamento da 16ª Conferência. E a proposta é ousada: repetir a importância da Oitava, agora em um momento de desmonte. Por isso, ela está sendo chamada de 8ª+8.
Conte um pouco sobre o significado dessa Conferência lembrando um pouco a Oitava e comentando o que o lançamento da 8ª+8 significa agora, em um momento de desmonte do Sistema, diferente daquele.
Ronald: O Sistema Único de Saúde no Brasil é a maior evidência científica, política e técnica a respeito de que, quando você tem alguma dúvida sobre qual caminho seguir para construir o avanço civilizacional, a resposta é simples: pergunte ao povo. Dê voz ao povo. Busque dialogar e colocar a participação da população na definição de seus próprios rumos. Foi isso que aconteceu na 8ª Conferência. Era nas ruas, era nas igrejas, era na escola, na academia, o povo discutindo qual e como deveria ser a atividade econômica da saúde, o contrato social em torno da saúde.Conseguiu-se tamanha mobilização no Brasil que se conseguiu se produzir algo que é referência no mundo todo. O Sistema Único de Saúde, contratado na Constituição de 1988, foi resultado dessa escuta, dessa mobilização do povo brasileiro. E vivemos um momento em que tudo isso que o povo construiu está sendo desintegrado. É justamente pela aposta de reeditar essa experiência concreta de defender os interesses do povo e,particularmente, defender o interesse da vida — que é, ao fim e ao cabo, onde se debruça o direito à saúde — que nós, junto com diversos atores e em um espaço privilegiado como o da Abrasco, estamos lançando com mais força e energia nossa 8ª+8, a 16ª Conferência Nacional de Saúde.
E que tem como eixos principais exatamente aqueles que mobilizaram o povo brasileiro na década de 1980. Democracia e saúde como grande tema, e com três eixos: a saúde como direito, a consolidação dos princípios do SUS e o financiamento, algo que não resolvemos ao longo desses 30 anos. Estamos aqui, justo no Congresso da Abrasco, que coloca também a democracia e a saúde como tema central. E nesse mesmo período acontece, em Belém, o Congresso dos secretários municipais de saúde, cujos temas também são estes. São temas que precisam mobilizar a energia política da população para impedir um conjunto gigante de retrocessos que estão se apresentando e que ganham materialidade no retorno do sarampo, no aumento da violência, no advento de epidemias antes já enfrentadas ou radicalmente diminuídas.
Essa materialidade chama a necessidade de mobilizarmos a sociedade brasileira de forma suprapartidária, da forma mais ampla possível, para impor resistência e, se possível, apresentar avanços no meio dessa situação bastante drástica. Se não enfrentarmos, a consequência tem nome, e o nome é aterrorizador: o nome da consequência é morte. É morte. Crianças, idosos, jovens, negros, mulheres, gente que vai morrer simplesmente. É imprescindível que a gente consiga tomar alguma iniciativa, e a experiência mostra que é possível.
Hoje [a entrevista foi realizada em 27 de julho] estamos a exatamente um ano da etapa nacional, que vai ser de 27 a 30 de julho de 2019. E hoje, um ano antes, temos 14 mil pessoas discutindo saúde pública, entre Belém e o Rio de Janeiro, afora as outras atividades que existem. Temos força de sobra para empreender o enfrentamento dessa agenda.
Que tipo de dificuldade existe para se conseguir essa mobilização popular em defesa do SUS?
Ronald: A correlação de forças políticas. A agenda que apresentamos, de defender o direito, de enfrentar a ganância e o interesse do capital financeiro, é uma agenda hoje contra-hegemônica e, do ponto de vista político, com uma força bastante diminuta.Estamos propondo enfrentar um conjunto de posições políticas e o judiciário, o executivo, o legislativo, boa parte da estrutura do Estado brasileiro se contrapõe ao conjunto de proposições que apresentamos.
Várias das autoridades que hoje estão com o poder não titubeiam em vocalizar isso. Recentemente, ninguém menos que um secretário de governo da presidência da república disse que se devia pagar o SUS. O Supremo Tribunal de Justiça acabou de resgatar a história do ‘hipossuficiente’ em uma decisão, liquidando o conceito da universalidade. O legislativo trouxe a Emenda 95.
Então a maior dificuldade que temos, e por isso a aposta em mobilizar — é constituir força social e política para se contrapor a essa agenda. Não tem outro caminho para enfrentar. Não tem correlação de forças aqui no Brasil que apresente condições para uma ruptura revolucionária. O caminho que tem se mostrado mais justo é o da democracia. E na democracia a maior dificuldade é alterar a correlação de forças.
Para isso é fundamental construir um leque de alianças sociais e políticas que consigam se contrapor a essa agenda. O desafio, respondendo sinteticamente à sua pergunta, é reunir em torno de uma proposta de avanço civilizacional, de defesa dos direitos do povo e da nação, o maior leque de forças sociais e políticas. Esse é o maior desafio: construir unidade para fazer o enfrentamento a esses setores anti-povo, anti-direitos, que estão ocupando os espaços de poder.
Essa outra agenda também propõe coisas como os planos populares ou acessíveis, que têm na verdade um apelo popular muito forte…
Ronald: Sim, é claro que quem nós enfrentamos, como dizia [o sociólogo] Jessé de Souza ontem aqui [em um grande debate no Congresso], não chega dizendo quais são de fato suas intenções. Chega e diz: ‘o plano popular é a melhor coisa do mundo’. E, mais do que isso, faz com que as pessoas desejem isso. Constrói uma narrativa, e essa força política não se dá à toa. Não é ilegítimo o cidadão que não tem um certo volume de informações desejar isso. Dizem que o plano popular vai lhe ajudar a cuidar de si e da família, e quem não vai querer cuidar de si e da família?Há uma construção, uma narrativa que não adere à realidade e que faz com que cheguem até o povo essas informações. E que se coloquem então dificuldades para apresentarmos e acumularmos forças nas agendas. Por isso não tem jeito a não ser trazer o diálogo para o povo. Trazer o povo para o jogo. No processo que vivemos na 8ª as ruas discutiam, as igrejas discutiam. Esse é o relato que a história nos traz, e que pode tornar possível o enfrentamento dessas agendas.
Fonte: Outra Saúde
Publicado em 13/08/2018
16ª Conferência Nacional de Saúde abre as portas para a soberania popular
Em 2019, o país se mobilizará para debater políticas públicas de Saúde e o SUS na 16ª Conferência Nacional de Saúde, que teve seu calendário de atividades publicado no Diário Oficial da União de 08/08. A etapa nacional deve reunir cerca de dez mil pessoas em Brasília. O presidente do CNS, Ronald Ferreira dos Santos, falou sobre o tema em entrevista ao Canal Saúde.
A cada quatro anos, a sociedade civil se organiza para um amplo processo de debates e reflexões em todas as regiões do país sobre os desafios para a melhorar a qualidade de vida das pessoas a partir da adoção de políticas públicas para a Saúde. O processo, denominado conferências de saúde, inicia com os debates promovidos em diferentes espaços, que são realizados como atividades preparatórias para as discussões nos municípios, estados e Distrito Federal, até culminar em um encontro nacional. É dessa forma que está sendo construída a 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª + 8), que terá seu processo finalizado entre os dias 28 e 31 de julho de 2019. O evento conta com a participação de todos os segmentos sociais e, nas etapas preparatórias, é articulado pelos seguintes eixos: Saúde das Pessoas com Deficiência; Assistência Farmacêutica e Ciência e Tecnologia; Saúde Bucal; Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora; Saúde Mental; Saúde da População Negra; Recursos Humanos e Relações de Trabalho; e Orçamento e Financiamento.
Em entrevista ao Canal Saúde, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald dos Santos, explica a importância da mobilização de diferentes atores sociais para a construção deste processo.
“Ouvir o povo. Esse é o espirito da democracia, que parte do pressuposto da soberania e da vontade popular. O processo da conferência é construído com a participação de todos, da forma mais ampla possível, porque os problemas que devem ser enfrentados só terão solução se o povo estiver junto”, afirma Ronald.
Saiba mais
A 16ª Conferência é chamada de “8ª + 8”, como um resgate à memória da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, considerada histórica por ter sido um marco para a democracia participativa e para a criação do SUS. Os eixos temáticos da etapa nacional serão os mesmos: Saúde como Direito, Consolidação do SUS e Financiamento Adequado.
Fonte: Da redação com CNS
Publicado em 11/08/2018
Abrasco aprova Carta do Rio de Janeiro em defesa do SUS e da democracia
No momento em que a Constituição do Brasil de 1988 completa 30 anos, nós, participantes do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, de 24 a 29 de julho de 2018, manifestamos nosso compromisso com a defesa do fortalecimento do Sistema Único de Saúde, dos direitos sociais e da democracia.
O Congresso, que reuniu mais de 8000 pessoas – pesquisadores, professores, estudantes de graduação e pós-graduação, gestores, profissionais de saúde, conselheiros de saúde, representantes de movimentos sociais e membros da comunidade – representou um evento de intenso intercâmbio acadêmico, de reflexão sobre as práticas em saúde e de mobilização política em torno dos valores defendidos pela comunidade da Saúde Coletiva e os diferentes grupos atuantes na luta pelo direito à saúde.
O Brasil historicamente é marcado por profundas desigualdades, que se manifestam entre grupos sociais e no território nacional, em diferentes âmbitos – econômico, social, ambiental, cultural – com forte expressão nas condições de vida e de saúde da população. A redemocratização do país a partir da década de 1980 favoreceu a mobilização social e a construção de uma ousada agenda de reforma sanitária, inserida na luta por uma sociedade mais igualitária, justa e solidária.
A Constituição de 1988 expandiu direitos, instituiu uma concepção ampla de Seguridade Social, reconheceu a saúde como direito de todos e dever do Estado, e criou o Sistema Único de Saúde, de caráter público e universal.
Nas décadas seguintes, em que pesem os obstáculos à concretização plena das diretrizes constitucionais, houve avanços expressivos na construção do Sistema Único de Saúde, tais como: a expansão dos serviços públicos, dos profissionais de saúde e do acesso à saúde em todo o território nacional em todos os níveis, com destaque para a Atenção Primária à Saúde; a melhoria em diversos indicadores de saúde; mudanças no modelo de atenção à saúde, como na área da Saúde Mental e em políticas orientadas pela diretriz de integralidade (como a de controle da AIDS); fortalecimento de políticas nas áreas de promoção da saúde e das vigilâncias; esforços no âmbito do desenvolvimento científico, tecnológico e da produção nacional de insumos relevantes para a saúde. Houve ainda fortalecimento das relações intergovernamentais e da participação social na formulação e implementação de políticas de saúde.
Por outro lado, o não enfrentamento de diversos problemas estruturais do sistema de saúde brasileiro prejudicou a plena efetivação das diretrizes da reforma sanitária brasileira e do SUS. O financiamento público em saúde é insuficiente para atender as necessidades de saúde da população; o gasto público nunca alcançou 4% do PIB, permanecendo abaixo dos gastos privados. O setor privado, favorecido por incentivos e subsídios estatais, cresceu, se diversificou e se tornou mais dinâmico do ponto de vista empresarial e político, logrando influenciar as políticas e disputar os recursos da saúde. Persistiram as desigualdades em saúde em diversos âmbitos, assim como problemas na qualidade da atenção à saúde. Por isso, defendemos a revogação imediata da Emenda Constitucional nº 95/2016. Essa luta seguirá num crescente até a 16ª Conferência Nacional de Saúde (16ª CNS), também é chamada de “8ª + 8”, como um resgate à memória da 8ª Conferência – a qual a Abrasco, junto com as demais entidades do movimento sanitário, apoia e desde já participa de sua construção.
Desde 2016, o golpe parlamentar que depôs a presidente eleita, atenta contra democracia e ameaça os direitos sociais. Um governo não-eleito impõe ao povo um projeto neoliberal, que colide com o Pacto Constitucional de 1988, expresso em políticas econômicas regressivas e em destituição de direitos trabalhistas e sociais. As liberdades democráticas são ameaçadas com a exclusão arbitrária da participação do candidato de maior expressão popular das eleições presidenciais de 2018.
As iniciativas do governo Temer são extremamente deletérias para o SUS e a saúde da população – como restrições orçamentárias imediatas relacionadas à austeridade econômica, congelamento dos recursos da área social nos próximos 20 anos, novos incentivos ao segmento de planos e seguros de saúde, fragilização de políticas estruturantes, como a de Atenção Primária-, o que já começa a se traduzir na piora de indicadores sociais e de saúde.
Diante desse grave cenário, reafirmamos como nossos compromissos de luta:
1- A defesa um padrão de desenvolvimento que promova a soberania nacional, assegure a sustentabilidade ambiental e coloque a economia à serviço do bem-estar da sociedade, com respeito aos trabalhadores e às populações que vivem nos diversos territórios. Tal padrão de desenvolvimento deve articular políticas redistributivas na área econômica (reforma tributária progressiva, geração de empregos, promoção do trabalho digno e bem remunerado), social (previdência, assistência, saúde, educação, habitação, saneamento, reforma agrária), com o propósito de reduzir desigualdades e promover a justiça social.
2- A defesa de uma sociedade democrática, justa, respeitosa da diversidade, solidária e orientada pela igualdade, com estratégias de promoção da equidade social, cultural, territorial, de gênero, de etnia e o combate a todas as formas de violência, intolerância, discriminação, racismo, homofobia, segregação e exclusão.
3 – A defesa do direito à saúde e do Sistema Único de Saúde, em seu caráter efetivamente público e universal, como pilar do sistema de proteção social e um projeto político da Nação e do povo brasileiro. Isso implica em enfrentar os problemas estruturais e desafios do SUS, assegurar as condições para a sua consolidação e regular os diversos segmentos do setor privado na saúde, pondo fim à transferência de recursos públicos e subordinando a sua atuação às diretrizes do SUS e às prioridades sanitárias, de forma que a lógica mercantil não se sobreponha às necessidades e ao direito à saúde.
4- A defesa da manutenção e avanço na garantia da integralidade da atenção a partir das políticas nacionais de saúde bucal, mental e de populações das políticas de equidade – LGBT, do campo, negra, indígena.
5 – A defesa das universidades e demais instituições públicas atuantes nas áreas de Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovação, de forma que sua atuação na formação de pessoas e na geração de conhecimentos e tecnologias possa ser estrategicamente orientada para o desenvolvimento social e a promoção do bem-estar social e da vida.
6 – A defesa da democracia, em sua dimensão formal (garantia de eleições livres e justas, reforma política para assegurar maior equilíbrio entre grupos sociais nos cargos representativos) e substantiva (aumento efetivo da participação e do controle social sobre as políticas públicas, garantia da livre manifestação, recusa à discriminação e à seletividade do sistema judicial no tratamento de políticos, gestores e movimentos sociais, democratização dos meios de comunicação).
Ao final deste Congresso, que renovou nossas energias e esperanças, a comunidade da Saúde Coletiva conclama governantes, gestores, profissionais de saúde, estudantes, conselheiros de saúde, representantes de movimentos sociais e toda a sociedade brasileira a unir forças na luta contra a barbárie e na construção de uma sociedade mais democrática, justa e igualitária, em que o SUS e o direito à vida e à saúde se efetivem em toda a sua plenitude, compartilhado por todos os cidadãos.
O SUS vive, saúde é direito, nenhum direito a menos!
Em defesa da democracia com eleições livres em 2018Fonte: Abrasco
Publicado em 30/07/2018, atualizado em 31/07/2018 – 16h15
SUS é Democracia, afirma presidente da Fenafar em abertura do Abrascão 2018
A resistência contra todos os ataques aos direitos sociais do povo brasileiro e a luta em defesa da democracia, da soberania nacional e das instituições públicas deram o tom na abertura do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão), nesta quinta-feira (26/07), no Rio de Janeiro.
Realizado com a participação de 7.500 ativistas, o Abrascão é o maior evento de saúde da América Latina, reunindo pessoas de diferentes países. Dirigentes da Fenafar e de Sindicatos dos Farmacêuticos de vários estados do país também participam do evento. O congresso científico, com ampla compreensão sobre saúde coletiva e direitos à saúde, ocorre a cada três anos e em 2018 está acontecendo na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos. A abertura do Abrascão contou com a presença de várias autoridades e pesquisadores e ativistas da área da Saúde e, também, com a participação da ex-presidenta do Chile, Michele Bachelet, que fez a palestra: “Direitos e Democracia: sistema universais e públicos de saúde”. Ela apresentou um panorama da atual situação da saúde pública em diferentes países da América Latina. “Há uma ofensiva dos setores conservadores contra SUS e não podemos deixar que isso nos abata. Entre os principais desafios para o alcance da saúde pública integral para todos está a garantia de investimento público. O essencial é não perder o foco, e o foco são as pessoas”, avalia. Leia mais aqui.
O presidente da Abrasco, Gastão Vagner, abriu oficialmente agradecendo os 7.572 inscritos, ressaltando o papel da comunidade da Saúde Coletiva na realização do evento. Ele destacou a natureza híbrida dos congressos da Abrasco, que junta o componente científico, fruto das investigações, estudos e pesquisas desenvolvidas em Saúde Coletiva com o caráter político. “A gente vem ao Abrascão para trocar ideias, discutir, aprender e tirar diretrizes e plataformas para nossa ação nos próximos anos em cada local, em cada sala de aula, em cada serviço de saúde e nos nossos movimentos sociais. A gente vem para carregar nossa energia e confirmar para nós e para a sociedade que a esperança somos nós.”
“O governo federal, nos últimos dois anos, se transformou em adversário da Abrasco, mas o Abrascão sempre foi também um congresso político. Daqui vamos tirar diretrizes, plataformas, projetos para a nossa ação ao longo dos próximos anos, recarregar nossa energia e confirmar para nós mesmos que a esperança somos nós. Nosso movimento insiste e resiste avançando”, completou o presidente da Abrasco, Gastão Vagner.
Saúde é Democracia
O Controle Social reuniu no Abrascão 536 conselheiros de saúde, promovendo uma série de atividades, tribunas livres e mesas redondas em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos direitos humanos.
O presidente do Conselho Nacional de Saúde e presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, fez sua intervenção chamando a atenção para a importância da luta em defesa do SUS e como ela se confunde com a luta pela própria democracia. “O que nos move a pontos de estarmos reunidos aqui? Que força é essa que pulsa dentro de nós que, mesmo quando estamos exaustos na batalha, ela é capaz de nos reerguer? Mesmo diante dos ataques do SUS, dos nossos direitos e da democracia faz com que estejamos juntos aqui?”, perguntou.
Essa força é o desejo de um Brasil com democracia e direitos para todos. “Temos que ser disseminadores de reflexão e não de ódio. Da resistência em vez do cansaço. Para isso, contra a ascensão do fascismo, trazemos nossa inteligência coletiva, nossa sede de um Brasil melhor e mais justo, isso tem que estar refletido nas nossas práticas diárias, na autocrítica, na nossa militância, no nosso voto nas eleições gerais”, afirmou.
Ronald listou uma parte importante dos retrocessos e dos ataques promovidos aos direitos sociais no Brasil após o impeachment fraudulenta que destituiu uma presidente legitimamente eleita para que as forças do mercado pudessem aplicar a agenda neoliberal no Brasil: Emenda Constitucional 95, Reforma Trabalhistas, Terceirizações, fim do programa farmácia popular, flexibilização do uso de agrotóxicos, o assassinato de defensores de direitos humanos como Marielle Franco, homenageada na abertura do evento.
Ronald também citou retrocessos no campo internacional, lembrando das crianças enjauladas nos EUA, da ofensiva contra a soberania de vários países, e ressaltou que “não podemos esquecer que a nossa luta também é global”.
Ele afirmando que para mudar a correlação de forças na sociedade é preciso trazer o povo para a defesa da democracia. “Na década de 80 nós mobilizamos o povo brasileiro em torno da agenda que mais interessa o povo que é a Saúde. Por isso, inspirados nesse potencial e generosidade do povo brasileiro nós convocamos a 8ª + 8 = 16ª Conferência Nacional de Saúde”. Ronald recuperou a importância estratégica e o marco político democrático e para a garantia do direito à Saúde que representou a 8ª Conferência.
“Nós temos que discutir a indissociabilidade entre democracia e Saúde, esse foi o tema da 8ª e será o tema da 8ª + 8! Saúde não é mercadoria e o povo tem que ser o principal defensor dessa agenda”, concluiu.
Da redação com informações da Abrasco e do SUSConecta
Publicado em 27/07/2018
Após nove anos, STF pauta julgamento de ação sobre patentes de remédios
Nove anos depois de chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), deve ser julgada em setembro a ação que questiona a constitucionalidade dos dispositivos legais que tratam das patentes pipeline. Também chamadas de patentes de importação ou de revalidação, elas foram concedidas a produtos patenteados no exterior, mas que já estavam em domínio público.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4234 foi pautada para a sessão de 6 de setembro. Proposto pela Procuradoria Geral da República (PGR) em abril de 2009, o recurso aponta a inconstitucionalidade dos artigos 230 e 231 da Lei da Propriedade Industrial brasileira, a Lei federal 9.279/96.
A justificativa da PGR é que esses dispositivos legais permitiram que patentes adquiridas no exterior fossem automaticamente aplicadas no Brasil sem verificação substancial das qualidades e inovações do produto, com duração máxima de 20 anos. Mais de 1.100 pedidos de patente foram concedidos automaticamente em 1997. Mas, hoje, já caíram em domínio público.
À época da propositura da ADI, o então procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, argumentava que “a inconstitucionalidade das patentes pipeline está justamente na sua natureza jurídica, pois se pretende tornar patenteável, em detrimento do princípio da novidade, aquilo que já se encontra em domínio público”, promovendo o legislador, assim, “uma espécie de expropriação de um bem comum do povo sem qualquer amparo constitucional”.
Julgamento sem efeito?
Relatada pela ministra Cármen Lúcia, a ação conta com 14 entidades que participam como amici curiae – uma demonstração do peso que o caso tem não apenas para as indústrias farmacêuticas, mas também para o Sistema Único de Saúde (SUS). Em outubro de 2016, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, Cármen Lúcia, ao ser questionada sobre os julgamentos mais importantes em tramitação na Corte, ressaltou o caso das patentes de revalidação.
“Privatizaram um bem público sem compensar, sem analisar mérito do pedido de patente, gerando um sobrepreço que chega a ser de vinte vezes pago por nós, contribuintes, quando vamos à farmácia, ou pelo SUS, que é obrigado a comprar sem licitação quando o remédio tem patente”, afirma o advogado Pedro Marcos Nunes Barbosa, professor de Direito da PUC-Rio.
Na avaliação do especialista, as patentes pipeline favoreceram multinacionais estrangeiras que privatizaram – sem pagar nada ao erário – tecnologia que estava em domínio público. Por isso, acredita que há um “efeito simbólico” no julgamento da ADI.
“É importante para mostrar que o STF sinaliza que não é possível vir uma lei e dar patentes para tecnologias que já eram velhas, que já eram conhecidas”, disse Barbosa. No caso de a Corte julgar procedentes os pedidos da PGR, o professor acredita que é possível o reconhecimento da nulidade das patentes e o consequente retorno do dinheiro que foi remetido ao exterior. “E aí estamos falando de centenas de bilhões de reais.”
Sem liminar
Quando a PGR propôs a ação, ainda em 2009, Cármen não decidiu sobre o pedido de liminar. A relatora invocou o rito abreviado – previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999 – e mandou o caso para julgamento no Plenário diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar.
Para o advogado Luiz Henrique Amaral, ex-presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), ao negar a liminar a ministra manteve os artigos 230 e 231 da Lei da Propriedade Industrial em vigor. “Dizer que os dispositivos são inconstitucionais depois de tanto tempo não faz sentido. Acredito que o Supremo irá validar tudo o que aconteceu e foi feito. Vinte e dois anos depois querer reverter a legislação é estranho.”
Na visão de Amaral, para quem o STF agiu com cautela ao lidar com o assunto, os dispositivos são constitucionais uma vez que todas as ressalvas necessárias para que fossem válidos foram feitas. “O regime de revalidação no exterior não é uma exclusividade do Brasil. Qualquer decisão contrária geraria muita insegurança jurídica”, disse.
Fonte: Jota – Estraído do Sindifars
Publicado em 23/07/2018
Opinião: Porque revogar a Emenda Constitucional 95
“Tripé macroeconômico” neoliberal e teto de gastos adotado por Temer devastaram o investimento público e levam o Estado a desrespeitar sistematicamente os direitos sociais, artigo de Grazielle David*
O excesso e desalinhamento das regras fiscais, como a regra de ouro, a lei de responsabilidade fiscal, o tripé macroeconômico e o teto dos gastos, colocaram o país numa situação em que é impossível obedecer a todas simultaneamente, tanto na elaboração quanto na execução do orçamento. No momento, o teto dos gastos tem dominado o cenário fiscal.
A política do “teto dos gastos” foi adotada em dezembro de 2016 por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 95. Ela prevê que, durante 20 anos, as despesas primárias do orçamento público ficarão limitadas à variação inflacionária. Isso quer dizer que, no período, não ocorrerá crescimento real das despesas primárias, que são agrupadas em duas grandes categorias, as despesas de custeio (com serviços públicos) e as despesas com investimentos. A EC 95 não só congela, mas de fato reduz os gastos sociais em porcentagem per capita (por pessoa) e em relação ao PIB, à medida que a população cresce e a economia se recupera, como é comum nos ciclos econômicos.
Existe um elemento ainda pouco explorado sobre o efeito da EC 95 nas despesas primárias no momento de construção das leis orçamentárias (PPA, LDO E LOA). A regra do “teto dos gastos”, no formato em que foi adotada no Brasil, é particularmente maléfica porque ela gera uma disputa orçamentária entre estes dois grandes blocos das despesas primárias. Isso porque, ao longo dos anos, com o teto sufocando cada vez mais as demandas da sociedade e com a lenta retomada econômica, decorrente inclusive dessa escolha de política fiscal de austeridade, o governo tem que realizar cortes orçamentários.
Como o governo tem dificuldade em cortar as despesas com serviços públicos, por serem em sua maioria obrigatórias, a tesoura recai sobre as despesas com investimento, estas discricionárias, ou seja, o governo não tem obrigação de executar. O resultado disso é que o investimento público chegou em 2017 ao menor nível em quase 50 anos, de acordo com Orair e Gobetti. União, estados e municípios investiram apenas 1,17% do PIB – valor sequer suficiente para garantir a conservação da infraestrutura já existente.
Outro efeito da redução das despesas com investimentos é sobre a “regra de ouro” do orçamento público. A Constituição Federal prevê em seu art. 167, inciso III, que “são vedadas a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos adicionais suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.
Assim, inicialmente, a “regra de ouro” proíbe que o montante das operações de crédito supere o montante das despesas de capital, as quais abrangem investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida pública. Entretanto, com o insustentável “teto dos gastos” limitando as despesas primárias, puxando as despesas com investimentos para baixo, e com a não retomada econômica, o governo fica sem espaço fiscal para respeitar a “regra de ouro”. Isso porque baixa atividade econômica implica em baixa arrecadação, que por sua vez limita a capacidade de financiamento das despesas públicas. Sem arrecadação suficiente, ao governo resta a possibilidade de emitir novos títulos da dívida. Entretanto, essa emissão tem o limitador da ‘regra de ouro’. A solução encontrada? Ao invés de revogar o teto dos gastos, manobrar a exceção da regra de ouro.
Sim, existe previsão constitucional para a que a regra de ouro não seja cumprida. Durante o exercício orçamentário, no caso em 2019, o governo poderia solicitar a abertura de crédito adicional ao Congresso, com o envio de um projeto de lei com justificativa detalhada e finalidades específica, que requereria aprovação por maioria absoluta. Entretanto, a Constituição ao disciplinar a exceção ao equilíbrio entre receitas de operações de crédito e despesas de capital, pressupõe a existência de um equilíbrio original entre os respectivos montantes na LOA – Lei Orçamentária Anual. E é nesse ponto que a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias 2019 torna-se inconstitucional, por já prever que a LOA 2019 será elaborada sem o equilíbrio entre receitas de operações de créditos e despesas de capital.
Em estudo técnico conjunto das consultorias orçamentárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal sobre o tema, consta que “a interpretação lógica e sistêmica do art. 167, III, da Constituição indica que a regra de ouro se aplica tanto à fase de execução quanto à de autorização da despesa. Afinal, se a exceção (créditos adicionais com maioria absoluta) se aplica apenas no âmbito da execução orçamentária, conclui-se que a regra de ouro deve ser observada antes desse momento – na elaboração e na aprovação dos orçamentos. É acertada, portanto, a disciplina do § 2º do art. 12 da LRF, que exige o equilíbrio entre receitas de operações de crédito e despesas de capital no projeto de lei orçamentária”.
No arcabouço jurídico nacional a regra de ouro deve ser obedecida de forma absoluta nas etapas de elaboração e aprovação das leis orçamentárias anuais. O próprio Ministro do Planejamento à época, Dyogo de Oliveira, em janeiro deste ano, afirmou que “a regra de ouro tem que ser revista para 2019 porque você não pode fazer o orçamento prevendo o descumprimento. A Constituição só prevê o caso se houver problema durante a execução orçamentária”.
Cabe destacar que a ‘regra de ouro’ é limitada por desconsiderar que algumas despesas de custeio, como as sociais, também podem funcionar como investimento e garantia de justiça geracional, uma vez que elas têm efeitos multiplicadores e de longo prazo. É o caso, por exemplo, das despesas com educação, em que a cada R$ 1,00 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB. Entretanto, não é manobrando essas regras que alcançaremos maior justiça fiscal no Brasil.
É nítida e urgente a necessidade de rever as regras fiscais. Para isso, é essencial que sejam consideradas duas premissas: 1. A política fiscal é uma política pública como todas as outras, assim, a participação social deve ser garantida tanto na sua elaboração quanto no seu monitoramento; 2. A política fiscal está sujeita às normas do Pacto Internacional dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, e não o contrário, como vem ocorrendo hoje. Assim, devem existir mecanismos na política fiscal para que ela seja reordenada sempre que ocorrerem riscos à não garantia dos direitos no orçamento.
* Grazielle David é assessora política do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos; conselheira do Cebes – Centro Brasileiro de Estudos em Saúde; Mestre em Saúde Coletiva/Economia da Saúde; especialista em direito sanitário, orçamento público e bioética.
Fonte: OutrasPalavras
Publicado em 20/07/2018
16ª Conferência: CNS realiza oficina para Simpósio Nacional de C&T e Assistência Farmacêutica
O Conselho Nacional de Saúde realiza nesta terça-feira (17/07) e quarta-feira (18/07) a oficina para as etapas regionais do 8º Simpósio Nacional de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica. O simpósio, que será realizado em dezembro, é uma parceria do CNS com a Escola Nacional dos Farmacêuticos e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A oficina ocorre na Fiocruz Brasília e conta com a participação de farmacêuticos, conselheiros de saúde e representantes do segmento de diversas regiões do país. A programação inclui o debate sobre o Panorama Atual da Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica no Brasil.
Os eventos são atividades preparatórias para a 16ª Conferência Nacional de Saúde, marcada para julho de 2019, que também é chamada de “8ª + 8”, como uma referência à 8ª Conferência Nacional de Saúde. Considerada um marco histórico para a população brasileira, a 8ª gerou as bases para a seção “Da Saúde” da Constituição Brasileira em 1988 e consolidou o Sistema Único de Saúde (SUS).
“A assistência farmacêutica e o acesso à tecnologia são debates permanentes no Conselho Nacional de Saúde. Temos alguns desafios pela frente para a construção da 16ª, mas temos condições de reunir forças sociais e políticas em torno desta agenda, que tem como tema central Democracia e Saúde”, avalia o presidente do CNS, Ronald do Santos, ao destacar a importância da participação e mobilização de toda a sociedade em defesa do SUS e dos direitos.
“É preciso discutir, refletir, planejar e construir propostas do nosso ponto de vista, do ponto de vista social e das instituições sociais para o futuro que queremos”, disse a coordenadora geral da Escola Nacional dos Farmacêuticos, Silvana Nair Leite, ao destacar a importância da categoria na mobilização e construção das conferências de saúde, ao longo dos anos.
A categoria farmacêutica também organiza o 6º Encontro Nacional de Farmacêuticos no Controle Social da Saúde, como atividade preparatória para a 16ª CNS. O encontro será realizado nos dias 2, 3 e 4 de agosto e tem como tema a Contribuição Farmacêutica na Construção da Política Nacional de Vigilância em Saúde – Direito, Conquistas e Defesa de um Sistema Único de Saúde (SUS) Público de Qualidade”.
Fonte: CNS
Publicado em 18/07/018
Como os planos de saúde se apropriam do SUS? – Entrevista com José Sestelo
Em entrevista concedida ao Jornal Extra Classe, o pesquisador em Saúde e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), José Antônio Freitas Sestelo aborda como cada vez mais os planos de saúde privados estão se apropriando do orçamento e da estrutura pública para prestar seus serviços.
Controlados por fundos de investimentos globais e bancos de investimentos, os planos de saúde privados estão se apropriando cada vez mais do orçamento e da estrutura públicos da saúde. Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), José Antônio de Freitas Sestelo, o setor privado consolidou um padrão de articulação público-privado concentrador de recursos. “Nos últimos 30 anos, os esquemas privativos de intermediação de assistência cresceram a ponto de as empresas controlarem discricionariamente um volume anual de recursos superior ao que é empenhado pela União na rede pública”, afirma nesta entrevista ao Extra Classe. Integrante do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre o Empresariamento da Saúde Henry Jouval Jr. (GPDES) ligado ao Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Sestelo afirma que os empresários não querem o fim do sistema público, mas a sua transformação em um “grande resseguro”. Em síntese, o país caminha para um apagão da saúde, adverte o pesquisador: “num futuro próximo a classe média não terá nem plano de saúde e nem SUS, porque os planos melhores serão muito caros e os baratos serão inúteis. E o SUS está ameaçado de desmonte com essa política irresponsável de congelamento de despesas públicas com seguridade social”.
+ Leia na íntegra na publicação original no site do Sindicato dos Professores do R.Grande do Sul
Extra Classe – Como o senhor avalia a proposta do “Novo Sistema Nacional de Saúde”, que vem sendo defendida por entidades empresariais desde 2013?
José Antonio Freitas Sestelo – A expressão “Sistema Nacional de Saúde” foi usada durante a ditadura militar, mais precisamente na Lei Federal nº6.229, de 17/07/1975, que definia o Sistema Nacional de Saúde e seus componentes. Essa Lei foi revogada pela Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde). Evocar os termos utilizados no entulho autoritário pode ser uma estratégia retórica de negação do Sistema Único de Saúde (SUS), assim como de seus princípios e diretrizes que partem da premissa da saúde como um direito de cidadania. Além disso é algo que pode ser entendido como uma aspiração de restauração da velha ordem pautada na década de 1970, quando os antecessores dos atuais grupos empresariais foram constituídos à sombra da estrutura previdenciária oficial, amparados por políticas fiscais e tributárias convenientes aos seus interesses corporativos e contrárias aos interesses da maioria da população de trabalhadores. É possível que nem todos os envolvidos nessa operação de “guerra cultural” contra o SUS tenham consciência do que estão evocando, mas o fato é que há alguma semelhança entre o espírito do assim denominado “complexo de serviços do setor público e do setor privado” da lei de 1975 e as propostas dos empresários atuais.EC – O que é o ‘Livro Branco da Saúde’?
Sestelo – É uma publicação patrocinada pela Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) que foi distribuída durante a campanha eleitoral em 2014/2015 para os principais candidatos a cargos majoritários e proporcionais. A rigor é um panfleto político que apresenta as principais propostas dos empresários do setor hospitalar mais capitalizado (mas também de outros subsetores empresariais da saúde), entretanto, o seu formato é o de uma tese acadêmica dividida em um primeiro volume que seria uma espécie de “marco conceitual” e um segundo volume que apresenta as propostas propriamente ditas. É um trabalho que foi feito sob encomenda por uma empresa espanhola especializada em consultoria microeconômica para o setor da saúde, contratada pela ANAHP para esta finalidade.EC – Um projeto de saúde para o país a partir de propostas dos empresários do setor hospitalar?
Sestelo – A Antares Consulting, autora do “Livro Branco Brasil Saúde 2015” é uma empresa de consultoria sediada na Espanha que jamais teria a possibilidade de elaborar um relatório de escopo tão abrangente, envolvendo todo o sistema de saúde de um país da complexidade e extensão territorial do Brasil. O governo do estado da Bahia também deu a sua contribuição ao portfólio de negócios desta empresa ao abrir para ela espaço de atuação na elaboração da parceria público privada do Hospital do Subúrbio em Salvador. Outro parceiro de peso foi o próprio presidente do Banco Mundial que também esteve no Brasil para prestigiar o negócio formalizado na Bahia, dado o seu significado estratégico para o banco. Não fosse isso, a Antares Consulting estaria, dentro dos seus limites, cuidando de fazer intervenções micropolíticas em unidades assistenciais de países periféricos da Europa como Espanha e Portugal, onde a gestão de hospitais públicos vem sendo privatizada por determinação do Banco Central Europeu. Grupos econômicos globais como a AMIL/United Health vêm se articulando para auferir lucros a partir dessa plataforma.EC – Qual é a estratégia da Antares e seus parceiros no Brasil?
Sestelo – É possível que a ANAHP e a Antares Consulting mantenham relações institucionais com a International Hospital Federation. Esta associação internacional tem um membro importante no Brasil: a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS), presidida até recentemente pelo ex-diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar, José Carlos Abrahão. O cerne da proposta empresarial está apoiado na promoção de um padrão de articulação público-privado regressivo, concentrador de renda e de recursos assistenciais que usa o sistema público como um colateral para operações de caráter comercial e financeiro favoráveis a interesses particulares.EC – O que pretendem é uma “reforma”?
Sestelo – Não tenho ouvido muitos empresários falarem em “reforma”, creio que essa palavra tem sido mais utilizada pelos próprios sanitaristas receosos de que exista uma trama para “acabar com o SUS”. Esse aspecto precisa ser esclarecido para evitar mal-entendidos/mal explicados. Existe uma narrativa simplificadora que passa a impressão de que, da noite para o dia, estamos sob a ameaça de passar de um mundo ideal onde existe um sistema público de saúde (o SUS) para um mundo onde existem apenas as empresas privadas de assistência. Não é bem assim. É preciso ver as coisas em perspectiva para não se incorrer em erros de interpretação que comprometam nossa capacidade de ação política.EC – Então, qual é o modelo almejado pela iniciativa privada?
Sestelo – O SUS é uma grande conquista e um patrimônio dos trabalhadores brasileiros, mas a sua criação na década de 1990 não foi capaz de deter o processo de expansão da ação predatória do capital sobre o sistema de saúde. Longe disso, nos últimos 30 anos os esquemas privativos de intermediação de assistência cresceram a ponto de as empresas controlarem discricionariamente um volume anual de recursos superior ao que é empenhado pela União na rede pública. Além disso, novos agentes econômicos, como fundos de investimento globais e bancos de investimento, passaram a controlar os principais grupos econômicos da saúde, exercendo uma enorme influência sobre as ações de governo. Obviamente essa influência mudou de patamar na atual conjuntura depois da ruptura ocorrida no bloco político de governo em 2016, mas isto não significa que entre 2003 e 2016 os empresários estivessem afastados do poder. De fato, ao longo dos últimos 30 anos se consolidou um padrão de articulação público-privado na assistência bastante orgânico com os interesses dos empresários. O que ocorre agora é que, dadas as circunstâncias políticas favoráveis, os agentes econômicos empresariais querem ainda mais.EC – Por exemplo?
Sestelo – A pauta é a mesma que está colocada desde os anos 1970 com a diferença de que, desde então, a base operacional controlada por particulares na saúde tornou-se mais ampla e complexa. Como a saúde é um bem de relevância pública e as necessidades de assistência têm um alto grau de imprevisibilidade, as empresas setoriais sempre guardaram uma relação muito estreita com as políticas públicas. As atuais empresas de planos de saúde não são entidades míticas que existem desde sempre por decreto divino. Elas passaram a existir e prosperar em decorrência de decisões políticas que foram tomadas nos últimos anos e a estrutura assistencial pública sempre foi utilizada como apoio para o seu processo de acumulação de capital. Os empresários utilizam eufemismos como “parceria”, “ganha/ganha”, “coordenação planejada” para revestir com uma camada de nebulosidade a sua relação predatória e concorrencial com a assistência pública. Em outras palavras, eles querem se apropriar, na forma de lucro, de uma parte maior do orçamento público empenhado nas rubricas de políticas sociais, e querem fazer isso sem correr riscos. Como contrapartida o que o conjunto da sociedade brasileira recebe é o aumento dos custos gerais do nosso sistema de saúde decorrente dos altos custos administrativos da intermediação da assistência e um aumento na concentração de recursos assistenciais reservados para uso privativo de uma pequena parcela da população.EC – O que isso representa para a sociedade – para aqueles que não têm condições de pagar pelos serviços de saúde?
Sestelo – A sociedade brasileira tem como traço estrutural um alto grau de desigualdade. Isso aqui não é o Japão, não é Cuba, não é a Suécia. Portanto, as políticas públicas que precisamos pôr em prática precisam levar em conta a nossa peculiaridade e enfrentar o problema da desigualdade como política de Estado. Do contrário estaremos fadados a reproduzir de maneira indefinida o nosso padrão histórico de sociabilidade injusto e desumano. Quem mais precisa de assistência é quem menos pode pagar por ela, portanto, vincular o acesso à capacidade de pagamento do usuário é condenar a maioria da população à desassistência e, em muitos casos, à morte por causas evitáveis. Quando segregamos espaços assistenciais privativos subsidiados por recursos públicos, como acontece com o esquema de intermediação assistencial dos planos de saúde, estamos tirando de quem tem menos para a dar a quem tem mais. Esse é o fato político e social relevante nessa história.EC – O presidente da Febraplan é o empresário Pedro de Assis, dono da Agemed, empresa que surgiu aninhada à Tubos e Conexões Tigre e hoje é a maior operadora de planos de saúde de Joinville, Santa Catarina. Como surgiu e qual a influência da Agemed nesse movimento e no mercado de saúde?
Sestelo – A Agemed surgiu e se consolidou dentro do espaço de transações do esquema comercial de intermediação da assistência protegido pela ANS. É um espaço comercial e financeiro que oferece grandes oportunidades de negócios e, de fato, diversas empresas que surgiram depois dos anos 1990 como a Agemed no sul do Brasil e a Hapvida no Nordeste, têm prosperado sob essas condições favoráveis. Embora os empresários tenham interesses corporativos em comum, também há contradições e concorrência entre grupos e segmentos no interior do setor. Tudo indica que a Febraplan é uma entidade que surgiu a partir de disputas por espaço político e comercial entre Agemed e Hapvida, ou seja, sem espaço na Fenasaúde e na Abramge, a Agemed tratou de criar a sua própria entidade para atuação política corporativa. Recentemente um evento patrocinado pela Febraplan ganhou enorme destaque nas mídias sociais como se ali se estivesse tramando a destruição do SUS e a criação, ou restauração, de um “Sistema Nacional de Saúde”. Na verdade, nem a Febraplan é uma entidade representativa dos principais empresários do setor, nem os empresários querem o fim do SUS, até por que o SUS tal qual ele se apresenta hoje, é orgânico aos interesses empresariais. Precisamos estudar mais sobre o setor privado e conhecer melhor os seus agentes para não incorrer em erros de análise, atribuindo importância ao que não tem e deixando de olhar para o que se passa sob os nossos pés.EC – Por que a expansão dos planos de saúde privados ameaça o SUS?
Sestelo – Os recursos assistenciais existentes no país são limitados. Uma política assistencial coerente deveria tratar fundamentalmente de distribuir tais recursos de forma equânime e equitativa segundo a lógica sanitária das necessidades de saúde da população, porque a saúde não é um bem de consumo qualquer, mas é um bem de relevância pública. Quando se delimita um espaço privativo de assistência reservado para 30% da população se estabelece uma barreira de acesso para os 70% restantes que ficam proibidos de usar aqueles recursos assistenciais. No Brasil ainda existe o agravante de que esse espaço privativo é subsidiado por recursos públicos na forma de renúncia fiscal e vantagens creditícias para as empresas. Ou seja, o Estado terá menos para financiar o sistema público. Por outro lado, quem é cliente das empresas de planos de saúde não perde suas prerrogativas de cidadania e continua podendo usar o SUS naquilo que for conveniente.EC – E quem não tem plano de saúde?
Sestelo – É comum nas cidades de médio e pequeno porte ver pacientes do SUS serem removidos de ambulância para as capitais em busca de atendimento que não está disponível em suas cidades de origem. Muitas vezes isso não ocorre porque naquelas cidades não existam especialistas ou equipamentos adequados. Eles existem, mas não estão disponíveis para uso da população em geral. São reservados para uso privativo da clientela das empresas de intermediação assistencial e para os clientes que pagam por desembolso direto. Essa é a lógica concorrencial que tem a sua expressão mais evidente na dupla porta dos hospitais conveniados que fazem uma regulação perversa dos casos a serem tratados segundo a capacidade de pagamento do usuário. A população sabe claramente o que significa isso na prática. É injusto, é antiético e pode ser desumano.EC – Ao contrário do que vem sendo difundido desde a década de 1970 pelos empresários, a lógica da privatização da saúde torna o sistema público cada vez mais caro, excludente e regressivo. Por quê?
Sestelo – Existe um custo de transação implícito nos processos de intermediação. Quanto mais intermediários em uma cadeia de produção de serviços ou produtos, maior tende a ser o custo final. É claro que há situações em que os processos de intermediação são necessários para dinamizar a distribuição dos recursos, mas no caso da assistência à saúde ocorre o inverso. São empresas que não acrescentam nada de inovador, não aumentam a produtividade do sistema, ao contrário, burocratizam para, ao final, se apropriar de uma parcela importante dos recursos na forma de lucro. O exemplo do sistema de saúde dos Estados Unidos ajuda a entender melhor essa questão. Lá não existe um sistema público de acesso universal e os custos de intermediação são extremamente altos a ponto de se gastar mais de 17% do PIB com saúde, enquanto que a média mundial em países de renda alta está entre 8% e 9% do PIB. Um sistema assim tão caro, entretanto, não apresenta resultados sanitários superiores, ou seja, é caro e ineficiente. No Brasil experimentamos, entre 2011 e 2015, um aumento de 7,8% para 9,1% do PIB em gastos totais em saúde, segundo o IBGE. Nem por isso tivemos uma melhora nos principais indicadores de morbidade. Creio que é necessário investigar quais são os determinantes desse processo macroeconômico e verificar se ele configura realmente uma tendência. Se for esse o caso, a nossa perspectiva seria caminhar em direção a um sistema caro e ineficiente como o estadunidense? Fica a questão em aberto.EC – O senhor tem afirmado que os empresários não querem a extinção, mas a adequação do SUS aos seus interesses. Por quê?
Sestelo – Não vejo ninguém declarar abertamente que é contra o SUS, nem à direita nem à esquerda do espectro político. O que existe são propostas de ajuste que desvirtuam a concepção original inscrita na lei. Tem sido assim desde o início. O SUS nunca pôde expressar todo o seu potencial transformador sobre o padrão de sociabilidade brasileiro. Os empresários estão estabelecidos sobre um padrão de articulação público-privado regressivo pelo menos desde os anos 1960 e nada indica que essa tendência venha a se modificar no curto prazo. Mesmo nos últimos 30 anos, com todos os avanços que a criação do SUS proporcionou, quando olhamos para o padrão de articulação público-privado vemos que ele continuou regressivo e os espaços de transação reservados para os empresários se ampliaram, não foram reduzidos. O que ocorre agora é que temos uma conjuntura em tudo favorável ao aprofundamento desse fenômeno e os empresários estão avançando ainda mais sobre um terreno que ocupavam.EC – Por que interessa ao setor privado tornar o SUS um “grande resseguro”? O que isso implica?
Sestelo – É importante que se tenha claro que as políticas sociais de assistência são uma forma indireta de salário, ou seja, o sistema de saúde funciona como um mecanismo modulador do permanente conflito distributivo entre capital e trabalho nas sociedades modernas. Trata-se de uma discussão política para saber o tanto de riqueza do país vai ser realizado na forma de renda do trabalho e o tanto que vai ser apropriado na forma de lucro. A ciência atuarial tornou possível precificar com mais precisão os riscos relacionados com o processo de adoecimento. O que ocorre é que há determinados tipos de risco que são mais altos e, portanto, mais caros do que outros. As empresas praticam uma seleção prévia dos riscos que consideram comercialmente rentáveis e vendem pacotes de cobertura que são convenientes aos seus interesses, mas não necessariamente conveniente aos interesses dos trabalhadores. Os riscos mais altos e mais caros são empurrados para o orçamento público que, no Brasil, é financiado, principalmente, pela renda do trabalho via impostos indiretos sobre o consumo. O SUS conveniente aos interesses dos empresários é aquele que assume os riscos mais altos relacionados com condições crônicas e tratamentos de alto custo que exigem a imobilização de recursos em estruturas assistenciais. É como se o sistema público funcionasse como um seguro do seguro, preservando o caixa das empresas do alto grau de imprevisibilidade de determinados processos de adoecimento.EC – Como o senhor avalia as novas regras para cobrança de coparticipação e franquia em planos de saúde divulgadas no dia 28 de julho pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)?
Sestelo – Se havia alguma dúvida de que a ANS representa uma agência de governo que é orgânica aos interesses dos empresários em detrimento dos interesses dos trabalhadores creio que agora não há mais. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) se retirou da Câmara de Saúde Suplementar depois dessa decisão, e com razão. As novas regras praticamente transformam as transações comerciais das empresas com seus clientes pagantes em operações isentas de quaisquer tipos de risco para as empresas. Os riscos maiores já vinham sendo empurrados para o SUS e agora, mesmo os riscos menores que seriam inerentes à dinâmica do processo assistencial, estão sendo empurrados para os usuários com a justificativa de que se trata de um fator de moderação de uso ou de racionalização de recursos. Há muitos estudos que evidenciam o fato de que os mecanismos de copagamento não ajudam a racionalizar os recursos assistenciais, mas geram distorções que, ao final resultam em sobreutilização da alta complexidade com casos que poderiam ter sido tratados em ambulatórios. A promessa de que as novas medidas vão resultar em mais opções de pacotes convenientes a usuários de baixo risco com preços menores é falaciosa. Provavelmente o que vai ocorrer é que, de agora em diante, a maioria dos pacotes serão vendidos com esses mecanismos financeiros de proteção das empresas. Algo parecido ocorreu recentemente com a cobrança em separado para despachar bagagens em companhias aéreas. A promessa de que os preços médios das passagens seriam reduzidos não se cumpriu. Na prática as empresas passaram a cobrar mais, oferecendo menos. É essa a lógica que está sendo posta em prática.EC – A Abrasco questionou a nomeação do empresário Rogério Scarabel Barbosa para a direção da ANS por ele ser sócio de um escritório de advocacia que representa interesses de empresas perante a Agência. A nomeação coloca em xeque a legitimidade da ANS?
Sestelo – Claro. Na administração pública não basta ser formalmente correto é preciso também ser ostensivamente correto. Como confiar em um juiz que é também empresário? Como confiar em um diplomata ou um militar de alta patente que tem dupla nacionalidade? No caso da ANS, além do alto escalão que compõe a diretoria colegiada é preciso avaliar a porta giratória que envolve os escalões inferiores, que são muito influentes no trato dos problemas do dia a dia das empresas. Não é que a ANS exista para criar problemas para as empresas, mas deveria assumir claramente o seu lugar como agência de governo que defende o interesse público em saúde. Deveria ser um agente a serviço do seu principal que é o gestor federal do SUS. Não sendo assim é melhor deixar correr o mundo ideal da autorregulação que é o sonho dourado dos empresários. Na prática é isso o que tem acontecido há anos.EC – Por que o senhor diz que num futuro próximo a classe média não terá nem plano de saúde e nem SUS?
Sestelo – Porque os planos de saúde melhores serão muito caros e os baratos serão inúteis. E o SUS, que sempre preencheu as lacunas dos pacotes vendidos pelas empresas, apesar do seu histórico de subfinanciamento, agora está ameaçado de desmonte com essa política irresponsável de congelamento de despesas públicas com seguridade social. Na Europa, a classe média compreende que apesar de ter um nível de renda superior ao operário de chão de fábrica pertence à mesma categoria que vende sua força de trabalho em troca de salário, ou seja, também é trabalhador. É preciso compreender que não há solução estrutural viável de sistema assistencial que seja de uso privativo da classe média sem incluir os trabalhadores em geral.EC – Com tantos retrocessos, o senhor acredita que é possível retomar o debate sobre um sistema público, universal e gratuito de saúde?
Sestelo – Mais do que nunca é preciso retomar esse debate. O sistema deve ser público e financiado com recursos de impostos cobrados de forma progressiva. O fato de não condicionar o acesso e utilização ao pagamento não significa que seja gratuito. Nós temos conhecimento suficiente e capacidade operacional para fazer funcionar um sistema que preserve o interesse público em saúde. Não se trata de uma opção ideológica, mas de uma decisão política racionalizadora e ao mesmo tempo civilizatória. Creio que as pessoas de bom senso desejam viver em um país onde não exista morte e adoecimento por causas evitáveis incidindo de forma iníqua sobre pessoas sem dinheiro para pagar pela assistência. No final, isso é ruim para todos, mesmo para quem pode pagar. Quando se estica demais a corda, esgarçando os princípios da boa convivência social, se abre a possibilidade para se conversar sobre novas bases. Quem sabe agora que a classe média está sendo duramente afetada pelo avanço do processo de acumulação de capital na assistência se possa rever esse arranjo distributivo injusto e desumano que vem sendo implantado desde os tempos da ditadura…EC – Considerando que todo sistema tem as dimensões pública e privada e que os empresários agem politicamente e de forma legítima, como o senhor já afirmou, o que o campo que defende o sistema público precisa reavaliar?
Sestelo – Essa é uma discussão de caráter acadêmico e político também. Considero um equívoco conceitual dividir o sistema de saúde em dois compartimentos estanques, um público e o outro privado, que não se comunicam entre si. Isso não existe em nenhum lugar do mundo. Entretanto é igualmente um equívoco tratar as dimensões pública e privada da assistência como se fossem qualitativamente indistintas. Há diferenças qualitativas entre essas duas dimensões que precisam ser consideradas para que se possa estabelecer um padrão de articulação público-privado em que os interesses particulares estejam subordinados ao interesse público, porque a saúde é um bem de relevância pública. O Brasil é um país onde a lei permite que a iniciativa privada atue comercialmente no setor da saúde, mas essa atuação precisa ser fortemente regulada. As críticas que são feitas aos problemas administrativos da administração pública direta devem ser consideradas na perspectiva de aperfeiçoamento institucional, não do desmonte da estrutura pública construída ao longo dos anos. Mas isso só vai ocorrer se formos capazes de sair dos limites estreitos das explicações dicotômicas e reducionistas e passar a pensar de forma dialética, integrativa, reconhecendo as diferenças para melhor organizar os sistemas. Eu sou otimista.Fonte: Extraído do site da Abrasco
Publicado em 17/07/2018
Brasil tem Política Nacional de Vigilância em Saúde
Pela primeira vez, os brasileiros têm uma política pública de Vigilância em Saúde focada na promoção, proteção e prevenção de doenças e agravos. Nesta quinta-feira (12/07), o plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou a Política Nacional de Vigilância em Saúde, fruto da mobilização de milhares de pessoas que lutam em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS).
A política articula as práticas de vigilância epidemiológica, vigilância em saúde ambiental, vigilância em saúde do trabalhador e vigilância sanitária. Ela orienta o modelo de atenção nos territórios e incide sobre todos os níveis e formas de atenção à saúde, abrangendo serviços de saúde públicos e privados.
“A política é um instrumento que traz luz para um novo modelo de atenção, sem o foco na doença, mas na prevenção e na promoção”, afirmou o presidente do CNS, Ronald dos Santos. “Apresentarmos, neste momento, medidas de proteção para o povo brasileiro têm um grande significado”, completou Ronald ao destacar o risco da reintrodução de doenças como o sarampo e a poliomielite no país.
Ela define princípios, diretrizes e estratégias nas três esferas de gestão do SUS, no que se refere à vigilância em saúde. Entre os principais artigos que a compõem está a garantia de financiamento específico para assegurar os recursos e tecnologias necessários ao cumprimento do papel institucional das três esferas de gestão.
A política trata ainda da inserção das ações de vigilância em saúde em toda a rede de atenção à saúde e, em especial, na Atenção Primária, como coordenadora do cuidado.
“A integração é fundamental, não só com a atenção básica, mas com todos os níveis de atenção. Essa política é um compromisso nosso com a cidadania, é um produto de saberes e a partir de agora temos o desafio de aperfeiçoá-la cada vez mais”, afirma a diretora do Departamento de Gestão da Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e membro da Comissão Organizadora da 1ª CNVS, Sonia Brito.
Construção coletiva
O documento foi construído de maneira coletiva, com base nas propostas e moções aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde (CNVS), realizada de 27 de fevereiro a 2 de março de 2018 com a participação de duas mil pessoas. Esta etapa nacional, realizada em Brasília, foi precedida por diversas conferências estaduais e municipais, além de debates livres com a representação de segmentos específicos da sociedade, como a população em situação de rua, povos do campo, da floresta e das águas, dentre outros.
Dessa forma, a política pública também prioriza a atenção para pessoas e grupos em situação de maior risco e vulnerabilidade, na perspectiva de superar desigualdades sociais e de saúde, além de buscar a equidade na atenção, incluindo intervenções intersetoriais.
“Estamos construindo hoje parte da história do nosso país, tratando da saúde como sinônimo de vida. Essa política é voltada, principalmente, para os usuários do SUS, que vivem a dura realidade e as mazelas do Brasil”, afirma o coordenador da Comissão Intersetorial de Vigilância em Saúde (CIVS) do CNS, Fernando Pigatto.
“A vigilância em saúde está com a gente do nascer ao morrer e traduzir isto numa política pública, que perpassa por diversas áreas, é um momento histórico”, avalia a conselheira nacional e coordenadora do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Daniela Buosi.
A Política Nacional de Vigilância em Saúde será apresentada ao público no dia 25 de julho, durante o 34º Congresso Nacional de Secretarias Municipais de Saúde e 6º Congresso Norte e Nordeste, em Belém (PA). Também será lançada no dia 27 de julho, no 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão), no Rio de Janeiro (RJ).
>> Política Nacional de Vigilância em Saúde
Fonte: CNS
Publicado em 17/07/2018
Fiocruz lança campanha em defesa do SUS
Em alusão aos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS), completos em 2018, o serviço de Multimeios do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) lançou o selo Aqui Somos SUS, em parceria com a Coordenação de Comunicação Social (CCS/Fiocruz).
A arte traz o slogan Aqui Somos SUS e a logomarca do Sistema Único de Saúde destacada dentro de um balão de localização, nas cores azul e cinza.
O mote é fortalecer a imagem do SUS, podendo ter aplicações em espaços físicos, produtos, serviços e iniciativas realizadas nos âmbitos federal, estadual e municipal. “A ideia é não apenas divulgar o SUS, mas assumir que somos parte dele. A Biblioteca de Manguinhos, por exemplo, é uma produção do SUS. Não se trata apenas das mazelas que os meios de comunicação tentam mostrar todos os dias. O SUS é muito mais do que isso”, defende o diretor do Icict/Fiocruz, Rodrigo Murtinho.
Dessa forma, a Fiocruz já vem utilizando o selo em suas unidades, peças de divulgação de atividades técnico-científicas, publicações e também nos sites institucionais como o Portal Fiocruz e a Agência Fiocruz de Notícias. Também pode ser utilizada pelas unidades e instituições parceiras, incluindo projetos e programas interinstitucionais, além de estar à disposição de trabalhadores da saúde, estudantes e demais interessados.
O uso está disponível em acesso aberto, desde que respeitadas as regras de aplicação. Foi criada uma área do Portal Fiocruz para disseminação do selo, onde estão disponíveis o manual de aplicação e os arquivos para download, nos formatos PDF ou vetorial. “O selo foi elaborado de modo a não interferir na compreensão das mensagens das peças gráficas onde será aplicado”, explica a designer Patrícia Ferreira, chefe do Multimeios.
O selo Aqui Somos SUS está disponível no Portal Fiocruz.
Assessoria de Comunicação do Icict/Fiocruz
E-mail: [email protected]
Tel.: 21. 3865-3228Fonte: Sindifar-PR
Publicado em 10/07/2018