Nota de Repúdio à extinção da Mesa Permanente de Negociação do SUS

As entidades representativas dos trabalhadores e trabalhadoras do Sistema Único de Saúde vêm repudiar a decisão do Ministério da Saúde em extinguir a Mesa Nacional de Negociação Permanente do Sistema Único de Saúde (MNNP-SUS), criada por resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) em 1993, tendo seu funcionamento retomado em 2003, e referendada em todos os governos democraticamente eleitos pelo povo.

 

 

Este ataque que extinguiu este importante espaço de negociação das pautas dos/as trabalhadores/as, das diversas categorias profissionais que trabalham nas unidades de saúde em todo o país, com certeza vai agravar as precárias condições de atendimento à população.

Esta decisão unilateral, sem qualquer mediação com Estados e Municípios, bem como sem comunicação prévia às entidades, confirma a postura autoritária deste governo, que não cumpre os acordos de greve e vem tomando medidas para retirar direitos e conquistas dos/as trabalhadores/as.

Nas ruas na luta vamos resgatar a dignidade dos/as trabalhadores/as, que apesar do descaso do poder público, são os responsáveis e a garantia de prestação de bons serviços à população.

Vamos continuar firmes na luta em defesa da Saúde Pública, que é um direito do cidadão e dever do Estado!

Contra o desmantelamento e destruição do SUS e em defesa dos direitos de todos/as os/as trabalhadores/as!

Brasília, 31 de maio de 2019

Assinam este documento:

ABRATO – Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais
CONACS – Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde
CONDSEF/FENADSEF – Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal
CONFETAM – Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal
CNTS – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde
CNTSS – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social
FASUBRA – Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil
FENAFAR – Federação Nacional dos Farmacêuticos
FENAM/CBM – Federação Nacional dos Médicos/Confederação Brasileira dos Médicos
FENAMEV – Federação Nacional dos Médicos Veterinários
FENAPSI – Federação Nacional dos Psicólogos
FENAS – Federação Nacional dos Assistentes Sociais
FENASPS – Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social
FIO – Federação Interestadual dos Odontologistas
FNE – Federação Nacional dos Enfermeiros

Publicado em 06/06/2019

Espírito Santo: defesa da democracia é destaque na abertura da 9ª Conferência Estadual de Saúde

Com o tema “Democracia e Saúde” foi aberta na quarta-feira (29), no Sesc de Guarapari, a 9ª Conferência Estadual de Saúde. O evento contou com a presença do governador Renato Casagrande e mais de 500 participantes. Os debates seguem até este sábado (1º) e é uma etapa preparatória para a 16ª Conferência Nacional de Saúde, que acontecerá em agosto, em Brasília (DF).

A presidente do Conselho Estadual de Saúde, Maria Maruza Carlesso, após declarar oficialmente aberta a conferência destacou a presença do governador na solenidade. “É a primeira vez que temos um governador abrindo nossa conferência. Isso demonstra respeito com o controle social. E temos outro fato histórico, que é o secretário de Estado da Saúde transferir seu gabinete para a conferência por três dias, com seu staff presente”, afirmou.

A defesa da democracia foi ressaltada pelo governador Renato Casagrande como um princípio da sua gestão. “Levantar a bandeira do SUS sempre foi importante, mas nunca tão importante como agora. Temos o desafio de apresentar resultados e buscar o aperfeiçoamento sempre. O modelo de saúde aplicado no Estado foi sempre ancorado na saúde hospitalar. A carência de atendimento na atenção primária e secundária, faz com que o cidadão procure por segurança, prioritariamente, o atendimento hospitalar. Mas temos que inverter a pirâmide, que é fortalecer o trabalho com os municípios para universalizar o atendimento primário”, disse

Casagrande destacou que esse fortalecimento da saúde municipal é a modelagem que o Governo quer construir no Espírito Santo. “Estamos com várias iniciativas em andamento para fortalecer a rede da atenção primária, com bom atendimento lá na base. Tenho certeza que esse é o desejo desse plenário, dessa conferência. Queremos deixar um arcabouço legal para dar solução de forma preventiva para as pessoas e não apenas de forma curativa. Tem muita expectativa que esse debate, que seguirá até sábado, possa estabelecer posições que fortaleçam o trabalho que nós estamos fazendo no Estado liderado pelo secretário Nésio Fernandes”, enfatizou.

O secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, falou sobre a importância da composição de grupos de controle social. “O País vive um momento de crise, com muitas encruzilhadas. O espaço do Conselho de Saúde é privilegiado para construir encontros dos muitos “Brasis”, das muitas opiniões. O grande salto que esse espaço pode construir são as posições comuns que possam unir preparadores à gestão e causar impactos positivos no acesso à saúde. Precisamos olhar para frente e construir um pacto de uma nação civilizada, moderna, em que o direito de todos seja respeitado. O SUS precisa unir todos. E nossa gestão acredita que a saúde é um direito de todos e que não pode ser negociado”.

Também participaram da abertura da conferência o coordenador  adjunto da 16ª Conferência Nacional de Saúde e ex-presidente, Ronald Ferreira dos Santos; o secretário de Estado de Governo, Thyago Hoffman; o chefe de núcleo do Ministério da Saúde no Espírito Santo, Bartonomeu Martins Lima; a representante do Espírito Santo na Coordenação Nacional de Plenárias de Conselhos de Saúde, Mansur Canais; a representante do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde e secretária de Saúde de Anchieta, Jaldete Frontino; a secretária de Saúde de Guarapari, Alessandra Albani Gaigher; a conselheira Estadual de Saúde e representante dos usuários, Sandra Bremer; os subsecretários de Saúde Tadeu Marino, Quelen Silva, Rafael Grossi e Fabiano Ribeiro; e os superintendentes regionais de Saúde Cybeli Pandini, José Maria Justo, Gleikson Santos e Luiz Carlos Reblin.

Mesa de debate

No período da tarde, foi realizada a mesa de debate com o tema “Democracia e Saúde – saúde como direito”, com o farmacêutico e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos. Ele fez um resgate sobre a história da criação do Sistema Único de Saúde brasileiro e destacou os avanços do setor.

Ronald Ferreira dos Santos disse ser uma vitória a inclusão da saúde na Constituição de 1988 como um direito. “Essa conquista foi resultado da ação dos movimentos sociais que garantiram essa construção marcada como um direito de cidadania no Brasil”.

Ele afirmou ainda, que a saúde é uma atividade econômica que movimenta grandes recursos financeiros e no caso do Brasil é responsável por  aproximadamente 10% do PIB da economia nacional. Com pouco mais de três reais por dia, segundo Santos, o Brasil consegue fazer “milagres” no atendimento à população. “Esse valor mantém funcionando o maior sistema de transplante do mundo, o maior programa de vacinação do mundo, a maior rede de atenção básica que se tem notícia em sistema universal e também realiza bilhões de procedimentos”, enumerou.

Os participantes da mesa ficaram empolgados com o que classificaram como “aula” ministrada pelo farmacêutico. É o caso de Gleice da Vitória, de Vila Velha. “Tive uma visão muito clara do que o SUS representa para o Brasil, o tamanho da população que precisa dele todos os dias. Temos que nos unir e lutar, sim, pela saúde pública. Temos que lutar pela saúde como direito e estamos aqui discutindo isso para defender lá no cenário nacional essa importância”, ressaltou.

Para Atoniana Pestana, de Anchieta, o Espírito Santo se destaca pela qualidade do debate. “O tema nessa mesa nos mostra que temos que defender o SUS e sua ampliação. Estou aqui para discutir as práticas integrativas complementares na saúde. Os métodos tradicionais não são suficientes para atender as demandas de saúde que surgem da população. São recursos terapêuticos voltados para prevenir diversas doenças como depressão. Em alguns casos, também podem ser usadas como tratamentos paliativos em algumas doenças crônicas. Temos que expandir esses serviços no Estado”.

A conferência

Realizada a cada quatro anos, a Conferencia é um espaço de debate entre todos os segmentos da sociedade, representada por meio de entidades, com a finalidade de avaliar a situação de saúde no Estado e propor melhorias.

O evento é realizado no Sesc Guarapari, que fica na Rodovia do Sol, Km 01, bairro Muquiçaba. Nesta quinta-feira (30), haverá mesa de debates e roda de conversa com os temas “Consolidação dos Princípios do Sistema Único de Saúde – SUS” (com a participação do secretário Nésio Fernandes), além de “Educação Popular em Saúde e as Práticas Integrativas e Complementares” e “Financiamento adequado e suficiente para o SUS”.

Fonte: SUSConecta
Publicado 04/06/2019

Farmacêuticas: é hora de abrir a caixa preta

Corporações promovem guerra suja para quebrar indústrias nacionais de medicamentos e perpetuar patentes, fortalecendo oligopólio. Em entrevista, o pesquisador Vitor Ido questiona: governos terão a coragem de exigir transparência da Big Pharma?

Na terça (28), a Assembleia Mundial da Saúde aprovou uma resolução inédita que propõe mais transparência no mercado de medicamentos, vacinas e produtos de saúde. O sinal verde foi dado depois de uma longa batalha diplomática que se iniciou em fevereiro, de forma inesperada, quando o governo de extrema-direita do primeiro ministro italiano Matteo Salvini apresentou a proposta. Ao lado da Itália, constavam como apoiadores da resolução dois outros países europeus – Portugal e Espanha – e isso, na opinião de muitos analistas, fez a diferença. Durante muito tempo, as dificuldades no acesso a medicamentos foram tratadas como assunto de países pobres. Um problema do Sul global. Mas as políticas de austeridade, por um lado, e os custos cada vez mais proibitivos cobrados pela indústria farmacêutica, de outro, transformaram a questão em um problema de todos. Ou quase todos.

A resolução enfrentou grande resistência dos países que sediam as principais multinacionais da Big Pharma. Nações como Alemanha, França, Reino Unido e Suíça fizeram de tudo para mudar o sentido original do texto. À certa altura das negociações, o documento apresentava mais de 200 mudanças e circulou nas redes a denúncia de que esses países estariam tentando “matar” a resolução com “200 colchetes” – que é a forma como as propostas de edição apareciam nos rascunhos.

Uma das alterações, feita pelo Reino Unido, tirava a menção a “preços altos”. Já a desculpa da Alemanha para tentar adiar a discussão por mais um ano foi a forma como o documento foi apresentado, fora do trâmite normal da Organização Mundial da Saúde. No fim, mesmo depois de ter atuado durante toda a negociação, os governos britânico e alemão (e também a Hungria de Viktor Orbán) simplesmente se recusaram a assinar a resolução, se “dissociando” do texto final, um movimento bastante raro na diplomacia. Os Estados Unidos surpreendeu e não fez oposição. Já países que inicialmente não foram protagonistas no processo, ao longo dele se associaram à Itália e defenderam o texto – caso do Brasil.

Depois de tantas idas e vindas, o conteúdo da resolução ficou menos ambicioso. A versão consensual “perdeu os dentes”, como muitos falam. Uma dentada que não poderá ser dada, ao menos por hora, é a determinação de que a transparência de custos em toda a cadeia produtiva seja requisito prévio para que uma empresa obtenha o registro de um medicamento. Mas o texto aborda a necessidade de que os países troquem entre si os preços que pagam, assim como as informações sobre as patentes que concedem.

Nessa entrevista concedida no calor dos acontecimentos, diretamente de Genebra, Vitor Ido, oficial do programa de desenvolvimento, inovação e propriedade intelectual do South Centre, vai além da resolução para explicar seu pano de fundo e a geopolítica por trás do problema.

Qual é a importância da resolução?
A resolução é um marco na luta por acesso a medicamentos por reconhecer que é necessário transparência para diminuir os custos de medicamentos e produtos de saúde. Alguns dos pontos centrais são o reconhecimento de que esse é um desafio que envolve toda a cadeia de produção, não apenas o produtor final, o reconhecimento formal de que muitos desses produtos de saúde não são acessíveis e a abordagem de uma série de medidas públicas possíveis para contornar o problema.

Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que depois de todas as mudanças, o texto não contém muito conteúdo obrigatório. Ele cria uma série de atividades a serem realizadas pelos Estados e pelo Secretariado da OMS. Mas a resolução depende fundamentalmente da implementação nacional, que pode acontecer de várias maneiras, e é importante que a sociedade civil e institutos de pesquisa desenvolvam instrumentos de acompanhamento para verificar se elas serão efetivamente colocadas em prática. Isso porque certas interpretações limitadas do texto podem acabar impedindo sua efetividade.

Mas esse é um processo que a gente precisa fazer daqui para frente. Por enquanto, é uma vitória dos países em desenvolvimento. Apesar de ter sido capitaneada pela Itália, a resolução contou com a participação de vários países em desenvolvimento, inclusive o Brasil. E uma vitória da sociedade civil por reconhecer que o acesso a medicamentos é cada vez mais um problema que atinge a todos.

Outro ponto central para o debate é o que a resolução não contempla. Ou seja, a criação de um mandato específico para a OMS para difundir a proposta de transparência entre os países e criar incentivos para que esses países implementem políticas obrigatórios em relação à indústria farmacêutica. Para avançar, o que se espera é a aprovação de outras resoluções ou medidas que possam cada vez mais exigir a transparência nos mercados de medicamentos, vacinas e outros produtos médicos.

O que é exatamente a transparência da qual fala a resolução?
A ideia de transparência só faz sentido na medida em que traga maior controle social para a sociedade, os pacientes, outras empresas e governos sobre como os custos da pesquisa & desenvolvimento dos medicamentos se formam hoje no mundo.

O contexto atual é basicamente de ausência de informação para saber, por exemplo, as bases em que os governos devem negociar preços quando fazem compras públicas. Ou para avaliar a veracidade – ou não – dos argumentos de grandes indústrias farmacêuticas que dizem que têm muitos gastos com pesquisa & desenvolvimento. A resolução tem o mérito de trazer à tona esse debate que fica implícito, mas que é crucial em qualquer discussão sobre o acesso a medicamentos hoje.

É importante dizer que não é uma questão inédita, não é uma questão nova de maneira alguma. Mas tem se tornado cada vez mais importante na medida em que os países desenvolvidos não dão conta e não conseguem pagar medicamentos que são cada vez mais especializados e caros.

Os custos da indústria farmacêutica sempre foram uma caixa preta ou isso piorou ao longo do tempo?
Pode-se dizer sem grandes polêmicas que transparência nunca houve. Talvez o debate tenha sido colocado nesses termos recentemente, mas a ideia de que não se sabe exatamente quanto, por que e por quais meios a pesquisa & desenvolvimento se realizam está presente há muito tempo.

Sobre a possibilidade de ter se tornado um problema mais complexo ou não, eu acho que seria preciso também uma análise de como funcionam as principais tendências da inovação hoje. Há muitas pesquisas sérias conduzidas por organizações não governamentais e governos que constatam que a indústria farmacêutica tem inovado menos. Evidentemente a indústria e seus próprios estudos costumam dizer que isso se deve ao fato de que os medicamentos são cada vez mais caros de serem criados, já que se atua em certos nichos de doenças cada vez mais específicas, complicadas ou resistentes.

Mas eu diria que, sim, o problema é cada vez maior porque as indústrias também são cada vez maiores, mais transacionais e poderosas.  E porque o modelo de inovação atual se baseia muito na compra de inovações de indústrias menores. Por exemplo, uma pequena indústria farmacêutica efetivamente realiza a inovação, mas não tem dinheiro para fazer os testes clínicos até a fase final. O que acontece? Uma grande farmacêutica compra essa inovação. Isso agrega um grau de complexidade maior porque estamos falando de orçamentos que incluem mais de um ator e às vezes estão ocorrendo em mais de um país e em mais uma cadeia de produção.

É aí que entra a previsão de compartilhamento de preços e outras informações entre os países?
Sim. Isso criaria condições melhores tanto para negociação quanto para entender quais são os gargalos em todos os pontos da cadeia de produção, tanto na pesquisa & desenvolvimento. E ainda para descobrir quanto desse investimento vem de verbas públicas e para entender, por fim, a que preços esses medicamentos são vendidos e se efetivamente países em condições similares estão pagando o mesmo preço, ou estão em condições diferentes.

Existem vários casos e exemplos de países pobres e de renda média que pagam mais caro por medicamentos que os países do Norte. Esse debate era muito importante para os países do Sul, que já vêm falando nisso há algum tempo, mas agora surge essa novidade que é a atuação da Itália, junto com Portugal e Espanha…
Em alguma medida, é claro que essa resolução ganha um senso de legitimidade pela forma como as coisas existem no mundo, que ainda é dividido entre Norte e Sul. O fato de ser uma resolução da Itália, apoiada por Portugal e Espanha, não deixa de nos fazer lembrar que aquilo antes tratado como um problema exclusivo dos países do Sul agora se tornou um problema global que atinge a todos os países.

É uma contradição e um grande fator de iniquidade global o fato de que muitos países, inclusive os mais pobres do mundo, acabem pagando preços mais elevados do que países industrializados na Europa.

Por muito tempo, o movimento por acesso a medicamentos identificou nas patentes o problema central. Eu diria que as patentes continuam a ser um problema central, mas se começa identificar uma série de problemas laterais e alguns adicionais a esse problema central. Eles se delineiam na estrutura de interesse privado das indústrias farmacêuticas em contraposição com o interesse público do acesso a medicamentos.

Uma das razões pelas quais países na África subsaariana acabam pagando um valor muito elevado diz respeito ao fato de que eles são incluídos em grandes programas globais de licenças voluntárias.

Esses programas foram criados como uma alternativa a países que não conseguem ter produção local, mas também são uma reação à emissão de licenças compulsórias – aquilo que as pessoas chamam de “quebra de patente” – por parte de países de renda média como Brasil, Tailândia, Equador… Ou seja, dá para olhar pelos dois lados. Esses grandes programas da indústria farmacêutica podem ser vistos como uma tentativa de evitar o que para ela é pior, que é a licença compulsória. Por outro lado, criaram espaços onde antes não existia.

Só que o problema central disso tudo é que, no final das contas, um governo de um pequeno país da África subsaariana nunca vai ter a mesma capacidade de negociação que o governo do Brasil e muito menos do que o governo dos Estados Unidos.

Não tem capacidade técnica, não tem escala… E nem geopolítica.
Exatamente. Não tem um poder de pressionar, não tem eventualmente quantidade de pessoas.  É importante destacar que não se trata necessariamente de talento, boa vontade ou lisura. Mas de uma desproporcionalidade de recursos e informação. A informação é central para saber o preço que deveria ser efetivamente cobrado por um medicamento.

E é óbvio que daí a gente vê toda essa complicação do que seria um preço acessível ou como eles começaram a dizer agora um preço razoável, ou fair pricing. Mas esses países não sabem nem o que os países vizinhos estão pagando. Muitas vezes porque esses acordos exigem cláusulas de confidencialidade. Ou seja, as empresas cobram um preço favorável, desde que o país não compartilhe com seus vizinhos o quanto está pagando. E essa confidencialidade é prevista no contrato. Esse é um caso que tem sido reportado com uma certa recorrência.

Ou de maneira mais geral, qual é o critério que se baseia um determinado preço. Um bom exemplo é o do medicamento de hepatite C, sofosbuvir, que ganhou proeminência nos últimos anos pelo custo extremamente elevado. Para se ter ideia, no sistema de saúde de um país rico como a Suíça, o sofosbuvir só estava sendo oferecido para os pacientes em uma condição já grave da doença, justamente por custar muito caro. A empresa farmacêutica, Gilead, dizia que estava baseando o preço na própria vida. Porque ou você vai tomar esse medicamento ou vai fazer um transplante de fígado ou vai morrer. Esse é o argumento para dizer que, afinal de contas, o medicamento não é tão caro.

Que tipo de contra-argumentos se pode apresentar, que tipo de dados se tem disponíveis, que tipo de poder tem um país, principalmente aquele sem produção local ou com uma produção voltada para outras coisas, e em um contexto de uma crise grave de saúde pública e ao mesmo tempo orçamentos que estão cada vez mais comprimidos?

Não importa por qual ângulo se entre nesse debate, o pano de fundo é a geopolítica que continua a favorecer grandes indústrias, especialmente localizadas em países industrializados, em detrimento da população do Sul global.

Por que a construção de sistemas públicos de saúde, ou sistemas nacionais de saúde, teve ênfase na prestação de serviços e deixou de lado esse componente tão importante de produção de medicamentos, equipamentos e insumos, que poderia dar aos países mais autonomia diante da Big Pharma?
Por um lado, os países sofrem uma pressão pela via do comércio internacional para abandonarem políticas que são consideradas intervencionistas, mas que na verdade são legítimas à luz do direito internacional. A gente tem visto crescer a pressão, não só unilateral ou por vias não diplomáticas, mas pelas vias mais institucionais possíveis para que os países abandonem qualquer tentativa de industrialização, o que inclui evidentemente produção de medicamentos.

Pelas regras do comércio internacional, a participação de empresas estatais é perfeitamente reconhecida como possibilidade, em especial para os países de menor desenvolvimento relativo. Mas o que a gente tem visto é uma tentativa de criar argumentos que são ao mesmo tempo jurídicos, políticos e econômicos para dizer que os países não só não devem como não podem fazer isso porque supostamente estariam beneficiando empresas locais em detrimento do livre comércio. E ao mesmo tempo a competição internacional nunca permite que indústrias cresçam se elas forem submetidas imediatamente à concorrência de outra empresa que tem literalmente mais de mil vezes o seu tamanho. Nesse sentido, esse espaço de manobra da política diminuiu drasticamente para todos os países desenvolvimento. E cada vez mais acordos de livre comércio como o novo Nafta [USMCA] vão contraindo ainda mais essa possibilidade.

E é lógico que tem um pouco da mentalidade, de como os governantes e políticos dos países aceitam essa narrativa de que a única e inevitável salvação é abrir os mercados, desregulamentar e entrar na competição internacional.

Ao mesmo tempo, é difícil articular um debate mais amplo – até pela complexidade – de um serviço público de saúde com as necessidades de criação de indústrias locais, sejam elas públicas ou privadas.

Como a prioridade de estabelecer um sistema público de saúde já envolve a coordenação interfederativa de uma série de políticas de acesso, prevenção etc. incluir uma perspectiva de saúde pública para um debate que em geral é tido como de indústria ou desenvolvimento é sempre difícil. Porque, claro, nenhum país consegue criar uma indústria do dia para a noite. Não é só uma questão de falta de vontade.

Ao mesmo tempo, os Estados estão em crise. Então articular políticas que só vão ter repercussão daqui a várias décadas parece cada vez mais difícil. Como a face mais imediata do sistema de saúde é o acesso, a serviços, procedimentos, medicamentos, os países mais pobres acabam canalizando seus esforços para conseguir uma doação ou entrar num programa de licença voluntária, e não pensam em criar uma indústria nacional.

E o terceiro ponto é que pela correlação de forças hoje mesmo que essas indústrias sejam criadas elas ainda podem encontrar as barreiras das patentes farmacêuticas, o que significa que não se trata apenas de ter a capacidade mas de poder ou não produzir certos medicamentos.

É o caso do sofosbuvir que poderia ser produzido pela Fiocruz, no Brasil, com economia calculada de R$ 1 bi para o Ministério da Saúde se não fosse pela patente concedida à Gilead pelo Instito Nacional de Propriedade Industrial em setembro do ano passado…
O caso mais recente no Brasil é esse, que demonstra claramente o tipo de obstáculos. Quando países criaram indústrias de genéricos ou países industrializados criaram suas indústrias farmacêuticas era um obstáculo que não existia, ou que existia num nível muito menor.

Ao longo dessas negociações pela resolução da transparência, muitos argumentos sobre a necessidade de se abrir os custos da cadeia de produção se baseavam no fato de que o Estado participa dessa engrenagem, por exemplo, a partir das pesquisas realizadas pelas universidades públicas…
Isso é uma tendência que pode ser considerada global, inclusive em países nos quais se costuma dizer que o investimento é todo feito pelas empresas, todo privado. Mas quando a gente analisa de uma forma um pouco mais ampla, vê que por regra geral a pesquisa básica é realizada por instituições públicas e, depois, pode ser utilizada pelo setor privado. Sem a pesquisa base, uma pesquisa que chegue até um medicamento não tem de onde partir.

O ator talvez mais importante desse ecossistema são as universidades. No caso do Brasil, isso é muito claro do ponto de vista estatístico. Mas mesmo em outros países. E mesmo que você considere, por exemplo, universidades privadas, pois não é que elas deixam de receber dinheiro público. Seja via projetos, e no caso da União Europeia é muito dinheiro que vem para financiamento da pesquisa, ou no caso dos EUA via isenção de impostos e tributos. Ou seja, diretamente e indiretamente, o Estado participa da inovação.

Políticas estatais compõem a base para qualquer tipo de inovação, mesmo que ela ocorra nas empresas. Pegue uma empresa que inova muito e corte a eletricidade, corte a capacidade técnica das pessoas que estão lá, corte o apoio do próprio governo para garantir que a concorrência vai ser mantida e não baseada em grandes monopólios com lobby… Mesmo nessa perspectiva bastante liberal você continua precisando reconhecer que o Estado tem um papel central.

Mas eu iria até além. As universidades no mundo realizam o grosso da investigação, em especial nos primeiros estágios de um produto final, inovação essa que depois é levada para outros atores, sejam os departamentos de investigação das próprias empresas, sejam institutos de pesquisa mais voltados para ciência aplicada e o problema é que não existe nenhum mecanismo de compensação do investimento público realizado. O lucro é revertido exclusivamente para o setor privado na forma de uma patente, por exemplo.

Como a pesquisa básica se transforma em pesquisa aplicada?
São muitos os arranjos possíveis. Grandes indústrias que têm o capital para realizar os testes clínicos compram contratos e licenças de empresas menores ou de institutos de pesquisa de origem pública. E ao mesmo tempo as parcerias público-privadas que cada vez mais tem ocorrido ao redor do mundo em tese preveriam um arranjo em que todos se beneficiariam. Mas que riscos ficam com o setor público e que benefícios ficam com o setor privado? Em muitos dos casos, não é um balanço equilibrado.

A indústria não tem demonstrado nenhum interesse em desenvolver alguns medicamentos que não seriam lucrativos. Nesse caso, não há transparência que resolva o problema…
O ponto crucial de todo esse debate é que mesmo que a gente tenha a maior transparência possível, mesmo que a gente consiga reduzir os preços dos medicamentos, continuamos a não ter soluções específicas ou totais para o problema das falhas de mercado da indústria farmacêutica, que são inúmeras.

Hoje em dia pela lógica privada do capitalismo você só vai investir se pensar que vai ter lucro. Então doenças raras ou aquelas não por acaso chamadas de negligenciadas só terão investimentos em pesquisa e, depois, medicamentos para tratá-las se a lógica de mercado for ultrapassada. Investimentos públicos são mais do que essenciais: são a única alternativa possível.

Quais são as ferramentas que os Estados têm hoje?
No direito internacional, os países tiveram na década de 90 uma restrição muito grande ao que eles podem fazer. Isso é por conta da criação da Organização Mundial de Comércio e do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio [TRIPs, na sigla em inglês), que regula os aspectos relacionados à propriedade intelectual e obriga todos os países, incluindo os países de menor desenvolvimento relativo a reconhecer patentes farmacêuticas. Uma patente fornece um monopólio temporário para o seu detentor. Um monopólio permite ao monopolista cobrar o preço que ele quiser. Esse é um gargalo gigantesco porque esse é um monopólio lícito, pelo menos a princípio. Ele pode ser abusado – como muitas vezes é. Mas a questão é que, ainda sim, existem vários mecanismos dos quais os Estados podem lançar mão.

Isso incluiu o papel do Judiciário, inclui normas internas e diretrizes que são do escritório de patentes. No caso do Brasil, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial. E, claro, mudanças legislativas que podem aumentar ainda mais essa zona de exclusividade dos direitos dos detentores das patentes, em geral as indústrias internacionais, ou eles podem adotar uma perspectiva de saúde pública.

É importante ressaltar que isso não é uma luta contra a indústria por si mesma, nem uma luta contra as patentes. É basicamente usar o espaço que é reconhecido pelo próprio direito internacional, pelo próprio acordo TRIPs.

A licença compulsória é apenas um dos mecanismos, talvez o mais famoso, para intervir no caso de uma necessidade. Mas, por exemplo, países como a Argentina hoje têm uma quantidade de patentes farmacêuticas muito menor porque eles adotam critérios mais rigorosos para conceder uma patente. Se antes, a prescrição para uma doença era tomar certa pílula duas vezes ao dia e, agora, foi criada uma tecnologia que reduz isso para uma única pílula ao dia, por um lado você pode dizer que isso é uma inovação e por outro, olhando para os requisitos técnicos, que na verdade apenas uma segunda manifestação ou é um incremento muito pequeno.

Ou se você usava um remédio para tratar algo no estômago e se descobriu que tinha efeitos no fígado, um segundo uso, será que isso justifica mais 20 anos de direito de produção exclusivo? O lobby internacional das indústrias obviamente vai no sentido de aumentar sua própria proteção. Mas existe um espaço grande para que os países tenham bastante clareza e, inclusive, independente do ponto de vista ideológico porque a gente tem visto governos bastante díspares tomando esse tipo de posição em que por adotarem políticas que a gente chama de flexibilidade do TRIPs como critério rigorosos de concessão de patentes, como possibilidades de pedidos de oposição ao pedido de patente, como licenças compulsórias, como exceções para pesquisa, como critérios para medidas de fronteira, etc. a atuação dos países pode ter um impacto muito grande para reduzir o preço dos medicamentos.

Dito tudo isso, é importante entender que essa é uma faceta do debate. Ao mesmo tempo, de uma maneira mais geral do ponto de vista dos ministérios de saúde o que eu posso dizer é que apesar das restrições orçamentárias, uma coisa é certa: garantir acesso universal exige recursos. Não dá para dizer que o acesso a medicamentos e o acesso ao direito à saúde é plenamente compatível com políticas de austeridade.

Com outros setores econômicos e com outros produtos que não são tão essenciais para a manutenção da vida e do bem-estar, como carros, por exemplo, a gente consegue saber o custo? Essa transparência que a resolução italiana inicialmente propôs é uma coisa inédita ou já existe em outras cadeias produtivas?
Justamente pelo aumento da importância de medicamentos, vacinas e diagnósticos no debate sobre a saúde global é natural que também haja cada vez mais reflexões sobre o custo de pesquisa e desenvolvimento nessas áreas. Eu não acompanho tanto o que se tem falado em relação especificamente a isso, mas a minha impressão é de que se por um lado algumas das tecnologias envolveriam um modelo de inovação “menos complexo”, bem entre aspas, do que o setor farmacêutico, por outro lado ele também continua a ser como qualquer sistema de inovação imbuído de uma série de elementos de falta de transparência. O que exige, sim, uma reflexão sobre o que seria necessário, o que seria de específico para exigir transparência desses outros setores.

Mas aí talvez exista uma questão sobre o quanto de dentes que um mecanismo que seja criado necessita para realmente conseguir uma transparência de informações seja efetivamente possível de ser utilizada por países. Talvez um país bem pequeno que ainda não tenha condições de criar uma indústria enorme de medicamentos, talvez tenha condições de entrar em um mercado como o de equipamentos auditivos.

Mas se eles considerarem por um lado que não podem fazer isso e forem submetidos tanto a essas grandes pressões talvez eles não tenham nenhum incentivo para sequer pensar em adotar uma política nesse sentido.

Que lição fica de toda essa movimentação insana de negociações em torno da resolução na Assembleia Mundial da Saúde?
Um ponto central é a continuidade da reflexão sobre o conflito de interesses. Isso no âmbito não só na Organização Mundial da Saúde. O conflito de interesses entre as indústrias farmacêuticas e o funcionamento dos mercados; o conflito de determinadas agentes em relação ao sistema público. Ou seja, o debate sobre essa transparência também precisa incluir, ainda que indiretamente, a noção de que as regras do jogo têm que ser jogadas por todo mundo. E que, portanto, os incentivos, as condições e as informações têm que estar em igual capacidade para todo mundo. Aplicado no debate internacional, isso significaria dizer que os países em desenvolvimento precisariam ter os mesmos recursos, as mesmas informações que eventualmente outros países que sediam as grandes indústrias transnacionais têm. O que, obviamente, não acontece.

Fonte: Por Maíra Mathias, para Outra Saúde
Publicado em 04/06/2019

Com desfinanciamento do SUS, mortalidade materna pode permanecer com dados preocupantes

O Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher é comemorado em 28 de maio. A data, que integra a agenda nacional do Dia de Redução da Mortalidade Materna, foi criada para dar visibilidade ao 5º Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM), da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata da melhoria da saúde materna. Com desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) devido à Emenda Constitucional 95/2016, os índices de mortalidade materna podem permanecer preocupantes.

 

 

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) possui um Grupo de Trabalho Saúde e Desenvolvimento Sustentável que discute a Agenda 2030, da ONU, além da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher (Cismu), espaços fundamentais para subsidiar o conselheiros e conselheiras diante das demandas das mulheres no Brasil. De acordo com o CNS,  a estimativa é que o prejuízo da emenda gere um prejuízo de R$ 400 bilhões até 2036.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um acordo firmado entre os 193 Estados Membros da ONU, sob o tema “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.  Entre os 17 ODS, o Objetivo 3 é assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades, prevendo reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos, em 15 anos.

Metas no Brasil

Em maio de 2018, o Brasil reiterou a meta para reduzir em 50% nos próximos 12 anos, chegando a 30 mortes em 100 mil. As principais causas de mortes maternas, tradicionalmente, estão relacionadas com a hipertensão arterial, hemorragia, infecção puerperal e doenças do aparelho circulatório e respiratório. Sendo a hipertensão a maior causa.

A mulher negra é a quem mais morre no Brasil. Somando as pretas e pardas, consideradas negras para o IBGE, são 65% de morte materna de mulheres negras contra 31% de mulheres brancas. A idade, outro aspecto importante concentra entre 20 e 39 anos. Nesse ciclo de vida muitas mulheres morrem normalmente de causas evitáveis.

De acordo com a conselheira nacional de saúde Vanja dos Santos, representante da União Brasileira de Mulheres (UBM), “diante do cenário atual de desfinanciamento do SUS, torna-se cada vez mais necessária a implementação de políticas públicas voltadas à saúde da mulher, objetivando atendimento integral às gestantes/puérperas, implantando medidas de prevenção e promoção à saúde do público alvo”.

Saiba mais

De 1990 até 2012 teve uma queda de 56% da Razão de Morte Materna (RMM), de acordo com o Ministério da Saúde. Em 2013/2014 houve uma elevação da RMM, em 2015 voltou a cair e teve um repique em 2016, último ano de dados oficiais consolidados. A região norte apresenta a maior RMM com 84,5 mortes por 100 mil vivos, quase o dobro da região sul que tem a menor taxa com 44,2.

Fonte: CNS
Publicado em 28/05/2018

Cortes de bolsas nas universidades impedirão pesquisa sobre novos medicamentos

Estudantes desistem de doutorado e pós-doutorado após o corte de bolsas pelo atual governo. Com o anúncio de cortes do governo federal, só na Farmacologia da UFPR, sete bolsas de estudo foram canceladas.

 

 

“Para um medicamento ser descoberto é preciso pesquisa que pode demorar até dez anos. Todo medicamento que está na prateleira da farmácia começou na pesquisa básica nas universidades”, explica a Professora Dra. Maria Fernanda de Paula Verners, coordenadora do Programa de Pós graduação em Farmacologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Com o anúncio de cortes de bolsas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), só na Farmacologia sete bolsas foram canceladas e entre elas uma de pós-doutorado. Ao todo, na UFPR, foram canceladas 127 bolsas.  Atualmente, segundo Maria Fernanda, sãos vários os projetos de pesquisa em andamento voltados a descobertas de medicamentos que serão prejudicados com a desistência dos alunos que ficaram sem bolsas.

É o caso da aluna Tatiana Curi que passou na seleção de doutorado em Farmacologia do ano de 2019 e logo após soube dos cortes para bolsas de pós-graduação. Ela fez o curso de mestrado também em Farmacologia, com bolsa.  “Eu fiz mestrado com bolsa porque na nossa área as nossas pesquisas demandam tempo e dedicação nos laboratórios e estudos. Agora, ainda estou aguardando com esperanças que isso seja revertido. Sem bolsa, é como se eu estivesse sendo demitida de um emprego. Dependo de uma mínima remuneração para poder pesquisar”. O valor mensal por estudante é de R$ 1,5 mil no mestrado e R$ 2,2 mil no doutorado.

Retorno para a sociedade

Tatiana estuda na UFPR desde o Mestrado, em 2007, sobre toxicologia reprodutiva, isto é, os efeitos de variadas substâncias consumidas ou em contato com gestantes que podem trazer implicações no desenvolvimento do feto. “Eu estudo os ftalatos, que são compostos químicos usados principalmente como plastificantes e são encontrados em vários produtos no dia a dia, como garrafas, brinquedos, embalagens de alimentos e até mesmo em cosméticos e produtos pessoais. Este composto tem capacidade de inibir a produção da testosterona que no período de gestação é bastante importante”.  No curso, Tatiana também integra um programa de pesquisa que vai até as Unidades de Saúde Básica, em Curitiba, e realiza pesquisas entre as gestantes que fazem uso do SUS, para avaliar e informar o nível de exposição a estes compostos tóxicos. “Analisamos a partir da coleta de urina e retornamos a elas com estas informações sobre os níveis de toxicidade no corpo”, explica.

A única bolsa de pós-doutorado do programa de Farmacologia também foi cortada pela Capes.  Farmacêutica, mestre e doutora pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Quelen Iane Garlet foi a aluna selecionada para a vaga na UFPR e já desistiu por não ter condições de se manter em outro estado sem a bolsa. Sempre estudou compostos provenientes de plantas nativas na cura de doenças neurológicas. Sua pesquisa atual volta-se para os efeitos do canabidiol em doses pequenas nos tratamentos de ansiedade e depressão. “Uma pesquisa como essa demanda experimentos, validação e tempo de pesquisa. Minha pesquisa seria a única dentro do programa da UFPR e assim poderia contribuir com metodologias já desenvolvidas por mim”. Canabidiol (CBD) é o nome da substância extraída da Cannabis sativa, que vem já vem sendo utilizado para o tratamento de esquizofrenia, Parkinson, epilepsia, fobia social, transtorno do sono, entre outros, com eficácia comprovada.

Maria Fernanda, coordenadora da pós-graduação em Farmacologia, diz que o programa que tem nota 5 pela Capes, nos últimos anos tem funcionado com cerca de 21 bolsas para mestrado, 24 bolsas de doutorado e uma para pós-doutorado. “Destas, perdemos sete e a de pós-doutorado que era a única. O que é uma perda muito grande para o curso. Pois um aluno de pós-doutorado traz novos conhecimentos para o programa”, explica. “Esses alunos quando são aprovados dependem de bolsas porque é necessária dedicação à pesquisa. Trata-se inclusive de exigência da própria capes”, diz.

A coordenadora explica que o impacto de perder bolsas traz menos qualidade e dificuldades no prosseguimento e avanço nas pesquisas sobre medicamentos. “Quem desenvolve grande parte das pesquisas hoje são os alunos de pós-graduação, orientados por seus professores. É importante que a população saiba que o medicamento que está na prateleira depende dessa pesquisa básica que acontece na Universidade. Essa pesquisa, que pode demorar mais de seis anos, vai mostrar através de experimentos se determinada substância terá um efeito benéfico ou não”

O programa tem como base a pesquisa cientifica básica que é aquela que vai nortear as descobertas para novas possibilidades de tratamentos para doenças que ainda não tem um tratamento estabelecido ou que os tratamentos atuais ainda causam muitos efeitos colaterais. Segundo Maria Fernanda, os estudos são voltados para novos medicamentos, validação de plantas medicinais como medicamentos e o estudo de tratamentos de doenças ligadas a toxicologia e neurociências, por exemplo.  O programa que já existe há 19 anos, conta com 4 linhas de pesquisa: linha de produtos naturais, inflamação dor e febre, toxicologia e neurociências.

Entenda

Em nota, a Capes diz que o sistema para geração de folhas de pagamento “permaneceu fechado para ajuste da concessão de bolsas” neste mês, o que, na prática, significa o “recolhimento de bolsas que estavam à disposição das Instituições”. A Capes afirma, ainda, não ter o número exato das bolsas recolhidas. A decisão impede que novos candidatos recebam bolsas que tinham verba já liberadas e previstas para 2019. Segundo a Capes, o bloqueio não atinge estudantes cujos mestrados e doutorados estão em andamento.

Fonte: Brasil de Fato
Publicado em 27/05/2019

Pernambuco em defesa do SUS: população participa de 9ª Conferência Estadual de Saúde

A defesa da democracia e dos direitos sociais foram destaques na abertura da 9ª Conferência Estadual de Saúde de Pernambuco, realizada na terça-feira (21/05), em Olinda (PE). A conferência, primeira etapa estadual do processo de discussão que culminará na 16ª CNS, reuniu até sexta-feira (24/05), no Centro de Convenções de Pernambuco, cerca de 2 mil pessoas da região metropolitana, do campo, do sertão, do agreste, da zona da mata, quilombolas e indígenas para discutir propostas que garantam a existência e melhorias para o Sistema Único de Saúde (SUS).

 

 

O subfinanciamento do sistema e a revogação da Emenda Constitucional (EC) 95, que congela os investimentos em saúde pública até 2036, foram apontados pelos participantes como os principais desafios a serem enfrentados neste momento de retrocessos e perdas de direitos sociais.

A presidente do Sinfarpe e conselheira do CES/PE, Veridiana Ribeiro, ressaltou a importância da Assistência Farmacêutica e fez críticas ao governo federal e ao desmonte das leis trabalhistas, da saúde e da educação. Convocou a população a observar os parlamentares em Brasília para saber quais votarão a favor a da Reforma da Previdência.  E destacou a relevância das conferências: “Mais uma vez o Conselho Estadual de Saúde está fazendo história. Vamos levar propostas concretas para a 16ª Conferência porque não aceitamos retroceder”.

Para Priscilla Viégas, que é integrante da mesa diretora do Conselho Nacional de Saúde (CNS) representando da Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (Abrato), é fundamental resgatar a temática da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, como perspectiva e estímulo para garantir a existência do SUS como um projeto de sociedade.

“Que projeto de sociedade a gente quer? Estamos vivendo um grave momento de ataque aos direitos, às políticas sociais e aos princípios de solidariedade e da saúde. São princípios caríssimos. Nesse sentido, a conferência representa uma ampliação das relações entre a democracia representativa e participativa direta”, afirma Priscila.

“O que nos une aqui é a defesa da maior política de inclusão que o mundo tem, que é o SUS. Nossos adversários estão lá fora na defesa de um modelo que não nos interessa, mas estamos juntos para enfrentá-los”, afirmou o secretário municipal de Saúde de Recife, Jailson Correia.

A participação popular e o enfrentamento à proposta de reforma da previdência, apresentada pelo governo federal e que está em tramitação na Câmara dos Deputados, também foram destaques na cerimônia.

“É preciso defender o SUS como patrimônio brasileiro. O sistema não está ‘solto’, mas incluso na seguridade social, que também está sendo destruída”, aponta a representante da Rede de Mulheres de Terreiro Vera Baroni, que palestrou a conferência magna com o tema “Saúde não é favor. É direito! Pernambuco em defesa do SUS. Democracia para garantir as conquistas com participação popular”.

A Conferência Estadual de Pernambuco abre o calendário de etapas estaduais. Ela ocorre após a realização de 170 conferências municipais e quatro etapas macrorregionais, realizadas nos municípios de Serra Talhada, Olinda, Petrolina e Garanhuns, com a participação de usuários do SUS, trabalhadores, gestores e militantes da área da saúde.

Confira o calendário das conferências estaduais de saúde

Para o secretário estadual de saúde e presidente do Conselho Estadual de Saúde de Pernambuco, André Longo, os desafios do SUS são muitos, mas é preciso força para lutar contra as ameaças e conquistar novos avanços, com a participação popular. “Nós, do governo de Pernambuco, estaremos vigilantes a isso porque não há alternativa para o nosso povo que não seja o SUS”, afirma.

Hermias Veloso é um dos homenageados na 9ª CES

Um dos momentos mais emocionantes na abertura da 9ª Conferência Estadual de Saúde de Pernambuco (9ª CES) foi a homenagem feita a profissionais com histórias de luta e engajamento em Defesa do SUS no Estado. O farmacêutico Hermias Veloso da Silveira Filho foi um dos homenageados. Ao receber a placa de homenagem das mãos da também farmacêutica e conselheira estadual de saúde Veridiana Ribeiro, Hermias Veloso destacou que o Brasil vive um momento difícil, com ataques sem precedentes aos direitos à saúde, e conclamou todos os trabalhadores da saúde e se unirem na luta pela garantia do SUS.

Além de Hermias Veloso, também foram homenageadas pelo histórico de luta e engajamento em defesa do SUS as militantes Ana Cláudia Callou Matos e Inêz Maria da Silva. Hermias Veloso é graduado em Farmácia pela Universidade Federal de Pernambuco (1976). Foi conselheiro estadual de Saúde em vários períodos, representando o Sindicato dos Farmacêuticos de Pernambuco. Foi presidente do Sindicato dos Farmacêuticos de Pernambuco e conselheiro do Conselho Regional de Farmácia de Pernambuco, sempre com atuação marcada na defesa da saúde pública e dos trabalhadores.

Hermias Veloso é reconhecido nacionalmente por sua enfática atuação em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao logo de sua trajetória, prestou importantes serviços na área pública, contribuindo para a consolidação do SUS e para a adoção de uma política de medicamentos em Pernambuco e no Brasil.

Da redação com CNS e Sinfarpe
Publicado em 24/05/2019

No Brasil, hospitais psiquiátricos se tornam moradias por tempo indeterminado

Três décadas após o início da luta antimanicomial, governo Bolsonaro sinaliza o financiamento em modelo de internação.

O grito, o sofrimento e o abandono de pacientes internados com doenças mentais enfrentam dificuldades para chegar aos canais de denúncia. Isolados e apartados do convívio social, as violações aos direitos dessa população só chegam à justiça ou nos noticiários quando um familiar ou profissional resolve falar sobre a situação dos hospitais psiquiátricos ou comunidades terapêuticas.

O Brasil tem 15.532 leitos em hospitais psiquiátricos, além de 59 Unidades de Acolhimento e 1.475 leitos SUS em hospitais gerais, de acordo com Ministério da Saúde. Essa população fica na invisibilidade e muitos ficam internados por décadas, sem perspectiva de saída para o convívio social. No início dos anos 2000, havia 50 mil leitos.

“Internação é para casos agudos e de curta permanência. O problema é que esses hospitais não visam internação com prazo determinado. Esses pacientes se tornam moradores desses hospitais, porque não há uma preocupação com a alta e reinserção social”. É o que afirma a procuradora da república Lisiane Braecher, trabalha com a desistitucionalização de espaços de saúde mental.

Hospitalização tem cor

A Secretaria Estadual da Saúde informou que, no ano de 2014, a população totalizava 5.490 pessoas. Desde então, 66,5% delas já passaram por esse processo desinstitucionalização, contabilizando pessoas que passaram a residir em Serviços de Residência Terapêutica (SRT), retornaram ao convívio familiar ou faleceram devido à idade avançada.

No estado de São Paulo, 1.500 pacientes moram em hospitais psiquiátricos ou em hospitais de custódia, de acordo com Ministério Público Federal. “O atendimento varia de acordo com cada instituição, mas isso não interessa, porque hospital não é lugar para se morar. Essa pessoa tem o direito de um tratamento que vise a alta é o que prevê a lei”, diz a procuradora.

De acordo com último Censo Psicossocial, há proporcionalmente maior presença de negros em hospitais psiquiátricos paulistas, o que demostra os processos de preconceito, exclusão, abandono das populações mais vulneráveis.

No ano passado, a procuradora acompanhou a desativação de sete hospitais psiquiátricos da região de Sorocaba, que compunham o maior polo manicomial do país, com mais de 2,7 mil pacientes. Os quatro últimos pacientes da unidade deixaram o local para viver em residências terapêuticas – casas que abrigam até 10 egressos e contam com coordenador e equipe de cuidadores.

Após mais de 30 anos de esforços do Movimento de Luta Antimanicomial, os avanços estão em risco. Isso porque a internação volta à centralidade e o atendimento toma um rumo inverso do que estava sendo feito pela Política Nacional de Saúde Mental, por meio da desospitalização. É o que aponta o presidente do Conselho Federal de Psicologia, Rogério Giannini.

dia 18 de maio tem sido marcado por manifestações para denunciar a violência institucional e a exclusão das pessoas em sofrimento psíquico.

Na última sexta-feira (17), a Frente Estadual Antimanicomial São Paulo (Feasp) realizou o primeiro movimento #OcupeAlesp, reunindo uma série de atividades culturais e políticas em defesa do SUS, da Reforma Psiquiátrica e contra o projeto de lei aprovado no Senado Federal que cria uma nova política de drogas e a sinalização da volta dos manicômios. Parlamentares do campo progressista, usuários dos serviços de saúde mental, familiares e trabalhadores participaram da programação #OcupeAlesp, que definiu a criação de uma Subcomissão de Saúde Mental e Drogas na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.

Retrocessos

Em fevereiro, o Ministério da Saúde publicou um documento com 32 páginas sobre as mudanças na Política de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas que abrange o atendimento a pessoas com necessidades relacionadas a transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, incluindo dependência de substâncias psicoativas (álcool, cocaína, crack e outras drogas).

A nota técnica que orientava a compra de aparelhos no SUS, além de pregar abstinência como tratamento a pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, além de leitos psiquiátricos infantis, causou polêmica entre profissionais e especialistas da área e foi retirada do site oficial do Ministério da Saúde, dois dias depois.

A lei 10.216, de 2001, que estabelece a Política Nacional de Saúde Mental, também conhecida como Lei Paulo Delgado, extinguiu o modelo de internação compulsória e os manicômios pelo tratamento em liberdade, numa Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que envolva a reinserção social com a participação da família e a internação por curta permanência quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

A lei propõe a substituição das práticas de internação por outros tipos de serviços, tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os leitos de saúde mental em enfermarias de hospitais gerais, equipes de consultórios de rua, unidades básicas de saúde, centros de convivência e residências terapêuticas.

MPF em alerta

Para a procuradora, as portarias do Ministério da saúde sobre Saúde Mental ameaçam não só a Reforma Psiquiátrica, mas os avanços na atenção psicossocial e no SUS.  “A internação é para casos agudos ou graves que representa cerca de 20% dos casos, e deixam de se preocupar com os outros equipamentos que ajudariam a evitar que transtornos mais leves se tornem casos de intervenção. Você está colocando mais dinheiro para atender menos pessoas, ao invés de evitar o agravamento, isso já é preocupante.”

Outra preocupação do Ministério Público Federal é que as novas orientações do governo federal apontam para o financiamento de hospitais onde tem pessoas institucionalizadas. “As comunidades terapêuticas não são fiscalizadas, não tem nenhum instrumento que prevê a fiscalização desses locais, explica a coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde Mental da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal”, ressalta.

Gianini explica que ainda existe no imaginário popular a imagem de loucos espalhados em um pátio, catatônicos, embotados, delirantes, andando para lá e para cá. “Esse é o efeito da institucionalização e não a causa da internação, como muitas vezes é entendido. A experiência [na Rede de Atenção Psicossocial] tem demostrando o quanto é benéfico promover espaços de cidadania e encontros. É a liberdade que cura e isso é o tratamento.”

Por meio de nota, o Ministério da Saúde informou que ainda não há mudanças em discussão na Política Nacional de Saúde Mental e sim um trabalho para implementação e fortalecimento da RAPS, e implantação e qualificação dos serviços redefinidos na Portaria de dezembro de 2017.

Para este ano, a previsão orçamentária da pasta para a Saúde Mental é de cerca de R$ 1,6 bilhão destinada às ações da RAPS.

Investindo em maus-tratos

O Conselho Federal de Psicologia e o Ministério Público Federal compartilham da preocupação com o financiamento do atual governo em comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos.

Vinte e oito comunidades terapêuticas foram vistoriadas nas cinco regiões do país em 2017, em ação conjunta do Ministério Público Federal, do Conselho Federal de Psicologia e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Foram encontradas violações como: privação de liberdade, trabalhos forçados e internação de adolescentes, uso de castigos estão entre as violações identificadas em comunidades terapêuticas.

O documento evidencia o uso que vem sendo feito de comunidades terapêuticas como locais em que se retoma o modelo de asilamento de pessoas com transtornos mentais, superado no Brasil pela Reforma Psiquiátrica Antimanicomial.

As comunidades terapêuticas surgiram à margem do sistema público, como espaços religiosos de atendimento a usuários de álcool e drogas. Elas pregam a abstinência, a reclusão dos pacientes e não há Plano Terapêutico Singular – o contrário da assistência nos serviços da Rede de Atenção Psicossocial.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Ministério Público e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura constataram que muitos dos pacientes não estão necessariamente precisando estar nesses espaços.

“Os pacientes dos hospitais psiquiátricos vivem em situação de abandono e extrema pobreza e muitas vezes o problema se cronifica pela internação. Elas não vivem em surtos permanentes, mas não são pessoas que perderam relações sociais e que acabam indo e morando nos manicômios”, afirma o presidente do CFP.

Ao longo de quatros anos, entre 2014 e 2018, a Pastoral Carcerária realizou visitas semanais de caráter humanitário e religioso em três hospitais de custódia do estado de São Paulo. O registro de relatos de funcionários e presos resultou no relatório Hospitais-Prisão: notas sobre os manicômios judiciais de São Paulo nos hospitais sendo dois em Franco da Rocha e outro em Taubaté.

“São espaços híbridos com características de um hospital e uma prisão e carrega o que tem de pior de cada um dos estabelecimentos. Tem equipamentos de segurança, grades, revistas e um imóvel controle de uma unidade prisional, mas também toda essa faceta de manicômios, de medicalização excessiva. Esses espaços ficaram esquecidos até pela reforma psiquiátrica, o que motivou a pastoral a fazer esse documento, explica Luísa Cytrynowicz, do Grupo de Trabalho Saúde Mental e Liberdade, da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo.

Entre as violações constadas estão a medicalização excessiva dos pacientes-detentos, o isolamento em relação a familiares; a ausência de atividades recreativas e educativas, entre outras.

Segundo advogada da Pastoral, umas das violações que acontecem de forma mais acentuada com as mulheres é a medicalização dos sentimentos. “Elas começam a chorar e são medicadas. Qualquer demonstração de sentimentos, mais do que naturais do que pra pessoas estão isolados e não são tolerados e são medicados.”

O caminho é olhar experiências exitosas como em Goiás, que criou o Programa de Atenção Integral ao Louco-Infrator (Paili) que trata pacientes presos em liberdade. “São equipamentos da rede de atenção que atendem sem aprisionar. O aprisionamento só causa sofrimento”, completa.

Memória da saúde mental no Brasil

Ao chegar ao hospício, suas cabeças eram raspadas, suas roupas arrancadas e seus nomes descartados. Epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas de forma violenta. A maior dos pacientes foram internados a força, sendo que 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Trinta e três eram crianças.

Esse é um dos trechos do livro-reportagem “Holocausto Brasileiro – Vida, Genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil”, da jornalista Daniela Arbex, que narra a barbárie no hospício Colônia, em Barbacena, Minas Gerais.

Após uma série de denúncias contra os hospícios psiquiátricos mineiros, em 2009 a jornalista teve acesso a um conjunto de fotos de Luiz Alfredo, publicadas há 50 anos na revista “O Cruzeiro”. O livro, publicado em 2013, reconstrói a história da saúde mental no Brasil pelo olhar de ex-funcionários e os 160 sobreviventes de Colônia.

“Os sobreviventes passaram mais de 50 anos institucionalizados, ao saírem do hospício e terem oportunidade de se reconstruir socialmente, essa pessoas puderam superar o que viveram e elas buscaram continuar a sonhar, isso me impressionou muito. Só reforçou a minha crença de que não existe outro caminho senão o tratamento em liberdade. As pessoas que passaram pelo Colônia, hoje vivem em residências terapêuticas em Barbacena. Como a experiência do tratamento em liberdade ela devolve dignidade para o sujeito”, relata a jornalista.

O caso da Elzinha exemplifica o que um outro modelo de atendimento pode significar na vida das pessoas. “Ela foi estuprada em um hospital psiquiátrico, passou mais de três décadas no Colônia e o sonho da vida dela era ter um sofá vermelho. Quando fui fazer a entrevista, ela estava nesse sofá na residência terapêutica. Pensei se eu tivesse passado por tudo que ela passou, se eu tinha condições de sonhar. E ela passou a fazer hidroginástica, a frequentar mercadinhos do bairro, a viajar ou seja saiu da invisibilidade e começou a viver”, relembra.

Para Arbex, “não existe manicômio bonzinho, essa ideia de que a gente vai voltar a ter espaços humanizados é uma balela, porque é impossível manter um espaço humanizado se você desumaniza o sujeito, quando você segrega, isola”.

Ela também avalia que o outro modelo de assistência antimanicomial pode ter prejudicado financeiramente grupos que controlam hospitais e outros serviços que trabalham na lógica de internação. “Por isso eles foram tão enfáticos contra as redes substitutivas e os serviços da reforma psiquiátrica”, conclui.

Fonte: Brasil de Fato, por Anelize Moreira
Publicado em 20/05/2019

Cortes na Educação atingem hospitais universitários

Paradas as obras de equipamentos de Saúde que vão servir a 2,7 milhões de pessoas. O corte, quer dizer, o ‘contingenciamento’ na educação fez com que fossem bloqueados R$ 40 milhões destinados a obras em três hospitais universitários: em Natal, em Palmas e em Dourados (MS).

Toda essa verba era proveniente de emendas parlamentares. Se concluídas, as obras vão abrir 755 novos leitos e beneficiar 2,7 milhões de pessoas. A informação é do repórter Carlos Monteiro, no UOL.

No caso do Tocantins, havia R$ 12 milhões previstos no orçamento deste ano, e o custo total é de R$ 120 milhões para construir o novo hospital. Segundo a UFT, os problemas de financiamento são antigos, e o dinheiro deste ano havia saído via emenda parlamentar. A verba toda foi bloqueada.

Em Natal, o bloqueio também foi de 100%  e, de acordo com a UFRN, aconteceu antes do grande corte anunciado pelo ministro. Lá o atingido foi o Hospital da Mulher.

E também em Dourados a obra parada é a da Unidade da Mulher e da Criança, uma ampliação do hospital universitário que seria concluída em outubro para atender a 33 municípios. Lá, foram contingenciados 62% dos recursos destinados à construção. O Mato Grosso do Sul é terra do ministro da Saúde, Mandetta. Ele visitou as obras em março e garantiu que ia se empenhar para que não faltassem recursos.

Amanhã deve ser analisado mais um bloqueio orçamentário de cerca de R$ 5 bilhões. Diante dos protestos, a equipe econômica de Jair Bolsonaro avalia deixar a saúde e a educação de fora. A verba da Saúde, inclusive, já está bem perto do mínimo constitucional, segundo a matéria do Estadão.

Enquanto isso, alheio à crise econômica, cresce o segmento de hospitais privados de luxo, conta a matéria do Estadão. O maior investimento recente foi feito pela Rede D’Or São Luiz, que já abriu unidades em São Paulo e no Rio e vai inaugurar outra em Brasília. As três custaram UR$ 1 bilhão. São hospitais menores, com cerca de cem leitos cada. Mas com elementos de conforto que vão de de quartos de 60 metros quadrados a comida de chefs e lençóis 400 fios.

Fonte: Outra Saúde
Publicado em 20/05/2019

Zolgensma, o tratamento de 2 milhões de dólares. Vamos tratar as crianças ou a indústria? Por Jorge Bermudez

A agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos, FDA, acaba de aprovar o medicamento mais caro do mundo. Para tratar uma criança com Atrofia Muscular Espinhal (AME), a voracidade da indústria farmacêutica não tem limites e o tratamento vai custar nada menos que 2,1 milhões de dólares, com o mais recente lançamento da terapia genética, o Zolgensma.

 

 

Cada vez mais, as grandes empresas farmacêuticas compram pequenas indústrias e seu portfólio de produtos e tentam recuperar esses investimentos em pouco tempo, estabelecendo preços fictícios, que não correspondem aos custos reais. Há uma diferença muito grande entre custos e preços. Mais grave do que isso, existem exemplos de produtos desenvolvidos em universidades norte-americanas com cessão de patentes à indústria, gerando monopólios e preços descabidos. De acordo com a organização KEI (das iniciais em inglês de Knowledge Ecology Internacional, ou Ecologia do Conhecimento Internacional, organização não governamental sem fins lucrativos voltada a populações mais vulneráveis, que busca melhores resultados e soluções, para o gerenciamento de recursos de conhecimento), o Zolgensma foi desenvolvido em um hospital infantil com recursos públicos.

A AME já vem sendo tratada no Brasil, inicialmente, por conta de demandas judiciais, com o medicamento Nusinersena (Spinraza), que custa aproximadamente R$ 1,3 milhões anualmente. O ministro da Saúde assinou, em abril, a portaria de incorporação do Spinraza na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) para pessoas com AME.

Cifras como a pleiteada para este medicamento nos parecem fora de qualquer realidade e se tornam proibitivas, mesmo em países ricos. Não se trata de proteção patentária para recuperar recursos investidos em pesquisa e desenvolvimento, mas de lucro extorsivo e desmedido

Não é por acaso que uma das principais polêmicas durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada de 20 a 28 de maio 2019, em Genebra, foi uma proposta de Resolução apresentada por diversos países (Egito, Grécia, Itália, Malásia, Portugal, Sérvia, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Turquia e Uganda) exigindo maior transparência dos mercados de medicamentos, vacinas e outras tecnologias de saúde. A proposta foi precedida por uma Carta Aberta de entidades da sociedade civil e personalidades e fortemente criticada e combatida pelos representantes da indústria farmacêutica e delegados de países centrais. A transparência, por sinal, foi um forte componente das recomendações do Relatório do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em acesso a medicamentos (ver aqui e aqui), tornado público em setembro de 2016.

Os monopólios, de fato ou de direito, levam à fixação de preços elevados e constituem barreiras ao acesso das nossas populações a medicamentos, impedindo a competição genérica. O tratamento com o Zolgensma que totaliza US$ 2,125 milhões, tem custo anual de US$ 425 mil, ao longo de cinco anos. Cifras como a pleiteada para esse medicamento nos parecem fora de qualquer realidade e se tornam proibitivas, mesmo em países ricos. Não se trata de proteção patentária para recuperar recursos investidos em pesquisa e desenvolvimento, mas de lucro extorsivo e desmedido. Até onde vai a cobiça desse setor? A pergunta que se faz necessária é: vamos tratar as crianças ou a indústria?

* Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz); Membro do Painel de Alto Nível do Secretário-Geral das Nações Unidas em Acesso a Medicamentos.
Fonte: Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz
Publicado em 28/05/2019

Abril Verde: MPT lança série de vídeos para alertar sobre acidentes de trabalho

Campanha “Não vire manchete!” integra ações do mês de conscientização da importância da proteção à saúde dos trabalhadores.

 

 

“Trabalhadora tem perna amputada por falta de equipamento de proteção coletiva”, “Operário cai de prédio, perde a capacidade de trabalhar e é aposentado por invalidez” ou “Falta de organização em obra resulta em acidente grave” são apenas alguns dos casos de acidentes de trabalho divulgados diariamente pela imprensa ou nas redes sociais.

Na busca de prevenção e conscientização de empregadores e trabalhadores por melhores condições de trabalho e de saúde do trabalhador, o Ministério Público do Trabalho (MPT) lança hoje, 26 de março, às 14h, a série “Não vire manchete!” na página oficial do MPT no facebook (@mpt.br). Serão cinco vídeos, lançados um por semana, a cada segunda-feira, contemplando todo o mês de abril.

Os vídeos integram a Campanha Abril Verde, cujo evento de lançamento oficial está marcado para o dia 5 de abril, às 14h, no auditório do segundo andar da Procuradoria Geral do Trabalho (PGT), em Brasília. Ações, eventos, palestras e exposições sobre o tema serão promovidos por todo o país. Durante o mês, também será lançada uma nova revista da série “MPT em Quadrinhos” especificamente sobre a campanha.

Segundo dados extraídos do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, entre os anos 2012 e 2017, a Previdência Social gastou mais de 26 bilhões de reais com benefícios acidentários. Além disso, foram perdidos 305.299.902 dias de trabalho com afastamentos previdenciários. No mesmo período, houve o registro de cerca de quatro milhões de acidentes notificados, dos quais apenas 646 mil em média por ano envolvem trabalhadores da economia formal. Os prejuízos são ainda maiores, porém a subnotificação é muito expressiva.

A maior parte dos acidentes e mortes no trabalho ocorre com homens na faixa etária de 18 a 24 anos e exercem atividades de baixa remuneração. O levantamento também revela que, no decorrer desses últimos cinco anos, o número de acidentes fatais com máquinas e equipamentos (1897) é três vezes maior do que a média das outras causas (677); e as amputações (22899) são 15 vezes mais frequentes do que a média geral (1471).

O coordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat) e procurador do MPT, Leonardo Osório Mendonça, destaca a participação do órgão ministerial na luta pela criação de uma cultura de respeito às normas de segurança, saúde e higiene do trabalho.  “O Ministério Público do Trabalho tem procurado atuar nas principais causas de adoecimentos e mortes no trabalho em nosso país, como forma de redução destes alarmantes números da acidentalidade no trabalho”, afirma.

No entanto, o procurador adverte ser “importante a mudança cultural de empresários, trabalhadores e da população em geral, para que todos percebam os prejuízos causados para a sociedade brasileira, em todos os aspectos, face a quantidade de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais ainda existentes em nosso país. Todos devem perceber que a efetiva prevenção é o único caminho para redução dos números. Espera-se que esta série de vídeos auxilie nesta importante mudança cultural”, acrescenta.

Série

A campanha publicitária consiste numa série de cinco vídeos, com o lançamento de um episódio por semana. Em cada um dos VTs há depoimentos de atores e narração de um locutor, visando promover uma reflexão sobre o tema abordado, assim como o incentivo às denúncias ao MPT em caso de irregularidades trabalhistas.

Os vídeos possuem duração de 30 segundos e serão exibidos na fanpage do Ministério Público do Trabalho (@mpt.br) no facebook. Para diferenciar cada uma das histórias na produção audiovisual, foram inseridos meios de comunicação distintos nos cinco episódios da série: rádio, televisão, smartphones, jornais impresso e on-line.

Recursos financeiros

Os recursos para o financiamento da produção desses vídeos resultam da Ação Civil Pública nº 0109900-53.2013.5.17.0004, da 4ª Vara do Trabalho de Vitória/ Espírito Santo.

Cronograma de lançamento (sempre às 14h)

26 de março – Episódio 01: Não vire manchete de TV!

2 de abril – Episódio 02: Não vire manchete de rádio!

9 de abril – Episódio 03: Não vire manchete de internet!

16 de abril – Episódio 04: Não vire manchete de jornal!

23 de abril – Episódio 05: Não vire manchete das redes sociais!

Se preferir, acesse aqui a página oficial do MPT no facebook.

Fonte: MPT
Publicado em 15/04/2019